A contratação de obras e serviços de engenharia através da modalidade pregão

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Sob o ponto de vista dos princípios constitucionais aplicáveis à administração pública, a modalidade de licitação denominada de Pregão representa importante instrumento voltado para o alcance efetivo do Principio da Moralidade e da Eficiência.

RESUMO

Sob o ponto de vista jurídico e, em especial pelos princípios constitucionais aplicáveis à administração pública, a modalidade de licitação denominada de Pregão representa importante instrumento voltado para o alcance efetivo do Principio da Moralidade e da Eficiência no serviço público. A discussão prática mais importante que envolve a modalidade Pregão é a exegese sobre o alcance da modalidade para os serviços e obras de engenharia. Nesse diapasão, o presente artigo pretende analisar os aspectos jurídicos, a doutrina e a jurisprudência acerca da possibilidade de aplicação do instituto do Pregão para serviços e obras de engenharia.   

Palavras-chave: Licitação. Pregão. Obra. Serviço. Engenharia.

OBJETO DA LICITAÇÃO NA MODALIDADE PREGÃO

Quando instituído pela Medida Provisória n° 2.026/2000, o pregão assim foi definido:

Art. 2º. Pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns, promovida exclusivamente no âmbito da União, qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública.[1]

Ao regulamentar a referida Medida Provisória, o Decreto Federal n° 3.555/2000, em seu artigo 5º do Anexo I, vedou expressamente a aplicação da modalidade pregão para obras e serviços de engenharia:

Art. 5º. A licitação na modalidade de pregão não se aplica às contratações de obras e serviços de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral, que serão regidas pela legislação geral da administração.[2] (g.n.)

A Lei do Pregão - Lei nº 10.520/2002, convertendo a aludida Medida Provisória, prevê no caput do seu artigo 1º, que a utilização do pregão será para aquisição de bens e serviços comuns: “Para aquisição de bens e serviços comuns poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta lei”.[3]  

Sobre o objetivo da Lei nº 10.520/2002 Rolf Dieter Braunert, assim se manifesta:

O objetivo da Lei, ao reservar o Pregão para aquisição de bens e serviços comuns, é assegurar à Administração a possibilidade de rejeitar de plano os bens e serviços comuns em desacordo com as especificações definidas em contrato, antes de efetuar qualquer pagamento.[4]

Quando o pregão foi regulamentado na forma eletrônica, pelo Decreto Federal nº 5.450/2005, este definiu em seu artigo 6º que: “A licitação na modalidade de pregão, na forma eletrônica, não se aplica às contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral”.[5]

Nota-se que o objeto da licitação na modalidade pregão, segundo os artigos citados acima , sem levar em consideração as restrições, é a obra, o serviço ou a compra (bem). Primeiramente faz-se necessário mencionar as definições descritas no artigo 6º da Lei 8.666/1993:

Artigo 6º. Para os fins desta Lei, considera-se:

I - Obras - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;

II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;

III - Compra - toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente; […] [6]

Portanto, as três definições não se confundem, conforme bem expressa Rolf Dieter Braunert:

Percebe-se claramente que obra, serviço e bens não se misturam, por serem de natureza diversa, e a própria Lei os definiu e os considerou separadamente. Assim sendo, institui-se que não se pode e nem se deve, sob hipótese alguma considerar um serviço como obra, obra como serviço, ou um bem como serviço, ou vice versa.[7]

Depois de esclarecidos os conceitos passar-se-á a análise das restrições para utilização da modalidade em estudo.

RESTRIÇÕES PARA UTILIZAÇÃO DA MODALIDADE PREGÃO

A Lei nº 10.520/2002 em nenhum momento menciona expressamente a vedação da utilização da modalidade pregão para contratação de obras e serviços de engenharia, mas condiciona a sua utilização em licitações cujos objetos sejam bens ou serviços comuns.

Já o artigo 5º do anexo I do Decreto Federal nº 3.555/2000, descrito anteriormente, traz expressamente tal vedação, sendo esta a justificativa dos doutrinadores que sustentam a proibição da contratação de obras e serviços de engenharia pela modalidade pregão.

