O conflito entre as normas internas e os tratados internacionais: a supremacia da Constituição da República Federativa

25/05/2016 às 13:19
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A dificuldade de solução dos conflitos entre as normas internacionais e as normas internas,pela falta de um ordenamento unificado no âmbito internacional.Em relação ao Brasil a supremacia da Constituição Federal prevalece em relação ao tratado.

Resumo: O presente artigo coloca em discussão dificuldade de solução dos conflitos que surgem entre as normas internacionais e as normas internas, tendo em vista a falta de um ordenamento unificado no âmbito internacional. Destaca, ainda, que em relação ao Brasil, a supremacia da Constituição Federal prevalece em relação ao tratado internacional.

Palavras chaves: conflitos- normas internacionais- normas internas- ordenamento unificado- Brasil- supremacia- constituição.

 

 

INTRODUÇÃO

A grande dificuldade de se solucionar os conflitos entre as normas internas e internacionais se dá pelo fato de não existir uma norma unificada reguladora dos assuntos e relações internacionais. Duas são as teorias adotadas por doutrinadores em relação às normas internacionais e internas: a teoria monista e a teoria dualista.

Ao analisarmos a legislação brasileira em vigor podemos concluir que no que se refere a vinculação dos tratados internacionais pelo ordenamento jurídico interno,não há a prevalência da teoria monista, tendo em vista que a incorporação do tratado pelo ordenamento jurídico brasileiro não se dá de forma simples: há a aprovação tanto do Congresso Nacional quanto do Presidente da República. Além disso, o tratado ainda passa pelo controle de constitucionalidade, para que, assim, seja possível sua incorporação pelo direito interno brasileiro tornando- se uma norma vigente. Havendo qualquer assunto que viole algum dispositivo constitucional, o tratado não será aprovado, e caso seja dada a sua aprovação mesmo que contenha conteúdo contrário ao texto da Constituição, será considerado inconstitucional.

1. Os Tratados Internacionais x Normas Internas

 

O desenvolvimento do comércio, das relações políticas e econômicas  entre os Estado por todo o mundo, tem contribuído cada vez mais para a aproximação destes, e, consequentemente, exigido a estruturação de uma legislação unificada para facilitar qualquer tipo de relação existente entre os países.

Pelo fato de não existir normas constitucionais que garantam uma relação harmoniosa entre os Estados, surgem conflitos entre os ordenamentos jurídicos internacionais e internos, ou seja, a falta de normas unificadas que proporcionem a facilidade das relações entre os entes   tem feito com que surgisse  uma divisão de correntes monista e dualista no âmbito  jurídico nacional e internacional.

Segundo o autor Jacob Dolinger:  

“São freqüentes as situações em que se chocam a fonte interna com a fonte internacional. A lei interna indica uma solução para determinado conflito enquanto um tratado ou convenção, ratificado pelo país, indica outra solução.”

 A solução para os conflitos existentes entre a lei interna e os tratados internacionais se norteia de modo onde ou a fonte interna tem prioridade sobre a internacional, ou a norma internacional tem prioridade sobre a interna. Para que haja a solução do conflito é necessário analisar a constituição do Estado, para que seja possível verificar algum dispositivo capaz de auxiliar na aplicação da norma, porém a complexidade se dá pelo fato de nem todas as Constituições possuírem dispositivos definidos que tenham relação com o Direito Interno e como Direito Internacional.

Diante da desarmonia existente entre as Constituições, os próprios Estados conseguem dar soluções para amenizar os conflitos existentes entre o tratado internacional e a suas Constituições.

2. A Supremacia da Constituição no Ordenamento Jurídico Brasileiro.

Em relação ao Brasil, a análise da incorporação, bem como da recepção das normas internacionais pelo ordenamento jurídico brasileiro, deve ser feita para que seja aplicada a melhor solução no momento do conflito das normas.

Na Constituição Federativa do Brasil de 1988 não há disposição que mencione a hierarquia ou recepção das normas internacionais, porém ela dispõe sobre a elaboração dos tratados, estabelecendo que as convenções e tratados internacionais se adéqüem ao texto constitucional, conservando, assim, a primazia da Constituição. Sendo assim, podemos observar que no caso da Constituição brasileira, o que temos é a aplicação da regra da incorporação da norma internacional no ordenamento jurídico interno.

Alguns autores defendem a tese do dualismo: para a doutrina dualista as normas internacionais e as normas internas pertencem a ordenamentos diversos, sendo assim não há confronto entre elas, de modo que para que um tratado internacional tenha efeito dentro do ordenamento interno é preciso que ele seja vinculado a ele por lei. Por outro lado existem autores que defendem a tese do monismo: para a doutrina monista o sistema jurídico é único, ou seja, não há separação entre o direito internacional e o direito interno. Sendo assim não existe a vinculação no direito interno da norma internacional, o que proporciona a possibilidade de surgir conflito entre as normas externas e as normas internas.

Para que um tratado internacional seja incorporado às normas internas brasileiras, é necessário que haja o controle de constitucionalidade. Existem dois tipos de constitucionalidade: a extrínseca e a intrínseca. A inconstitucionalidade ou constitucionalidade extrínseca diz respeito ao tratado que não observa as regras de procedimento e de competência, ou seja, o Poder Executivo faz a ratificação do tratado e envia a carta de ratificação, porém sem que houvesse a devida aprovação legislativa. É a chamada ratificação imperfeita ou falha.

