Consequências inerentes à nova redação da Lei nº 8.906/94.

Alterações perpetradas Lei nº 13.245/2106

Leia nesta página:

Inovações trazidas ao mundo jurídico que confirmam o papel do advogado como parte importante e integrante na administração da justiça.

Consequências decorrentes da nova redação dada à Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Lei nº 13.245/2016 sobre dois elementos envolvidos na relação processual, notadamente na relação processual criminal.

De um modo geral, toda norma jurídica tem por escopo corrigir, modificar ou manter uma conduta desejada ou querida pela sociedade.

A Lei nº 8.906/94 é uma lei instrumental ou funcional que regula uma atividade profissional, da advocacia, e a parte que foi alterada toca ao direito do advogado, que é o instrumento pelo qual a pessoa exerce seu direito ao contraditório e ampla defesa.

O que a lei em tela em última análise visa é o pleno exercício da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa do cidadão, prevista no art. 5º, LV, da CF, conforme abaixo transcrito:

“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

E dar eficácia a essa garantia constitucional, não basta assegurá-la ao cidadão de forma genérica, mas exige um mínimo de instrumentalidade, a qual perpassa pelo exercício de uma profissão, qual seja a advocacia.

Nesse diapasão, prevê a Constituição Federal o disposto no art. 133, in verbis:

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

A garantia de ampla defesa de qualquer cidadão passa, necessariamente, pelo exercício de uma atividade profissional, a qual exige uma formação técnica para tal, a  advocacia. Daí a necessidade de regular a forma e o exercício da advocacia e assegurar ao profissional dessa área o pleno direito-dever de exercício de seu “múnus” público.

O advogado é indispensável à administração da justiça, para tanto, necessita de um mínimo de garantia e inviolabilidade para exercer sua profissão com liberdade, independência e autonomia.

Com efeito, assegurar àquele que representa o cidadão, que tem a formação técnica necessária ao contraditório e ao exercício da ampla defesa, tenha pleno acesso às informações e participação ativa na fase de investigação é, sem dúvida alguma, uma forma de garantir ao cidadão sua ampla defesa.

O Estado, através de seus agentes, tem que ser honesto com seus cidadãos e agir com clareza e transparência com todos os seus membros se quer realmente evoluir e isso só acontece quando permite o pleno acesso às informações que afetam a cada cidadão. O Estado não pode agir de forma obscura, na surdina com a sociedade.

Tendo o acima exposto como premissa, há dois elementos que devem, necessariamente, ser abordados no estudo: o profissional e o cidadão.

Para o profissional advogado, primeiro elemento relevante nesse estudo, qual o efeito sobre ele?

A Lei nº 8.906/94, que regulamenta o exercício da advocacia, passar a dispor, com a nova redação dada ao art.7° pela Lei n° 13.245/2016, que:


“Art. 7º São direitos do advogado:

I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;”

Com a nova redação dada pela Lei nº 13.245/2016, o legislador procurou dar pleno cumprimento ao disposto no art. 133 da CF, dando aplicação prática aos ditames constitucionais que dispõem sobre a essencialidade do advogado à administração da justiça.

O advogado passará, desse modo, a compor a administração da justiça de forma efetiva desde a sua origem. O advogado deverá acompanhar todas as fases do processo e dar assistência ao seu cliente em todos os atos do processo, sob pena de nulidade absoluta.

Essa participação efetiva na administração da justiça é assegurada pela tipificação dos atos praticados pelos agentes do Estado que atentem contra o direito do advogado, conforme dispõe in verbis:

§ 12.  A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.

Os atos praticados pelos agentes do Estado tendentes a dificultar o pleno exercício da advocacia, por meio de oposição de obstáculos, impedindo ao advogado o acesso ou prática de atos que inviabilizem ou anulem a sua assistência ao cliente, obstando direito à ampla defesa do cidadão, são nulos e o agente incorre em crime.

Como tal, as modificações trazidas foram uma evolução e andou bem a norma ao assegurar ao profissional o amplo acesso ao inquérito e às informações constantes de investigações em face dos cidadãos, assegurando àquele o pleno exercício do direito de defesa e dando praticidade ao que dispõe o art. 133 da Constituição Federal.

Depreende-se, desse modo, que as principais consequências sobre o profissional são a garantia de maior segurança no exercício da advocacia e a certeza na participação efetiva na administração da justiça.

Temos, agora, o segundo elemento de nosso estudo, o cliente-beneficiário, que poderá ser pessoa jurídica ou pessoa física. Vamos limitar nossa reflexão ao cliente-beneficiário pessoa física, o qual, por sua vez, poderá ser analisado em dois grupos, os que têm condições e os que não têm condições de arcar com os custos de um advogado. Qual o efeito da norma sobre estes?

Partindo do lado dos que têm condições de arcar com os custos de um advogado. Se eventualmente uma pessoa desse grupo necessitar de um advogado e constituir um profissional para o representar, o advogado possibilitará que ela terá pleno acesso às informações e poderá, inclusive, apresentar quesitos, ajudando, assim, na apuração e elucidação de eventuais fatos que lhe estão sendo imputados. Assim, corroborando ativamente na condução da investigação.

Ademais, os atos que forem praticados sem a participação de seus advogados, de que criem ou dificultem o acesso aos advogados, são passíveis de nulidade, conforme disposição do art. 7º da Lei 8.906/94 em sua nova redação pela Lei 13.245/2016.

Por outro lado, para o cliente-beneficiário que não tem condições de contratar um advogado, a Lei nº 8.906/94 foi omissa, dando margem a interpretações que podem levar a um entendimento de que não há nulidade dos atos praticados sem a presença de um advogado. Vejamos abaixo o seu art. 7º uma outra vez:

“Art. 7º São direitos do advogado:

I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;”

Não se vê, portanto, nenhuma previsão de nulidade quando a parte não nomeia advogado, tampouco, que o Estado está obrigado a nomear um advogado para o investigado.

