Breves comentários sobre a História do Direito Penal e o Direito Penal Brasileiro

30/05/2016 às 12:35
Leia nesta página:

Este artigo vem fazer uma breve análise sobre história do Direito Penal e sua influência no Direito Penal brasileiro.

Introdução

A história do Direito Penal se vincula com a história da humanidade desde que o homem passou a viver em sociedade com a ideia de punição pela prática dos atos contra o indivíduo isoladamente ou contra o grupo social.

Todavia, era necessário um ordenamento coercitivo que garantisse a paz e a tranquilidade para a convivência harmoniosa nas sociedades que violadas, aplicavam-lhes punições através de castigos que abusavam de penas cruéis e desumanas. Essa era a fase da Vingança Penal.

Tempos depois, o Direito Penal foi evoluindo em várias partes do mundo até  chegarmos ao Direito Penal Brasileiro que também sofreu influências externas na sua legislação.

A vingança no Direito Penal

A Vingança no Direito Penal possuía a ideia de retribuição ao mal sofrido e que muitas vezes era desproporcional ao mal praticado pelo infrator. Essa fase se dividia em vingança divina, vingança privada e vingança pública, sendo estas fases concomitantes em suas características.

  1. Da Vingança divina

É o direito penal imposto pelos sacerdotes, fundamentalmente teocrático; o Direito se confundindo com a religião. O crime era visto como um pecado que atingia um certo deus. A pena era um castigo divino para a purificação e salvação da alma do infrator. Era comum neste período o uso de penas cruéis e bastante severas. Seus princípios podem ser verificados no Código de Manu (Índia) e no Código de Hamurábi, assim como nas regiões da Assíria, Fenícia, Egito, Grécia e Israel. “Se alguém furta bens do Deus ou da Corte deverá ser morto; e mais quem recebeu dele a coisa furtada também deverá ser morto” (Código de Hamurábi – art.6º.).

Devemos observar que, neste período, a sociedade era primitiva carregada de crenças e misticismos em que os eventos da natureza (chuvas, raios, trovões, terremotos..) eram considerados como a representação da fúria dos deuses, sendo o sacrifício humano uma forma de acalmá-los.

1.2 Da Vingança privada

Quando o crime era praticado, a vingança proporcional ao dano praticado era retribuída pela vítima, por parentes ou pelo grupo social em que a pertencia.

Nesse sentido, foi editada a lei de Talião que serviu para delimitar o castigo no qual o crime deve atingir o seu infrator da mesma forma e intensidade do mal causado por ele (“olho por olho, dente por dente)”num superficial conceito de proporcionalidade.

O Código de Hamurabi[1], e a Lei das XII Tábuas[2] aplicaram o Talião de forma a igualar a ofensa. Todavia, essa aplicação não evitou as penas desumanas e cruéis e fazia distinção entre homens livres e escravos sendo para estes últimos pena mais severa.

Com o passar do tempo a própria Lei de Talião evoluiu, surgindo a possibilidade do agressor satisfazer a ofensa mediante indenização em moeda ou espécie (gado, vestes e etc). Era a chamada Composição (compositio).

1.3 Da Vingança pública

Foi uma fase de evolução do Direito Penal na qual revelou maior organização social com o fim de proteger a existência do Estado e o soberano; em que a intervenção estatal era competente para resolver conflitos sociais com a aplicação da pena pública. Os principais delitos eram os de lesa-majestade, os que atacassem a ordem pública e bens religiosos ou públicos (homicídio, lesão corporal, crimes contra a honra…).

2 Direito Penal em Roma

 Também havia incidência de vingança e penas cruéis. A Lei das XII Tábuas[3] foi promulgada e pregada no Fórum Romano. Haviam dois tipos de delitos. De acordo com ROGÉRIO SACHES DA CUNHA :

os delitos eram divididos em públicos (criminis publica) violadores dos interesses coletivos (crimes funcionais e homicídios), punidos pelo jus publicum com penas públicas, e os privados (delicta privada) lesando somente interesses particulares (ex: patrimônio), punidos pelo jus civile com penas privadas (Manual de Direito Penal, 2016, p. 45).

