Colaboração premiada

14/05/2016 às 23:07
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Hordienamente uma operação que visa investigar os atos criminosos de empresários e agentes políticos vem ganhandoa cena do noticiário político brasileiro, nesse diapasão uma palavra tem se destacado: “delação premiada”, este artigo visa tecer breves com

1. ORIGENS DO INSTITUTO 

 

Primeiro cumpre dizer que o instituto da delação premiada não é novo e já tendo existido em nosso ordenamento jurídico estando previsto ao teor do Livro V das Ordenações Filipinas, que em Título CXVI previa que “se perdoará aos malfeitores, que derem outros à prisão”,o referido instituto vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830, azo em que deixou de ter aplicabilidade.

Após este hiato temporal o instituto voltou ao nosso ordenamento jurídico, no entanto sem guardar muita similitude com o primeiroe nada ortodoxo instituto tupiniquim, pois o mesmo era usado, não raro, como instrumento de vindita privada e como fruto da torpeza de criminosos para condenar inocentes e elidir a culpa dos delatores verdadeiros culpados, tal fato acontecia poisàépoca o instrumento da delação premiada era usado como prova cabal,diferente do que temos nos moldes atuais, atendendo também a conveniências políticas e sociais como no caso da delação de Tiradentes no ceio do movimento político-ideológico que depois veio a ficar conhecido como Inconfidência mineira.

A verdade é que quando reestreou em nosso ordenamento jurídico o mesmo sofreu desta vez uma enorme influência de um institutoexistente no ordenamento jurídico norte-americano que lá recebe o nome de "pleabargaining"

A "pleabargaining"como existe nos Estados Unidos se refere a “qualquer acordo em um caso criminal entre o promotor e réu pelo qual o réu concorda em se auto-declarar culpado de uma acusação particular em troca de alguma concessão do promotor.” A “delação premiada” como a conhecemos hoje no Brasil é apenas uma das vertentes do acordo em tela. Pois o instituto jurídico nos exatos moldes como existe no ordenamento estadunidense não teria sua aplicação em nossa realidade pátria tendo em vista a normativa de esteio constitucional que torna indispensável o devido processo legal para que se possa considerar um indivíduo culpado, não bastando para isto sequer a confissão do acusado devendo a mesma ser cotejada com outros meios de prova.

No Brasil a “pleabargaing” tem correspondência na figura da “justiça consensuada”, e esta tem como espécie a justiça colaborativa que é aquela em que se premia o criminoso quando colabora consensualmente com a Justiça criminal. Destarte podemos entender que a justiça colaborativa é por essência a “colaboração premiada”.

 

 

2. DEFINIÇÃO

 

Em nosso ordenamento jurídico a “delação premiada” pode ser definida como um acordo que traz em seu bojo a oferta de benefícios concedidos pelo Estado para aquele que confessar e prestar informações proveitosas ao esclarecimento de um fato delituoso e da identidade de seus agentes, além de contribuir no desiderato de reaver o produto do crime.

Para além da definição supracitada podemos entender que a delação premiada, em nosso ordenamento jurídico se configura em um acordo entabulado entre o membro do Ministério Público e o acusado, onde este recebe um conjunto de vantagens em troca de informações importantes para elucidar o caso.

 

 

3. NATUREZA JURÍDICA 

 

No que concerne à natureza jurídica do instituto esta pode variar de acordo com cada caso. Cada lei que traz em seu âmago o instituto em tela defere benéficos ao delator e de acordo com cada espécie de benefício o instituto da delação premiada pode ter uma natureza jurídica diversa.

Podemos citar como benefícios carreados pelo instituto apenas a guisa de exemplificação a substituição, redução ou isenção da pena, ou até mesmo o arbitramento de regime prisional menos gravoso.

            Como acima visto o instituto tem uma natureza jurídica diversa conforme a lei e os benefícios que institui. Destarte a natureza jurídica do instituto pode ser, por exemplo, uma causa de diminuição de pena, a incidir na terceira etapa do sistema trifásico de aplicação da pena, como o verificado no caso da lei 7492/86 que em seu art. 25,§ 2ºdiz que “nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.”