Segundo José Maria Pinheiro Madeira:

O pregão não pode ser utilizado para obras e serviços de engenharia, para locações, vendas e alienações, sendo a razão disto a vedação do art. 5º do regulamento. (g. n.)[8] 37

Quanto à vedação expressa no Decreto Federal nº 3.555/2000, pode-se afirmar que perdeu sua eficácia, uma vez que, como já dito, referido decreto foi editado para regulamentar a Medida Provisória nº 5.450/2002 e esta foi convertida na Lei 10.520/2002 e embora a citada lei não o tenha revogado, somente continuam em vigor os dispositivos que estiverem em conformidade com a mesma, pois nenhum decreto pode criar vedações não previstas na lei para o qual foi instituído. Para Ivan Barbosa e Marco Tullio:

Segue assim o lamentável decreto, que não deve servir jamais de inspiração a regulamentos internos de pregão que em boa técnica cada ente público deve elaborar. Faça-o, sim, mas com base na lei do pregão, e jamais do Decreto n. 3.555/2000, que em grande parte, como se viu, contraria abertamente a regra que lhe deu supedâneo.[9]

O Decreto Federal nº 5.450/2005, que regulamenta o pregão eletrônico, prevê somente a vedação da utilização do pregão para obras de engenharia, não mencionando em nenhum momento a sua utilização para contratação dos serviços de engenharia.

Dessa forma, tanto a Lei nº 10.520/2002 quanto o Decreto nº 5.450/2005 vedam a utilização da modalidade pregão para obras de engenharia. O citado Decreto o faz de forma expressa e a referida lei ao afirmar que somente se aplica para licitações cujos objetos sejam bens e serviços comuns, excluindo por omissão, portanto, qualquer obra. Assim sendo, a contratação de obras pela modalidade pregão não é autorizada. No que se refere aos serviços de engenharia, poderão ser contratados através da modalidade pregão desde que sejam caracterizados como serviços comuns, conforme se analisará adiante.

Nesse diapasão, José dos Santos Carvalho Filho afirma que:

O objeto do pregão não tem a amplitude das modalidades gerais previstas no Estatuto. Destina-se a nova modalidade apenas à aquisição de bens e à contratação de serviços comuns, como dispõe o art. 1º da Lei nº 10.520/2022. Estão fora, por conseguinte, as hipóteses de contratação de obras públicas e de bens e serviços não qualificados como comuns. (grifo do autor[10])39

Seguindo esse raciocínio, segue palavras de José Maria Pinheiro Madeira:

A norma é bastante clara ao dispor sobre a restrição: só para bens e serviços comuns é facultado o uso de pregão; para os demais, não comuns, o uso do pregão está implicitamente vedado.[11]

A amplitude do conceito de serviços comuns é que ensejou grandes polêmicas na utilização da modalidade de licitação em estudo.

DEFINIÇÕES DE BENS E SERVIÇOS COMUNS

A própria Lei do Pregão, no parágrafo único do seu artigo 1º, conceitua os bens e serviços comuns: “consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.[12]

Observa-se que a definição dada pela lei é vaga, cabendo à doutrina fazer a interpretação do referido dispositivo legal com o fim de alcançar seu verdadeiro conteúdo e segundo José dos Santos Carvalho Filho “a definição legal sobre o que são bens e serviços comuns está longe de ser precisa, haja vista que as expressões nela contidas são plurissignificativas”.[13]

Nas palavras de Hely Lopes Meirelles:

O conceito legal é insuficiente, visto que, a rigor, todos os bens licitados devem ser objetivamente definidos, em descrição sucinta e clara (Lei 8.666/1993, art. 40, I). O que caracteriza os bens e serviços comuns é sua padronização, ou seja, a possibilidade de substituição de uns por outros com o mesmo padrão de qualidade e eficiência [...][14]

Buscando a definição de bens e serviços comuns Alessandro Dantas Coutinho assim se manifesta:

[...] poderá se utilizar a modalidade licitatória pregão sempre que a Administração puder localizar no mercado, sem qualquer dificuldade, o objeto de que necessita. Ademais, pode-se dizer também que o bem ou serviço será comum quando for padronizado [...][15]

O resultado imediato da padronização consiste na ausência de variação das características do objeto a ser selecionado. Um bem ou serviço é “comum” quando suas qualidades e seus atributos são pré-determinados com características invariáveis ou sujeitos a diferenças mínimas e irrelevantes.