3 Direito Penal Germânico

 Após as invasões bárbaras, o Direito era visto como uma ordem da paz; sendo fixada pelos soberanos. Trazia como pena mais grave a Frieldlosigkeit, no qual o criminoso quando ofendesse os interesses da sociedade, pedia seu direito fundamental a vida, podendo qualquer pessoa matá-la.

            Quando não atingia a coletividade, permitia a vingança de sangue (faida) para reestabelecer a paz social.

4 Direito Canônico

É o ordenamento jurídico empregado pela Igreja Católica Apostólica Romana. Foi iniciado com a conversão do Imperador Constantino e ganhou força com o Imperador Teodósio I ,que determinou que o cristianismo fosse a única religião autorizada pelo Império Romano em caráter disciplinar.

         Na idade média, com o fortalecimento do poder papal, passou atingir a todos da sociedade (religiosos e leigos). Tinha o objetivo de recuperar criminosos através do arrependimento, mesmo que fosse necessária a utilização de penas e métodos severos.

Os delitos eram classificados em delitos eclesiásticos (delicta eclesiástica - contra a Igreja ou contra a Fé), seculares (delicta mere secularia- fatos mundanos punidos com penas comuns) e mistos (delicta mixta – o Tribunal que tomasse conhecimento aplicava a pena).

Tal direito, destacou o aspecto subjetivo do crime combatendo a vingança privada com o direito de asilo e as tréguas de Deus, humanizando as penas, reprimindo o uso das ordálias além de introduzir as penas privativas de liberdade (ocorriam nos monastérios em celas) substituindo pelas patrimoniais.

No período da Inquisição, os Tribunais Eclesiásticos empregaram a tortura para obter a confissão cujo processo era inquisitório e dispensava prévia acusação. Tais autoridades agiam conforme os seus valores e entendimentos sempre em nome de Deus.

 5 Do Período Humanitário

Durante o Iluminismo (séc.XVII) com as ideias de combate a monarquia absolutista, houve o afastamento do Direito Penal sancionador vigente. As penas corporais aos poucos foram substituídas pelas privativas de liberdade.

No ano de 1764, o Marquês de Beccaria, filósofo influenciado pelos princípios de Jean-Jacques Rousseau (“Contrato Social”) e Montesquieu (“O Espírito das Leis”), publicou em Milão, o livro Dei Delitti e Delle Pene (Dos Delitos e das Penas), abordando a reação liberal ao desumano panorama penal existente. Nesta obra, firmou os postulados básicos aplicados ao Direito Penal moderno, muitos dos quais foram adotados pela Declaração dos Direitos do Homem (1789) e pela Revolução Francesa[4].

 Ainda no período Iluminista, o Direito penal sofreu grande influência de Jeremy Benthan, filósofo e jurista inglês que criou o utilitarismo do direito, no qual todos os cidadãos estavam vinculados a um contrato social e o indivíduo só possuía direitos se os seus comportamentos fizessem bem a sociedade.

Esta teoria também propunha uma reforma no sistema prisional, com um modelo que garantisse a dignidade do criminoso como ser humano ao cumprir a pena privativa de liberdade. Era o chamado de panóptico, definido como um edifício que deveria ser construído para que toda parte interior seja vista de um único ponto. Esse modelo é adotado nos dias de hoje, não só em prisões, mas em escolas, hospitais, sanatórios, asilos e outras instituições.

 Após o período Iluminista, surgiram as Escolas Penais, sendo as principais a Positiva e a Clássica. Esta última, partiu do pensamento Beccaria e teve como precursores Francesco Carrara, Pellegrino Rossi e Giovani Carmignani.

6 Do Direito Penal Brasileiro

   No período da colonização, o Brasil era regido pelas Ordenações Afonsinas, mesmo regime vigente em Portugal. Tal regime, tinha influência do Direito Romano e possuía caráter religioso. Em 1514, foi revogado pelas Ordenações Manuelinas na qual o tipo e a quantidade de pena era ato discricionário do magistrado. Esta, foi revogada pelo Código Sebastiânico[5] que reunia leis separadas e de difícil interpretação.

 No século XVII, vigorou por duzentos anos Ordenações Filipinas com fundamento em preceitos religiosos. A moral, religião e o direito se confundiam e suas penas eram desumanas e cruéis.

