Do conceito
A carta testemunhável é uma espécie recursal que tem o escopo de levar a reexame a decisão que denega recurso ou que, muito embora o admitindo, impede que este seja remetido ao Juiz ad quem.
Uma vez interposta, a carta testemunhável levará a questão ao juiz ad quem para que este a conheça dando seguimento ao recurso ou decidindo de logo, caso esteja suficientemente instruída, ou seja, é um recurso que visa subir outro recurso para a instância superior, mesmo que este não tenha sido denegado.
Em que pese a carta testemunhável ser enxergada como uma espécie recursal há posicionamentos divergentes quanto a sua natureza.
A primeira corrente entende a carta testemunhável não como um recurso, mas como uma simples instrumentalização incumbida de fazer o recurso ser conhecido.
A segunda vertente, que tem maior força e adesão, consolida o conceito supra, entendendo realmente tratar-se a carta testemunhável de um recurso que irá obrigar um reexame de um recurso a que não foi dado provimento. Corrobora esta tese Fernando Capez assevera que:
“Entendemos correta a segunda posição, já que a carta testemunhável reveste-se de natureza recursal, pois visa ao reexame de outra decisão, no caso a denegatória do recurso.”
(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009)
Da regulamentação
A carta testemunhável é regida pelo Código de Processo Penal, em seus artigos 639 a 645, bem como, pelo regimento interno dos Tribunais Regionais Federais, como exemplo, o regimento do TRF da 5º Região que reservou seus artigos 216 e 217 para tratar do tema em tela.
Da hipótese de cabimento
O art. 639 do Código de Processo Penal elenca as hipóteses de cabimento da carta testemunhável, quais sejam, quando a decisão denegar o recurso ou muito embora o admitindo obsta de alguma forma que esse recurso chegue ao juiz ad quem.
Jurisprudência e doutrina pertinentes
Pertinente também é a característica subsidiária da carta testemunhável, quando houver recurso especifico para determinada situação de denegação ou improcedência, conforme é cristalino na jurisprudência dos Tribunais:
“PROCESSUAL PENAL. CARTA TESTEMUNHÁVEL. CRIAÇÃO SUPERVENIENTE DE NOVA VARA FEDERAL. ART. 87 DO CPC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. I - O princípio da perpetuatio jurisdictionis (art. 87 do CPC)é aplicado, por analogia, ao processo penal, por força do art. 3º do CPP. II - A criação de Vara Federal na localidade onde ocorreu o fato, depois de oferecida a denúncia, não abala a competência territorial já firmada. III - Carta testemunhável conhecida e recurso ministerial provido.”
(TRF-1 - CT: 785 RO 2006.41.00.000785-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, Data de Julgamento: 24/07/2006, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 15/12/2006 DJ p.22)
Leciona ainda Alexandre Cebrian e Victor Eduardo Rios sobre a subsidiariedade da Carta testemunhal:
“A carta testemunhável é recurso residual, isto é, cabível somente quando não houver previsão de interposição de outro recurso específico, tal como ocorre em relação à decisão que denega a apelação, que se expõe a recurso em sentido estrito (art. 581, XV, do CPP). O mesmo se diga no tocante à denegação de recurso especial e extraordinário, em relação aos quais é cabível agravo nos”
(REIS, Alexandre Cebrian Araujo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.)
O professor Fernando Capez, em sua obra Curso de Processo Penal, nos traz situações relevantes sobre o cabimento da carta testemunhável, como no caso do protesto por novo Júri que fosse denegado, entendendo que não caberia tal recurso uma vez que o protesto por novo Júri não subiria para a segunda instância, vez que é apreciado pelo próprio Juiz a quo, vejamos:
“Entediamos que não caberia, no caso, carta testemunhável uma vez que o protesto por novo Júri não subiria para a segunda instância, já que seria apreciado pelo próprio Juízo a quo, o que frustraria a função precípua da carta.”