Portanto, são os bens de aquisição rotineira e habitual, cujas características encontrem no mercado padrões usuais de especificação e envolvendo critérios de julgamento rigorosamente objetivos.

Para o doutrinador Madeira:

Quando se fala em comprar uma mesa, todos sabem de que se trata. Quando a compra é de tijolos, telhas ou tubos para conexão, todos sabem a que se refere ainda que não seja um engenheiro. Essa é a ideia que a lei quis passar quando fala em bens comuns. São aqueles bens que se conhece e identifica pelo simples nome, pois é assim sabido no mercado.[16]

Alessandro Dantas Coutinho em sua obra sobre licitações afirma que serviços comuns:

São todos aqueles que não exigem habilitação especial para sua execução. Podem ser realizados por qualquer pessoa ou empresa, pois não são privativos de nenhuma profissão ou categoria profissional.[17]

Para melhor compreensão, de se diferenciar um bem ou serviço como comum ou incomum, segue exemplo citado pelo Doutrinador José Maria Pinheiro Madeira:

Um exemplo permite compreender melhor a distinção. Um programa de computador pode ser um bem comum, quando se tratar do chamado software de prateleira. Suponha-se que a Administração resolva adquirir um aplicativo para processamento de texto, reconhecendo a ausência de necessidade de qualquer especificação determinada. Existem diversos produtos no mercado, que podem ser fornecidos à Administração sem qualquer inovação ou modificação. A hipótese configura um bem comum. Imagine-se, no entanto, que a Administração necessite do desenvolvimento de um programa destinado a fins especiais, tal como um gerenciador de banco de dados para aposentados. Deverá produzir-se contratação de serviços especializados, cujo resultado poderá não ser único – mas que envolverá uma prestação sob medida para a Administração. Esse não será um serviço licitável por meio de pregão.[18]

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Diante do exposto, um bem ou serviço será considerado comum quando não necessitar de descrição com muitos detalhes, pois, na hipótese de necessidade de maior detalhamento para ser identificado, deixará de ser comum.

Vale destacar que o Decreto Federal nº 3.555/2000 relacionava, em seu Anexo II, uma lista de bens e serviços comuns que podiam ser licitados através do pregão. Porém, referido anexo foi revogado pelo Decreto nº 7.174/2010 que regulamenta a contratação de bens e serviços de informática. A citada lista que estava descrita no Decreto Federal nº 3.555/2000 era apenas exemplificativa e servia para orientar o administrador na identificação do bem ou do serviço comum. O anexo considerava praticamente todos os bens e serviços como comuns, estando poucos fora da relação, significando que o pregão podia ser adotado em grande escala.

CONTRATAÇÃO DE OBRAS DE ENGENHARIA PELA MODALIDADE PREGÃO

O conceito de obra, conforme exposto anteriormente está previsto no artigo 6º da Lei nº 8.666/1993 que reza que obra é toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta.

Diante de todo o exposto e por força legal, o entendimento majoritário é de que obras de engenharia estão excluídas de plano da modalidade pregão, não por força da vedação prevista no artigo 5º do Anexo I do Decreto Federal nº 3.555/2000 que Regulamenta o pregão, pois como visto referida vedação não está prevista na Lei nº 10.520/2002 que rege a modalidade pregão, não podendo, dessa forma, nenhum decreto contrariar a regra que lhe deu supedâneo, mas sim por que:

i) Primeiramente o artigo 1º, caput da Lei nº 10.520/2002 condiciona a utilização da modalidade pregão apenas quando o objeto se tratar de bens e serviços comuns;

ii) Segundo porque, embora em nenhum momento a Lei nº 10.520/2002 mencione a vedação da obra de engenharia, está excluída implicitamente da possibilidade de ser contratada por meio de pregão, uma vez que como visto anteriormente, nenhuma obra, qualquer que seja se insere no conceito de bem ou de serviço.[19]

Quanto ao pregão realizado na forma eletrônica, não resta dúvida a vedação, uma vez que, o Decreto Federal nº 5.450/2005 que regula o pregão eletrônico, prevê expressamente que esta forma de pregão não se aplica às contratação de obras de engenharia.