            A delação premiada pode também ter natureza jurídica de uma causa de extinção da punibilidade, pois pode resultar na concessão do perdão judicial, nos termos do art. 13 da Lei 9.807/99 que faculta ao juiz, de ofício ou a requerimento das partes, “conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultadoa identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; a localização da vítima com a sua integridade física preservada ou a recuperação total ou parcial do produto do crime.” Neste caso o juiz  para conceder o benefício em tela deve levar em conta a personalidade do beneficiado, a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

            Além de sua vertente penal o instituto ora em análise tem também um caráter processual, pois não obstante a delação em si não poder ser considerada como uma prova apta a estribar um édito condenatório, pode se prestar a ser um meio para a obtenção da prova (confissão do acusado delatado, achados de objetos do crime, etc.)

            Importante dizer,outrossim, que a delação não contém caráter absoluto, se tratando apenas de um instrumento idôneo a apontar indícios para a formação da opnio deliciti do promotor e a correta cognição da autoridade judiciária. Disso se depreende que todos os fatos narrados pelo agente delator devem ser cotejados com os demais elementos do contexto fático probatório como forma de ensejar uma lastro probatório suficiente a um possível pleito condenatório por parte do Ministério Público.

Ainda nesse sentido nunca pode-se perder de mente que como a figura da delação premiada esta adstrita à seara penal, a sua abrangência deve ser vista de forma cautelosa pois a perca da liberdade é medida gravosa devendo aplicada cum granussalissendo usada sempre como medida de última ratio.

           

4. EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA 

 

Após surgir com as Ordenações Filipinas em janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830, quando o instituto perdeu sua aplicabilidade a figura da “delação premiada”reestreou em nosso ordenamento jurídico em 25 de julho de 1990, por meio da Lei de Crimes Hediondos que em seu art.,parágrafo único previa o benefício de redução da pena de um a dois terços ao agente participante e o associado que denunciar àautoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento

No que concerne ao crime de extorsão mediante seqüestro que também figura no rol de crimes hediondos o benefício estava atrelado ao fato da que fosse facilitada a libertação da vítima conforme estatui o art.159,§ 4ºCódigo Penal.

Logo depois desta previsão legal outro diploma veio a tona a institucionalizar este instituto em nosso ordenamento jurídico que versa sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a ordem tributária (art. 16parágrafo único, da Lei 8.137/1990, incluído pela Lei 9.080/1995), tal normativa previa que qualquer pessoa poderia provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção, além de dizer que nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.    

Para além dos referidos diplomas logo após veio a lei que versa sobre oscrimes praticados por organização criminosa (Lei 9.034/1995) que em seu art. , previa que a pena seria reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.

No ano de 1998 foi editada a lei 9.613/1998 que versa sobre combate à lavagem de dinheiro, essa lei foi outro importante sedimentador do referido instituto, pois foi o momento em que o instituto apresentou, pela primeira vez, resultados práticos extraordinários com as vultosas somas de dinheiro recuperadas em proveito dos tesouros públicos e a prisão de agentes políticos corruptos e de empresários corruptores.

Além das leis acima mencionadas o instituto ainda mereceu previsão legal em outros diplomas tais como a Lei 9.807/1999, que trata da proteção de testemunhas (arts. 13 e 14, Lei 9.807/1999), a Lei 11.343/2006, que prevê expressamente a figura da colaboração premiada para os crimes de tráfico de drogas (art. 41), e a Lei 12.529/2011, que deu outra denominação à colaboração premiada “acordo de leniência”, mister dizer que a denominação “acordo de leniência” está restrita ao acordo de colaboração premiada cunhados no âmbito dos crimes contra a ordem tributária (arts. 86 e 87).

Por último e mais importante temos a lei 12.850/2013 (4) que versa sobre as organizações criminosas que por sua importância para a consolidação do instituto em nosso país merece um capítulo próprio.