Conforme observamos, a Lei nº 8.906/94 ocupa-se dos direitos do profissinal, advogado(a). Ressalte-se que o advogado é um profissional pelo qual se exerce um direito maior assegurado a qualquer pessoa pela Constituição, que é o direito a contraditório e ampla defesa. É dando instrumentalidade a esse direito e através da atuação profissional que o advogado participa efetivamente na administração da justiça.

A advocacia é, portanto, um canal pelo qual o Estado aplica a justiça e restabelece a tão esperada paz social.

Desse modo, se a parte tem condições de arcar com os custos de um advogado ela terá acesso a todas as informações para se defender desde a investigação, desde a sua origem. Por outro lado, quem não tem condições de arcar com os custos de um advogado será prejudicado, uma vez que os atos poderão ser reconhecidos como válidos, uma vez que o direito amparado na Lei nº 8.906/94 não é direcionado diretamente ao cliente, mas ao profissional.

Pode-se chegar, portanto, à conclusão equivocada de que eventual nulidade está sanada, uma vez que a pessoa investigada não nomeou profissional para representá-la. Dar-se por sanada eventual irregularidade é malferir o princípio do contraditório e ampla defesa.

Contudo, esse entendimento infringe uma garantia constitucional da isonomia prevista na Constituição Federal, vejamos como a Lei Maior de nosso país dispõe em seu preâmbulo:

 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

A Constituição dispõe ainda em seu art. 3º:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Trata-se de objetivos do Estado brasileiro, a criação de uma sociedade justa e igualdade de direito entre as pessoas e sem preconceitos ou outras formas de discriminação.

Em seu art. 5º, I e XLI, dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição assegura:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

...

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;”

A isonomia, a certeza de que todos serão governados pela mesma lei e equidade, assegurando o mesmo tratamento a todos, são valores, princípios assegurados pela Constituição Federal.

As garantias constitucionais são a segurança e a sustentabilidade de um Estado Democrático de Direito.

Independente da condição financeira, da renda, das pessoas, o Estado não poderá fazer acepção entre elas; tratá-las de forma diferente, privilegiando uma camada social e prejudicando outra, a menos favorecida, é uma incongruência que não encontra amparo na Constituição.

Denota-se, desse modo, que o Estado fica obrigado, independente da vontade da parte, a nomear um advogado na fase de inquérito, sob pena de nulidade dos atos praticados na investigação.

A parte poderá renunciar ao seu direto, mas isso não desobriga o Estado de nomear um advogado para aqueles que não têm condições de arcar com os custos de um advogado.

Com efeito, uma leitura rápida do art. 7º da Lei 8.906/94, com a nova redação dada pela Lei 13.245/2016, pode nos parecer que a nulidade só ocorre quando o advogado é nomeado pelo cliente, quando este exerce seu direito. Mas, com uma interpretação sistemática, chegaremos à conclusão que não.

Torna-se direito do advogado ter pleno acesso às investigações instauradas contra seu cliente, sob pena de nulidade absoluta. Se a pessoa não nomear, não há nulidade aparente nos atos da investigação, mas, como demonstrado, trata-se de uma regularidade aparente.

Saber se a lei será um entrave ao processo ou possibilitará o pleno exercício do direito de defesa e a formação do contraditório pelo acusado, vai depender de como o Estado, seus agentes e aparatos irão se portar diante dessa nova norma.

O Estado deverá dar plena execução aos termos da Lei nº 8.906/94, ou esta dará margens a discussões de nulidade de atos e, com isso, servirá como instrumento de procrastinação do processo, tornando-se um obstáculo à aplicação da justiça.

Conclusões finais.

O Estado está obrigado a viabilizar o exercício do direito das pessoas, contudo, se a pessoa abrir mão, por meio de uma renúncia, não há se falar em nulidade. Acredito que somente nesse caso a irregularidade estará sanada.

Ter o acompanhamento de um advogado é um direito de todos. O advogado é essencial à administração da justiça, segundo o art. 133 da CF. Então, tem que haver comunicação desse direito, permitindo às partes envolvidas numa investigação a faculdade de exercê-lo. Ou o Estado deverá nomear um advogado para as partes, sob pena de nulidade.

Podemos concluir, portanto, que para o primeiro elemento do estudo, o advogado, as principais consequências sobre o profissional são a garantia de maior segurança no exercício da advocacia e a certeza de uma maior participação na administração da justiça.

Concernente ao segundo elemento do estudo, o cliente, a principal consequência é a garantia de que ele não será sujeito de investigação sem que tenha a presença de um advogado de sua confiança para acompanhá-lo.

No tocante ao cidadão que não teve o seu direito resguardado por não ter condições de contratar um advogado, poderá requerer a nulidade dos atos praticados sem o acompanhamento de um profissional.

E, o mais importante, um fator grave para a sociedade, a hipótese de arguição de nulidade dos atos, dolosamente, para evitar a aplicação da pena. Nesse caso, a sociedade é diretamente afetada, por suportar alguém reconhecidamente culpado sair impune por formalidade ou omissão do Estado na nomeação de advogado aos acusados.

Referência / Bibliografia:
 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

Sobre o autor
Júlio César Cassiano Ribeiro

Advogado sócio do escritório CR - Cassiano Ribeiro Advogados, com mais de 20 anos de experiência multidisciplinar, formado pela Universidade Paulista, com especialização em Direito Tributário pela COGEAE - PUC São Paulo e Direito Internacional pela UdM - Université de Montréal, Canadá e formação em Gestão de Recursos Humanos e Supervisão pela HEC - Montréal, Canadá.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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