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 Com a Proclamação da República (1980), e com a promulgação da Constituição de 1824, foi elaborado o Código Criminal do Império que tinha como objeto um Direito Penal protetivo e humanitário, trazendo em seu corpo, agravantes e atenuantes, a individualização da pena e um julgamento especial para menores de 14 anos. Neste código, também foi tipificado crimes contra ofensas as crenças do Estado. Apena de morte ainda existia sendo aplicada apenas aos escravos.

Pouco tempo depois, foi sancionado o Código Criminal dos Estados Unidos do Brasil (Decreto n° 847 de 11 de outubro de 1980) proibindo as prisões perpétuas epenas de banimento.

Após o aparecimento de muitas leis modificadoras, o desembargador Vicente de Piragibe, em 1932, compilou-as formando a Consolidação das Leis Penais aprovada pelo Decreto n° 22.213 de 14 de dezembro de 1932.

Finalmente, 1942, entra em vigor o atual Código Penal (Decreto-Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940 e teve alterações da Lei n°7.209 de 11 de julho de 1984 que revogou a Parte Geral[6].

Vale observar que o a lei penal brasileira, por mais que tenha parâmetro constitucional (CF de 88), é criada pelo critério de seleção, ou seja, os valores dos grupos sociais dominantes prevalece em detrimento da classe dominada tendo como exemplo o crime patrimonial de Roubo(art. 157 do CP) ter pena de reclusão de 4 a 10 anos e multa. Crime de Tortura ar. 1° da lei n° 9455/97 ter pena de reclusão, de dois a oito anos.

Devemos refletir na atual sociedade quem comete o crime patrimonial e quem tortura, e olharmos a nossa lei com análise crítica.

 Considerações Finais

            Neste artigo, podemos ver de forma breve a história do Direito Penal e suas influências nas leis brasileiras. Cabe ao operador do Direito, assim como toda sociedade, lutar por um Direito Penal Mínimo e um Processo Penal Garantista a fim de evitarmos o retrocesso.

                       

Bibliografia Consultada:

BECCARIA,CESARE. Dos Delitos e das Penas.3ª ed. 3ª tiragem, ed. 2015. São Paulo: CL EDIJUR.

BECKER, Carmen. Vade Mecum OAB e Concursos. Niterói: Impetus, 2016

CUNHA, ROGÉRIO SANCHES. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1° ao 120) Volume Único. 4ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODVIM,2016.

GRECO, ROGÉRIO. Direito Penal do Equilíbrio. Niterói: Impetus, 2016.

GRECO, ROGÉRIO. Curso de Direito Penal Parte Geral Volume 1. 18.ª.ed. 2016

Niterói: Impetus.


[1]             - Código feito pelo rei da Babilônia, Khammu-rabi 2.300 a.c

[2]             - Contra aquele que destruiu o membro de outrem e não transigiu com o mutilado, seja aplicada a pena de Talião- Tábua VIII, inc. II.

[3]     A Lei das XII Tábuas tinha a seguinte divisão: Tábua I e II: Organização e Procedimento Judicial; Tábua III: normas contra só inadimplentes; Tábua IV: Pátrio Poder; Tábua V: Sucessões e Tutelas; Tábua VI: Propriedade; Tábua VII: Servidões, Tábua VIII: Dos Delitos; Tábua IX: Direito Público; Tábua X: Direito Sagrado e Tábua XII e XII: Complementares.

[4]     1.Os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem apenas uma parcela de sua liberdade e direitos. Por essa razão não se podem aplicar penas que atinjam direitos não cedidos, como acontece noa casos da pena de morte e das sanções cruéis. 2 Só as leis podem fixar as penas, não se permitindo ao juiz interpretá-las ou aplicar sanções arbitrariamente. 3 As leis devem ser conhecidas pelo povo, redigidas com clareza para que possa ser compreendidas e obedecidas por todos os cidadãos, etc.

[5]     Também conhecido como Compilação de D. Duarte Nunes Leão ou Código de D. Sebastião.

[6]     O atual Código Penal, possui duas partes: Parte Geral ( teses defensivas) e a Parte Especial( crimes).

Sobre a autora
Ana Luiza Policani Freitas

Pós Graduanda em Ciências Penais no Curso Fórum, apaixonada pelo Direito Penal, Processual Penal e Constitucional.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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