Tutela antecipada frente ao novo CPC

24/05/2016 às 19:32
Leia nesta página:

Análise sobre a evolução histórica, conceito, pressupostos e características, generalidades e importância da figura da tutela antecipada para o processo civil com a exposição das propostas de alteração e os pontos relevantes sobre a matéria no novo CPC.

 

 

 

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Breve Histórico. 3. Conceito. 4. Requisitos essenciais. 5. Requisitos alternativos. 6. A Tutela Cautelar. 7. A Tutela Antecipada no projeto do novo CPC. 8. Conclusão. 9. Referências Bibliográficas.

 

 

RESUMO

A figura da antecipação de tutela tem como função precípua acelerar e proporcionar uma maior efetividade à prestação jurisdicional, diante da lentidão do curso normal do processo. Logo é incontestavelmente a ferramenta jurídica mais útil para o autor ver a satisfação do seu direito e a sua realização provisória. É reconhecidamente instituto importante para a efetividade do processo que é um direito, hoje, garantido constitucionalmente. Nesse contexto faz-se necessário a análise de sua evolução histórica, conceito, pressupostos e características, além de suas generalidades e sua importância para o processo civil com a exposição das propostas de alteração e os pontos relevantes sobre a matéria no novo Código de Processo Civil.

 

Palavras-chave: Tutela Antecipada – Tutela jurisdicional satisfativa – Tutela cautelar – Novo Código de Processo Civil

 

ABSTRACT

The figure of the preliminary injunction has the primary function to accelerate and provide greater effectiveness to adjudication before the slowness of the normal course of the process. Logo is unquestionably the most useful legal tool for the author to see the satisfaction of its law and its provisional fulfillment. It is admittedly important institute for the effectiveness of the process is a right, now, constitutionally guaranteed. In this context it is necessary to analyze its historical evolution, concept, assumptions and characteristics, as well as their general and its importance to the civil process with the exposure of the amendments and the relevant points on the subject in the new Civil Procedure Code

Keywords: Injunctive Relief - judicial protection satisfactory - protection Writ - New Code of Civil Procedure

 

1. INTRODUÇÃO

 

A Ciência Jurídica tem sofrido uma série de transformações evidentes e inevitáveis desde o fim do séc. XX, com a necessidade de se adequar às diversas mudanças sociais, políticas, econômicas e tecnológicas, e aos anseios da sociedade contemporânea. Essas mudanças se estendem à ciência do direito como um todo e demonstram inclusive uma necessidade de se ter maior aproximação entre as técnicas processuais do Direito e o povo.

            Configurando-se como um dos novos anseios sociais frente ao crescente número de demandas destaca-se a necessidade de um processo mais célere e eficaz no qual possa ser realizado e satisfeito o direito material de forma útil ao seu titular. Para a Ciência Processual o tempo necessário para a realização de um juízo de certeza sobre o pedido do autor pode ser o fator principal que contribui contra o direito pleiteado e contra a prestação de uma tutela eficaz.

Tal demora pode ter origem em ordens diversas: burocracia processual, formalismo exagerado, desaparelhamento e desestruturação do Poder Judiciário ou até ausência de consciência de conciliação entre os operadores do Direito. A partir das novas dinâmicas sociais passou-se então a não mais ser tolerada a demora de ver seu pleito atendido aquele que possuir um direito. O legislador trouxe ao antigo Código de Processo Civil Brasileiro (com o advento da Lei 8.952/94), o instituto da antecipação de tutela.

Esta figura jurídica tem como função precípua acelerar e proporcionar uma maior efetividade à prestação jurisdicional, diante da lentidão do curso normal do processo. Logo a antecipação da tutela é incontestavelmente a ferramenta mais útil para o autor ver a satisfação do seu direito e a sua realização provisória. É reconhecidamente instituto importante para a efetividade do processo que é um direito, hoje, garantido constitucionalmente.

Assim dispõe a redação do inc. LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal implementado pela Reforma do Judiciário de 2004: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Esse instituto é, portanto, o principal objeto do atual estudo.

 

2 BREVE HISTÓRICO

 

O instituto da “tutela antecipada” manifestava-se de maneira permeada em nosso ordenamento mesmo anteriormente à reforma do CPC de 1994. Era previsto previamente, por exemplo: em ações possessórias, ações de despejo liminar e de aluguel provisório. Contudo, a partir das alterações implementadas pela lei 8.952/1994 relativas principalmente ao art. 273 do Código de Processo Civil de 1973, passou-se a ter uma construção mais sistematizada da” tutela antecipada” e com aplicação genérica (a todos os processos).

A técnica de antecipação da tutela possui raízes no direito romano no qual se encontra o instituto similar da “tutela interdital”. Nesta o pretor antecipava a execução ou o mandamento no próprio processo cognitivo independente de um processo autônomo. Difere a tutela interdital da tutela antecipada pelo fato de que aquelas poderiam implicar a satisfação definitiva da pretensão, ao contrário destas, que como veremos mais a frente, implicam somente uma satisfação provisória da tutela.

Já era prevista há pelo menos 40 anos nos ordenamentos europeus possuindo correspondente na Itália desde 1942 quando da implantação do Códice de Procedure Civile. No passado o direito europeu sabidamente não fixava uma diferença essencial entre tutela antecipatória e a tutela cautelar, onde ambas eram consideradas como espécies do mesmo gênero. Hoje há diferenças essenciais e de fato significantes para a compreensão de ambos os institutos e que serão explicitados ao longo desse trabalho.

 

 

3 CONCEITO

 

            A tutela antecipada consiste em permitir a produção de efeitos do pedido do autor desde o início do processo. Segundo constava no art. 273 do CPC de 1973, a tutela antecipada é denominada como o deferimento provisório do pedido inicial, no todo ou em parte, com força de execução, se necessário. Nas palavras de Câmara (2013) a tutela antecipada é uma forma de tutela jurisdicional satisfativa (e, portanto, não cautelar), prestada com base em juízo de probabilidade. Trata-se de fenômeno próprio do processo de conhecimento.

Para Bueno (2007), a tutela antecipada é antecipada justamente porque os efeitos da sentença que, como regra, ficam sujeitas a um recurso que tem efeito suspensivo, podem vir a ser sentidos antes disso, antecipadamente. Assim, a tutela antecipada é, decididamente, mecanismo para tirar o efeito suspensivo da apelação fora daqueles casos em que o próprio legislador, genérica e abstratamente, já assumiu, expressamente, o risco processual dessa iniciativa.

Configura-se, portanto, como a possibilidade de o juiz conceder um provimento liminar que assegure ao autor de maneira provisória o bem jurídico reclamado como objeto da relação jurídica litigiosa. É um direito subjetivo processual que a parte tem de exigir da Justiça como parcela da tutela jurisdicional a que se obriga o Estado.

A tutela antecipada justifica-se de maneira geral pelo conceito de “efetividade” que deve estar ligado à noção de tutela jurisdicional muitas vezes deixado de lado pela longa morosidade do processo a que se submetem as partes. Segundo Marinoni (2009) em um determinado momento o processualista acordou e observou que a Justiça Civil era elitista – porque estava afastada da grande maioria da população, que por várias razões evitava recorrer ao Poder Judiciário – e inefetiva, já que não cumpria aquilo que prometia, principalmente em virtude da sua lentidão.

De acordo com o princípio da “inafastabilidade do poder jurisdicional” a nenhum sujeito deve ser impossibilitada a prestação da tutela jurisdicional. No entanto, essa tutela deve ser prestada de maneira efetiva e eficaz. Conforme Almeida (2007) a função da antecipação da tutela é a de permitir que a proteção jurisdicional seja oportuna, adequada e efetiva. Garantir a efetividade de suas decisões é a contrapartida que o estado tem que conferir à proibição da autotutela.

Logo o que se busca é uma tutela jurisdicional eficaz e adequada. O processo de conhecimento é a forma na qual é prestada a tutela jurisdicional. No entanto, tal procedimento ordinário ou sumário somente pode ser prestado de maneira efetiva se o juiz proferir um julgamento baseado no juízo de certeza. Tal juízo de certeza não será devidamente constituído quando houver qualquer tipo de precipitação por parte do julgador na formação do seu juízo. Portanto, é natural que o procedimento ordinário no qual se forma o processo de conhecimento seja longo e moroso.

Ao mesmo tempo, o princípio constitucional do devido processo legal e da inafastabilidade da tutela jurisdicional (efetiva) firmam o direito constitucionalmente garantido do “acesso à justiça” (art. 5º, inc. XXXV), o que fomenta a necessidade de uma prestação mais célere e eficiente no que diz respeito à satisfação do direito tutelado.  Visando a impugnação de tal imbróglio entendeu o legislador que era necessário a criação de uma forma diferenciada de prestação na qual se pudesse obter a prestação de uma tutela satisfativa mais célere.

Em regra, com a antecipação da tutela, estar-se-á garantindo o direito constitucional à efetividade, que é o direito atribuído ao jurisdicionado, impedido de fazer justiça de mão própria, de que seja garantida a utilidade da sentença, assegurando, em caso de vitória, a efetiva e prática concretização da tutela. Trata-se de um direito à ordem jurídica justa, compreendendo o direito de provocar o Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos. (PAIM, 2012).

Logo, tal tutela que é exercida com base em juízo de probabilidade passou a ser regulada pelo art. 273 do CPC (1973). No entanto, ela possui um caráter excepcional só podendo ser prestada nos casos em que for o único meio adequado à tutela de um direito substancial. Logo para que se configure como tutela antecipada e seja concedida pelo juiz são necessários alguns requisitos essenciais que serão tratados a seguir.

 

4 REQUISITOS ESSENCIAIS

 

            Além de se caracterizar pela presença da probabilidade da existência do direito alegado, faz-se necessário a presença de outros requisitos previstos no caput do art. 273 (1973). São eles a “prova inequívoca” e a “verossimilhança da alegação” e devem ser concebidos de maneira cumulativa. A prova inequívoca é aquela que é preexistente e não apresenta dubiedade. Ela é clara, evidente e possui um grau de convencimento de maneira que não se levanta dúvida razoável sobre ela.

            A verossimilhança da alegação está diretamente ligada à prova inequívoca. Uma vez que o juízo de verossimilhança dos fatos alegados decorre da prova inequívoca sobre a qual se tem “relativa” certeza, tal juízo se refere ao fundamento de direito das alegações. “O juízo de verossimilhança é aquele que permite chegar a uma verdade provável sobre os fatos, a um elevado grau de probabilidade da versão apresentada pelo autor”. (BEDAQUE apud DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2009).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

            Logo a verossimilhança configura-se quando a prova implica uma probabilidade muito grande de que aquilo que está sendo alegado pelo litigante seja verdadeiro. Não basta que haja aqui só uma mera possibilidade ou plausibilidade do direito. Não basta que haja apenas o fumus boni iuris. O juízo assentado na prova inequívoca e na verossimilhança das alegações não se contenta somente com a simples fumaça que permite a visualização da mera silhueta ou do contorno sombreado de um direito.

Prelecionam Didier Jr., Braga e Oliveira (2009) prelecionam que a prova inequívoca de verossimilhança das alegações é exigência mais rigorosa que o fumus boni iuris, pressuposto da tutela cautelar. Isso porque a tutela antecipada implica juízo cognitivo mais profundo do que o exigido para a tutela cautelar – malgrado seja mais superficial do que o exigido para a tutela definitiva (cognição exauriente). Enquanto a tutela antecipada exige verossimilhança fundada em prova, a cautelar só demanda mera plausibilidade/probabilidade, independente de prova.

A verossimilhança encontra-se numa posição intermediária entre o juízo de certeza das alegações do autor e a mera possibilidade ou plausibilidade do direito baseado no princípio da fumaça do bom direito.

O art. 273, § 2º do CPC de 1973 versava no seguinte teor: “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. Tal dispositivo caracteriza-se como um princípio negativo, mas obrigatório e também essencial para a configuração adequada da tutela antecipada. Trata-se da “reversibilidade da decisão proferida” (mais precisamente a proibição da irreversibilidade de seus efeitos práticos).

Antecipar irreversivelmente significa a antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, exercício este que, ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nesses casos, o prosseguimento do próprio processo. (ZAVASCKI, 2005, p.100).

 

Essa proibição da irreversibilidade dos efeitos do provimento ou essa não reversibilidade da decisão se mostra, no entanto, se por vezes relativizada quando postos em cheque o perigo de dano irreparável e a proibição da irreversibilidade. Nesses casos far-se-á necessário um juízo ponderado dos valores e os bens jurídicos que entrarão em conflito, utilizando-se o juiz da proporcionalidade ao dar sua decisão. Tal proporcionalidade deve fundamentar a efetividade dos provimentos, sejam eles de concessão ou de denegação da tutela antecipada no caso concreto. Assim, é que de maneira exemplificativa elenca-se:

ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TRATAMENTO MÉDICO. ATROPELAMENTO. IRREVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO ANTECIPADO. A regra do § 2º do art. 273 do CPC não impede o deferimento da antecipação da tutela quando a falta do imediato atendimento médico causará ao lesado dano também irreparável, ainda que exista o perigo da irreversibilidade do provimento antecipado. Recurso não conhecido. (REsp n. 417.005-SP) Recurso especial não conhecido. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 408.828/MT, Quarta Turma, Rel. Ministro Barros Monteiro, 2005).

 

 

5 REQUISITOS ALTERNATIVOS

           

Além dos requisitos indispensáveis ou essenciais exige-se ainda a presença de um requisito alternativo. Estavam eles presentes nos incisos I e II do art. 273 (CPC, 1973). São eles o receio de dano irreparável ou de difícil reparação e o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Eles pressupõem a tutela de urgência e a tutela de evidência.

            A tutela de urgência diz respeito ao perigo de dano e ao perigo do ato ilícito. Deve ser concedida quando o risco de dano irreparável ou de difícil reparação for atual, grave e concreto. O perigo de ato ilícito é fundamentado no art. 461, §1º do CPC (1973). Refere-se ao receio de ineficácia do provimento final da demanda. Assim, possui a seguinte redação o referido dispositivo: “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada”. (Art.461, §3º) (CPC, 1973).

            A tutela de evidência aplica-se a situações nas quais ocorre abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, ou pela existência de parte incontroversa da demanda. É aquela na qual é dispensada a demonstração de urgência para a concessão da tutela antecipada. Em relação a esta última dispõe o §6 do art. 273 (CPC, 1973): “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. Tal possibilidade é novidade e foi introduzida pela lei 10.444/2002.

            Sobre o assunto:

A tutela antecipada até aqui examinada é baseada, como já se afirmou, em juízo de probabilidade e, por isso mesmo, é – por natureza – provisória. Pode, assim, ser denominada ‘tutela antecipada interinal’, na medida em que se destina a proteger interinamente o demandante, cujo direito substancial se revela provável, presente um dos requisitos alternativos estabelecidos pelos dois incisos do art. 273. (CÂMARA, 2013, p.99)

 

A tutela antecipada caracteriza-se pela precariedade e em regra tem caráter provisório e interino, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo. Esse caráter precário e “interinal” justifica-se por se basear em um juízo de probabilidade. No entanto, há determinadas situações fáticas nas quais o direito substancial torna-se incontroverso e, portanto adquire um teor definitivo devido ao juízo de certeza que passa a permeá-lo. Trata-se, pois, da possibilidade de um ou mais pedidos, ou parcela deles mostrar-se incontroverso.

            Portanto, admite-se que somente uma parcela do objeto do processo torne-se incontroversa pelo fato de que um pedido é decomponível e que tão somente um pedido pode mostrar-se incontroverso enquanto outros pedidos permanecem controversos ao longo do processo. O que ocorre aqui é uma verdadeira cisão do julgamento. A parte controversa da demanda deverá ser decida em sentença ao final do processo enquanto as partes que configurarem-se como incontroversas deverão ser tuteladas antecipadamente.

            Esse tipo de tutela antecipada é prestada em um processo de cognição exauriente, formado a partir de um juízo de certeza e por isso mesmo é concedida com caráter de definitividade não podendo mais ser revogada nem modificada a não ser em nível de recurso.

Caracterizando-se o direito a um processo com duração razoável como um direito a um processo sem dilações indevidas, resta claro que qualquer ato processual posterior à incontrovérsia fáctico-jurídica constitui uma dilação indevida no curso da causa, sendo, pois, desautorizada pela nossa Constituição. Com efeito, se a incontrovérsia denota um juízo de certeza (e, portanto, tomado sob cognição exauriente), não há como sustentar, na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais (que é precisamente a perspectiva do Estado Constitucional), que o art. 273, § 6º, CPC, dá azo a uma simples antecipação (provisória) dos efeitos da sentença. De modo nenhum. Rigorosamente, o art. 273, § 6º, CPC, tem de ser interpretado em conformidade com o direito fundamental a um processo com duração razoável. Daí deflui naturalmente a sua impostação como um julgamento definitivo da parcela incontroversa da demanda... (MITIDIERO, 2007, p. 47).
 

