O Direito Administrativo transnacional e a revisão do conceito de soberania no espaço jurídico global

14/05/2016 às 18:02
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Revisão do conceito de soberania.

INTRODUÇÃO

Trata-se de estudo sobre a novel concepção do Direito Administrativo em nível global, comunitário e transnacional, em que os impactos deste ramo jurídico não se limitam apenas ao território do Estado, mas avançam de forma global, chegando-se a ensaiar a existência de um interesse público comunitário.

O Direito Administrativo vem sofrendo diversas modificações em seus princípios e institutos. Diante disso, com a União Europeia, surgiu um novo Direito Administrativo, voltado à globalização econômica, tendendo à globalização jurídica.

No primeiro capítulo, aborda-se esta nova visão do Direito Administrativo na Europa após a integração com o estabelecimento de diretivas e regulamentos, sendo este último o ato administrativo por excelência, que tem efeito automático nos ordenamentos internos, bem como se sustentariam as normas internas frente o direito comunitário.

Em segundo momento, verifica-se se o conceito de soberania, desde os seus primórdios, poderá continuar sendo aplicado tanto no Direito Constitucional como Internacional diante das complexas relações sociais e jurídicas que se travam no mundo contemporâneo, considerando-se, por derradeiro, que possivelmente o conceito de soberania deva sofrer relativizações para se manter em evidência.

Por derradeiro, justamente busca-se a análise, em construção, do pensamento sobre a transnacionalidade e até que ponto a soberania pode persistir, considerando-se as ingerências de uma ordem jurídica externa limitadora do ordenamento interno de cada país. Neste aspecto, passa-se a analisar as novas tendências do Direito Administrativo comunitário sob a perspectiva do poder soberano.

1. O Direito Administrativo comunitário e suas mudanças no século XXI

Com o passar dos séculos, o conceito de Direito Administrativo veio sofrendo mudanças, como reflexo nas alterações de condutas e nas relações que se tornaram cada vez mais complexas em nível social, econômico e político, com a extensão do conceito de interesse público e o questionamento da crise sobre a permanência do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, gerando as alterações no Direito.

Registre-se que o Direito Administrativo surgiu como criação jurisprudencial, sendo fruto de decisões anteriores do Conselho do Estado, sofrendo o impacto destas mudanças narradas.

Em Portugal, especificamente, com o ingresso na União Europeia, a modificação na forma de elaboração e execução das normas, pois o direito interno cedeu espaço para o cumprimento das diretivas e regulamentos advindos do direito comunitário1.

Aliás, na Europa, houve sempre uma tendência natural de unificação até culminar na União Europeia que hoje pode ser compreendida como uma unidade regional e embora não consideramos como um Estado único, tem-se um continente mais organizado e integrado, inclusive, em nível de legislação, mesmo não existindo uma Constituição global. A mesma sorte, até o momento, não teve o Mercosul.

Neste sentido, destaca-se HUSEK (2009; p. 219) acerca da tendência de unificação do continente europeu que assinalou, in verbis:

Primeiro foi Roma, depois o Cristianismo, por intermédio do Papa, tentando impor uma unidade espiritual e política. Carlos Magno surge nesse cenário e também as Cruzadas, como objetivo comum aos povos estabelecidos na região. Napoleão e Hitler tentaram conquistá-la pela força; mas, nos termos modernos ela se une pela necessidade e pelo bom senso. A transformação que ocorreu na Europa é consequência de fatores históricos e da escolha natural pelo diálogo entre os povos, com base no desenvolvimento, além de conjunturas políticas e um certo receio de ver sua unidade territorial quebrada pelo domínio de países estranhos, como o expansionismo russo do pós-guerra.

Assim, hoje temos o Direito Administrativo Europeu relacionado à realidade da União Europeia, com as influências da jurisprudência do Tribunal europeu dos Direitos do Homem e a Carta dos Direitos Fundamentais, bem como a ênfase do cumprimento dos regulamentos no âmbito comunitário.

Ao mesmo tempo, o Direito Administrativo do século XXI enfrenta crises com a transformação do Estado decorrente da nova configuração do princípio democrático e da globalização, em quatro paradigmas clássicos, tais como: (1) o dito princípio da supremacia do interesse público sobre o privado; (2) a legalidade administrativa como vinculação positiva à lei; (3) a intangibilidade do mérito administrativo; (4) a ideia do Poder Executivo unitário.

Destaque-se que a União Europeia foi uma criação desde o ano de 1992, evoluindo-se gradativamente, com a firmação de novos compromissos, culminando com a implantação do EURO e com objetivos bem definidos, entre elas, a manutenção da integralidade do acervo comunitário e seus desenvolvimentos, expressos nas políticas e formas de cooperação institucional.

Para a sua validade, temos a utilização das diretivas e regulamentos, sendo estes últimos os atos administrativos mais importantes e aptos para a uniformização do ordenamento na União Europeia, em consonância com a ideia hoje da transnacionalidade. No entanto, faz-se mais utilização das diretivas com supedâneo em duas ideias: federalização e soberania.

Imperioso destacar que houve a modificação da mentalidade do Direito Administrativo quando a própria noção de Estado foi se alterando no decorrer dos séculos, desde o Estado Absolutista até o Estado Liberal, Estado Social e, hoje, o Estado Neoliberal.

Com o Estado Liberal, tivemos os primeiros sinais do Estado de Direito, quando o poder da Administração Pública tinha que se respaldar no princípio da legalidade como limites do próprio Estado, mas também como garantia do cidadão contra as arbitrariedades.

O Estado Liberal, também chamado de Estado Mínimo, teve a delegação para o setor privado de diversas atividades, devendo o Estado restar ocupado apenas com atividades indispensáveis, estando a ideia de serviços públicos encarada apenas como minimamente necessária.

