Os imóveis, considerados para fins de aquisição de propriedade, são considerados o solo e demais construções e aquisições que vierem a ser adquiridas pelo mesmo, sejam feitas pelo homem ou pela natureza. O imóvel será considerado urbano quando localizado em local passível de edificações contínuas, onde existam mecanismos e suportes capazes de proporcionar o convívio integrado de um mesmo local pelos seus habitantes, onde estes possam ter infraestrutura básica como moradia, transporte, assistência médica, rede de iluminação pública, água canalizada, dentre outras características. São as chamadas funções urbanísticas. Conforme a Lei 5.172, de 1966, que regulamenta o Sistema Tributário Nacional, a zona urbana exige a existência de melhoramentos para que seja considerada como tal:
Art. 32. (...) entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II - abastecimento de água;
III - sistema de esgotos sanitários;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
§2º. A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior. (LEI 5.172, 1966)
O homem poderá edificar o solo e a natureza poderá, por exemplo, agregar ao mesmo, porção de terra que se desfez de outro ponto do solo, que neste caso recebe o nome de avulsão (aquisição por acessão). O Código Civil de 2002 esclarece em seu art. 1.229 que a propriedade de um imóvel não abrange as profundidades do solo nem altura considerável, não podendo o mesmo impedir que terceiros desenvolvam atividades que beneficiem o desenvolvimento nacional, como, por exemplo, a exploração de jazidas. O civilista BrunnoPandoriGiancoli, em poucas palavras, dispõe sobre o tema:
Quando uma certa propriedade não cumpre a sua função social, não pode ser tutelada pelo ordenamento jurídico. Vale dizer que não somente os bens de produção, mas também os de consumo possuem uma função social, sendo por esta conformados em seu conteúdo – modos de aquisição e de utilização. (GIANCOLI, 2012, p. 379).
Nesse contexto, a propriedade imóvel urbana deverá se enquadrar dentro do contexto dos melhoramentos exigidos pela lei e poderá ser adquirida de várias maneiras, principalmente, conforme aquelas elencadas no Código Civil de 2002, entre os art. 1.238 e 1.259. A classificação clássica das formas de aquisição da propriedade compreende: a aquisição originária, em que não há transferência de propriedade por negócios jurídicos; e a aquisição derivada, caracterizada pela existência de título passível de registro, ocasionado comumente de um negócio jurídico.
A usucapião é uma das formas de aquisição originária de propriedade de bens imóveis. Em regra, aquele que permanecer no imóvel, não sendo proprietário do mesmo, de forma mansa e pacífica, adquire a propriedade do mesmo. Se possuir boa-fé, trata-se da usucapião ordinária, que possui menor prazo para que o possuidor requeira ao juiz que declare por sentença que aquele imóvel o pertence; se não possuir a boa-fé, trata-se da usucapião extraordinária, cujo prazo será maior.
O Registro é uma maneira de aquisição derivada de propriedade imóvel, que consiste em que aquele que realizar negócio jurídico com outra pessoa, possuindo em mãos escritura pública, ou outro documento legítimo passível de registro, poderá leva-lo ao Registro de Imóveis e registrá-lo, adquirindo a propriedade do imóvel objeto do negócio.
As aquisições por acessão (forma de aquisição derivada da propriedade) envolvem aquelas proporcionadas por forças da natureza, como acréscimos sucessivos e imperceptíveis de porção de terra (aluvião) ou porção de terra dastacada de uma parte do solo e agregada a outra parte (avulsão); bem como proporcionadas pelo homem, nos casos de plantações ou construções, conforme previsões do Código Civil de 2002.
Além dessas formas de aquisição, existem os beneficiários de direitos potestativos, os quais poderão receber a propriedade de bens imóveis, tais como os donatários (que recebem de um doador, por título sujeito a registro, um imóvel) os legatários (que por ato de última vontade, recebem em testamento um imóvel, cujo título também é levado a registro), a compra e venda propriamente dita, inserida no contexto dos negócios jurídicos, dentre outros.