Sob este prisma, a contratação de obras de engenharia não pode ser contratada pela modalidade de licitação pregão e conforme bem expõe Jorge Ulisses Jacoby Fernandes “a Lei n° 10.520/2002 estabelece que o pregão pode ser utilizado para a contratação de bens e serviços comuns. Excluída está, portanto, a contratação de obra, por mais comum que seja”.[20]

CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENGENHARIA PELA MODALIDADE PREGÃO

Primeiramente faz-se mister destacar que existe distinção clara entre serviço e serviço de engenharia. Nas palavras de Rolf Dieter Braunert:

(i) os serviços são definidos pela Lei Federal como: “Toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais” e (ii) serviços de engenharia são os serviços que só podem ser contratados com os profissionais ou empresas que atendam às disposições da Lei Federal 5.194 de 24.12.1966 e satisfaçam as disposições do CONFEA/CREA. A isto equivale afirmar que todo e qualquer serviço a ser executado que necessite obrigatoriamente de uma empresa de engenharia ou um profissional técnico habilitado com atribuição específica, imposta pela Lei Federal 5.194/66 e/ou Resoluções do CONFEA, com conseqüente obrigatoriedade de recolhimento de ART, é um serviço de engenharia. (grifo do autor)[21]

Uma vez definidos os conceitos de serviço e serviços de engenharia, passar-se-á a análise da possibilidade da contratação de serviços de engenharia através da modalidade pregão, eis que o assunto é envolvido por várias polêmicas.

Retomando-se à Lei nº 10.520/2002 e ao Decreto Federal nº 5.450/2005, como já mencionado, estes não trazem, em seus dispositivos, qualquer vedação sobre tal possibilidade; ao contrário do Decreto nº 3.555/2000 que aborda expressamente a vedação, mas que já foi superada nos tópicos anteriores, restando apenas à análise do que dispõe a Lei do pregão.

O artigo 1º da Lei nº 10.520/2002, além de não trazer tal vedação permite a aquisição de serviço pela modalidade pregão, quando se tratar de serviço comum. Portanto, um serviço de engenharia, por ser um serviço, poderá ser contratado através da modalidade pregão, desde que seja caracterizado como um serviço comum.

Este entendimento está consagrado em vários acórdãos do Tribunal de Contas da União, fazendo-se mister a citação de alguns:

REPRESENTAÇÃO FORMULADA POR LICITANTE. POSSÍVEIS. IRREGULARIDADES PRATICADAS PELO SERPRO NA REALIZAÇÃO DE PREGÃO. ALEGAÇÃO DE QUE OS SERVIÇOS CONTRATADOS SÃO CONSIDERADOS COMO DE ENGENHARIA PELO CONFEA/CREA, E DE QUE O DECRETO Nº 3.555/2000 VEDA A UTILIZAÇÃO DA MODALIDADE PREGÃO PARA TAIS OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA. CONSTATADA A NATUREZA DE BENES DE SERVIÇOS COMUNS DAQUELES CONSTANTES DO OBJETO DO REFERIDO PREGÃO.  CONHECIMENTO. IMPROCEDÊNCIA. ARQUIVAMENTO.[22]

REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADES APONTADAS. MODALIDADE PREFERENCIAL. POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ENGENHARIA POR PREGÃO. IMPROCEDÊNCIA.

1. Considera-se improcedente representação, tendo em vista que as supostas irregularidades apontadas não restaram comprovadas, acolhendo-se as razões de justificativa dos responsáveis.

2. A administração deve dar preferência à modalidade de licitação pregão, não obstante o caráter facultativo que lhe confere a Lei nº 10.520/02. A adoção de outra opção deve ser devidamente justificada.

3. A Lei nº 10.520/2002 não exclui previamente a utilização do Pregão para a contratação de serviço de engenharia, determinado, tão-somente, que o objeto a ser licitado se caracterize como bem ou serviço comum. As normas regulamentares que proíbem a contratação de serviços de engenharia pelo Pregão carecem de fundamento de validade, visto que não possuem embasamento na Lei nº 10.520/2002.[23]

LICITAÇÃO. REPRESENTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENGENHARIA POR PREGÃO ELETRÔNICO. POSSIBILIDADE LEGAL. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO

A Lei 10.520/2002 e o Decreto 5.450/2005 amparam a realização de pregão eletrônico para a contratação de serviços comuns de engenharia.[24]

REPRESENTAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO. SERVIÇO DE ENGENHARIA. CONHECIMENTO. IMPROCEDÊNCIA.

1. Admite-se a realização de pregão eletrônico para a contratação de serviços comuns de engenharia, ou seja, aqueles serviços cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.[25]

REPRESENTAÇÃO. REALIZAÇÃO DE LICITAÇÃO NA MODALIDADE PREGÃO PARA A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENGENHARIA DO PROPRIETÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCEITUAÇÃO DOS SERVIÇOS COMUNS E DE APLICAÇÃO DA LEI Nº 10.520/2002.

CONHECIMENTO. REPRESENTAÇÃO PROCEDENTE. DETERMINAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO DE LICITANTE SELECIONADO PELO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. COMUNICAÇÕES. JUNTADA DOS AUTOS ÀS CONTAS ANUAIS.

1. A realização de licitação na modalidade pregão não se configura instrumento hábil à aquisição de bens e serviços incomuns.

2. O gestor, ao classificar bens e serviços como comuns, deverá se certificar de que a complexidade das especificações não encetará insegurança ao adimplemento contratual pelos potenciais contratados em face da inexistência da habilitação prévia.[26]

Destarte, depois desses e outros vários precedentes e julgamentos reiterados e uniformes, o Tribunal de Contas da União converteu na Súmula nº 257/2010 o entendimento pacificado, no sentido de que “o uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002”.[27]

Diante de citados acórdãos, denota-se que o Tribunal de Contas da União entende ser permitido o uso de pregão quando o objeto se tratar de serviços comuns de engenharia, mas não o obriga, não obstante a preferência que deve ser dado ao mesmo. A doutrina diverge sobre o assunto e alguns afirmam que é realmente uma faculdade da Administração escolher ou não o pregão quando o objeto for a aquisição de bens e serviços comuns.

Para Hely Lopes Meirelles:

[...] não está a Administração obrigada a realizar o pregão toda vez que desejar obter um bem ou serviço de interesse comum. Poderá optar por qualquer outra das modalidades, desde que o interesse público assim aconselhe. O pregão é mais uma opção que a lei lhe concede – o que se deduz da leitura do art. 1º da Lei 10.520/2002: “Para a aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta lei”. (grifo do autor)[28]

Vale destacar que o artigo 5º do Decreto Federal nº 5.450/2005, que regulamentou em âmbito federal o pregão na forma eletrônica, prescreve que “nas licitações para aquisição de bens e serviços comuns será obrigatória a modalidade pregão, sendo preferencial a utilização da sua forma eletrônica”.[29]

Mesmo com a previsão da obrigatoriedade no citado decreto, Alessandro Dantas Coutinho, entende se tratar de uma faculdade, conforme segue exposto:

Assim, apesar de estar no bojo de decreto regulamentar, parece-nos que o comando do artigo 5º encerra verdadeiro exercício do poder hierárquico do chefe do Executivo Federal sobre sua Administração, razão pelo qual entendemos ser mais uma faculdade, pelo menos para a administração direta e indireta federal, a adoção da modalidade pregão quando se tratar de contratação de bens e serviços comuns. [30]

Em divergência, eis a passagem de voto de relatoria do Ministro José Múco Monteiro ao acolher o projeto de súmula:

 [...]