Porém, mesmo com estas alterações nas filosofias de construção do Estado, há de se mencionar, ainda, a definição de Direito Administrativo como, de certa forma, presente em todos estes estágios. ANTUNES (2012; p. 30) traz definição completa do conceito de Direito Administrativo, fundamental para a narrativa dos argumentos a seguir:

O direito administrativo será então o conjunto de normas e princípios jurídicos vinculantes de direito público que regulam a atividade de toda e qualquer entidade, independentemente da sua natureza jurídica, que se proponha realizar fins de interesse público sob a direção ou o controlo de uma pessoa coletiva pública.

Acerca dos seus objetos de estudo, pode-se citar: organização, meios de ação, forma e relações jurídicas do Estado com os indivíduos, mediante a divisão de órgãos, distribuição de competências entre estes, poderes conferidos às autoridades administrativas, direitos e deveres dos servidores públicos, gestão de execução de bens públicos, serviços públicos, execução de atividades relevantes para a população etc. Em suma, a atuação da Administração Pública é inserida na função típica do Poder Executivo e nas funções atípicas dos outros poderes ou funções estatais.

Em um primeiro momento, existiu o Estado Absolutista que não conferia, praticamente, poderes aos indivíduos, tratando-os como súditos, e, em contrapartida, o Estado estaria acima e fora do Direito.

Aponta-se que, nas primeiras décadas do século XIX, o Direito Administrativo nasceu, destacando-se a origem na França, com leis de cunho administrativo, a partir de 1800, em que houve a sistematização da administração francesa, com base na hierarquia e na centralização.

Na França, Portugal e Espanha constrói-se, ao longo dos séculos XIX e XX, a figura do contrato administrativo que surge, primeiramente, em âmbito jurisprudencial, até porque o direito administrativo francês2 tem impacto na evolução da jurisprudência, destacadamente, em matéria de contrato, em que se passou a ser figura híbrida, onde as partes não estavam em pé de igualdade e com efeitos jurídicos diferentes.

O direito administrativo, em Portugal, teve influência francesa, apesar de ter recebido ingerência do direito alemão, em menor impacto. Em todos os casos, temos a influência da jurisprudência.

Depois, tivemos o Estado Liberal em que o princípio da legalidade passou a ser usado como referência e a Administração Pública passou a usufruir de certa supremacia em relação aos particulares nas relações travadas, destacadamente, no que tange à ideia de contratação pública e procedimento administrativo, sendo os atos administrativos dotados de imperatividade, auto executoriedade e presunção de legitimidade.

Nos séculos XIX e XX, o Estado além da função de delimitar o campo de atividades dos indivíduos e conter a liberdade, prestigiando a liberdade, passou-se a ter uma terceira função, qual seja, a intervenção na ordem econômica e social das sociedades, convertendo inúmeras relações privadas na preocupação do Estado, tais como os direitos sociais (trabalhistas e previdenciários, por exemplo).

Neste sentido, a Administração Pública passou a ser prestacional, com o advento do Estado Social, onde se verificou a generalização dos instrumentos e das ações públicas de segurança e bem - estar social, tendo o Estado atuação profunda nos setores sociais e econômicos da coletividade, passando a integrar o rol de funções estatais.

À medida que se foram ampliando as funções do Estado, aumentaram as atividades da Administração e hoje temos, praticamente, na maioria dos países da União Europeia e no Brasil, dimensões gigantescas. Como supedâneo, o Direito Administrativo se tornou fator condicionante de grande parte das relações sociais e econômicas dos indivíduos, aumentando a complexidade das atribuições.

Há quem afirme que a União Europeia foi uma criação fundamental do Direito Administrativo, sendo que este ramo jurídico está sujeito ao bloco normativo que compõe a ordem interna e internacional, sempre em consonância com a Carta dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores, em 19853.

O Estado, desta feita, precisou estabelecer novos mecanismos para que este auxílio e a aproximação à coletividade fosse mantido, sendo criados novos axiomas, como princípio da proporcionalidade e da razoabilidade nas escolhas públicas, nova flexibilização do mérito administrativo, e, ainda, novos institutos como as parcerias público – privadas e o instituto da arbitragem e mediação nos atos administrativos.

Ao mesmo tempo, como consequência negativa deste Estado, passou-se a observar, nos dois países mencionados e até na União Europeia, como um todo, um peso na atividade da Administração e nos institutos do Direito Administrativo, com o aumento das despesas públicas, sobrecarregando os orçamentos.

Destaca-se, no entanto, que existem princípios do Direito Administrativo que persistiram até os dias hodiernos, apesar da evolução do Estado, sofrendo ou não amplitude no decorrer dos séculos, ainda sobre a influência francesa que, à época, expandiu-se na Europa continental.

Observa-se que, mais uma vez, a ingerência da necessidade de releitura do interesse público para fins de que todos os princípios da Administração Pública passem por uma atualização necessária na visão atual do Estado Democrático de Direito.

Não se pode olvidar que ainda temos o princípio democrático, principalmente, na ótica do processo administrativo, em nível de Brasil e de União Europeia, em que se contempla várias limitações com a participação administrativa, passando o procedimento administrativo a ser uma espécie de “corredor aberto” para a ingerência de pessoas, abrindo mais espaço para as impugnações administrativas e também ao contencioso, em nível de União Europeia.

Imperioso destacar que, no âmbito do Direito Administrativo na União Europeia, temos um efeito peculiar que é a transnacionalidade e considerável parte das fontes nacionais na Europa são de origem comunitária, inclusive, os interesses públicos primários em nível comunitário é o que se verifica hoje.

A União Europeia passou a tratar do interesse público com uma noção de fins múltiplos, como fundamento e limite de atuação dos poderes públicos comunitários. O interesse público comunitário possuiria dois pilares: limitação dos poderes estaduais e fonte de legitimação e criação das entidades públicas comunitárias.

O interesse público, em sede de União Europeia, se impõe aos Estados -membros. Neste sentido, ANTUNES (2012; p. 126-127):

O interesse público passa a constituir o fundamento e o limite da Administração europeia e de sua atividade, maxime discricionária. O interesse público comunitário confere ainda uma profunda legitimidade à atividade pública comunitária, que repousa não tanto sobre a constituição do poder mas sobre a sua justificação, que se afirmou sobretudo pela mão da jurisprudência comunitária.

Como já dito, no âmbito da União Europeia, trata-se hoje da transnacionalidade do Direito Administrativo, destacadamente, nestes dois últimos séculos, em que os impactos da globalização se fazem presentes como força motriz.

Até porque a União Europeia encontra base no direito da integração, primeiramente, uma integração econômica entre os Estados, nascendo como bloco regional, mas sem se limitar à matéria econômica, pois teve integração jurídica, política, social, educacional, preventiva etc.

A ordem jurídica comunitária prevalece sobre a ordem jurídica interna de cada Estado – membro, embora não se possa responder que esta regra seja absoluta. Para parcela da doutrina, as normas comunitárias prevalecem até mesmo sobre as normas constitucionais.

Neste entendimento, haveria a incidência do dualismo jurídico, no sentido da existência de duas ordens reconhecidas, em que uma prevalece sobre a outra. É justamente neste entendimento que poderia se questionar se a soberania poderia persistir com o seu conceito tradicional.

O direito administrativo interno existe e é real no âmbito da União Europeia, especialmente em suas normas fundamentais, porém à medida que cada Estado – membro atua na área internacional e se inseriu nesta comunidade, deve o Estado cumprir os compromissos firmados por intermédio dos tratados, regulamentos e diretivas, os princípios internacionais e os costumes. Neste ponto, assenta HUSSEK (2009; p. 57):

Deve-se fazer um esforço para a harmonização do Direito Interno com as normas internacionais, não significando que esse esforço é de cego direcionamento internacional e/ou não de cumprimento da ordem interna, porém de harmonização clara, devida, necessária.

E, com supedâneo nisso, conclui-se que o Direito Administrativo está sujeito ao bloco normativo da ordem interna e internacional, devendo compatibilizar as expectativas e finalidades de ambos. Quando se passa a ter esta visão atualizada do Direito Administrativo, alguns questionamentos surgem como, por exemplo: o Direito Administrativo global existe?

Mais questionamentos: É preciso que haja uma Constituição global, com interesses públicos globais, fontes de direitos globais? E isso existe hoje? Há um Estado mundial e global?

Note-se, ainda, que não atingimos o nível de um interesse público global à medida que, mesmo no âmbito da União Europeia, muitos Estados-membros não estão na mesma situação econômica e social e o interesse público em determinadas matérias pode ser mais enfático em um do que em outros Estados-membros. Na União Europeia, busca harmonizar as legislações de diversos Estados e não, uniformização.

Isso porque os Estados -membros que compõem esta comunidade possuem diferenças sociais e econômicas. Sempre em consonância com a ideia de supranacionalidade que atinge o Direito Administrativo.

Neste aspecto, imperioso destacar as anotações de BORGES (2005; p. 347/379) em que destaca, em resumo, os princípios que norteiam o direito à integração, e, inclusive, atinente à União Europeia, tais como: princípio da coesão, democracia, supranacionalidade, lealdade, igualdade, preservação do acervo comunitário, proporcionalidade, subsidiariedade.

Assim, a integração social é o passo mais importante para fins de se lograr êxito a União Europeia, tanto que existe previsão desta integração nos artigos 48 a 51 do Tratado de Roma. As diferenças entre os países membros quanto às normas sociais não foram obstáculos intransponíveis ao rápido progresso e integração da comunidade.

Nem todos os Estados-membros possuem a maturidade de seleção do Estado no que tange, por exemplo, a privatizar serviços, anteriormente, públicos. Considerar num mesmo plano todos os Estados -membros poderia levar a uma situação de injustiça, contrariando o princípio da isonomia.

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Não se pode negar a existência de um Direito Administrativo comunitário, mas ainda não se pode supor em um interesse público global. Porém, é preciso destacar que o Estado deve persistir com seus pressupostos, mesmo que numa conjuntura mais globalizada e que as ingerências externas tenham significada importância.

Mas o Estado, mediante o seu poder soberano, deve criar seu ordenamento jurídico ou permitir participar de um ordenamento comunitário, respeitando as necessidades inadiáveis da comunidade, tal como ocorre na identificação dos interesses primários.

O fato é que houve uma “europeização” do Direito Administrativo e, ainda, o Direito Administrativo europeu está englobado na perspectiva do Direito Administrativo global, embora não tenhamos hoje, autenticamente, um Estado global e uma Constituição global.

Destaque-se que existe efeito irradiante da transnacionalidade ou supranacionalidade no âmbito do Direito Administrativo europeu, com a rediscussão e releitura de todos os princípios, embora não se possa falar propriamente em um Direito Administrativo global pela inexistência completa de uma Constituição global e com interesses públicos predominantemente globais.

2. O princípio da soberania do Estado e sua atuação no mundo contemporâneo

Os elementos do Estado, na ideia clássica, eram: território (não num sentido geográfico, mas jurídico), povo (alguns denominam população), constituição e governo soberano (suprema potestas). Neste último, temos, praticamente, a organização política estável que mantém a ordem interna e representa o Estado no âmbito internacional.

Daí porque alguns denominam de poder soberano ou soberania, conforme expressão de Jean Bodi4. Para estes, a soberania seria absoluta, una, indivisível, perpétua, indelegável e improrrogável.

Quando o conceito de soberania surge, vem trazendo em seu cerne a concepção de superioridade, o mais alto poder, sem qualquer laço de sujeição, sem limites, sequer da lei. É a primeira noção do poder soberano, baseada na monarquia francesa.

Observa-se, ainda, que a soberania pode ser classificada em interna e externa. Na primeira situação, temos a ideia de poder supremo, um poder jurídico em que a organização poderá ostentar ou não, bem como elaboração do ordenamento interno com superioridade e supremacia; e, no segundo caso, a independência.

Outra classificação que se põe é a soberania do Estado e a soberania no Estado.

No primeiro caso, pretende-se manter a supremacia do Estado sobre as demais instituições existentes.

No segundo caso, temos a hierarquia no interior do Estado, em que se deve buscar a legitimidade, surgindo a problemática de se encontrar o titular da soberania, dividindo-se para solucionar esta polêmica as doutrinas teocráticas (natureza divina dos governantes, da investidura divina, da investidura providencial) e democráticas (soberania popular, soberania nacional).

E, ainda, na ordem internacional, temos Estados com apenas uma faceta desta soberania, os chamados semi-soberanos ou Estados exíguos tal como como ocorre com a Santa Sé, Liechstein, Andorra, Mônaco e San Marino, em que não há soberania externa, mas somente interna. Já nesse caso, temos a concepção de soberania parcial ou relativa.

O Estado ainda deve ter finalidades, do qual se destaca a consecução do bem comum ou o interesse público primário5.

A soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto e das normas constitucionais pertinentes em cada Estado, do qual citamos o art. 1 da Constituição Federal de 1988, do Brasil. Ainda se deve atentar que a titularidade deste poder soberano é o povo.

Diante disso, há doutrinadores sustentando que soberania não passa de um instituto histórico que não se sustenta na atualidade. Dentre estes, podemos citar Kelsen e Duguit. Logo em seguida, passou-se a uma afirmação relativa do conceito de soberania. Registre-se que o assunto é polêmico e, como visto, existem as teses afirmativas absolutas, afirmativas relativas e a negação do princípio da soberania.

Com as repercussões políticas e econômicas da globalização, passou-se a consentir na existência e importância de duas ordens: interna e internacional. E isso porque as decisões dos países não se limitaram somente ao seu espaço territorial, daí porque possuem impactos e sofrem estes além das fronteiras, daí porque se denomina de transnacional.

Nota-se, ainda, que a partir do momento em que um país se insere num mercado regional, está aberto à ingerência de forças externas, principalmente, no que tange à legislação. No caso em análise, temos, por exemplo, Portugal e União Europeia em que estão unidos pelo ingresso como Estado-membro e, assim, possui além de sua legislação interna, a influência direta da legislação do Direito Comunitário, principalmente, pelos regulamentos e diretivas.

Em suma, MONCADA (2012; p.33) assinala, em feliz síntese:

O direito europeu originário e derivado prevalece sobre o direito interno seja este de que nível hierárquico for. É um direito supranacional. Assim o determina o n. 4 do art. 8 da CRP. Isto significa que a ordem jurídica da economia portuguesa é, no essencial, a europeia. Por outro lado, o direito europeu é de aplicação automática na ordem interna, sem necessidade de qualquer ato interno de receção. O direito europeu é assim dpe interno português. Em consequência do primado geral do direito europeu, as autoridades nacionais, juiz à cabeça mas também a Administração, devem desaplicar todo o direito nacional que contrarie o europeu.

Poderia se questionar se o conceito clássico de soberania sobreviveria diante do exemplo supra. E se responderia negativamente ao considerarmos o conceito clássico, haja vista a qualidade de absoluto que rodeava o conceito. Porém, há muito tempo já não se pode conceber a ideia de soberania desta forma.

É preciso relativizar o conceito, no sentido de que um Estado pode manter sua soberania, mas não sendo “uma ilha no mundo”, porém aberta ao que o plano internacional pode lhe conceder, abrindo certa parcela do seu poder em prol de um interesse muito maior, denominado interesse público comunitário e interesse público global em construção.

E, além disso, ainda que o Estado-membro receba as influências do direito comunitário, é preciso destacar que não houve a supressão da soberania, pois os países continuam exercendo sua influência sobre o seu povo e, além disso, com os direitos, deveres e responsabilidades em relação aos seus administrados, com o cumprimento das atividades da Administração Pública.

A ideia da supranacionalidade é sobreviver com o instituto da soberania, porém com a convivência harmônica entre os dois, revelando-se este como um dos seus maiores desafios. Isso porque os governos estabelecem entre si formas de cooperação no seu interesse recíproco. Compreende-se esta soberania relativa como a cessão parcial de independência apenas em alguns dos setores no sentido de se atingir uma finalidade muito maior que beneficiará de forma mais rápida e eficaz todos os administrados. A formulação de governo passa a ser partilhada não nos limites de um território, mas se instituem formas federais e globais de governo, passando a ser questionada a soberania absoluta.

No panorama atual, temos a substituição de um modelo de soberania, como poder absoluto, nos limites territoriais jurídicos e geográficos para um modelo de interdependência e cooperação internacional dos Estados, com a consequente criação de poderes de regulação supranacional e internacional transferidos para as organizações competentes.

A grande discussão é, se de fato, com a evolução da ideia da transnacionalidade, a soberania cederá espaço para a mera autonomia dos Estados – membros, deixando-se de ter países soberanos para países autônomos, sem deixá-los providos das marcas da independência e da liberdade de instituição de seu ordenamento jurídico de forma plena.

Questiona-se, sobretudo, se com a vinda de uma Constituição europeia, os Estados-membros “se deixarão levar” pela máxima de uma supranacionalidade, abolindo, em definitivo, o seu poder constituinte originário. Nesta ótica, até o dogma do poder constituinte originário seria prejudicado.

No entanto, a prevalência do direito europeu sobre o nacional não implica revogação tácita deste pelo direito europeu em caso de desconformidade. Temos, ainda, que esta relação de hierarquia não é perfeita, sendo fundamental o papel dos juízes nacionais.

Explica-se melhor. A soberania persiste, pois os Estados -membros podem criar suas normas jurídicas para serem aplicadas aos seus cidadãos, inclusive, aquelas atinentes da questões peculiares, inclusive, para a prosperidade econômica e de melhor execução administrativa dos serviços públicos, por exemplo.

Apenas esta liberdade e independência para elaboração de novas normas jurídicas cederá espaço para o caráter transnacional das normas, tendo em vista que tudo deve ser visto sob o pálio da transnacionalidade e do direito comunitário.

Quando se afirma que as normas europeias se sobrepõem ao direito interno, a entonação é apenas para a aplicação das normas no caso concreto, pois com a vinda do direito comunitário e esta sua ideia de prevalência sobre as normas internas, entende-se que não há mera revogação das normas que deixam de existir, mas sim uma prevalência de aplicação. Por isso, a soberania persiste.

