1 INTRODUÇÃO
Há um desvirtuamento do verdadeiro problema para o colapso penitenciário. Vale dizer, que os problemas evidenciados nas celas nascem a partir do abandono estatal com problemas de cunho social, como, por exemplo, a educação. Sob esse raciocínio, analisou-se como a educação tornou-se um fator indispensável a ressocialização do preso. Permeado por uma perspectiva histórica e pela análise da experiência de outros presídios, buscou-se identificar as condições do atual sistema carcerário brasileiro, bem como identificar as vantagens do desenvolvimento da educação nos presídios como fator de ressocialização. Para tais objetivos, faz-se necessário traçar um breve histórico acerca da evolução do instituto da pena de prisão, afim de compreender, de maneira global, o atual sistema carcerário e como a educação transforma esse cenário.
2 CRISE NO SISTEMA CARCERÁRIO
O colapso do sistema carcerário está intimamente ligado a problemas de cunho social. Dessa forma, a falta de educação, de saúde e de segurança em um país que tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, não deixa outra saída, senão que o cidadão busque de maneira desvirtuada a inserção social.
Em uma sociedade capitalista, de desiguais, o cidadão vê no consumo um meio de integração social. Ressalta-se, que a realidade na qual o criminoso se insere tende a associar felicidade à obtenção patrimonial. Nesse sentido, quando o Estado deixa de cumprir seu dever, como o de dar emprego a todos, por exemplo, anula a oportunidade de crescimento do cidadão, e não deixa outro caminho senão o de obtê-lo pelo viés da ilicitude, conforme menciona Odalia (2012, p. 45):
Ao contrário do que acontece nas outras sete maiores economias do mundo, no Brasil, o desempregado é um candidato potencial à marginalidade criminal. Uma vez desempregado, o trabalhador brasileiro é lançado à própria sorte. Impossibilitado de fazer poupança quando empregado, devido ao baixo salário, sem a segurança que lhe adviria se existisse salário-desemprego, o trabalhador, em poucos meses, uma vez consumindo o fundo de garantia, ingressa no mundo nebuloso do biscateiro, e sua marginalidade é um apoio à criminalidade.
Nesse diapasão, a falta de oportunidade, de subsídio do poder público, traça o futuro das atitudes da pessoa, e definirá, principalmente, a maneira como ela vai integrar-se ao sistema, se de maneira lícita ou não, como menciona Moraes (2011, p. 52): “jovens, na maioria pobres, entrando no submundo do tráfico, deixam a vida cedo demais. Seriam eles os culpados por suas escolhas erradas? Ou seria a única escolha que se mostrou à sua frente? ”.
Ad argumentandum, a desigualdade social, no que diz respeito à omissão do Estado com preceitos fundamentais da pessoa, se mostra como fonte da problemática da crise penitenciária, refletindo no aumento da criminalidade e da violência. Sob esse aspecto, é possível ver a crise sobre dois fatores principais:
De forma simplificada se pode considerar duas óticas de abordagem sobre a violência e crime. Uma que considera a aplicação de maior rigor segundo lei e ordem e outra que considera necessário tratar as razões de fundo para reduzir a violência e a criminalidade. A primeira estaria mais propensa a exigir maior rigor na aplicação das penas e também penas mais longas. A segunda acredita que o problema é a fragilidade social e estaria mais interessada no bem estar do preso e na sua recuperação e não acredita tanto em punição como fator inibidor da criminalidade. (GELINSKY; NETO FRAZ, 2013, p. 4)
Acredita-se, que o problema da criminalidade e da violência, verdadeiros fatos geradores dos problemas carcerários, não tem solução na gravidade ou quantidade de pena adotada. O abandono do Estado social e garantista, para um penitenciário e policialesco – em uma faceta do neoliberalismo – é o principal desvirtuamento da problemática. Assim, o investimento nesse setor em detrimento daquele, traz uma falsa sensação de que o Estado está solucionando o problema, quando na verdade, está deixando de investir milhões no real problema da crise (WACQUANT, 2011).
No Brasil, dentre os principais problemas enfrentados nas penitenciárias, a superlotação encontra-se em destaque nessa triste realidade, fruto do desvirtuamento de recursos públicos e de uma falsa percepção da crise. Ou seja, vê-se os problemas enfrentados nas penitenciárias como causa para a ineficaz ressocialização, quando na verdade são consequência do abandono do estado com questões sociais, como a educação básica, onde deveria haver uma preocupação maior das políticas públicas, tendo em vista ser parte vital da construção do caráter de indivíduos.
O aprisionamento de pessoas em celas minúsculas corrobora para o aparecimento de novos problemas, além de ferir de morte postulados constitucionais, como a dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil – o respeito à integridade física e moral do apenado, estampado nos direitos e garantias fundamentais da Lei Fundamental. Tais princípios carecem de aplicabilidade prática, tendo em vista, o descaso de políticas públicas sérias nesse campo, como esclarece Rolim (2003, p. 121):
O Brasil como a maioria dos países latino-americanos, assiste imobilizado ao desenvolvimento de uma crise crônica em seu sistema penitenciário. Especialmente nesta última década, os indicadores disponíveis a respeito da vida nas prisões brasileiras demonstram de maneira inconteste um agravamento extraordinário de problemas já muito antigos como a superlotação carcerária, a escalada de violência entre os internos, as práticas de abusos, maus-tratos e torturas sobre eles, a inexistência de garantias mínimas aos condenados e o desrespeito sistemático e institucional à legislação ordinária e aos princípios dos direitos humanos.