3. Assim, na linha do entendimento do Tribunal, uma vez devidamente caracterizado pelo gestor o serviço de engenharia que seja comum, há que se utilizar o pregão, um instrumento de eficácia para a Administração Pública, capaz de propiciar a ampliação da concorrência e, portanto, o recebimento de melhores ofertas [...][31]

Desta feita, embora haja posicionamentos contrários e mesmo diante da faculdade que a lei dispõe é prudente que seja adotada a modalidade pregão toda vez que o objeto for devidamente avaliado como sendo um bem ou serviço comum, mesmo quando tratar-se de serviço comum de engenharia, uma vez que a citada modalidade, comprovadamente, vem trazendo bons resultados, acelerando as compras públicas e trazendo maiores economias.

Superada a discussão da possibilidade ou não de contratar serviços de engenharia utilizando a modalidade pregão, ainda resta um grande problema, qual seja, identificar quando um serviço de engenharia é um serviço comum. Para tanto, o que se discute não é o conceito de serviço de engenharia, mas sim se determinado serviço, mesmo sendo de engenharia, é comum ou não.

Nas palavras de Rolf Dieter Braunert, serviço comum não se confunde com serviços simples:

Isto não significa que se deve pensar na visão estreita de serviço simples ou de serviço complexo. Entende-se que, neste caso, o serviço comum nada tem em comum com o serviço simples. Pode-se ter um serviço complexo na área da engenharia mecânica, mas é um serviço comum, uma vez que o mesmo pode ser realizado por várias empresas que podem ou não ser da área. [...][32]

Por outro lado, é possível estar-se em presença de um serviço de engenharia simples, mas que não pode ser enquadrado em serviço comum. Este, portanto, seria um serviço de engenharia considerado não comum.

Nesse sentido, importante destacar partes do voto do Ministro Relator Marcos Vinicios Vilaça:

[...]

51. De tudo isso, percebe-se que o pregão apenas é vedado nas hipóteses em que o atendimento do contrato possa ficar sob risco previsível, pela dificuldade de transmitir aos licitantes, em um procedimento enxuto, a complexidade do trabalho e o nível exigido de capacitação. Logo, a eventual inaplicabilidade do pregão precisa ser conferida conforme a situação, pelo menos enquanto a lei não dispuser de critérios objetivos mais diretos para o uso da modalidade. E ouso imaginar que, pelos benefícios do pregão, no que concerne à efetivação da isonomia e à conquista do menor preço, o administrador talvez deva ficar mais apreensivo e vacilante na justificativa de que um serviço não é comum do que o contrário.

[...]

55. Não se deve também confundir especialização do licitante com complexidade do serviço, pois o primeiro termo refere-se à segmentação das atividades empresariais, ao passo que o segundo, à arduidade do trabalho. Uma empresa especializada – não se está falando de notória especialização – pode sê-lo relativamente a um serviço comum. [...][33]

Um serviço de engenharia pode ser considerado um serviço comum, quando se tratar de uma atividade rotineira e de fácil realização, com características padronizadas, cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser definidos de forma objetiva, ou seja, sem alternativas técnicas, estando às especificações disponíveis, a qualquer tempo em um mercado próprio e sem complexidades, sob pena de gerar insegurança ao adimplemento contratual pelos potenciais contratados em face da fase de habilitação ser posterior.

Dessa forma, para considerar um serviço de engenharia como comum ou não, é necessária uma análise criteriosa de cada caso concreto, e esta análise logicamente caberá ao administrador público. Nesse contexto, assim se manifesta Rolf Dieter Braunert:

Deve-se analisar o serviço de engenharia não apenas do ponto de vista se ele é ou não um serviço comum para se definir o emprego ou não da modalidade de licitação Pregão. É necessário verificar outros aspectos importantes para a execução perfeita dos serviços pretendidos. Toda vez que um determinado serviço necessita de projetos, especificações técnicas, memoriais descritivos e outros para ser realizado com sucesso, é incompatível conceituá-lo de serviço comum.[34]