Segundo o doutrinador Uadi Lammêgo Bulos :

“Diz-se que uma lei é formalmente inconstitucional quando é elaborada por um procedimento contrário à constituição, ou quando emana de órgão incompetente, ou, ainda, quando é criada em tempo proibido.”

Já a inconstitucionalidade ou constitucionalidade intrínseca é aquela onde o tratado apesar de respeitar todo o procedimento formal para a sua incorporação no ordenamento jurídico interno, traz consigo o conteúdo de alguma norma que viole a Constituição Federal.

Sobre a constitucionalidade e inconstitucionalidade intrínseca diz Bulos  :

“A inconstitucionalidade material, substancial ou intrínseca é a que afeta o conteúdo das disposições constitucionais.”

Se existe uma Constituição vigente e o tratado é celebrado de forma incompatível com ela, não deverá tal tratado prevalecer, tendo em vista que sua constituição não foi realizada de forma legítima, ferindo as regras da Lei Maior. A supremacia da Constituição prevalece em relação ao tratado.

Para ilustrar a situação acima narrada, tomamos, por exemplo, o artigo  84, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988:

Compete privativamente ao Presidente da República:

VIII-  celebrar os tratados, convenções e atos internacionais., sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

Desta forma, a Constituição determina que somente a pessoa do Presidente da República pode celebrar tratados internacionais, sob pena de violar um dispositivo da Constituição. Esta situação exemplifica a inconstitucionalidade extrínseca.

Sempre que um tratado violar normas constitucionais, bem como, não observar os procedimentos para sua celebração até sua entrada em vigor, mesmo que seja aprovado, será considerado formalmente inconstitucional. Sendo assim, pode-se á evocar o artigo  46, inciso  I da Convenção de Viena, que dispõe sobre o Direito dos Tratados:

“Artigo 46

Disposições do Direito interno do Estado e as regras da organização internacional relativas à competência

I-             A circunstância de o consentimento de um Estado obrigar-se por um tratado ter sido expresso com violação de um preceito do seu Direito interno respeitante à competência para a conclusão dos tratados, não pode ser alegada por esse Estado como tendo viciado o seu consentimento, a não ser que essa violação tenha sido manifesta, e diga respeito a uma regra do seu Direito interno de importância fundamental".

Há que se destacar que a prevalência do tratado internacional sobre a Constituição só poderá ocorrer se no momento da promulgação de uma nova Constituição, este tratado já estiver vigorando. Sobre o tema salienta Haroldo Valladão:

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 "Assim, prevalecem as regras dos tratados anteriores ao texto constitucional; só não prevalece a norma internacional que vier a ser aprovada e ratificada após a vigência do texto constitucional que a ela se opõe, pois nesse caso decorreria dum ato internacional inválido, não vigorante, pois não podia ter sido aprovado nem ratificado. É a distinção necessária para todos os atos convencionais internacionais.”

 

Para que seja possível a solução para o conflito entre a Constituição e um tratado celebrado posteriormente a sua promulgação, os Estado devem observar algumas circunstâncias antes de celebrarem o tratado, como por exemplo, verificar se a Constituição dispõe sobre o assunto a ser debatido no tratado e se há alguma incompatibilidade com o texto constitucional. Havendo alguma incompatibilidade não será viável ao Estado a celebração deste tratado.

 A apreciação do tratado pelo Congresso Nacional, bem como do Presidente da República, também servirá de filtro para a detecção de algum conflito junto a Constituição, sendo que constatada alguma incompatibilidade o tratado não será aprovado, prevalecendo a supremacia da Constituição.

Insta salientar, portanto, que o choque existente entre as normas internacionais e as normas internas traz reflexos significantes para as relações entre os Estados, pela falta de uma norma unificada que trate de assuntos especificamente internacionais, o que acarreta conflitos e barreiras no que tange à vigência dos tratados internacionais.  Em se tratando do ordenamento brasileiro, a primazia da Constituição de 1998 é o que prevalece, sendo considerado inconstitucional qualquer tratado celebrado após sua vigência que viole algum dispositivo do texto constitucional.

REFERÊNCIAS:

- PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de - Tratado de Direito Internacional Privado- Rio de Janeiro: José Olympio 1935.

- CARDOSO, P. Balmaceda. O direito internacional privado em face da doutrina, da legislação e da jurisprudência brasileira- São Paulo: Editora Liv. Martins 1943.

- BATALHA, Wilson de Souza Campos- Tratado de direito internacional privado, 2ª Edição- São Paulo: Revista dos Tribunais 1977.

- ROCHA, Osiris- Curso de direito internacional privado- 3ª edição, São Paulo: editora Saraiva 1975.

- DOLINGER, Jaccob- Direito Internacional Privado- 9ª edição, São Paulo: editora Renovar 2008.

- BULOS, Uadi Lammêgo- Curso de Direito Constitucional- 8ª edição, São Paulo: editora Saraiva, 2014.

- SORTO, Fredys Orlando. Artigo: A via diplomática na solução pacífica dos litígios internacionais: a mediação contadora.

- RANGEL, Vicente Marotta- Os Conflitos Entre o Direito Interno e os tratados Internacionais. Disponível em < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66517/69127>.

- Constituição da República Federativa do Brasil, 1998- Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>

- Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 1969- Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm>

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Sobre a autora
Ellen Maria Melo

Graduanda do Curso de Direito pela PUC Minas

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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