Não resta dúvida de que a superpopulação carcerária traduz-se em um dos principais problemas a serem sanados pelo sistema carcerário, a fim de corrigir abusos incalculáveis aos direitos do homem. Vale ressaltar, que o confinamento de pessoas juntas, sem um espaço proporcional, faz com que o sentimento de revolta e descaso com o Estado cresça dia a dia.
A falta de capacidade para custodiar um número elevado de presos se dá por diversos fatores, como menciona Viana (2013): a morosidade do Estado em julgar presos que já deveriam ter sido postos em liberdade e a junção de presos provisórios com permanentes, agravando o problema da superlotação.
Outro aspecto relevante que amplia a problemática, é a reincidência, fruto de uma má gestão de políticas governamentais, que trata o preso como sub-raça, como mazela da sociedade e não merecedor de atenção. Dessa forma, uma das principais finalidades da pena não está sendo cumprida, ou seja, a ressocialização do apenado não passa de texto legal sem eficácia. Nesse sentido, retrata Viana (2013, p. 08):
A reincidência tem sido provocada principalmente pela falta de ocupação dos presos, em boa parte dos presídios brasileiros mais 75% dos encarcerados não trabalham nem estudam, assim ao cumprir sua pena e ser colocado em liberdade, o cidadão está sem nenhuma qualificação profissional, sem estudos, e ainda com um atestado de ex-presidiário, consequentemente acabará voltando ao mundo do crime, pois no tempo em que passou encarcerado, não recebeu a prestação obrigacional do Estado de lhe proporcionar estudo e trabalho.
Desta forma, é evidente que a ressocialização e a volta do detento ao mundo do crime está intimamente ligada à forma como ele é mantido dentro da penitenciária. As ferramentas de custódia do apenado refletem seu comportamento quando posto em liberdade, e define seu futuro em sociedade.
Não é raro encontrar em uma cela, que em regra mede seis metros de largura por seis de comprimento, ocupada por mais de vinte detentos, em péssimas condições de higiene e insalubridade, motivo constante de aparecimento de doenças que se alastram por toda comunidade carcerária. Esta realidade arranha a Lei de Execuções Penais, que traz em seu texto, como direito do apenado, a ressocialização, conforme disposto em Lei:
Art. 10 – A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11 – A assistência será:
I – material;
II – à saúde;
III – jurídica;
IV – educacional; (grifo nosso)
V – social
VI – religiosa.
É imperioso ressaltar, que a assistência de garantias mínimas ao preso, garante o respeito à dignidade do indivíduo, além de possibilitar sua ressocialização e o convívio harmônico em sociedade. Por outro lado, quando não prestada assistência básica ao condenado, fica cada vez mais próxima sua volta ao crime.
Segundo dados do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional – em dezembro de 2012, a população carcerária no Brasil ultrapassava os 540 mil presos, perdendo apenas para os Estado Unidos com 2, 3 milhões de presos e para a China com 1, 7 milhões. Neste sentido, Prudente (2013, p. 12) constata:
Dos mais de 500 mil presos, 56% já foram condenados e estão cumprindo pena e 44% são presos provisórios que aguardam o julgamento de seus processos; A capacidade prisional é de cerca de 320 mil presos. Assim, o déficit no sistema prisional gira em torno de 180 mil vagas; Há cerca de 500 mil mandados de prisão já expedidos pela justiça que não foram cumpridos; Cerca de 10 mil pessoas são detidas mensalmente; O índice de punição de crimes é inferior a 10%. Isso mostra que se a polícia fosse mais eficiente, o poder público não teria onde colocar tantos presos e a superlotação seria maior; Quase 60 mil pessoas se encontram encarceradas em delegacias, pois as penitenciarias e cadeiões não comportam e não dispõem de infra-estrutura adequada.
Como terceiro maior país em se tratando de população carcerária, o Brasil não tem suporte para custodiar tantos presos, dando margem a uma série de problemas decorrentes da superlotação, como rebeliões, chacinas e violações sexuais dentro dos próprios presídios.
O que ocorre, é que o detento, não é visto como ser-humano, mas como uma sub-raça, não merecedora da tutela estatal. Sua dignidade é violada diariamente, sendo tratado como coisa.
O que se observa é que as casas prisionais se transformaram em depósitos de gente. Não se vê preocupação com a pessoa. Talvez porque há muito tempo passou a ser tratada como coisa, que não precisa de garantias, porque nem mais humana é considerada. (DEMARCHI, 2008, p. 17).
Com isso, podemos considerar que no Brasil, o descaso com o preso e a ofensa a sua dignidade atinge níveis alarmantes. Essa omissão estatal não se reflete, tão somente, em um problema individual do condenado, mas de toda a sociedade, tendo em vista que, quando o preso for posto em liberdade, voltará à sociedade bem pior do que quando entrou na cadeia, e estará pronto para voltar ao crime.
3 A EDUCAÇÃO COMO FATOR DE RESSOCIALIZAÇÃO
A educação, em qualquer época, em qualquer cultura, é parte indissociável da formação (ou reconstrução) do caráter do indivíduo, estando preso ou não. Dentro do cárcere a educação recebe um papel ainda maior, o de transformação do indivíduo em cidadão através da devolução de sua dignidade.
Ao falar em educação no cárcere, primeiro deve-se ter em mente de que a maioria dos que ali estão, são pobres, minorias marginalizadas por uma sociedade a cada dia mais capitalista e menos social. Logo, ao tratarmos de educação, estamos nos reportando eminentemente ao processo de formação básica, em muitos casos, de alfabetização. Segundo o DEPEN, mais de 97% dos presos atualmente são jovens, na maioria negros, menores de trinta e cinco anos, analfabetos ou semianalfabetos, o que deixa evidente a intima ligação entre a falta de educação e o ingresso no mundo da ilicitude.
Ao atingir uma educação básica satisfatória aos detentos, torna-se de imprescindível o investimento em cursos profissionalizantes ou até mesmo universitários que permitirão ao detento ter uma opção de trabalho ao sair da penitenciária, o que inviabilizará sua volta ao crime.
É inequívoco a importância de mudar a maneira de como a sociedade vê a penitenciaria e o criminoso, essencialmente parar de enxergar no indivíduo apenas uma maneira de isolá-lo da sociedade e passar a vê-lo como pessoa apta a ser educada e voltar ao convívio social de maneira satisfatória. Para tanto, faz-se necessário, libertar do cárcere intelectual os oprimidos, como salienta Freire (1987, p. 30)
A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo “ação cultural” para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor, este é que se serve desta dependência para criar mais dependência. A ação libertadora, pelo contrário, reconhecendo esta dependência dos oprimidos como ponto vulnerável, deve tentar, através da reflexão e da ação, transformá-la em independência. Esta, porém, não é doação que uma liderança, por mais bem intencionada que seja, lhes faça. Não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não libertação de “coisas”. Por isto, se não é autolibertação – ninguém se liberta sozinho, também não é libertação de uns feita por outros. Não se pode realizar com os homens pela “metade”. E, quando o tentamos, realizamos a sua deformação, mas deformados já estando, enquanto oprimidos, não pode a ação de sua libertação usar o mesmo procedimento empregado para a sua deformação. O caminho, por isto mesmo, para um trabalho de libertação a ser realizado pela liderança revolucionário não é a “propaganda libertadora”. Não está no mero ato de “depositar” a crença da liberdade nos oprimidos, pensando conquistar a sua confiança, mas no dialogar com eles.
Dessa forma, vê-se que a libertação do preso não depende unicamente de si, mas primordialmente da ajuda do Estado em fornecê-lo as ferramentas adequadas para sua “libertação”.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O descaso do Estado com a educação corresponde a causa dos mais diversos problemas sociais enfrentados atualmente. Esse abandono é o principal fator que leva, mantém e garante o retorno do preso.
Em uma sociedade de desiguais, onde as oportunidades são privilégio de poucos, aqueles que não conseguem encontrar um engajamento social de maneira licita, vê no crime muitas vezes uma maneira de subsistir. Sem o amparo social mínimo, não há educação nos primeiros anos de vida, situação que vai se agravando ao longo dos anos ocasionando o ócio, a precária formação cultural e profissional mínima para o desenvolvimento de um cidadão.
O homem não nasce ruim, seu caráter é fruto do meio em que vive, suas experiências, oportunidades e traumas fazem o papel de formação que deveria ser garantido pelo Estado. Sem educação, em um país com os maiores índices de desemprego do mundo, o caminho para a prisão torna-se apenas uma questão de tempo.
Após a prisão, o réu entra em um submundo onde lhe é tirado o pouco de dignidade que tinha, e a prisão que deveria ressocializar, torna-se uma faculdade do crime, devolvendo o réu muito pior do que quando entrou. Logo, mais uma vez o descaso com a educação recebe o papel de protagonista no aumento da taxa de reincidentes e a volta para a cela torna-se inevitável.
Por outro lado, quando passamos a cuidar das questões de fundo, como educação (em sentido amplo), desenvolvemos uma sociedade mais igual, capaz de gerar valores e oportunidades que distanciarão o cidadão do submundo do crime, trata-se de uma maneira preventiva que reduzirá, o índice de população carcerária ao longo dos anos, conterá o aumento da reincidência, além de sanar inúmeros outros problemas de cunho social, de maneira preventiva.
De maneira repressiva, a educação, se tornou muito mais do que uma maneira de conter a criminalidade através da ressocialização, mais do que isso, é uma inexorável obrigação do Estado de restaurar a dignidade a quem foi tirada, bem antes de cometer o delito.
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