Análise crítica sobre o fenômeno da pulverização de tipos penais no ECA

18/05/2016 às 22:38
Leia nesta página:

Um estudo sobre a dificuldade de sistematizar o direito penal em face da pulverização dos tipos penais na legislação extravagante, principalmente os consignados no ECA, visando a implementação de um direito penal congruente e que não seja deletério.

RESUMO:O seguinte escrito tem por escopo realizar um estudo, sem esgotar o tema, sobre a dificuldade de sistematizar um direito penal em face da pulverização dos tipos penais na legislação extravagante, abortando principalmente os consignados no ECA, visando a implementação de um direito penal congruente e que não seja deletério e que, ao mesmo tempo, não sucumba aos apelos de segurança da sociedade.

Palavras chave: ECA, Criança, Adolescente, Crimes, Direito Penal.


1 INTRODUÇÃO

No Estado Democrático de Direito, a atividade estatal só tem razão de ser quando fundamentada principalmente pelo princípio constitucional da legalidade, sem prejuízo do atendimento aos princípios e regras. Através da ferramenta legal o estímulo e a repressão de condutas pelo Estado são simbolizados pela grande mão invisível que intervém na esfera dos particulares, visando o bem comum e a saúde social da coletividade.

Notadamente, o Direito não acompanha a dinamicidade Social, razão pela qual temporalmente as condutas passam são revisadas, outras novas catalogadas, abrindo as cortinas para o surgimento de legislações cada vez mais especializadas, extravagantes, não comportadas pelos grandes Códigos.

Em Direito Penal, seara pública, a coibição de condutas tipificadas como criminosas, que ferem fatalmente a incolumidade da Ordem Jurídica vigente, prejudiciais à vida, à saúde, ao patrimônio, à Administração, e demais segmentos da sociedade, elas estão disciplinadas no expoente Código Penal. Contudo, em virtude do movimento de especialização legislativa, tem-se verificado a diáspora criminal para além do Código Penal, provocando o que os críticos estudiosos denominaram de pulverização dos tipos penais.

Fala-se exatamente de uma maximização do Direito Penal em face da dificuldade de sua sistematização, bem como da dificuldade que tem o Estado de tutelar os novos bens jurídicos implementados pela Constituição Federal de 1988, de fiscalizar e executar adequadamente o sistema penitenciário e a política legislativa de adoção de penas restritivas de direitos para quem incorre em crime. Há ainda uma crise das demais formas de controle social, colocando o direito penal como única instância para solução dos conflitos sociais.

Não obstante, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Nº 8.069/1990 – recebeu fundamento constitucional, com Art. 227 da CF/88, para o estabelecimento de tipos penais no seu bojo, com a roupagem da tutela integral do menor em sua integridade física, moral, patrimonial, psicológica e sexual.

Somente com a sistematização da legislação penal será possível expor as incongruências das penas, a desnecessidade de vários crimes e proteger suficientemente a sociedade?

Esta sistematização exigida para a concretização de uma eficácia pretendida exige respostas uniformes e harmônicas, com a finalidade de afastar o contexto de múltiplos direitos penais, contudo, mesmo um processo conjunto de harmonização legislativa sozinho não garante a homogeneidade de respostas penais.


2 SOBRE OS CRIMES NO ECA

O Capítulo dos Crimes relacionados à criança e adolescente é um momento bastante pontual do Estatuto da Criança e do Adolescente. Os delitos nele dispostos não prescrevem condutas atribuídas ao menor como sendo ele o agressor, isto é, aquele que cometeu ato infracional.

A contrario sensu, é necessário esclarecer, sob o risco de equívoco técnico, que no seu conteúdo estão elencados todos os tipos penais nos quais o menor, criança e adolescente, figura como a vítima, ou seja, como sujeito passivo da relação. É justamente o que se afirma nas Disposições Gerais sobre os crimes consignados ECA.


3 DA PULVERIZAÇÃO DOS TIPOS PENAIS NO ECA

Os crimes contra a Criança e ao Adolescente estão disciplinados entre os Arts. 225 a 244-B da Lei 8.069/1990. Trata-se, portanto, do momento em que o ECA versa sobre matéria penal.

De plano, em seu artigo 225, sobre as Disposições Gerais dos crimes, o Estatuto informa que serão aplicados os artigos seguintes no que for pertinente ao caso concreto, sem prejuízo da aplicação dos tipos previstos no Código Penal.

(ECA/1990) Art. 225. Este Capítulo dispõe sobre crimes praticados contra a criança e o adolescente, por ação ou omissão, sem prejuízo do disposto na legislação penal.

Percebe-se que o legislador pecou por preciosismo, de modo que o comando supra é mera letra morta de Lei, visto que, a sua inserção no Ordenamento Jurídico não o inovou e a sua permanência é mera ilustração de regras cediças do Código Penal. Também não se afastam do caso concreto as regras de outras legislações penalistas.

