As normas e os sistemas jurídicos

17/05/2016 às 20:50
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Pela acepção das teorias jurídicas modernas, não há como realizar o estudo da existência de uma norma, seja essa qual for, isoladamente. Tal afirmação mostra-se relevante, pela observação de que as normas acham-se em um contexto.

1 - Normas Jurídicas

1.1 – As Normas, o Ordenamento Jurídico e o Direito.

De acordo com a acepção das teorias jurídicas modernas, não há como realizar o estudo da existência de uma norma, seja essa qual for, isoladamente. Tal afirmação mostra-se relevante, quando observado que as normas acham-se inseridas em um contexto em que haverá sempre relações de certas normas com outras.

Deste modo, partindo do pressuposto de que as normas estarão sempre contextualizadas, há que se erigir o sentido da nomenclatura Ordenamento, sendo tal, a tradução de um dos significados da palavra Direito. Por isso é que os ensinamentos de Norberto Bobbio[1] concluem que o estudo do Direito torna-se possível apenas com a análise de um complexo de normas.

Afigura-se, portanto, a norma como elemento que integra o Ordenamento Jurídico considerado em sua totalidade. Ocorre que, daí, não se poderia concluir que o simples fato de as normas estarem inseridas em um conjunto, que a concepção do Direito estaria formulada.

Ora, a construção cientifica de que se envolve o estudo do Direito não deve prescindir da análise da sua sistematização que, na verdade, é o que da o real sentido aos Ordenamentos, podendo, com isso, ter-se em foco a materialização do real espírito do direito.

A contextualização de um ordenamento como sistema é de fácil constatação, quando verificado que os elementos do conjunto (leia-se ordenamento) são as normas em si e que, a sistematização é dada pela hierarquia[2] da qual se submetem tais normas.

Portanto, considerável é a premissa de que as normas participam de um esquema interpretativo ligado ao conjunto de atos sociais[3] aos quais as mesmas se destinam, merecendo destaque o fato que tal esquema só se torna viável quando um conjunto de indivíduos resta sobrepuja a tal regramento.

É possível entender então, que o Direito, forma-se por um conjunto significativo e sistematizado de regras, notando-se que há uma diferenciação para aquilo que se tem como Ordenamento Jurídico, avultando a constatação da existência de vários Ordenamentos jurídicos individuais e, que esses destacam-se como sistemas nacionais dada a abrangência regional de cada sistema.

Precisamente, o conjunto individual de normas aplicado a determinada nacionalidade pode ser impraticável a outra, dada a sistematização peculiar de cada conjunto, podendo, entretanto, ambos, serem considerados como Direito na sua acepção ampla.

1.2 - Princípios

Ordenamentos Jurídicos formam-se pela aceitação de determinada coletividade, à delimitação de certas normas, as quais são a essência da existência em sociedade e, com isso, é possível se ter em mente, que o estudo formação do direito em si, passa, pela análise das bases que dão sustentação para a formação do conjunto de regras convenientemente chamado de sistema jurídico.

A formação de um complexo jurídico sistematizado carece da determinação de certas balizas e de certos preceitos “guias”, que dão o norte que o regramento social deve seguir.

Na verdade, tal orientação tem denominação: “Princípios”, os quais revestem todo o espírito de um conjunto de normas individuais que dão azo à formação do direito, sendo que não seria lógica a existência de qualquer construção jurídica, sem a existência de tais bases.

De acordo com tal preceituação, há que se destacar que os princípios situam-se no patamar mais alto de qualquer sistema jurídico tendo aplicabilidade de forma geral e abstrata, significando isso dizer que os princípios, em geral, afastam-se do plano fático, pairando de forma solene sobre todo regramento.

Esses princípios, na verdade, representam a interpretação última da cultura jurídica, orientando e servindo de formação ao direito, constituindo o ideal de justiça e o senso comum da mais profunda vontade social.

Seria impraticável tentar pontuar aqui todos os princípios que atinem aos variados ordenamentos jurídicos existentes, mas, certo é que os princípios são as balizas para a formação da vida em sociedade e de seus preceitos éticos e, além disso, orientam e representam os limites da aplicação do Direito.

1.3 – Propriedades das Normas Jurídicas.

