Tópico especial em Direito penal i:actio libera in causa

08/05/2016 às 19:37
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Esse texto procura esclarecer a teoria do "actio libera in causa", que consagra a punição daquele que delinqüir em estado de inconsciência voluntária, dolosa ou culposamente.

TÓPICO ESPECIAL EM DIREITO PENAL I

1. Actio libera in causa

Denomina-se "actio libera in causa" a teoria que consagra a punição daquele que delinqüir em estado de inconsciência voluntária, dolosa ou culposa (VILELA, pág. 274).

Nosso texto legal, previsto no Código Penal, assim trata o assunto:

DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.

TÍTULO III

DA IMPUTABILIDADE PENAL

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Embriaguez

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Sendo assim, claro fica que aquele que comete crime em estado de embriaguez, dolosa ou culposamente, carece de punição penal. Segundo Vilela (VILELA, pág. 274):

Perfilhou o legislador brasileiro, integralmente, a teoria da actio libera in causa seu ad libertatem relata, consoante a qual a punição daquele que delinqüir em estado de inconsciência voluntária, dolosa ou culposa, se funda na sua imputabilidade na fase inicial da execução, à qual deve ser referido o evento.

A teoria procura ser contundente ao analisar o momento anterior ao embriagar-se ou tornar-se inconsciente, e não o momento do crime. Se a causa do embriagar-se encontrar apoio em ato voluntário, a vontade de se embriagar ser livre e desembaraçada, ou que seja culposa, por ser negligente ou imprudente, cabe esse agente ser punido.

2. ORIGENS

Conforme Paulo Busato: “ ... as origens da teoria da actio libera in causa está nas proposições de Aristóteles, concretamente na Magna Moral...”. Pois segundo o autor, para Aristóteles no caso de um ébrio cometer um crime, este deveria ser punido pelo crime cometido e pela embriaguez.

Posteriormente, na Idade Média, o Direito canônico aplicava a doutrina de Santo Agostinho, posicionado a castigar somente a embriaguez, visto que entendia que este era o único ato voluntário cometido nessa cadeia de acontecimentos, e constituía, em si mesmo, a causa final da conduta delitiva.

Para Paulo Busato, a formulação que conhecemos hoje, advém do Jurisconsultos italianos, sendo citados: Bonifácio de Vitalinis; Farrinaccio; Carrara, Pessina, Manzini e Maggiore, contudo salienta o autor que assim como os supracitados, até hoje não há unanimidade na definição do significado e tratamento que a actio libera in causa recebeu em suas primeiras formulações.

3. DOUTRINA

Muitos autores nacionais escrevem sobre a referida teoria, sendo selecionados abaixo algumas opinióes, inclusive das parte que a aceitam com restrições,

A actio libera in causa, fundamenta a punibilidade de ações praticadas em estado de embriaguez não acidental. No entanto não abrange aquelas situações em que o agente quer ou imprudentemente se embriaga sem prever ou poder prever a ocorrência de um fato delituoso. (Cezar Roberto Bitencourt)

Ainda existem casos em que se mantêm resquícios de responsabilidade objetiva em nosso sistema penal, quando imprescindível para a proteção do bem jurídico. A fim de que o agente não fique imune à ação punitiva estatal e o bem jurídico sem tutela, na embriaguez não acidental leva-se em conta, exclusivamente, o momento em que o sujeito escolheu livremente entre consumir ou não a substância. (Fernando Capez)

Com restrições:

... diz que "Na lei brasileira, porém, não se exclui a imputabilidade pela embriaguez não preordenada, se voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos." Ou seja, o legislador brasileiro adota um conceito amplo que, para o autor referido, constitui uma "forçada aplicação do princípio da "actio libera in causa". (Julio Fabbrini Mirabete)

... quem, mesmo nos supostos de embriaguez voluntária ou culposa, responderá o sujeito segundo o elemento subjetivo do delito cometido, em razão da existência de uma vontade residual que dirige a atividade ilícita. Entende que a embriaguez não elimina completamente o discernimento e portanto, deve ser reconhecida a responsabilidade penal de acordo com o elemento subjetivo próprio do delito praticado. Nélson Hungria.

4. EM RESUMO

É o caso do agente que usa deliberadamente um meio para colocar-se em estado de incapacidade física ou mental, parcial ou plena, para o fato criminoso, a intoxicação pré-ordenada. Ainda, apesar de não ter a intenção de praticar o delito, podia prever que tal meio o levaria a cometê-lo e nesse caso analisa-se a previsibilidade.

Se o resultado nem sequer era previsível, nesse caso, o agente não pode ser responsabilizado, sob pena de responsabilidade objetiva, tal como sustentado no artigo acima.

5. JURISPRUDÊNCIA

5.1 STF - HABEAS CORPUS 107.801 - SÃO PAULO, REDATOR DO ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte.

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5.2 TJMG - NÚMERO  1.0620.12.001917-4/001, DES.(A) PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA – RELATOR, DES.(A) PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - RELATOR DO ACORDÃO.

29/08/2014 - DATA DA PUBLICAÇÃO.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO PELA ESCALADA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ATOS EXECUTÓRIOS INICIADOS. AGENTE DROGADO. TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA. ATENUANTE DA MENORIDADE RELATIVA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A condenação deve ser mantida se o agente, no momento em que foi surpreendido, já havia iniciado os atos de execução para a prática do crime, pois, como sabido, a não ocorrência do resultado desejado também é reprimida pelo legislador, contudo com abrandamento da pena (art.14, II, do Código Penal). 2. A embriaguez voluntária ou culposa não conduz à exclusão da imputabilidade, consoante a teoria da actio libera in causa adotada pelo nosso ordenamento jurídico (Código Penal, art.28, II). 3. Sendo o agente menor de vinte e um anos à época dos fatos, deve ser reconhecida em seu favor a atenuante do art.65, I, do Código Penal. 4. Recurso parcialmente provido. Consta da peça acusatória que, no dia 25 de maio de 2012, por volta de 13h30, o apelante, mediante rompimento de obstáculo e escalada, adentrou no imóvel situado na Praça Getúlio Vargas, nº 108, bairro Terreirão, comarca de São Gonçalo do Sapucaí/MG, a fim de subtrair para si coisa alheia móvel. O acusado interpôs o presente recurso em que busca solução absolutória, ao argumento de que nada foi furtado e, ainda, de que era dependente químico e estava drogado por ocasião dos fatos, não sendo responsável pelo ato que praticava. A embriaguez voluntária ou culposa, completa ou incompleta, não conduz à isenção de responsabilidade, com base na teoria da actio libera in causa adotada pelo nosso Código Penal, o mesmo se aplicando ao estado de torpor. Isto porque o agente que, de forma livre e consciente, decidiu se embriagar e, após, cometeu o crime, teve liberdade na causa antecedente (ou seja, foi livre para decidir se devia ou não fazê-lo), sendo a constatação da imputabilidade transferida para esse momento anterior.

6. BIBLIOGRAFIA

BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acessado em 08/11/2014.

BITENCOURT, CEZAR ROBERTO. (2000) Manual de Direito Penal, parte geral, vol. 1, 6ª Ed. revista e atualizada, Editora Saraiva : São Paulo.

BUSATO, PAULO CÉSAR. Valoração crítica da actio libera in causa a partir de um conceito significativo de ação. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/12473-12474-1-PB.pdf. acesso em 18.11.14

JESUS, DAMÁSIO DE. (1984). Direito Penal, vol. 1. 9ª Ed. Saraiva : Sao Paulo.

MIRABETE, JÚLIO FABBRINI. (1989) Manual de Direito penal. Parte geral., vol. 1. 4ª Ed. Revista y ampliada, Editora Atlas : São Paulo.

RAMOS, Lívia Nogueira. A ADMISSIBILIDADE DA TEORIA DA "ACTIO LIBERA IN CAUSA”. Disponível em : <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070418114949661&mode=print>. Acessado em 08/11/2014.

VIANA, Lourival Vilela. EMBRIAGUEZ NO DIREITO PENAL. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0CB8QFjAA&url=http%3A%2F%2Fojs.c3sl.ufpr.br%2Fojs%2Findex.php%2Fdireito%2Farticle%2Fdownload%2F6576%2F4696&ei=-apeVJz1EqTasATwyoDYAQ&usg=AFQjCNGUIhHeQF7aEIyesEplZ-YD6Eusmw&sig2=o51vGkHOIYDlvT-pIPQjBg>. Acessado em 08/11/2014.

 

Sobre o autor
Carlos Magno

Graduado em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Pública da Polícia Militar do Espírito Santo, graduando em Direito pela Universidade Federal do ES. Pós-graduado latu sensu em Segurança Pública pela Faculdade Brasileira. Atualmente é oficial da PMES e tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Políticas Públicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto apresentado na Disciplina de Direito Penal I, do curso de Direito da Universidade Federal do ES.

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