No caso de empregar-se o pregão em atividades que envolvam serviços de engenharia é necessário atentar-se ao objeto com extrema profundidade, uma vez que, com o intuito de resolver com celeridade aquilo exigido com absoluta urgência, podem ser adotadas soluções que não sejam adequadamente empregadas. A execução de um serviço de engenharia implica em vários quesitos que devem ser observados cautelosamente, tanto do lado legal, como visto até agora, como do lado técnico, o que poderá ensejar que a modalidade pregão é inapropriada para aquisição de serviços de engenharia, mesmo que considerados serviços comuns:

Sobre esta análise criteriosa discorre Rolf Dieter Braunert:

i) O serviço de engenharia só poderá ser licitado se houver um projeto básico disponível e aprovado pela autoridade superior, independentemente da simplicidade do serviço (artigo 7º, parágrafo 2º, inciso I da Lei nº 8.666/1993), bem como se existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários (artigo 7º, parágrafo 2º, inciso II da Lei nº 8.666/1993). Tanto o projeto básico como o orçamento detalhado em planilha, devem ser assinados por profissional legalmente habilitado que detenha as atribuições específicas e com registro no CREA (Artigos 13 e 14 da Lei 5.149/1966 e Resolução 218 do CONFEA);

ii) Deverá atentar-se ao limite de inexequibilidade na fase de lances;

iii) Os lances são ofertados de forma linear sobre todos os serviços no pregão, ou seja, de forma global, e isto alterará todos os preços dos serviços unitários para mais ou para menos, havendo aviltamento dos mesmos o que poderá resultar em preços irreais e incompatíveis com os de mercado;

iv) Se o orçamento de um serviços de engenharia, somente tem valor jurídico se assinado por profissional legalmente habilitado, conforme descrito no quesito “i”, há que se atentar para os novos orçamentos ofertados em cada lance no pregão, uma vez que o representante pode não ser o profissional legalmente habilitado da área. Essa questão poderia ser facilmente resolvida se passar-se a exigir a presença do profissional legalmente habilitado apto a assinar o orçamento, porém sem dúvida, isso ensejaria em maior custo.[35]

Em qualquer modalidade licitatória deve-se buscar a proposta mais vantajosa à Administração Pública. Segundo a lei de Licitações, a contratada deve garantir que possui condições de honrar com todas as obrigações que assumiu para com o órgão público. Como o pregão é um procedimento simplificado, que mitigou os requisitos de participação, justifica-se a razão desse instrumento convocatório ser utilizado somente para aquisição de bens e serviços comuns, pois assim reduz-se o risco de inadimplência por parte do contratado.

CONCLUSÃO

Logo, “os serviços de engenharia podem estar excluídos de contratação por meio de Pregão, salvo exceções nas quais o qualificativo 'comum' se sobrevenha à espécie do serviço. De qualquer forma, deve ser analisado com muita cautela caso a caso”.[36]

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- _______, Tribunal de Contas da União. Acórdão 2079/2007 - Plenário. Rel. Marcos Vinicios Vilaça. Disponível em:<http://contas.tcu.gov.br/pt/MostraDocumento?qn=1>. Acesso em: 21 de

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- _______, Tribunal de Contas da União. Acórdão 841/2010 - Plenário. Rel. José Múcio Monteiro. Disponível em:<http://contas.tcu.gov.br/pt/MostraDocumento?qn=2>. Acesso em: 21 de novembro de 2012

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- BRAUNERT, Rolf Dieter. Obras e Serviços de Engenharia. Coleção 10 anos de pregão. Curitiba: Negócios Públicos, 2008.

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- COUTINHO, Alessandro Dantas. Manual de Licitações e Contratos Administrativos. 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2007.

- FILHO, Jose dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris. 2010

Sobre os autores
Wagner José Elias Carmo

Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Tecnologia Ambiental. Coordenador e Professor do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Aracruz - ES. Procurador Municipal. Controlador Municipal.

Wellington Borghi

Advogado. Professor. Especialista em Direito Público

Katielli Caser Niero

Advogada. Graduada em Direito.

Informações sobre o texto

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