Passada a etapa de reflexão acerca da inserção dos regramentos sociais em um todo sistematizado e, além disso, da análise da sujeição de tais regramentos a comandos maiores denominados como Princípios, o estudo das Normas Jurídicas torna-se mais palatável.

Em geral, as Normas Jurídicas são substratos dos limites necessários ao convívio social, o que na verdade representa a vontade coletiva daqueles para quem as normas se destinam. Sem pretender chegar a profundas elucidações acerca da formação das normas, pode-se dizer que é certo que as mesmas visam atingir determinadas modalidades do comportamento humano.

Os doutrinadores ao redor do mundo lecionam que as normas jurídicas operam a partir de modais deônticos, que na verdade representam a lógica comportamental humana, sendo que situam-se permitindo ou proibindo certos atos ou ainda obrigando a realização de outros.

Há que se dizer, portanto, que as normas têm caráter prescritivo do “dever ser” da conduta humana e, para tanto, essas são postas de forma a albergar os comportamentos, que por consenso, devem ser regrados, atingindo certos destinatários, obrigando ou proibindo.

Classicamente, a conceituação das Normas Jurídicas dava-se pelo caráter coercitivo nelas contido para que, com o uso da força, o Estado pudesse perpetrar a imposição dos regramentos, sendo que essa era a premissa que se tinha como necessária para a caracterização da norma jurídica em sua analise.

Parece que tal conceituação resta superada, já que se a mesma persistisse, certos problemas de conceituação mostrar-se-iam insuperáveis. Exemplo disto é o simples fato de que nem toda norma, para ser individualmente considerada como jurídica necessita ter o quesito sanção.

Tal afirmação toma contorno, quando verificado que na verdade o Direito, é um sistema de sanção organizada[4], o que nada mais é do que um conjunto interativo de normas de vários níveis, que permitem o regramento das condutas humanas. Sim, com a aplicação de sanções, mas reservando espaço para a existência de normas sem tal quesito.

Em continuidade a tal pensamento, fica claro, que as normas como vias do regramento social, acham em sua constituição a vontade social em ver determinadas condutas regradas, sendo tal assertiva parte de um senso comum.

Portanto, o quesito sanção das normas jurídicas não pode ser considerado como finalidade da norma, mas tão somente como meio. Sendo que o que realmente dá supedâneo a existência das normas é o fato da ocorrência de uma convergência ideológica daqueles que se submetem às mesmas. Já que se contrário fosse, seria afigurado um sistema ditatorial em que a imposição da força seria o único elemento normativo.     

Outra questão comumente suscitada a despeito das Normas Jurídicas, esta atrelada a necessidade da existência dos quesitos generalidade e abstração na formação das mesmas. O que significaria dizer que as normas jamais poderiam ser emitidas em aplicação a um caso concreto e, nem tão pouco, poderiam pairar sobre um individuo considerado isoladamente.

As concepções das teorias modernas rechaçam tais quesitos como condição absoluta para a formação das normas, pois, nem todas as normas, dada a composição do sistema jurídico, são dotadas de generalidade e abstração, já que normas existem, que determinam certas situações específicas a exemplo disso, podem ser suscitadas as normas que regem a formação do processo legislativo. 

1.5 – Norma Jurídica: Valor, validade, vigência e eficácia.      

As normas como representação do regramento social, nascem de um valor social, ou seja, as normas refletem aqueles valores tidos em primazia, que, como já dito, refletem os anseios sociais daqueles que a elas se sujeitam.

Representando então as normas, os valores social e ético (fundamento axiológico) que lhe dão origem, pode-se dizer que essas, muito além das representações do “dever ser” da conduta humana, caminham no sentido interpretado pelo legislador para atingir uma consonância com os valores sociais.

Existem conceituações atinentes à possibilidade de uma norma ser ou não justa[5] e, para tal aferição, o que se levanta é o fato de eventual norma projetada, ser condizente, ou não, com os valores sociais supremos, ou ainda ser apta a realizar tais valores. Mas tal questão não tangencia a validade de determinada norma, situação que é abarcada por critérios próprios.