Quer-se dizer que, inequivocamente, se um menor for vítima de determinada agressão tipificada, a sua efetiva proteção estaria garantida pela aplicação das normas gerais do Código Penal, ainda que não houvessem as diretrizes do ECA.

Ainda sobre as Disposições Gerais, o legislador comete outra incongruência no artigo 226 ao trazer para o conteúdo especial as regras gerais cediças.

(ECA/1990) Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as normas da Parte Geral do Código Penal e, quanto ao     processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Verifica-se a redundância do dispositivo, já que o ECA se vale das regras gerais da codificação penal e processualista penal para perquirir e punir as condutas delitivas cometidas contra a criança ou adolescente. Assim não algum regramento novo daquele apregoada pelas codificações genéricas, mas tão somente uma assimilação daqueles dispositivos para o contexto do Estatuto. Portanto, fala-se de mais um dispositivo legal sem autoridade no bojo do ECA, que tem o condão simbólico de fazer referência a direitos já firmados.

No mesmo sentido, tem valor ilustrativo o art. 227/ECA, uma vez que ele expressa justamente a regra geral da Ação Penal para os crimes específicos do Estatuto, posto a natureza pública da seara penal. Sendo, portanto, irrelevante o seu valor normativo.

Superadas as disposições iniciais, uma análise holística dos tipos previstos no ECA revela que os mesmos são desdobramentos daqueles tipos consignados no Diploma Penal, todavia inseridos na normativa da tutela infanto-juvenil.

Nesse ponto reside a crítica da parcela dos estudiosos que atacam a produção volumétrica de legislações que pulverizam tipos penais, em oposição à ideia da sistemática normativa, que tem restado prejudicada. Sustenta-se que esse movimento dispersão dos tipos teve como repercussão a descrença social em relação à aplicação da Justiça, quando o Estado está inflacionado de normas, mas elas deixam de atender o anseio de segurança. A lei deve ser funcional, fragmentária, mas eficiente no que se propõe a tutelar.

O ECA se dedicou a proteger a criança e o Adolescente de agressões, colocando-os sob a sua redoma da integral proteção, em face do princípio do melhor interesse do menor, contudo, o fez de maneira tímida, pois reproduziu as tratativas do Código Penal, ditames os quais o Estado ainda não executa de maneira satisfatória, em virtude da falibilidade do sistema penal instalado no Brasil.

Mais importante seria que o Estatuto tivesse desenvolvido os tipos já existes no regimento penal, com o escopo de dar a eles mais efetividade, do que ter feito enxertos normativos, de maneira extravagante, apenas para dar uma “cara” àquilo que já existia, contudo, com uma roupagem especializada, que aparentemente coloca o menor no centro da questão.

É indiscutível que o sistema penal deve ser elaborado de modo a obedecer à seleção de valores historicamente sedimentados pela coletividade, tendo em vista a proporcionalidade entre o crime e a pena. Mas, é imperioso verificar que o direito penal cumpre uma função ética e social, protegendo valores fundamentais para a subsistência da vida em sociedade.

A hodierna necessidade de sistematização de um direito penal, com características próprias, acabou por ser negligenciada pelos legisladores em geral, sendo substituída por um incremento de novos tipos penais, buscando suprir lacunas de punição existentes na legislação penal, sem que realmente se estruture um sistema próprio incluindo estes novos tipos penais e o bem jurídico protegido.


4 CONCLUSÃO

Observou-se que o legislador, ao disciplinar matéria penal no Estatuto da Criança e do Adolescente pecou por excesso, visto que os preceitos de cunho criminal e punitivo do ECA acabam por reproduzir aspectos gerais já regrados pelos Código Penal. A especialização não tem favorecido a sistematização da matéria penal, mas sim gerado volume legislativo, uma vez que deixa de versar regras específicas e exceções para se voltar a aspectos gerais já disciplinados em local próprio. Em pouco tempo, a desilusão com a incerteza de um direito justo gera clamores por uma nova lei penal.


5 REFERÊNCIAS

ANDRADE, Kátia Regina F. L. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos. 6.Ed. Saraiva. São Paulo. 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 de jul de 2015.

BRASIL. Código Penal. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 13 de jul de 2015.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal Nº 8.069/1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 13 de jul de 2015.

FIGUEIREDO, Camila Salles. O problema da sistematização de um direito penal juvenil. Disponível em: <http://myrtus.uspnet.usp.br/pesqfdrp/portal/arquivos/docs/I_simposio_pesquisa/discente/camila_salles_trabalho.pdf>. Acesso em: 13 de jul de 2015.

Sobre o autor
Janselmo Melo Braga

Acadêmico do Curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos