Recentemente, no julgamento da Ação Penal 470 (conhecida popularmente como o “Processo do Mensalão”), várias teses foram objeto de debate entre os Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), dentre elas, a polêmica Teoria do Domínio do Fato.
Sendo assim, funda-se a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre a Teoria do Domínio do Fato e a possibilidade de aplicação desta quanto aos crimes decorrentes da administração pública.
Desse modo, o presente trabalho, justifica-se pela importância de se estudar as várias facetas apresentadas pelo tema, bem como fazer uma análise reiterada dos posicionamentos doutrinários e fundamentações quanto a sua aplicabilidade; buscando desta forma, apontar quando e qual a melhor forma de aplicação da teoria em análise no caso concreto.
INTRODUÇÃO
No campo do direito penal, uma das questões mais complexas encontra-se na construção de critérios de distribuição da responsabilidade em crimes praticados em concurso de agentes, em especial, quando esses delitos são cometidos em instituições e empresas. O questionamento gira em torno de como deve ser feita a distinção entre autor e partícipe, dentre aqueles que agiram dolosamente para o ato.
Surge em 1939, a Teoria do Domínio do Fato ou Teoria do Domínio do Facto, elaborada por Hans Welzel e desenvolvida em 1963 por Claus Roxin, defende que o autor não é só aquele que executa o crime, mas também aquele que possui o controle final da ação dirigida ao resultado típico.
Recentemente, essa teoria foi mencionada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em debates da Ação Penal 470 (conhecida popularmente como o “Processo do Mensalão”), causando grande polêmica.
Desta feita, abre-se o questionamento: seria então cabível a sua aplicação em todos os crimes decorrentes da administração pública?
Deste modo, o presente trabalho, utilizando do método de pesquisa bibliográfica, visa realizar uma análise sobre a aplicabilidade da teoria anteriormente citada em crimes decorrentes da administração pública, como assim ocorreu na Ação Penal 470.
METODOLOGIA
O presente trabalho realizar-se-á por meio de pesquisa bibliográfica, tendo em vista que será elaborado com base em material já desenvolvido, formado principalmente por livros, artigos de periódicos e pela via eletrônica. A pesquisa terá três grandes momentos metodológicos, quais sejam: a coleta de dados; a análise dos dados coletados; e a interpretação dos dados analisados.
O tipo de pesquisa utilizado é uma ferramenta sólida e capaz de auxiliar de forma segura o presente trabalho. Desta feita, a pesquisa bibliográfica, conforme Vergara (2005, p. 47-48), “[...] é o estudo sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais e redes eletrônicas, isto é material acessível ao público em geral”.
No que tange ao método de abordagem, optou-se por se utilizar do dialético, tendo em vista que o mesmo tem como esteio uma argumentação consistente, racional. Tanto assim, que para Mezzaroba e Monteiro (2003, p. 72), valer-se do método dialético como raciocínio faz com que seja possível “verificar com mais rigor os objetos da análise, justamente por serem postos frente a frente com os testes de suas contradições possíveis”.
Já no tocante aos métodos de procedimento, viu-se por melhor escolher o exploratório.
O método exploratório faz uma descrição fiel da realidade, ou seja, tal como ela é e não como o pesquisador pretende que seja. De acordo com Queiroz (1992, p. 19) esse método “tem por objetivo conhecer a variável de estudo tal como se apresenta, seu significado e o contexto onde ela se insere. Pressupõe-se que o comportamento humano é mais bem compreendido no contexto social onde ocorre”.
Deste modo, por meio de análise a partir de uma visão jurídica, busca-se apresentar a maneira mais coerente e fiel de aplicação da teoria do domínio do fato, no caso concreto, em crimes decorrentes da administração pública.
REFERÊNCIAL TEÓRICO
Sabe-se que, em regra, a prática delituosa firma-se na intervenção de um sujeito por meio de uma conduta comissiva ou omissiva. A primeira trata-se da ocorrência de uma conduta positiva que, por sua vez, desatende a preceitos proibitivos, ou seja, a norma determina que não deve ser feito algo e o agente o faz. Já a segunda trata-se da não realização de um comportamento finalista, que por sua vez desatende a mandamentos imperativos, isto é, a norma manda agir e o agente não o faz.
Entretanto, tal feito, com alguma frequência, não é ato de um só sujeito, mas, sim, resultante de várias condutas referentes a diversos sujeitos. Tais pessoas, por diversos motivos, unem-se e dividem tarefas das quais compõem a figura delitiva. Nesta situação, quando diversos sujeitos concorrem para prática de uma infração penal, estamos diante de um “concurso de pessoas”, como assim emprega o nosso Código Penal em seu Título IV (Art. 29).