Diante desses primeiros aspectos e considerações, percebe-se que a legislação nacional prevê várias formas de adquirir um imóvel e possuí-lo como dono. Assim, percebe-se que a margem de liberdade na realização de atos que envolvam a propriedade imobiliária é ampla, desde que respeitada as possibilidades que a própria lei indica como legítimas. Sendo assim, não há no ordenamento jurídico atual aleatoriedade indiscriminada quando se fala em imóveis, uma vez que este poderá ser objeto de direitos que envolvem os diretamente interessados e refletem nos indiretamente alcançados.
Dessa forma, percebe-se que um dos principais objetivos da normatização é organizar as formas de aquisição da propriedade e direcionar a função social da propriedade de modo que a sua destinação contribua para a organização e desenvolvimento econômico, social, regional e nacional. O sentido maior da norma pousa no fato de que devido ao convívio social e coletivo, em que atos e negócios jurídicos são praticados a todo tempo, o Poder Público, como organizador e administrador de um Estado, percebeu a necessidade de organizar a disposição pessoal e real dos aspectos imobiliários, de modo que a função social dos mesmos sejam alcançadas.
Inclui-se como norma que regulamenta a função social da propriedade a Lei 10.257 de 2001 – Estatuto da Cidade – aplicada genericamente às cidades que não possuem Plano Diretor. O Estatuto da Cidade funciona como lei geral, norma que direciona a organização das cidades; e o Plano Diretor é elaborado com base nessa lei geral, sendo mais específico.
A Constituição Federal de 1988 garante o direito à propriedade, mas condiciona essa garantia à destinação do imóvel de modo que cumpra a sua função social, função esta que deve ser adequada ao que prevê as normativas do Plano Diretor. Este, por sua vez, é uma exigência para cidades com mais de 20 mil habitantes, inserido dentro do contexto do Poder Legislativo local, ou seja, as próprias cidades podem elaborar o Plano Diretor, tendo como referência o Estatuto da Cidade e demais normas relacionadas ao tema, explicitando quais as características que desencadeiam a ideal utilização imobiliária de modo que ela se adeque aos conceitos geradores da função social. Assim, o Plano Diretor enumera as exigências fundamentais de ordenação da cidade (art. 182, § 1º e §2º, CF/88). De acordo com a constitucionalista e professora Nathalia Masson:
Por seu turno, a propriedade urbana cumprirá sua função social quando atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (art. 182, §2º, CF/88). A propósito, o plano diretor – aprovado pela Câmara Municipal e obrigatório em cidades com mais de vinte mil habitantes -, é o instrumento básico de política de desenvolvimento e de expansão urbana, conforme enuncia o art. 182, §1º, CF/88. (MASSON, 2015, p. 256)
É notório salientar que as previsões contidas no Plano Diretor e em eventuais normas que regulamentam a função social da propriedade não autorizam que manifestações ou ações ilícitas ou ilegítimas se acobertem na lei para justificarem o mau uso ou a ausência da busca pela ideal destinação do imóvel.
Nesse contexto, a propriedade que não cumpre a sua função social é passível de fiscalização pelo Poder Público, uma vez que a lei determina como ocorrerá a sua ideal destinação e o Estado possui a legitimidade para fiscalizar o real cumprimento das normas legais, podendo exercer o seu poder de polícia de forma imperativa e autoexecutável, ou seja, poderá impor ao particular que destine a sua propriedade a um fim social e poderá executar as suas próprias decisões caso não sejam cumpridas. De acordo com Alexandre Mazza:
Embora a própria Constituição assegure o direito de propriedade (art. 5º, XXII), trata-se de um direito relativo na medida em que o seu exercício, para ser legítimo, deve se compatibilizar com os interesses da coletividade. Cabe ao Estado, utilizando os instrumentos de intervenção na propriedade, o papel de agente fiscalizador do cumprimento da função social. O proprietário que desatende aos requisitos da função social incide na prática de ato ilícito, podendo sujeitar-se à imposição de instrumentos sancionatórios de intervenção na propriedade (...). (MAZZA, 2014, p.608)
Com isso, importante destacar quais seriam as restrições que o proprietário de um imóvel que não cumpre a sua função social estaria sujeito. De acordo com o art. 182, §4º da CF/88, o Poder Público possui a faculdade de exigir aos proprietários de imóveis urbanos sujeitos ao Plano Diretor, quando não edificado, sub-utilizado ou não utilizado, que provem o aproveitamento adequado do solo urbano que possuem, sob pena de desapropriação por interesse social, com pagamento mediante títulos da dívida pública (art. 182, §4º, III); imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo (art. 182, §4º, II); parcelamento ou edificação compulsórios (art. 182, §4º, I), podendo essas sanções serem aplicadas conforme a conveniência verificada pelo Estado, não sendo necessário respeitar ordem preestabelecida entre elas.
Esses atos coercitivos, em que o Poder Público pode fiscalizar e aplicar sanções, são previstos no art. 78 do Código Tributário Nacional, sendo classificado como poder de polícia. Esse poder é que confere e legitima o direito de fiscalizar ao Estado, sendo coercitivo, autoexecutável e imperativo, mas praticado quando há necessidade e por bem do interesse público.Ora, a administração pública também possui limites para a sua atuação. As sanções específicas são previstas para que o indivíduo que vive em sociedade possua o discernimento necessário para compreender que precisa destinar sua propriedade de forma a atender aos interesses coletivos da sociedade.
Conclusão
Diante dos argumentos expostos, conclui-se que a aquisição de um imóvel importa em responsabilidades por parte dos particulares que o possuem como donos e por parte do Estado, que fiscaliza a sua utilização. A propriedade não se limite no domínio pelo seu proprietário, e menos ainda na atividade translativa do mesmo. A função social prevista no ordenamento jurídico brasileiro é que possui o status de base e referência para que o imóvel atinja a sua função, socialmente prevista na legislação. O Brasil, como Estado soberano possuidor de uma Constituição que o estrutura, possui o dever de resguardar os direitos dos seus cidadãos, já que se insere em um ordenamento jurídico pautado na democracia.
Sendo assim, o Estado deve agir para que os direitos não sejam violados, independente de quem os cometam. Essa ação estatal é realizada por dois meios: a prevenção e a repressão. Naquela, existe um receio de que determinado direito não seja respeitado, seja no seu surgimento, quanto na sua aplicação, adquirindo o Poder Público, com isso, mais diligência nos seus atos. Esta, por sua vez, possui o condão de punir violação cometida por ato do Estado. Este não está imune de sofrer sanções por omissão ou ação que violem direitos dos cidadãos.
Dentro desse contexto, com a Constituição Federal de 1988, surgiu o Plano Diretor como norma específica para cumprimento da função social da propriedade urbana, mais especificadamente para municípios com mais de 20 mil habitantes, com o intuito de resguardar a sociedade de ações particulares e públicas que possam comprometer o convívio interpessoal e suas relações com o direito imobiliário. Com o passar do tempo, a utilização de imóveis tornou-se mais responsável, na medida em que existe norma definidora para sua destinação e consequentemente surgiu para o Estado o poder-dever de intervir na propriedade privada como fiscalizador do cumprimento da norma.
Sendo assim, a liberdade do direito de propriedade não se faz ilimitadamente. Existe o respeito pelo que é social, partindo da premissa de que a qualidade do convívio em sociedade depende das ações daqueles que a integram juntamente com as ações Estatais, que funcionam como medida protetora dos indivíduos e como meio responsável pelo adequado crescimento do país, garantindo as condições básicas de seu desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 ago. 2015.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>. Acesso em 25ago. 2015.
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 25 ago. 2015.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>. Acesso em 26 ago. 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014.
GIANCOLI, BrunnoPandori. Direito Civil. Coleção Elementos do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MAIA, Roberta Mauro Medina. Teoria Geral dos Direitos Reais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3. Ed. Salavdor: Juspodivm, 2015.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.