É certo que, as normas acham-se inseridas em um todo sistematizado, sendo que a situação relacional de uma norma com as demais é o que gerará a sua validade, ocorrendo um juízo de fato em que uma regra somente será valida juridicamente, se obedecidos os comandos do próprio Ordenamento Jurídico de que a norma faz parte.  

Note-se que a validade de uma norma, deve obedecer a critérios estabelecidos por outras normas, para que cumprido o conjunto de formalidades possa integrar o conjunto normativo jurídico.

A contextualização do Ordenamento Jurídico é de cunho formal e o que concede a preceituação às normas, é a hierarquia existente entre elas, verificando se ainda, que para a validação impende analisar os quesitos de uma regra matriz, quais sejam: O órgão de que emana a regra, a sua vigência e a sua compatibilidade com o Ordenamento.

De tal sorte, merece destaque a constatação de que, em via de regra, uma Constituição é o marco zero de um Ordenamento Jurídico, advindo daí a sistematização necessária para a formação das demais normas, bem como a atribuição de competência para a elaboração dessas, ficando determinado pela mesma Constituição a projeção de como (Processo Legislativo) e de onde (competência legislativa) deverão surgir as demais normas.

Neste prisma, ainda há que se analisar a estreita ligação entre a validade e a vigência das normas, sendo certo que cumprido os requisitos formais, a norma será válida, mais ainda não vigente, assim, a mesma não estará imbuída de vigor, o que se traduz pelo momento em que a norma passa ter aplicabilidade efetiva.

Perceptível então, que a vigência de uma norma esta ligada ao lapso temporal de sua aplicabilidade, que pode dar-se por um determinado período de tempo, ou ainda, protraindo indeterminadamente.

Existem vários parâmetros que podem ser aplicados para a determinação do momento em que passa viger determinada norma, seja pela determinação previa, ou ainda pelo próprio texto contido na norma, merecendo consideração que a publicidade é quesito essencial a vigência da Norma Jurídica, ou seja, somente será possível a vigência se à coletividade foi dado oportunidade de tomar conhecimento do teor da regra criada.

A questão da eficácia da Norma jurídica, ou de um regramento qualquer, esta dissociada das questões atreladas a validade ou a vigência, ou seja, apenas será eficaz uma regra, se o comando nela contido, tiver a capacidade de ser aceito pelo grupo social envolvido.

Assim para ser eficaz, uma regra não precisa ser juridicamente válida, mas para as Normas Jurídicas serem dotadas de aplicabilidade essas precisam ser dotadas de eficácia, o que em muitos casos ocorre por fruto das sanções jurídicas, que na verdade são os mecanismos criados em um Ordenamento Jurídico, para se dar aplicabilidade às Normas.

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Vale lembrar, que casos existem, que mesmo verificada as possibilidades de sanção e a perfeita validade de certas normas, as mesmas não são dotadas de eficácia, quer por não pertencerem aos valores sociais aos quais seriam atreladas, ou simplesmente por terem relevância pouco significativa dentro da órbita jurídica e social.

1.6 – Classificações das Normas.

Os estudiosos que debruçam sobre o estudo das Normas Jurídicas, geralmente, ocupam-se em realizar a classificação de tais regramentos, sendo que tal tarefa mostra-se árdua pelo fato de existirem inúmeras classificações e, ainda, por não haver um consenso quanto aos critérios utilizados.

De tal forma, o que parece mais conveniente ao estudo aqui realizado é a elucidação das teorias tradicionais de classificação para que posteriormente seja possível adentrar aos critérios utilizados hodiernamente, dada complexidade dos diversos Ordenamentos Jurídicos.

A primeira distinção que se faz das normas jurídicas é aquela que infere às questões da generalidade e abstração, as quais se relacionam com os destinatários e os fatos albergados pelo regramento.

O que se verifica é simples: é genérico aquele regramento que não faz distinção quanto aos indivíduos aos quais é aplicável e, da mesma sorte, é abstrato aquele que se destina a uma situação hipotética albergando o fato quando da sua ocorrência.

Por outro lado, é perfeitamente possível a existência de normas individuais e concretas. Individuais porque podem ser direcionadas a um destinatário específico. Concretas por se dirigirem à determinada situação ou fato.