 

 

            5. A CONSOLIDAÇÃO DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO PÁTRIO: LEI 12.850/2013

 

Malgrado tantas serem as previsões sobre o acordo de delação premiada constantes em vários diplomas legais foi com a Lei 12.850/2013 que o instituto deu um salto quântico em nosso ordenamento jurídico sendo definitivamente consolidado e aperfeiçoado.

Cunhado no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) o texto foi escolhido de paradigma para o projeto de lei que em 11 de julho de 2013 foi, enfim, aprovado pelo Senado Federal. Importante entender o contexto em que se deu tal beneplácito legislativo: foi nesse momento em que eclodiam manifestações sociais por todo o país gerando assim uma pressão nas casas legislativas federais para que fossem tomadas atitudes no sentido de combater a corrupção, essas atitudes vieram na forma de votação de projetos legislativos que versassem sobre temas ligados ao combate à corrupção e uma das leis aprovadas foi justamente esta.

Logo em seu art. 3 a referida lei elegeu a delação premiada como meio de prova, importante observar, ainda que neste artigo a referida lei não se preocupou apenas em institucionalizar a colaboração premiada, mas também outras técnicas de investigação como a infiltração policial, a ação controlada, preenchendo limbos jurídicos existentes até então nas legislações pretéritas em que os institutos supracitados eram usados, mas com uma alta insegurança jurídica ante aos vácuos legislativos sobre os mesmos o que causava uma pouca aplicabilidade do instituto.

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5.1.MOMENTO

 

A lei trouxe a tona também que não há momento certo quanto à efetivação do acordo de delação premiada não havendo que se falar aqui em preclusão, pois malgrado ser uma medida benéfica ao réu, o que é característico de um direito e portanto passível de preclusão, é forçoso lembrar que seu principal desiderato é o de colaborar com o aparelho judicial em seu mister de desvendar crimes e seus autores além de recuperar os bens perdidos em desfavor do ente lesado, sendo medida acertada a do legislador em permitir que o acordo pudesse ser entabulado a qualquer momento, tanto antes ao oferecimento da denúncia (pré-processual), no curso do processo criminal (quando se chama de processual) e até mesmo após o trânsito em julgado da sentença, em fase de execução, quando recebe o nome de pós- processual.

 

5.2.REQUISITOS PARA A COLABORAÇÃO

 

A lei diz ainda que a colaboração para que possa produzir todos aqueles efeitos benéficos ao réu prescinde de 3 requisitos, quais sejam a voluntariedade, a eficácia da colaboração e de que sejam favoráveis as circunstâncias objetivas e subjetivas.

 

5.2.1.VOLUNTARIEDADE

 

A referida lei em seu art. 4º diz que para que se possa ser tida como perfeita a colaboração é mister que a mesma seja voluntária, não podendo ser maculada por nenhuma das causas que invalidem a vontade do agente como coação física ou moral, o legislador fala, ainda da imprescindibilidade da presença do advogado sendo que deve-se haver a concordância de ambos (acusado e seu defensor) para a perfectibilização do acordo, pois o advogado em atuaria em seu mister de indicar ao seu cliente os exatos desdobramentos legais de sua atitude o que é medida a evitar um possível erro ao apreciar as vantagens o que acabaria por viciar o acordo, pois sua vontade poderia ter sido outra ao saber os reais desdobramentos, com a presença do advogado e a sua anuência, podemos afirmar que tal acordo é fruto da vontade livre do colaborador, pois informado por seu defensor das consequências jurídicas se tem a certeza de que o colaborador emitiu a sua real vontade.

Na fase da homologação do acordo há ainda um juízo de voluntariedade feito pelo magistrado que antes da decisão de se homologa o referido pacto, irá perscrutar sobre se aquele acordo foi voluntário, se valendo para isso da presença de defensor e seu advogado, fase em que há nova oportunidade do colaborador ratificar esta sua condição, estas são medidas necessárias para a correta aferição da voluntariedade do mesmo.

Além disso, outra medida usada pelo legislador para garantir maior fidelidade do conteúdo da delação é a que preconiza que tais declarações de vontade devem ser gravadas se possível, até por meio audiovisual.

 

5.2.2.EFICÁCIA DA COLABORAÇÃO

 

Para que a colaboração premiada possa surtir seus efeitos benefícios ao agente colaborador, mister se faz de que as declarações por ele feitas sejam efetivamente aptas a conduzir as investigações ao êxito, o que significa alcançar um ou mais dos seguintes resultados expostos ao teor dos incisos do art. 4º da lei em comento:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Ao analisar o rol descrito pelo legislador nos é forçoso admitir que não se trata de requisitos cumulativos a  serem alcançados pelo agente colaborador e sim alternativos em que o alcance de um deles é suficiente para estar caracterizado o êxito do acordo e sua conseqüente eficácia sendo atendido este requisito.

 

Ainda cumpre dizer que caso sejam alcançados mais de um dos objetivos acima descritos tal fato deve ter reflexos nos benefícios auferidos pelo agente, pois quando mais importante for sua colaboração no deslinde do caso, maior será seus benefícios.

Ao atrelar os benefícios legais a efetivo alcance dos objetivos da colaboração podemos verificar que estamos diante de uma obrigação de resultado e não de meio, não bastando, portanto a boa vontade do colaborador em “ajudar”.

Outra questão importante que se vislumbra ao verificar o rol de objetivos a serem alcançados com a colaboração do agente é de que se nota que esses objetivos foram colocados em uma ordem decrescente de importância sendo os objetivos mais visados e mais importantes vindos primeiro.

 

5.2.3.CIRCUNSTANCIAS OBJETIVAS E SUBJETIVAS FAVORÁVEIS

 

Por último o legislador fala que são necessárias que estejam presentes as circunstancias objetivas e subjetivas favoráveis como dispõe no § 1o do art. 4º.  Pois em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso a proposta só e a eficácia da colaboração.

 

5.2.4.PROCEDIMENTO

 

            Um dos maiores benefícios trazidos pela legislação em comento foi o delimitar o procedimento da colaboração premiada, especificando todas as suas etapas e dando, destarte uma maior segurança jurídica. A doutrina passou a denominar três diretrizes da lavagem de dinheiro como “regras de ouro”.

A primeira regra diz que o colaborador deve sempre ter cautela ao realizar a colaboração, pois nunca é demais lembrar que se está tratando com membros de uma quadrilha, pessoa portanto de moral, no mínimo questionável. A segunda diz que é necessário a corroboração, ou seja a confirmação do que foi dito pelo agente com os demais meios de prova, pois conforme vaticina a própria lei é defeso ao juiz proferir sentença condenatória com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. Em terceiro e por último, a necessidade de fazer acordos com baixos integrantes da organização criminosa para que se possam incriminar os seus líderes, a medida tem justificativa em razões lógicas, pois nãos seria prudente oferecer o perdão ou outras benesses processuais a um líder que denunciasse os executores de suas ordens, já que aquele seria o maior beneficiado do esquema criminoso, sendo os outros apenas instrumentos de sua vontade e compartilhando apenas parcelas pequenas do lucro da empreitada criminosa. A idéia é sempre chegar ao líder passando primeiro por seus interpostos.

 

5.2.5.Legitimados para propor o acordo

 

O artigo 4 §6º fala que o acordo deve ser realizado pelo delegado de polícia ou/e pelo membro do Ministério Público. Nesse diapasão importa dizer que apesar de o delegado poder, ex vi legis, fazer a proposta de um acordo de delação premiada, quando a proposta partir deste é imprescindível a presença do membro do Ministério Publico, pois o mesmo além de ser o titular da ação penal é também fiscal da atividade policial. Disto pode-se depreneender que em todo caso o membro do parquet deve estar presente na propositura do acordo (ou como proponente ou como anuente)

            Em caso de o delegado de polícia propor o acordo e o Ministério Público não concordar com o mesmo caberá ao juiz em caso de concordar com o delegado remeter os autos ao procurador geral de justiça para que o mesmo faça o procedimento previsto no art. 28 do código penal e em caso deste também não concordar com o acordo, nosso entendimento é de que não há outra saída para o juiz senão acatar o pleito ministerial não homologando o mesmo.

