A problemática da inexistência de recurso inominado contra sentença extintiva nos Juizados Especiais Federais

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O presente artigo trata da disposição inserta no art. 5º, da Lei 10.259/01 (Lei dos Juizados Especiais Federais), o qual veda a interposição de Recurso Inominado contra sentenças extintivas e o fato como essa disposição pode prejudicar o regular andamento.

RESUMO: O presente artigo trata da disposição inserta no art. 5º, da Lei 10.259/01 (Lei dos Juizados Especiais Federais), o qual veda a interposição de Recurso Inominado contra sentenças extintivas e o fato como essa disposição pode prejudicar o regular andamento do processo.

1. INTRODUÇÃO

Celeridade e simplicidade são características que devem estar presentes nos Juizados Especiais em qualquer esfera de atuação. Muitas vezes, no entanto, essas qualidades são confundidas com atos que prejudicam o regular andamento do processo e, por que não dizer, o direito de uma das partes.

No caso dos Juizados Especiais Federais, há uma sistemática na interposição de Recursos, tanto inovadora, como prejudicial ao direito da parte autora. É a impossibilidade de se recorrer de uma sentença que extingue o processo sem resolução de mérito.

O tema não é novidade, porém, poucos estudos foram produzidos a respeito. Segundo disposição do art. 5º, da Lei 10.259/01:

“Art. 5o Exceto nos casos do art. 4o, somente será admitido recurso de sentença definitiva.”

Muito embora, a doutrina nos informe que o dispositivo retro admita o Recurso Inominado de sentenças extintivas, podendo a Turma Recursal, desde logo, julgar o processo, ao invés de remetê-lo de volta ao Juízo de Primeiro Grau, uma mera observação é suficiente para se depreender a literalidade do art. 5º e que o mesmo não admite interpretação extensiva. 

Com isso, ceifa-se a possibilidade de se recorrer de sentenças terminativas. Discorreremos, portanto, até onde isso atinge o regular andamento do processo e o direito da parte autora que tem sua ação arquivada precocemente:

2. OFENSA AO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Acreditamos que a impossibilidade de se recorrer das decisões terminativas vai de encontro ao princípio do duplo grau de jurisdição, consagrado constitucionalmente, ainda que de forma implícita.

A vedação ao recurso inominado contra essas sentenças impede o controle de legalidade das mesmas e, muitas vezes, vincula a parte, ao entendimento do Magistrado, o qual, poderá se mostrar equivocado ao extinguir uma ação que deveria seguir o seu trâmite regular.

Observa-se que, nos Juizados Especiais Cíveis, do Consumidor e Criminais, essa regra é inexistente. Apenas no âmbito dos JEFs, evidencia-se tal previsão.

Sabemos bem que o direito ao reexame da matéria ventilada no Juízo de 1º Grau por um órgão colegiado de 2ª Instância tem como escopo garantir a Justiça da sentença, notadamente, oportunizando à parte sucumbente argumentar no sentido de tentar obter uma realidade favorável a si com a cassação do comando sentencial. E, evidentemente, com isso se garante a solidez da prestação jurisdicional mediante análise da sentença através de um órgão composto por um grupo de Magistrados mais experientes que podem ratificá-la ou não.

A lei 10.259/01, portanto, retira essa possibilidade, ferindo claramente o princípio acima elencado.

3. CERCEAMENTO DE DEFESA

A vedação ao Recurso Inominado contra sentença terminativa constitui notório cerceamento de defesa e impõe a aceitação da parte à determinação proferida pelo Juízo de Primeiro Grau, ainda que este se mostre equivocado ou mesmo, injusto.

 Já me deparei com um caso em que o Juiz havia julgado um processo previdenciário extinto sem julgamento de mérito porque a parte autora deu entrada na ação depois de cinco anos do indeferimento do benefício pelo INSS. E, quem lida com Direito Previdenciário, sabe muito bem que o prazo para se rever a decisão administrativa da Previdência na Justiça é de dez anos, sendo decadencial. Pois bem, o Magistrado extinguiu o processo sem fundamentação alguma.

Depois de algum tempo, a decisão em comento foi cassada e revertida, por meio do instituto do Mandado de Segurança, o qual tem servido em alguns casos como sucedâneo do Recurso Inominado em ataque às sentenças extintivas. Nesse sentido:

MANDADO DE SEGURANÇA. SENTENÇA TERMINATIVA. JEF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CABIMENTO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO ATUALIZADO. INEXIGÊNCIA LEGAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

VOTO

Trata-se de mandado de segurança impetrado em face de decisão do juízo da 20ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, nestes termos:

(destacou-se)

“Com efeito, a ausência de requerimento administrativo atualizado implica na extinção do processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI c/c art. 295, III do CPC, posto ser a parte autora carecedora de ação, por falta de interesse de agir, haja vista que junta aos autos requerimento de benefício administrativo datado de 30 de setembro de 2005 (Anexo 06, fl. 01) bem como acosta comunicado de decisão de indeferimento no dia 21/11/2005 (Anexo 08), mas apenas propôs esta demanda em 01/10/2013, mais de oito anos depois.

Ressalte-se que por se tratar de benefício em razão de suposta deficiência, a qual, por se referir a problemas com a saúde, pode, em face do decurso de tempo, ser atenuada ou agravada, é necessário novo requerimento administrativo, porquanto é possível que à época em que realizado o primeiro não estivessem presentes os requisitos autorizadores para a concessão do benefício.

Destarte, a exigência do prévio requerimento administrativo atual reflete, a bem da verdade, a necessidade que o autor tem de demonstrar que há interesse na busca da prestação jurisdicional, ante a resistência da parte ré na realização de seu direito.  No caso dos autos, não há demonstração de tal requerimento.”

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Inicialmente, a manutenção da decisão implica na negativa de prestação jurisdicional, haja vista que caso seja mantida, a autora não poderá discutir a causa, principalmente no que concerne aos atrasados, levando-se em conta que não é possível retroagir a DIB para antes da DER (caso seja formulado um novo requerimento administrativo). A coisa julgada formal, operada com a sentença extintiva, terá efeito de coisa julgada material. Em outras palavras, os fatos e pedido do (a) autor (a) nunca serão analisados pelo Judiciário. Assim, o caso é de conhecimento do mandado de segurança, ante a impossibilidade de interposição de Recurso Inominado contra sentença terminativa nos JEFs.

Pois bem. Nenhum dispositivo legal exige que o requerimento administrativo que caracterize a pretensão resistida seja de data próxima ao ajuizamento. Nem poderia ser diferente, pois existem meios técnicos de aferir a incapacidade pretérita. A medida que se impôs pelo juízo a quo (extinção do processo sem resolução de mérito) não encontra substrato em qualquer norma, mas numa presunção fática no mínimo duvidosa. Ressalto que o requerimento é datado de menos de 10 anos e mais de 5, o que permite apenas a incidência da prescrição qüinqüenal. 

(destacou-se)

Por todas as razões acima expostas, bem como em razão de ser esta fundamentação suficiente para a apreciação de todos os pedidos formulados pelas partes, considero como não violados os demais dispositivos suscitados, inclusive considerando-os como devidamente prequestionados, possibilitando, de logo, a interposição dos recursos excepcionais cabíveis (RE e PU).

Assim, e tendo em vista que os embargos de declaração não se prestam para um novo julgamento daquilo que já foi decidido, ficam advertidas as partes que a sua oposição protelatória ensejará a aplicação de litigância de má-fé, na forma dos arts. 18 e 538 do CPC.

Ante o exposto, voto pela concessão da segurança, a fim de desconstituir a sentença que extinguiu o processo nº 0501239-66.2013.4.05.8304 sem resolução de mérito, e de determinar que a ação retorne o seu curso até os ulteriores termos.

(processo nº 0500282-46.2013.4.05.9830 – 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco – Relator: Jorge André de Carvalho Mendonça – Julgado em: 28/05/2014)

Ainda assim, estreita é a via do Mandado de Segurança para se desconstituir sentenças xtintivas. Na verdade, o cabimento do mandamus fica condicionado à existência de teratologia na sentença de primeiro grau, ou, como se vê acima, às hipóteses de negativa de prestação 

4. OFENSA AO PRINCIPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL

A proibição estampada na Lei dos Juizados Especiais Federais, além de provocar os efeitos retromencionados, ainda ofende o princípio da celeridade processual, consagrado no âmbito dos próprios Juizados Especiais.

Isso não é difícil de concluir, principalmente, quando se tem em vista que uma decisão que extingue o processo indevidamente, pela sua natureza irrecorrível, obriga a parte a ajuizar uma nova ação e repetir as mesmas diligências as quais praticara anteriormente. Novamente, não está se cuidando aqui da celeridade processual. Não há celeridade alguma em obrigar a parte a ajuizar a mesma ação novamente, em virtude de uma decisão equivocada que extingue o feito.

Em verdade, a celeridade dos Juizados Especiais Federais deveria ter como sua marca registrada o julgamento em menor tempo possível das lides e dos recursos pelas Turmas recursais. E não a extinção do processo sem direito a Recurso. Afinal, esse ato apenas enseja o acúmulo de mais ações no Judiciário, contribuindo, assim, para o seu afogamento.

Seria necessário, portanto, uma revisão legal nesse sentido, no intuito de incluir nas matérias do Recurso Inominado, a rediscussão da decisão extintiva prolatada pelo Juízo de Primeiro Grau. Cumpre constar que algumas decisões nesse sentido, não admitem sequer o ajuizamento de outra ação (pois o resultado seria o mesmo), como, por exemplo, no caso mencionado acima, por meio de jurisprudência. O Juiz, em sendo o mesmo, repetiria seu entendimento e sua decisão seria indiscutível se não fosse pela estreita via do Mandado de Segurança. Daí a necessidade de revisão da Lei, principalmente, com o escopo de se evitar decisões extintivas de conteúdo arbitrário.  

Sobre o autor
Filipe Augustus Pereira Guerra

Formado em Direito no ano de 2007 pela Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco; Pós-graduado em Direito Processual pela Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco; Pós-graduado em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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