Feita tal distinção, forma-se uma primeira classificação, tendo como critério os destinatários e as ações, verificando-se a ocorrência de normas que, quanto aos destinatários podem ser genéricas ou individuais e, ainda, quanto às ações, abstratas ou concretas.

Outra classificação importante e que merece ser frisada é aquela ligada as preposições contidas nas normas, as quais podem ser negativas ou positivas. Sem se pretender exaurir a quantidade de derivações que podem decorrer de tais comandos, o que se pode verificar é que as normas podem ser classificadas como de preposições afirmativas ou negativas em que das premissas estabelecidas nas normas é que originaram os comandos nelas contidos.

Em desfecho às classificações tradicionais, há ainda que se verificar aquela atinente ao discurso contido na norma, o qual pode ser categórico ou hipotético, sendo que na primeira hipótese, tem-se uma determinação contida no texto normativo, a qual deverá ser cumprida e, na segunda, observa-se uma situação condicional para a consecução de uma ação.

Por outras palavras, pode-se dizer que as normas categóricas, são aquelas em que há um comando inserido em uma prescrição, ocorrendo determinação para a pratica de determinado ato, já a norma hipotética, é aquela em que há uma determinação, da mesma forma, mas que fica condicionada há ocorrência de uma situação pré-definida. 

Afora das classificações tradicionais, é importante lembrar daquelas classificações recorrentemente utilizadas, sendo que merece ressalva o fato de que as mesmas poderão variar de acordo com o sistema jurídico que se achar inserida a norma a se classificar.

De tal sorte, há destaque para as classificações que levam em consideração a origem das normas, a duração, a força normativa e a plenitude destas.

Primeiramente, quando dito que uma norma pode ser classificada, quanto à sua origem, é possível dizer então, que há uma diferenciação quanto ao órgão de onde provém o regramento. Assim, considerando o sistema federativo (sistema brasileiro), pode-se dizer que uma norma poderá ser federal, estadual ou municipal. Destacando-se ainda nesse escopo, a questão atinente à hierarquia das normas, posicionando-se em primeiro plano a Constituição e abaixo dessa as leis ordinárias.

Por outra vertente, surge a classificação quanto à duração das normas, sendo que nesse quesito, as normas podem ser categorizadas como temporárias ou permanentes, ou seja, temporária é aquela de tempo de vida útil determinado, aquela que se destina à aplicação por um determinado lapso temporal. Já as permanentes, (classificação em que se enquadram a maioria das normas) são aquelas que perduram indeterminadamente no sistema jurídico ou ate que sejam substituídas por outras.   

Quanto à força normativa, é possível destacar que as normas podem ser classificadas como cogentes ou dispositivas, sendo que na primeira hipótese a obrigatoriedade do texto normativo não foge daquilo que contido em sua essência e a determinação decorre do caráter publico contido no interesse normativo, já as normas tidas como dispositivas, são aquelas em que o interesse de sua aplicação infere-se diretamente sobre determinado individuo, sendo facultada a aplicação normativa, por relacionar-se a norma a um direito e não a uma obrigação.

Por fim, no tocante à plenitude, há que se destacar que as normas poderão ser classificadas como autônomas ou não e, desse modo, é autônoma aquela norma em que do seu teor pode se extrair sentido completo sem que, para tanto, seja necessária a existência de outras normas que teriam o condão de dar efetividade ao estabelecido no regramento. Já as normas que não são autônomas, são exatamente o contrário disso, sendo necessária uma norma complementar para que o regramento seja efetivamente aplicado.


[1] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª Edição, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. Página 19.

[2] NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito, 5ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2003. Página 191.

[3] ROSS, Alf. Direito e Justiça. Tradução Edson Bini – Revisão técnica Alysson Leandro Mascaro – Bauru: EDIPRO, 2000. Página 53.

[4] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª Edição, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. Página 29.

[5] BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica, 4.ª Edição, Bauru, SP: EDIPRO, 2008. Página 46.

Sobre o autor
Hugo Vitor Hardy de Mello

Hugo Vitor Hardy de Mello, proprietário do escritório Mello Advogados, é advogado graduado em Direito pela Faculdade Editora Nacional, Pós Graduado em Direito Processual Civil pela PUC – SP e atua especialmente em Direito do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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