E ainda há um outro aspecto. A legislação do direito comunitário não é completa, sobrando diversas lacunas a serem preenchidas pelo direito interno de cada país, ocasião em que tal só é possível, no plano interno, graças à ideia de poder soberano, até mesmo por uma questão de diferenças claras entre as ordem europeia seja em matéria econômica, social e administrativa europeia e a portuguesa. Neste prisma, registro a posição de MONCADA (2012; p. 38):

A natureza muito genérica dos referidos princípios gerais e a estrutura maleável das Diretivas europeias que carecem de transposição para que possam ser diretamente aplicáveis na ordem interna permite ao legislador interno, seja ele o constitucional seja sobretudo o legislativo, uma ampla liberdade de conformação, muito mais do que meramente executiva, que possibilita ordens jurídicas relativamente diferenciadas. Seja como for, o dpe português começa por ser europeu e a referida margem de manobra do legislador interno apenas é viável no enquadramento europeu e depois dele.

No caso de Portugal, por exemplo, os artigos 7 e. 8 da Constituição Portuguesa de 1976 inserem as normas de direito internacional geral ou comum e as de direito internacional convencional como parte integrante do direito português, como fruto do poder constituinte originário que, por sua vez, é advinda do poder soberano.

Existe a constitucionalização expressa de certos princípios gerais de origem internacional, tratando-os como princípios constitucionais internos.

Com supedâneo nisso, chegar-se-ia à conclusão de que o poder soberano fez a opção em permitir a inclusão dos princípios e regras do direito comunitário como normas internas do direito português.

Os governos, na soberania relativa, comprometem-se entre si, mas sempre numa perspectiva da soberania, mantendo suas identidades. Destaca-se a posição de CUNHA (2005; p.120-121) que aborda a concepção de soberania e de transnacionalidade em diversos níveis, culminando com um estado mundial, ainda de forma teórica:

Um primeiro nível, que aliás reforça a ideia de universalidade do governo, é o das formas de intergovernamentalidade: em relações mais ou menos sinalagmáticas (e algumas meramente platónicas, como declarações de boas intenções), os governos entre si estabelecem formas de cooperação no seu interesse recíproco. Desde um tratado cultural a uma confederação, passando por uma aliança, temos aqui vários níveis de comprometimento, sempre numa perspectiva de manutenção da “soberania”, na verdade autonomia ou identidade. No segundo nível, a clássica soberania é realmente posta em causa (….) Num terceiro nível, ainda hipotético e utópico, um estado mundial, um império certamente, absorveria todos os governos estaduais nacionais, multinacionais, todas as instâncias supranacionais criando teoricamente a paz internacional (…).

Mesmo se considerando que o direito comunitário prevaleça sobre o interno, no que tange à aplicação, é verdade se supor que o poder soberano deve se basear no princípio democrático para que possa estar legitimado. Isso porque o poder soberano deve ser legítimo, advindo da vontade popular e para a confirmação do princípio da confiança.

Ocorre que, no caso português, firmador, em âmbito constitucional, do Estado de Direito Democrático (art. 2 da Constituição Portuguesa de 1976), tem a devida correspondência deste princípio na democracia política que integra a Comunidade Europeia.

A União Europeia se mostra avessa ao reconhecimento de qualquer ordem transcendente que não decorra da democracia, conforme estipulado no Tratado de Roma. A própria União Europeia, de certa forma, prestigiou o princípio democrático e o poder soberano, pois somente quem detinha tais pressupostos reuniria as condições para o devido e regular ingresso, tal como ocorreu com Portugal.

Nota-se que o declínio do conceito de soberania surge especificamente da concepção transnacional, principalmente, pela necessidade da criação de uma ordem internacional, vindo esta a prevalecer sobre a ordem interna. É um conceito, sem dúvida, que passa por uma inevitável revisão doutrinária e jurisprudencial.

3.O Direito Administrativo transnacional e os impactos da soberania relativa: globalização jurídica

Já estamos vivenciando um Direito Administrativo global? A grande celeuma é sobre o significado dessa globalização para este ramo jurídico. Aponta-se, primeiramente, a própria reformulação dos axiomas que devem ser vistos agora de forma plúrima e além das fronteiras após a criação da União Europeia.

Passa-se a repensar o Direito Administrativo. É o caso dos princípios dogmas como o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, o da legalidade (hoje, compreendendo-se como princípio da juridicidade), da proporcionalidade, da razoabilidade, da segurança jurídica, o da indisponibilidade do interesse público etc.

Há a nova visão do interesse público primário que deve ser considerada como interesse, em tese, global, bem como o princípio da legalidade deve ser visto numa nova ótica, pois estamos nos referindo a sua aplicabilidade em termos de um ordenamento comunitário com finalidades mais generalizadas e a própria fase ocorrida em diversos países, como em Portugal, da desconstrução da pessoa jurídica de direito público e a ideia de juridicidade para substituir a de legalidade.

São os novos rumos do Direito Administrativo interno e os desafios do Direito Administrativo comunitário, em que existe um distanciamento com a figura do Estado. Nesse sentido, aponta ANTUNES (2012; p. 167) que as discussões ventiladas como esta globalização com impacto no Direito são:

  • declínio do nomos da terra;

  • crise do princípio da legalidade;

  • explosão dos direitos fundamentais;

  • alteração do tempo jurídico;

  • rutura do sistema de fontes;

  • globalização x universalidade

Existe a expectativa jurídica da tentativa de unificar o espaço jurídico global, tendo a União Europeia gradativamente estabelecido o ordenamento compreendendo os tratados, as diretivas e os regulamentos que tendem a prevalecer sobre a ordem interna dos países, relativizando a soberania, até porque este conceito, conforme visto, passa por revisão.

Pode-se dizer que a União Europeia é um ordenamento de fins gerais (as finalidades não são mais limitadas) e o destaque da figura do indivíduo que passou a ser visto como cidadão europeu, detentor de direitos fundamentais.

Com a relativização do conceito de soberania, há uma valorização da ideia de supranacionalidade, caminhando-se para a tentativa de uma globalização jurídica, em suma, de se criar uma Constituição global.

A ideia relativa de poder soberano está intimamente relacionada com a concepção de transnacionalidade, sendo reflexos da metamorfose do Direito Administrativo, com uma nova fonte de produção do Direito, mas sem olvidar a força da privatização dessas fontes que deixam de ser feitas exclusivamente pelo Estado para ser feita por entes privados.

Mesmo assim, com a ideia de transnacionalidade, alguns conceitos jurídicos administrativos foram modificados, tais como o ato administrativo que passou a ter o viés transnacional, a contratação pública e até a questão dos serviços de interesse público, por exemplo. O ingresso na União Europeia propicia a integração econômica entre os países, com consequências jurídicas, com a retração do espaço econômico público estatal.

Temos uma Administração Pública policêntrica, em que a União Europeia se torna a atual forma histórica de um ordenamento jurídico de fins gerais, em que, mesmo não havendo uma Constituição global, todos os ordenamentos jurídicos dos países que a compõem consentem de forma expressa que se recepcionem a legislação comunitária, formando na União Europeia um ordenamento jurídico complexo, em que o direito constitucional europeu está no topo.

Pode-se observar que um dos pilares da formação da União Europeia foram interesses econômicos que, de certa forma, passaram a influenciar nos sistemas de regulação e no ordenamento jurídico interno de cada país à medida que as regulações globais passaram a impor limites aos direitos administrativos nacionais, perdendo ou diminuindo a possibilidade de fixar medidas, por exemplo, de índole ambiental e sanitária para o fornecimento da integração econômica entre as nações.

A transnacionalidade, desta feita, surge como reflexo desta interação e, assim, implica dizer que os efeitos irradiantes do ato ultrapassam o território, podendo suas consequências ser vistas no plano internacional, para mais de um país. Não é cabível apenas falar em mera competência territorial dos atos administrativos.

Isso porque alguns atos administrativos emanados pelas autoridades da União Europeia terão efeitos sobre todos os países de forma automática ou não. Isso porque haverá situações em que os países membros podem ou não fazer controle dos efeitos do ato administrativo transnacional em seus territórios. Justamente nesta duplicidade de formatos na adesão do ato administrativo provindo da União Europeia, pode-se falar que a soberania ainda subsiste apesar da integração.

Para que possa haver esta compatibilidade no plano econômico e normativo, é preciso que a Administração nacional e a transnacional também estejam integradas, o que frontalmente leva a mudanças de paradigmas no direito administrativo, transformando-se em Administração Pública composta em atuação comunitária e com o interesse público comunitário, sendo este capaz de legitimar a intervenção das atividades administrativas comunitárias.

O interesse público comunitário terá uma amplitude/extensão mais significativa que o interesse público primário eleito pelos países de forma interna. Esta amplitude seria legitimadora das autoridades administrativas porque apresenta o fundamento que justifique a supranacionalidade e a soberania relativa. Ao mesmo tempo, é limitadora do poder soberano, tendo em vista que seria o caso de limitar as atividades administrativas dos países.

As principais consequências seriam justamente na alteração dos paradigmas ou na releitura destes, bem como a alteração do que se entende das figuras de atos e contratos públicos, o que cria impacto também nos serviços públicos que passam a ser solucionados pelas autoridades comunitárias.

A título de exemplo, o artigo 86 do Tratado Constitutivo da União Europeia determinou que os serviços públicos fossem exercidos em regime de concorrência, tornando ilegítimas as reservas de mercado que os Estados-membros faziam em favor de empresas públicas e privadas5.

Foi visto anteriormente que a soberania passa a ser relativizada e, ainda, que a União Europeia teve este impacto na reformulação dos conceitos, e, ainda na relativização da soberania. Neste sentido, anota ANTUNES (2012; p. 150-151):

A confeção de uma Administração comum ou composta pressupõe o abandono da tradicional distinção entre execução direta e execução indireta (em que a Administração comunitária, que era pequena fazia fazer às Administrações nacionais) a favor de formas de colaboração comum entre a Administração comunitária e as Administrações nacionais. Comporta, inclusive, e isto é muito importante, não só uma abertura horizontal dos ordenamentos nacionais como das respectivas Administrações. Daí a expressão Administração transnacional e sua consequência jurídica mais relevante: o ato administrativo transnacional.

A aproximação do Direito Administrativo ao Direito Constitucional, o que é notório, e, ainda, a forma como a União Europeia se organiza, torna discutível a possibilidade de se estabelecer as bases de um constitucionalismo cosmopolita, hipotético, meramente teórico. Apesar disso, encontram-se idealizadores na doutrina de diversos países.

No Brasil, temos defensores como André Ramos Tavares e Uadi Lammêgo Bulos que também fazem alusão a duas expressões que podem ser consideradas aplicáveis em termos de União Europeia como “totalitarismo constitucional” e “constitucionalismo da verdade”, em que há ênfase dos direitos fundamentais e de normas de aplicação imediata.

Essas ideias evoluem para uma perspectiva de dirigismo comunitário que busca difundir a ideia de proteção aos direitos humanos e da propagação para todas as nações, destacando-se o princípio da solidariedade/fraternidade.

Justamente nesse constitucionalismo do futuro, do qual há reflexos imediatos no Direito Administrativo e na globalização jurídica, teremos dois princípios: o integração e o da universalização, definidos por LENZA (2011; p. 58):

Integração: trata-se da previsão de órgãos supranacionais para a implementação de uma integração espiritual, moral, ética e institucional entre os povos;

Universalização: refere-se à consagração dos direitos fundamentais internacionais nas constituições futuras, fazendo prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana de maneira universal e afastando, assim, qualquer forma de desumanização.

A relativização da soberania permitiu, ainda, que as reflexões recaíssem na possibilidade da criação de uma ordem jurídica mais coesa e condizente com os interesses da coletividade que devem ter uma esfera supranacional. Neste sentido, assinala BONAVIDES (2001; p. 123):

A crise contemporânea desse conceito envolve aspectos fundamentais: de uma parte, a dificuldade de conciliar a noção de soberania do Estado com a ordem internacional, de modo que a ênfase na soberania do Estado implica sacrifício menor ou maior do ordenamento internacional e, vice-versa, a ênfase neste se faz com restrições de grau variável aos limites da soberania, há algum tempo tomada ainda em termos absolutos: doutra parte, a crise se manifesta sob o aspecto e evidência de correntes doutrinárias ou fatos que ameaçadoramente pertenciam a existência de grupos e instituições sociais concorrentes, as quais disputam ao Estado sua qualificação do ordenamento jurídico supremo, enfraquecendo e desvalorizando por consequência a ideia mesma de Estado.

Com a transnacionalidade, os países devem adotar procedimento administrativo de caráter internacional, haja vista os reflexos que seus atos terão nos demais países integrados, mas também pelo efeito inverso, em que a União Europeia lança as diretrizes e regulamentos para os países da integração.

Isso condiciona a liberdade decisória do Estado – membro da União Europeia. Aliado a isso, temos a crescente transnacionalidade das Administrações nacionais e dos seus atos administrativos.

Importa salientar, sobretudo, que quando o Estado-membro faz referidas concessões e se submete à ingerência internacional, representa, primeiramente, o próprio exercício do poder soberano pelas partes quando fizeram a opção de se submeter aos ditames da União Europeia e, analisando sob esse prisma, nota-se que a transnacionalidade é uma decisão soberana.

Ao mesmo tempo, os países da União Europeia devem obedecer a alguns princípios, como relativização da soberania, em busca de uma globalização jurídica no sentido de que haja transparência, ocasião em que os países devem informar as suas medidas para o plano internacional como forma de controle se tais preceitos irão ferir o interesse público comunitário.

Os países da União Europeia devem, ainda, buscar harmonizar suas normas com as diretivas e os regulamentos fixados pelas organizações internacionais para fins de evitar disparidades no próprio sistema. Nesse passo, as decisões da Administração Pública interna devem cumprir o mínimo que já fora estipulado no plano comunitário, e, ainda, respeitar e cumprir os procedimentos a nível global.

Oportuno destacar que, em determinadas situações, os países irão optar por conferir uma proteção mais ampla no nível doméstico do que estabelecido a nível global, por exemplo, em matéria social. Para tanto, devem cumprir os procedimentos globais e se percebe que ainda subsiste a soberania pelo poder que se confere para esta decisão política e administrativa.

A problemática da soberania surge novamente quando se depara com o controle jurisdicional em nível comunitário para fins de verificação se há excessos ou desvirtuamentos dos Estados -membros nas suas medidas administrativas internas, vinculando-os a procedimentos administrativos de mútuo reconhecimento, bem como há um limite externo às atividades das Administrações nacionais.

Mesmo com estes poderes limitativos das autoridades comunitárias, nota-se que o interesse público comunitário aproxima os países mais intimamente, sobrepondo-se à concepção de integração meramente econômica, mas migrando-se, a passos largos, para a busca de uma globalização jurídica, com a harmonização dos diversos ordenamentos internos em prol de um bem comum muito mais amplo e que atenda a satisfação de todos os povos.

Ainda não existe a Constituição global, porém, a atividade administrativa já caminha para uma coesão em que já se faz possível repensar o mundo sob a ótica de uma globalização jurídica ou pré globalização jurídica, até porque o direito europeu é cumulativo e construtivo, pois não há, em tese, uma ideia de uniformização, mas de harmonização, cumulatividade das peculiaridades de cada país para fins de formação de um ordenamento global.

As consequências disto serão ditadas pelas escolhas corretas do interesse público comunitário e pelo sucesso da evolução dos direitos fundamentais, tudo em prol da felicidade dos povos.

CONCLUSÃO

Com a transnacionalidade, os países devem adotar procedimento administrativo de caráter internacional, haja vista os reflexos que seus atos terão nos demais países integrados, mas também pelo efeito inverso, em que a União Europeia lança as diretrizes e regulamentos para os países da integração.

Isso condiciona a liberdade decisória do Estado – membro da União Europeia. Aliado a isso, temos a crescente transnacionalidade das Administrações nacionais e dos seus atos administrativos, levando-se a uma releitura do conceito clássico de soberania que não pode mais ser visto numa ótica absoluta, perpétua e indelegável.

Importa salientar, sobretudo, que quando o Estado-membro faz referidas concessões e se submete à ingerência internacional, por meio dos tratados, diretivas e regulamentos representa, primeiramente, o próprio exercício do poder soberano pelas partes quando fizeram a opção de se submeter aos ditames da União Europeia e, analisando sob esse prisma, nota-se que a transnacionalidade é uma decisão soberana.

Ao mesmo tempo, os países da União Europeia devem obedecer a alguns princípios, como relativização da soberania, em busca de uma globalização jurídica no sentido de que haja transparência, ocasião em que os países devem informar as suas medidas para o plano internacional como forma de controle se tais preceitos irão ferir o interesse público comunitário.

Os países da União Europeia devem, ainda, buscar harmonizar suas normas com as diretivas e os regulamentos fixados pelas organizações internacionais para fins de evitar disparidades no próprio sistema. Nesse passo, as decisões da Administração Pública interna devem cumprir o mínimo que já fora estipulado no plano comunitário, e, ainda, respeitar e cumprir os procedimentos a nível global. A soberania se mantém diante da globalização jurídica, mas em nível menor e numa nova concepção que admite o ordenamento internacional.

BIBILIOGRAFIA

ANTUNES, Luís Filipe Colaço. A Ciência jurídica administrativa. Coimbra: Almedina, 2012.

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento jurídico. 10 ed. Brasília: Editora UNB, 1997.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2001

CONSTITUIÇAO DA REPÚBLICA PORTUGUESA DE 1976.

CUNHA, Paulo Ferreira da. Política Mínima. 2 a ed. Coimbra: Almedina, 2005.

DINIZ, Arthur J. Almeida. Novos paradigmas do direito internacional público. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995.

HUSSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 9 ed. São Paulo: Ltr, 2009.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15 a ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MONCADA, Luís Cabral de. Manual Elementar de Direito Público da Economia e da Regulação: uma perspectiva luso – brasileira. Coimbra: Almedina, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006

STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado – parte geral. São Paulo: Ltr, 1996.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

1No âmbito da União Europeia, temos as diretivas e regulamentos. A legislação interna de cada Estado-membro deve se adaptar ao Direito Comunitário europeu. Com as diretivas, os Estados podem adaptar determinadas normas em seus ordenamentos internos de forma gradativa. Com os regulamentos, a adaptação se torna obrigatória, devendo ser cumprida pelos Estados – membros que não podem alegar ofensas aos seus ordenamentos internos. No direito comunitário, temos a ordem interna como fonte primária e os regulamentos e as diretivas como fontes secundárias. Os regulamentos, na União Europeia, entram automaticamente em vigor sem necessidade de transposição. Diferente das diretivas em que os Estados -membros devem fazer a devida transposi

ção, tendo liberdade quanto aos meios desta transposição, apesar de vinculadas aos fins. No âmbito das decisões administrativas, ainda temos os pareceres e recomendações. O Regulamento passa a ser o ato administrativo mais importante no âmbito da União Europeia, sendo o instrumento jurídico apto para criar um ordenamento mais uniforme. Mais tecnicamente podemos classificá-los: a) atos nominados que são os previstos nos Tratados; b)atos inominados que são as resoluções, os acordos, conclusões que os órgãos praticam no desempenho de suas funções. Os tratados que instituem o Direito Comunitário estão em posição superior, porque deles é que se originam os demais atos. Os regulamentos estão abaixo dos tratados.

2O direito francês possui algumas originalidades. A França exerceu influência jurídica sobre o direito ocidental, apesar da maior parte da colonização ter sido feita pela Inglaterra. No direito alemão, tivemos a ideia de que a figura do contrato administrativo, por exemplo, é incompatível com o paradigma da Administração Pública. Não se aceitava a figura típica do contrato de direito público. Isso também aconteceu na Itália. Entendia-se que o contrato administrativo seria instituto de direito privado, ocorrendo apenas em situações excepcionais, pois se ingressaria no mundo do direito privado, sem características de regime de direito público. Estas informações foram extratos das aulas ministradas na Universidade do Porto pelo professor Pacheco Amorim em 15.07.2013 acerca da matéria de contratação pública.

3Doze direitos básicos foram ali estabelecidos: 1) liberdade de movimento; 2) remuneração justa; 3) melhoria de vida e de condições de trabalho; 4) proteção legal; 5) liberdade de associação; 6) treinamento; 7) tratamento igual entre homens e mulheres; 8) participação na vida da empresa; 9) proteção à saúde e segurança do trabalho; 10) renda na aposentadoria; 11) proteção às crianças; 12) integração dos deficientes. Cremos que esta preocupação ainda é uma realidade na Europa atual. Referida Carta foi adotada em 1985 de iniciativa do Presidente Mitterrand, que conseguiu a assinatura de onze Estados, menos da Inglaterra. Em 1990, foi elaborado um regime de direitos mais completo, versando também sobre direitos trabalhistas.

44 Jean Bodi foi quem formulou esta ideia em 1576 de soberania, tendo como esta um elemento da República, dizendo que a República é o justo governo de muitas famílias, sendo-lhes comum o poder soberano. Na visão clássica, o poder soberano será absoluto e perpétuo, independente da ordem internacional e que só poderia existir Estado se houvesse soberania. Esta ideia absoluta já demonstra, de plano, que não há espaço para a intervenção da ordem internacional, não podendo mais prosperar esta ideia, pois, como será visto neste capítulo, o instituto da soberania entrou em crise, atualmente sendo vista como poder relativo, no sentido de que a ordem interna depende da ordem internacional. Mais tarde, os estudos de Jellineck refizeram a ideia de soberania absoluta, principalmente se for considerar a soberania não mais como elemento absoluto, passando-se a considerar a existência de Estados soberanos e Estados não soberanos, flexibilizando-se a ideia de que a soberania seria elemento constitutivo do Estado. Neste mesmo prisma, temos a opinião de Paulo Bonavides, na obra citada na bibliografia, em seu capítulo sobre SOBERANIA.

5 Interesse público, paralelamente, relaciona-se com o Estado e seus elementos constitutivos. Isso porque o Estado funciona como um administrador de interesses gerais da sociedade definidos no texto constitucional. O interesse público, inerente ao Estado, é posto sob a responsabilidade deste e como finalidade de sua ação. É o interesse geral da sociedade também denominado de bem comum que, ao seu turno, inspira a ação política do Estado considerando os regimes políticos de povos civilizados. Na visão clássica, o interesse público é algo superior e diferenciado dos demais interesses existentes no seio da sociedade. Hoje, como veremos, temos a situação de aproximação da concepção de interesse público tal qual se vê no direito anglo-saxônicos, principalmente, pelas novas mentalidades do Estado Neoliberal, com o corte nos orçamentos públicos. Nota-se, ainda, que nas teorias anarquistas e maxistas existe a negativa da própria soberania e não somente, a sua relativização.

5Art. 86.1: No que respeita às empresas públicas e às empresas a quem concedam direitos especiais ou exclusivos, os Estados-membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no presente Tratado, designadamente ao disposto nos artigos 12 e 81 a 89, inclusive. 2. As empresas encarregadas de gestão de serviços de interesse econômico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente, às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afetado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade. 3. A Comissão velará pela aplicação do disposto no presente artigo e dirigirá aos Estados-membros, quando necessário, as diretivas ou decisões adequadas.

Sobre o autor
Maria Rafaela de Castro

Juíza do Trabalho da 7a Região. Trabalhou como Juíza no TRT da 14a Região e como promotora de Justiça no Ministério Público do Estado de Rondônia. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Porto, em Portugal. Professora de Cursos Preparatórios.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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