(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009)
Os artigos referentes à carta testemunhal devem ser sempre analisados sob a óptica da subsidiariedade, pois a leitura dos mesmos de forma isolada conduziria ao equivoco, conforme ensina o professor Renato Brasileiro:
“Leitura isolada do art. 639 do CPP pode levar à conclusão (equivocada) de que a carta testemunhável seria a impugnação adequada contra toda e qualquer decisão que não recebesse um recurso interposto ou que negasse seu seguimento”
(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3. ed. [s.i]: Jus Podivm, 2015.)
Aspectos formais
A competência para julgar a carta testemunhável é do Juízo ad quem ao qual seria remetido o recurso se este fosse provido e remetido.
Os arts. 640 a 642 do Código de Processo Penal trazem os aspectos formais que a carta testemunhável terá.
Primeiramente a carta testemunhável será requerida ao escrivão ou ao secretário do respectivo Tribunal no prazo de 48 horas a contar da data do despacho que denegar o recurso, o requerente indicará as peças que serão remetidas.
A carta testemunhável é interposta ao servidor da justiça por ser um recurso anômalo, bem como, seria ineficiente a apreciação da carta pelo próprio Juiz que denegou, ou não remeteu, o recurso, podendo importar inclusive em interposições seguidas, não atingindo a eficiência, como assevera o professor Guilherme Nucci:
“Justifica-se a interposição ao servidor da justiça, pois é um recurso anômalo, visando ao combate da decisão que não permite o recebimento ou o seguimento de outro recurso de uma das partes. Seria, pois, inócuo apresentar a carta diretamente à autoridade que negou a interposição do primeiro recurso. Poderia fazê-lo de novo, denegando-lhe seguimento, o que iria provocar uma interposição após outra, sem solução. Encaminha-se, então, ao escrivão ou secretário do tribunal, conforme o caso, para que este envie a carta ao tribunal competente a analisa-la, sob pena de responsabilidade funcional.”
(NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.)
Ato contínuo, o escrivão ou secretário do Tribunal, receberá a carta, dando recibo da petição à parte, e encaminhará a mesma, devidamente conferida e concertada, para que seja apreciada. O prazo para que a carta seja entregue para apreciação varia de acordo com o tipo de recurso a que ela se destina, se for recurso no sentido estrito o prazo será de 5 (cinco) dias, caso seja recurso extraordinário o prazo será de 60 (sessenta) dias, esse último prazo encontra-se atualmente revogado tacitamente, vez que quando ocorrer indeferimento de recurso extraordinário caberá agravo de instrumento, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a subsidiariedade da carta testemunhável.
Impende gizar, que o escrivão ou secretário que se negar a dar o recibo, ou deixar de entregar, a carta, sofrerá punição de suspensão de 30 (trinta) dias. Em caso extremo do testemunhante não ser atendido, este poderá fazer reclamação ao presidente do Tribunal ad quem, que evocará os autos, para julga-los e restará aos responsáveis penalidades.
Faz-se mister ainda atentar para o fato de que a carta testemunhal, uma vez conhecida, seguirá o trâmite destinado ao recurso à que a dita carta visa provimento, caso seja recurso em sentido estrito observará o disposto nos arts. 588 a 592 ou caso seja recurso extraordinário seguirá o procedimento destinado à esse nos arts. 637 e 638 do CPP.
Uma vez julgada a carta testemunhável pelo tribunal, câmara ou turma, mandar-se-á que o recurso seja processado, ou, caso a carta esteja suficientemente instruída, decidirá de logo, de meritis, conforme o entendimento do art. 643 do CPP.
Por fim, cabe ainda ressaltar que, conforme o art. 646 do CPP, a carta testemunhável não terá efeito suspensivo, havendo então os efeitos devolutivo e regressivo.
Corroborando o disposto no Código de Processo Penal esta o regimento interno do Tribunal Regional Federal da 5º Região, que em seus arts. 216 e 217, ratificando que a distribuição, o processamento e o julgamento da carta testemunhável tramitarão conforme o estabelecido para o recurso denegado e que o Tribunal a que competir julgar a carta deverá, uma vez a ela dado provimento, processar o recurso, ou, caso esteja instruída de forma suficiente, decidirá de pronto.
Bibliografia:
REIS, Alexandre Cebrian Araujo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013;
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009;
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3. ed. [s.i]: Jus Podivm, 2015;
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.