 

6 A TUTELA CAUTELAR

           

Faz-se necessário antes de adentrar na abordagem do tema principal deste trabalho a conceituação e diferenciação do instituto da tutela cautelar em relação à tutela antecipada. Diferentemente desta última, a cautelar objetiva assegurar o resultado prático do processo, assegurando a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor. Visa providências urgentes e provisórias, que tendem a assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas, garantindo os efeitos de uma providência principal, em perigo por eventual demora.

            Como se pode observar a tutela cautelar é um processo acessório que busca medidas urgentes para garantir o bom desenvolvimento do processo principal e tendo por fim a efetividade da tutela jurisdicional. Diferencia-se da tutela antecipada, uma vez que não alcança a satisfação do direito nem tão pouco possui prerrogativa de antecipar os efeitos da tutela de mérito, mas tão somente o de assegurar o resultado útil do processo. A tutela cautelar possui natureza assecuratória e tem por escopo assegurar o resultado útil do processo. A tutela antecipada possui natureza satisfativa e tem por finalidade viabilizar a produção dos efeitos da sentença de procedência do pedido do autor.

            Com intuito de delimitar uma diferenciação concreta entre os institutos aduz Victor A. Bonfim Marins:

(....) a antecipação dos efeitos da tutela tem o escopo de implementar desde logo os efeitos práticos da sentença de procedência. Já, a tutela cautelar tem por função assegurar a idoneidade do processo, complexivamente considerado. (....) Esta é, conceitualmente, não satisfativa. Aquela, orientada ou preordenada a satisfação do direito ou da pretensão, muito embora ainda não satisfativa, porquanto não se sabe se o direito alegado existe. (1996, p. 567)

 

            Existem ainda situações de fungibilidade entre os institutos, previamente admitidas pelo §7º, art. 273 do CPC (1973). Nessas ocasiões, na hipótese de uma parte invocar um instituto no lugar de outro o juiz poderá proceder à substituição devendo sempre considerar como função maior almejar o direito postulado e não o formalismo processual.

Derradeiramente note-se que o art. 273, § 7º do CPC, acrescentado pela Lei nº. 10.444/02 imprimiu nova revolução na técnica da concessão das chamadas tutelas provisórias de urgência ao consagrar a denominada fungibilidade das medidas urgentes (cautelar e antecipada satisfativa). (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2009).

 

7 TUTELA ANTECIPADA NO NOVO CPC

           

As reformas empreendidas pelo projeto de Lei 166/2010, em relação às matérias até aqui tratadas, tomam dois viés distintos: modificações quanto à tutela de urgência e modificações quanto à tutela de evidência. Procuraremos tratar de cada uma delas separadamente.

            Primeiramente, em relação à tutela de urgência, como já visto, tem por característica definidora o fato de referir-se às situações de perigo de dano. Em nosso atual Código de Processo Civil são entendidas como aquelas situações a que se refere o art. 273, inc. I quais sejam aquelas em que há o receio de dano irreparável ou de difícil reparação. O projeto de Lei do novo Código projetava a tutela cautelar também como instituto caracterizador da tutela de urgência, reunindo ambas em um só título e lhes concedendo tratativa em um mesmo dispositivo.

 

Art. 283. Para a concessão de tutela de urgência, serão exigidos elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. (BRASIL, Projeto de Lei nº. 166, de 08 de junho de 2010)

           

Portanto, em relação a esses institutos, essa foi a maior alteração instituída. Tutela antecipada e tutela cautelar passam a ser disciplinadas em um mesmo dispositivo. Tal tutela de urgência (agora unificada) passa a possuir um teor dúplice procedimental: antecedente e incidental.

            No que tange à tutela de urgência de caráter antecedente verifica-se maior força e estabilidade quando o requerido não proceder à impugnação da decisão concedida em caráter liminar. Nesses casos deverá ocorrer a extinção do processo antecedente como mostra o disposto no art. 288:

 

Art. 288. Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo requerente presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros, caso em que o juiz decidirá dentro de cinco dias.

§ 1º Contestada a medida no prazo legal, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, caso haja prova a ser nela produzida.