Em face da existência de crimes monossubjetivos (crimes praticados por um só sujeito) e plurissubjetivos (exigem pluralidade de agentes), há duas espécies de concurso, o necessário e o eventual.
No tocante à autoria, via de regra, entende-se como autor aquele que executa a figura típica descrita na lei, ou seja, autor é aquele que, por exemplo, subtrai (art. 155 do CPB), constrange (art.158 do CPB), mata (art. 121 do CPB). Não obstante, é também autor aquele que pratica o ato por meio de outrem ou o comanda intelectualmente.
Logo, há três teorias sobre a autoria: teoria restritiva (considera que autor é quem realiza a conduta típica); teoria extensiva (ver o autor como aquele que dá causa ao evento, ou seja, aquele que de qualquer forma contribui para a produção do resultado) e a teoria do domínio do fato, objeto de estudo. Teoria esta elaborada por Hans Welzel em 1939 e desenvolvida em 1963 por Claus Roxin, a qual considera que autor não é só aquele que realiza a conduta típica, mas também é autor aquele que detém o controle final do fato, ou seja, aquele que possui o controle final da ação dirigida ao resultado típico.
Isso se confirma nas sábias palavras de Damásio E. Jesus (2003, p. 407):
Welzel, em 1939, ao mesmo tempo em que criou o finalismo, introduziu no concurso de pessoas a “teoria do domínio do fato”, partindo da tese restritiva e empregando um critério objetivo-subjetivo:autor é quem tem o controle final do fato, domina finalisticamente o decurso do crime e decide sobre sua prática, interpretação e circunstâncias (“se”, “quando”, “onde”, “como”, etc.).
Tal teoria funda-se em princípios relacionados à conduta e não ao resultado, afastando desta forma a figura do partícipe, vez que este não tem o domínio do fato, apenas coopera, incita, induz etc. Fundamenta tese restritiva, aplicando-se o critério objetivo-subjetivo, considerada, assim, mista.
Nas palavras de Damásio E. de Jesus (2003, p. 408), partidário desta teoria, esta não exclui a restritiva, pois trata-se aquela de um complemento desta:
É a teoria que passamos a adotar. Em outras palavras, nossa posição adere à teoria do domínio do fato, que é uma tese que complementa a doutrina restritiva formal-objetiva, aplicando critério misto (objetivo-subjetiva). De notar-se, pois, que a teoria do domínio do fato, não exclui a restritiva. É um complemento. Unem-se para dar solução adequada às questões que se apresentam envolvendo autores materiais e intelectuais, chefes de quadrilha, sentinelas, aprendizes, motoristas, auxiliadores, indutores, incentivadores, etc. Sob rigor científico, é mais um requisito da autoria do que uma teoria do concurso de pessoas.
Não compartilha do mesmo posicionamento Fernando Capez:
O conceito unitário deve ser rechaçado de plano, pois não se pode equiparar aquele que realiza a conduta principal com o que coopera acessoriamente, como se ambos tivessem igualmente dado causa ao crime. Quem empresta a faca não está no mesmo patamar de quem desfere golpes. A teoria extensiva padece do mesmo vício e tenta remediar a injusta equiparação unitária, com um subjetivismo perigoso todos são autores, mas, no caso concreto, se uma conduta não se revelar tão importante, aplica-se a causa de diminuição de pena. Ora, não é mais fácil separar autor de partícipe? A posição mais correta é a restritiva. Dentro dela, o critério formal-objetivo, ainda que padecendo de certas deficiências, é o que mais respeita o princípio da reserva legal. (2007,p. 338).
Em sua obra Luiz Regis Prado faz a seguinte observação (2008.p. 446):
De sua vez, Roxin faz a seguinte distinção no tocante à autoria: nos delitos de domínio- em sua maioria doloso-, autor é quem tem o domínio do fato (conceito finalista de autor);nos delitos que pressupõe a infração de um dever- delitos omissivos impróprios, culposos e funcionais-, autor é todo aquele a quem ser endereça o respectivo dever; por fim, nos delitos de mão própria, autor é aquele que realiza pessoalmente a ação típica (conceito restritivo ou objetivo- formal de autor).
Damásio E. de Jesus lista em sua obra grandes nomes que adotam a teoria:
Apresentando a finalidade como fundamento, como na teoria finalista da ação, é amplamente adotada pela doutrina: Welzel, Stratenwerth,Maurach, Wessels, Roxin, Schroder, Jescheck, Gallas, Blei, Zaffaroni, Muñoz Conde, Córdoba Roda, Rodríguez Devesa, Mir Puig, Bacigalupo, Enrique Cury e Bockelman; no Brasil: Manoel Pedro Pimentel, Alberto Silva Franco, Nilo Batista, Luiz Régis Prado, Cezar Bittencourt, Pierangelli e Luiz Flávio Gomes. (2003, p. 407/408).
Vale destacar que só há aplicabilidade da teoria em estudo nos crimes dolosos, quer sejam materiais, formais ou de mera conduta, vez que, nos crimes culposos, inexiste distinção entre autoria e participação.
O Código Penal pátrio adotou a teoria restritiva, já que os arts. 29 e 62 fazem distinção entre autor e partícipe.
Para teoria em estudo, a autoria engloba quatro “tipos” de autoria, quais sejam:
a)- autoria propriamente dita, nesta autor pratica sozinho a conduta típica, e, neste cenário, não há indutor, auxiliar ou instigador.
b)- autoria intelectual, em que se trata daquele que programa a ação delitiva, ou seja, é o mentor do crime.
c)- autoria mediata, aqui, um sujeito serve-se de outrem para praticar o crime, aquele, por sua vez ,tem o domínio da vontade executor.
d)- coautoria, forma de autoria, considera coautor como aquele que pratica o verbo do tipo penal. Trata-se da prática de um crime em cooperação, onde todos os integrantes detêm o domínio da consumação do delito, existindo ou não uma divisão de tarefas. Sendo positiva, estamos diante de uma coautoria parcial ou funcional, onde os atos executórios do crime são distribuídos entre diversos autores, de modo que, inexistindo o somatório das condutas destes, impossibilitaria a consumação do crime, e, deste modo, o delito é resultado das condutas divididas. Sendo negativa a divisão, estamos diante de uma coautoria direta, onde todos os agentes realizam a conduta típica. Ainda podemos dividi-las em simples, quando dois ou mais indivíduos executam a conduta típica; ou complexa, quando um executa e o outro tratar-se de coautor intelectual.
Autor, como dito anteriormente, é aquele que pratica o verbo da conduta, a figura típica descrita em lei. Já partícipe é aquele que coopera de alguma maneira para que o crime aconteça, é aquele que induz, instiga (art. 62, II,III, do CPB).
Luiz Regis Prado assim conceitua participação (2008, p. 450):
Entende-se por participação stricto sensu a colaboração dolosa em um fato alheio. É a contribuição dolosa- sem domínio do fato- em um fato punível doloso de outrem. Cuida-se de um conceito referencial, já que a participação é sempre acessória ou depende de um fato principal-teoria da acessoriedade mínima (conduta típica do autor).
Para quem concebe o tipo como conjunto de elementos que fundamentam uma determinada figura de delito (conceito pessoal de injusto), como aqui já gizado, é suficiente que a ação ou omissão do autor sejam típicas para que se possa responsabilizar também o partícipe. De conformidade com a concepção pessoal do injusto que distingue entre um desvalor da ação e um desvalor do resultado é suficiente o critério da acessoriedade mínima. A punição do partícipe depende de que o autor tenha executado uma ação típica.
Entretanto, tal distinção não é suficiente em determinadas situações, por exemplo, a da autoria imediata, em que o sujeito vale-se de outrem para cometer o crime.
Diante das referências citadas anteriormente, constata-se que a aplicabilidade da teoria do domínio do fato é objeto de divergência entre grandes nomes da doutrina brasileira, uns a afastam totalmente, já outros dão a ela uma interpretação exacerbada. Tal cisão ganhou maior repercussão quando aplicada a teoria mencionada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em debates da Ação Penal 470 (conhecida popularmente como o “Processo do Mensalão”). Evidenciando desta forma a importância de uma pesquisa no sentido de analisar a aplicabilidade da teoria do domínio do fato nos crimes previstos no Título XI, arts. 312 a 359-H (Dos Crimes contra a Administração Pública) do nosso Código Penal.
Objetivamos averiguar se necessitaria a doutrina socorrer-se da teoria do domínio do fato para dar adequação necessária aos casos concretos da prática dos crimes anteriormente mencionados, atentando-se sempre à apreciação, caso a caso, em face da descrição do crime.