O art. 4º, §6º do referido diploma legal fala ainda da impossibilidade do juiz de participar do acordo deixando claro que “O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração”, tal dispositivo legal é forma de preservar a imparcialidade do Magistrado e de não violação do sistema acusatório, pois seria forçoso dizer que ele perderia sua imparcialidade se tivesse o poder de homologar um acordo que ele mesmo ajudou a engendrar, podendo passar possíveis ilegalidades, já que careceriam de um controle de um terceiro estranho ao acordo.

 

 

5.2.6.FASES INICIAIS DO ACORDO

 

Questão delicada e de difícil elucidação é a de que como se deve dar as tratativas para o acordo. Em caso de o acusado e seu defensor propor o acordo, deve-se ter em mente uma das “regras de ouro” da colaboração que é a da cautela por parte do membro do parquet ou da autoridade policial em depositar crédito nas palavras do acusado, pois é de bom alvitre lembrar que se estar lidando com um indivíduo sem freios morais e éticos que é parte integrante de em um esquema criminoso.

            Mas e quando o acusado não propõe o acordo e se mostra indícios de aversão à sua realização. Primeiro é preciso que a autoridade tenha em mente que tal comportamento é previsível e normal, pois num primeiro momento é factível que o acusado esteja em uma posição de inferioridade ante as autoridades, devendo as mesmas tomar todas as precauções para informar dos benefícios do acordo, deixando claro também que as provas por ele apresentadas não serão usadas contra o mesmo caso o acordo não se concretize (momento da homologação pelo juízo competente) em homenagem ao princípio de esteio constitucional do nemo tenetur se detegere.

 

5.2.7.FORMALIZAÇÃO DO ACORDO

 

Como previsto no art. 4º, §7º, e no art. 6º, após as tratativas preliminares o acordo deve ser formalizado antes que seja oferecido para o beneplácito da autoridade judicial, esta formalização se faz pela forma escrita tratando-se de um verdadeiro contrato, em que se deixa bastante claro as declarações do agente colaborador e tudo o que está contribuindo, bem como o que ele pretende contribuir de provas no decorrer do processo criminal, mostrando sua vontade explícita de colaborar durante todo o processo.

 

5.2.8.Conteúdo do acordo

 

O artigo 6º do referido diploma legal foi claro ao explicitar qual deve ser o conteúdo do acordo de colaboração:

“O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:

I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;

II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;

III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;

IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;

V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário”.

 

No inciso primeiro do referido artigo o legislador buscar colocar no acordo um de seus requisitos a eficácia da colaboração devendo, ex vi legis, restar bem claro quais são os possíveis resultados alcançados com a colaboração devendo os mesmos serem condizíeis com as benesses do diploma legal.

            Em seu inciso segundo o legislador fala, outrossim, que deve constar explicitamente no acordo qual foi a proposta de benefícios feitos pelo delegado de polícia ou pelo membro do parquet, devendo a mesma ser concreta, ou seja dizer exatamente quais os benefícios que irão ser pleiteados em juízo pelo Ministério Público, verbi gratia, redução de 2/3 da pena em caso de que as informações sejam eficientes. Tal medida é forma de dar maior credibilidade ao acordo e de influir de forma mais contundente no animus do agente em colaborar já sabendo ele quais os benefícios aos quais o mesmo faz jus em caso de que sua colaboração ser eficaz.

No inciso III e IV o legislador fala que é necessário a declaração da aceitação da proposta pelo seu agente e pelo defensor, além da assinatura de todos os envolvidos no mesmo, medida imprescindível para a perfectibilização de qualquer negócio jurídico bilateral como é o caso do referido acordo.

            Em quarto lugar e por último o inciso V o legislador deixou claro que deve constar também no referido acordo quais as medidas de proteção ao colaborador e sua família, quando as mesmas se fizerem necessárias, o que também é medida que se impõe sendo forma de convencer o colaborardor em seu animus de colaborador tendo em vista que estas organizações têm vários tentáculos e a denúncia de seus líderes pode causar no colaborador um fundado receio de represarias futuras, devendo o Estado tomar medidas para evitá-las.

Este é o conteúdo mínimo, o “núcleo duro” de cláusulas que devem constar no referido acordo nada impedindo que possam constar mais, em homenagem a segurança jurídica e como forma de ilidir possíveis lacunas.

 

5.2.9.Benefícos para o colaborador

 

A lei deixa bem claro quais seriam os benefícios do colaborador: quais sejam: causa de diminuição de pena até 2/3; a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; o perdão judicial e até mesmo uma imunidade.

Não obstante a lei ter se referido apenas a estes benefícios podemos entender que tal rol não exaustivo ou numerus clausus, podendo o membro do parquet oferecer outros e serem deferidos pelo juiz sem que haja ofensa ao princípio da legalidade, bastando que os mesmos não estejam defesos em lei para o caso. Entender assim é mais condizente coma  hermenêutica constitucional que prevê que normas que garantem direitos devem ser interpretados extensivamente.

Benefício interessante e bastante visado pelo colaborador é o caso de ser-lhe dado a imunidade, onde o ministério público se abstêm de oferecer denúncia em face do colaborador. Este benefício é aplicada em casos raros em que o colaborador com suas declarações faça com que a investigação aufira resultados extraordinários como a desmantelação de poderosas quadrilhas organizadas ou a recuperação de vultosas somas de dinheiro. Isto não é uma afronta ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, mas sim uma mitigação, mais um caso em nosso ordenamento jurídico a confirmar que não existem princípios de caráter absoluto.

 

5.2.10.O RECEBIMENTO DO ACORDO DELO JUIZ E SEUS POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

 

Após entabulado e concretizado o acordo resta ainda a última fase a ser superada, qual seja a homologação do acordo do juiz, neste ato o juiz observa apenas a legalidade do acordo, ou seja se foram observadas todos o seus requisitos mínimosde existência e a voluntariedade, onde o juiz irá ver se aquele acordo é fruto da vontade do colaborador. Caso o juiz entenda, em seu juízo de legalidade e voluntariedade, por não homologar o acordo por falta destes requisitos, o recurso que deve ser intentado por aqueles que se sintam contrariados por esta decisão é o da correição parcial, pois ausente a previsão de outro recurso específico para o caso.

Por ocasião da homologação será designada audiência especialmente para tal desiderato em que o juiz irá formar seu convencimento acerca da voluntariedade do referido acordo com as presenças de colaborador e seu defensor, restando ausentes na mesma o membro do Ministério Público e delegado como forma de evitar que este influam no ânimo daqueles .

 

5.2.11.A EXECUÇÃO DO ACORDO

 

Uma vez recebido e homologado o acordo pelo juiz, passa-se agora a fase mais importante do acordo de colaboração premiada que é aquela em que o colaborador irá colocar em prática aquilo que se comprometeu a fazer no acordo, ou seja ajudar o juízo a desvelar a teia criminosa permeada pelos agentes da organização.

Em caso de necessidade do depoimento do colaborador, lembrando que esta não é a única forma de colaboração, embora seja a mais comum, ele deverá renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade (art. 4º, §14). Caso minta Caso minta, poderá ser responsabilizado pelo delito previsto no art. 19 da Lei 1285066, ou outros a depender do caso. (denunciação caluniosa, etc)

Mister dizer que independentemente de que em que qualidade ele for ouvido na qualidade de testemunha, informante ou correu a sua oitiva deve sempre ser tomada primeiro do que os outros alvos da colaboração em homenagem ao princípio do contraditório que deve informa todo o processo penal.

 

5.2.12.SENTENÇA JUDICIAL

 

Após a instrução penal vem o momento da prolação da sentença. Nessa fase o juiz irá aferir qual foi o efetivo auxilio dado pelo colaborador e em quanto ele cumpriu as cláusulas por ele acordadas e se isto foi apto a lograr êxito na elucidação dos fatos criminosos. Aqui o melhor entendimento é o de que juiz deve estar vinculado aos termos do acordo, se no bojo do acordo proposto pelo Ministério Público e aceito pelo colaborador e seu advogado previa uma causa de diminuição de pena de 2\3 para que este apontasse contas no exterior pertencentes à organização criminoso ou a implicação de um membro do alto escalão na organização na teia criminosa não resta outra alternativa ao juiz, caso o colaborador efetivamente tenha apontado a conta bancária e sua titularidade, v.g, do que diminuindo a pena final em 2\3. Pensar assim é prestigiar a segurança jurídica e o princípio da lealdade processual do Estado, pois o mesmo não poderia oferecer um benefício, na qualidade de Estado-Ministério Público, que o mesmo não poderia cumprir na qualidade de Estado-Juiz.

O magistrado só pode entender por não conceder os benefícios do acordo caso o mesmo aduza razões tais como a de que o réu não colaborou como se propôs ou que sua colaboração foi inócua.

 

 

6.CONCLUSÃO

 

Ante o exposto neste artigo chegamos ao entendimento de que tal instituto é medida que se impõe, pois carreia múltiplos benefícios aptos a ajudar na efetivação da justiça entre as quais podemos citar: a obtenção da confissão do fato criminoso por parte do agente; descobrir a identidade dos outros agentes que perpetraram o crime; saber qual foi o “modus” do crime; arrolar provas ou meios de provas acerca desse crime; reaver o dinheiro ou os proventos em favor de quem sofreu prejuízo com o delito etc.

Mister dizer, também, que a aplicabilidade do instituto é medida apta a aumentar a capacidade do Estado de desvendar crimes e seus autores, trazendo uma maior eficácia ao aparelho do Estado em seu poder-dever, que lhe é peculiar, da persecutio criminis.

A tarefa da persecutio criminis que pertence ao Estado foi sem dúvida facilitada com o advento deste importante instrumento fomentador das investigações criminais e do correto deslinde das querelas penais, devendo ser consolidado e aperfeiçoado, sempre em sintonia fina com os preceitos e garantias constitucionais como forma de evitar possíveis e indesejáveis excessos.

 

 

7.BIBLIOGRAFIA

 

BRASIL. Presidência da República. Lei das Organizações criminosas. Disponível em <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Disponível em << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7492.htm >>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Lei de Proteção à testemunha. Disponível em << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9807.htm >>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Lei de Crimes hediondos. Disponível em << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm>>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Código Penal. Disponível em << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Lei dos crimes contra a Ordem tributária. Disponível em << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8137.htm>>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal. Disponível em << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm >>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Lei de Drogas. Disponível em << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

BRASIL. Presidência da República. Lei de Organização Criminosa. Disponível em << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>>. Acesso em 15 de Maio de 2016.

CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós ; Plea bargaining e justiça criminal consensual: entre os ideias de funcionalidade e garantismo. Revista Custos Legis , v. 4, 2012.

DICIONÁRIO OXFORD. Disponível em <<http://www.oxforddictionaries.com/pt/defini%C3%A7%C3%A3o/ingl%C3%AAs-americano/plea-bargaining>>. Acesso em 15 de maio de 2016.

ESTRATÉGIA NACIONAL DE COMBATE À CORRUPÇÃO E À LAVAGEM DE DINHEIRO. Disponível em <<http://enccla.camara.leg.br/acoes>>. Acesso em 15 de maio de 2016

Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, Ordenações Filipinas http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5ind.htm. Acesso em 15 de maio de 2016.

 

 

Sobre o autor
Renner Araujo Soares

Advogado, com atuação na área de Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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