§ 2º Concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua efetivação integral, o  juiz extinguirá o  processo, conservando a sua eficácia.

(BRASIL, Projeto de Lei n.166, de 08 de junho de 2010)

 

Com relação à tutela de evidência, a mesma já era consagrada em nosso antigo CPC em seu inc. II do art. 273. É aquela na qual é dispensada a demonstração de urgência para a concessão da tutela antecipada. Aplica-se a situações nas quais ocorreram abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Além disso, como evidencia o §6º do mesmo dispositivo, esta configura-se também nos casos em que o pedido ou parte dele se configure como incontroverso ao longo do processo.

O projeto de lei do novo CPC já ampliava e conferia maior detalhamento a este tipo em seu art. 285, tal qual dispõe:

 

Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando:

I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido;

II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;

III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou

IV - a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.

Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional. (BRASIL, Projeto de Lei nº. 166, de 08 de junho de 2010)

               

O instituto da tutela de urgência e a tutela de evidência são como tipificados nos artigos anteriores de cognição sumária ou precária. Portanto, são provisórios podendo ser revogados ou modificados a qualquer tempo ou por decisão de mérito proferida em processo.

Coadunando com tal linha de raciocínio dispõe o art. 290,§ 2º, do projeto de Lei: “Nas hipóteses previstas no art. 289, §§ 2º e 3º, as medidas de urgência conservarão seus efeitos enquanto não revogadas por decisão de mérito proferida em ação ajuizada por qualquer das partes.”

A exceção consta no inc. II do artigo anteriormente visto nos casos de tutela de evidência nas quais um ou mais dos pedidos cumulados se tornarem incontroversos no curso do processo.

Outra observação pertinente é o fato de o inciso I do art. 285 englobar todas as outras hipóteses dos outros incisos da tutela de evidência (com exceção do inc. II) sendo considerados pela doutrina como de defesa inconsistente. “A hipótese do art. 285, I, é a mesma presente no art. 273, II, Código vigente. Rigorosamente, por si só dá conta das demais hipóteses, já que abusa do direito de defesa ou age com manifesto propósito protelatório quem oferece defesa inconsistente.”  (MARINONI; MITIDIERO, 2010).

 

8 CONCLUSÃO

           

Após a apresentação e análise dos principais pontos da matéria abordada até aqui, firma-se o entendimento de que não houve mudanças profundas e substanciais com relação ao instituto da tutela antecipada frente ao novo Código de Processo Civil, em vigência.

Apesar de poder-se sustentar que não houve profundas mudanças de ordem material, o mesmo não se pode dizer sobre as várias mudanças de ordem formal manifestos na literalidade dos artigos. Como exemplo tem-se a unificação entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, sendo agora tratadas em um só dispositivo. Além de tudo, deu-se um maior detalhamento à tutela de evidência.

            Portanto, mais relevante do que a inexistência de modificações de caráter substancial é a formalização e a garantia desses novos institutos. A tutela de urgência e a tutela de evidência são fundamentais num contexto de crescimento e expansão do direito de acesso à jurisdição, bem como em relação à garantia constitucional de ter seus direitos tutelados.  Juntos resguardam o pleno acesso à justiça e livram o cidadão comum de verem seus direitos prejudicados ou serem extintos pelos formalismos e pela lentidão de um longo processo ordinário.

             A maior contribuição desse conjunto de princípios e institutos tratados aqui é a possibilidade de se construir mecanismos para a obtenção de uma tutela satisfativa com celeridade ainda que em regra não definitiva.

 

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALMEIDA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 9ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. v.1.
 

BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
 

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.

 

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Vol.2. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009.

 

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo. 2ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

 

MARINS, Victor A. Bonfim. Tutela Cautelar, Teoria Geral e Poder Geral de Cautela. Editora Juruá : Curitiba, 1996.

 

MITIDIERO, Daniel. Processo civil e Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

 

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005.
 

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 07 dez. 2013

 

BRASIL. Reforma do Código de Processo Civil (2010). Projeto de lei do Senado nº. 166/2010. Brasília, 08 jun. 2010. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:senado.federal:projeto.lei;pls:2010-06-08;166>. Acesso em: 07 dez. 2013..

Sobre o autor
Samuel Rocha dos Santos

Acadêmico do 10o período do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos