I – INTRODUÇÃO
O desenvolvimento do aparelho do Estado tem aumentado o leque de situações pontuais, onde a administração tem recorrido as Organizações Sociais, através da gestão pactuada para gerir hospitais, maternidades, etc.
Entretanto, na prática administrativa, em que pese à boa fé da administração, existe um tema recorrente de algumas categorias da Saúde que seria o desrespeito à legislação trabalhista por parte das Organizações Sociais.
Nesse sentido, passemos a análise jurídica de algumas situações necessárias e verificar até que ponto o Estado é responsável pelo não cumprimento das obrigações trabalhistas dessas Organizações.
II – ANÁLISE JURÍDICA
Ab initio, vale ressaltar que a Lei n° 9.637/98 diz que Organização Social é a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, constituída como fundação ou associação civil e qualificada, na forma da lei, pelo Poder Público para o desempenho de atividades na área de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde.
As organizações sociais surgem, pois, como alternativas ao desempenho de tarefas de interesse público. Por se submeterem ao regime e por não integrarem a estrutura estatal, estariam libertas do cumprimento de certos procedimentos e poderiam obter maior eficiência ao prestarem os serviços.
Nesse sentido, ao invés de o poder público montar um hospital público ou um posto de saúde poderia buscar no setor privado entidade privada sem fim lucrativo que atuasse nesse setor, a qualificaria como organização social e, por meio de um contrato de gestão, repassaria à entidade privada os recursos públicos necessários à prestação dos serviços à população.
O contrato de gestão, em que as metas e objetivos a serem cumpridos pela "OS" estarão delineados, espelha o elo entre a entidade parceira e a União, chancelando a posição da primeira como executora e da se gunda como reguladora da atividade.
A União, com vistas a fomentar a participação privada, está autorizada pela Lei Federal n° 9.637/98 a destinar recursos orçamentários, a ceder pessoal, e a permitir o uso de bens públicos.
A organização social age como se o Estado ali estivesse, age em substituição ao Poder Público de forma a atender à sociedade no que se relaciona à prestação dos serviços de saúde e educação (além de outros). Se o Estado reconhece sua incapacidade de bem prestar os serviços públicos sociais e vislumbra nas organizações sociais, melhor forma de fazê-lo, não há como enquadrar tais entidades no mesmo rol que abarca as demais pessoas jurídicas de direito privado cuja atuação igualmente ocorre na área dos serviços sociais, visto que estas últimas não têm o propósito de desonerar o Estado.
Ademais, as Organizações Sociais são dispensadas de licitação para firmarem contratos de gestão com os entes públicos, conforme alteração na Lei nº 8.666/93, promovida pela Lei nº 9.648, de 27 de maio de 1998, que inseriu o texto previsto no inciso XXXIV do artigo 24 da lei de licitações.
Assim, o dispositivo da Lei n° 8.666/93 procurou dar maior mobilidade ao Estado para execução de atividades estatais não exclusivas, assim veio redigido o novo inciso que prevê a dispensa de licitação na hipótese de celebração do contrato de gestão por intermédio das organizações sociais para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.
Também, cabe ressaltar que a organização social deverá atuar em consonância com os princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade, entre outros.
É de suma importância também registrar o que preceitua o art. 71 da lei nº 8.666/93 que regulamenta as licitações e contratações na administração pública e que estão subordinadas tais Organizações Sociais, vejamos:
“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.”
GRIFO NOSSO
Ora, em que pese o que regulamenta o artigo acima, a nossa análise abstrata se dá com base em alguns relatos específicos onde a contratada não vem cumprindo com sua obrigação, e, nesse diapasão, é muito temerário para o bom andamento do serviço de saúde oferecido pelo Estado por meio da Organização Social, qualquer que seja ela, se o profissional que está na linha de frente da referida prestação do serviço, ou seja, o médico, não tem a segurança jurídica trabalhista necessária para bem prestar o atendimento.
Não obstante, no tocante ao caso específico relatado, vale mencionar que o Estado contratante precisa realizar uma avaliação de desempenho da entidade contratada (Organização Social), e, deverá ser auferida por meio de fiscalização, ou seja, a fiscalização será exercida pelo Poder Público que fará a fiscalização da área de atuação relativa à atividade fomentada, aos Conselhos de Políticas Públicas (se houver), e a Comissão de avaliação dos resultados atingidos com a execução, quer instrumentalizada pelo "termo de parceria" (no caso da OSCIP) ou pelo "contrato de gestão" (no caso de organização social), devendo o agente fiscalizador emitir um relatório conclusivo da avaliação e encaminhá-lo a autoridade supervisora.
É de bom alvitre destacar que no âmbito da Justiça do Trabalho, configurada a obrigação de pagar ou indenizar, sem que o empregador e responsável principal – empresa terceirizada, possa adimplir, será responsabilizado secundariamente, supletivamente ou, subsidiariamente, o tomador de serviços.
Nesse sentido preceitua o Enunciado 331, IV do TST, vejamos:
“Enunciado nº 331 – TST
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações ...”
Também, na mesma esteira os Tribunais Regionais do Trabalho, vem decidindo, vejamos o julgado abaixo do TRT1:
“CONTRATAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL PARA INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADC 16/DF. O STF, ao julgar, recentemente, a ADC 16/DF que trata da responsabilidade subsidiária do ente público, não afastou a aplicação da aludida jurisprudência cristalizada do TST, apenas reconheceu a constitucionalidade do art. 71 da Lei 8.666/93, mas deixou consignado que nada impediria que fosse constatada a responsabilidade de forma subsidiária se restasse comprovada a falha na fiscalização da terceirização.
(TRT-1 - RO: 00013233820125010011 RJ , Relator: Patricia Pellegrini Baptista Da Silva, Data de Julgamento: 17/09/2014, Terceira Turma, Data de Publicação: 23/09/2014)
Grifamos
Como vemos acima é uma situação difícil e o Estado também tem sua parte de responsabilidade, mas, uma vez constatada a existência de débitos trabalhistas e previdenciários, decorrentes da execução do CONTRATO DE GESTÃO pela CONTRATADA, que resulte no ajuizamento de reclamação trabalhista, com a inclusão do Estado no pólo passivo como responsável subsidiário, a CONTRATANTE poderá reter, das parcelas vincendas, o correspondente ao montante dos valores em cobrança, desde que, exista cláusula contratual nesse sentido.
Portanto, a Administração Pública deve adotar todas as medidas possíveis para a salvaguarda do trabalhador terceirizado, não só fiscalizando o contrato, mas incluindo o pagamento direto das verbas trabalhistas, sempre que tais encargos não forem cumpridos. São providências mínimas diante da necessidade de proteção da dignidade do trabalhador, e com vistas ao combate à utilização precária de sua força de trabalho.
Destarte, é muito alto o valor a ser pago pelo ente estatal, quando a referida Organização não cumpre o seu papel pactuado, no tocante aos salários e encargos dos empregados.
Nesse sentido, seria recomendável, dentre outras ações que acharem necessário, que a Comissão de Fiscalização (devidamente constituída) solicite mensalmente à Contratada, antes do devido pagamento:
- Guia e Comprovante de pagamento do FGTS;
- GPS/INSS – Guia da Previdência Social e comprovante de pagamento;
- GFIP - Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social;
- Relação dos funcionários que atuam nos hospitais e maternidades;
- RET (Relação de Empregados por Tomador);
- Relação dos comprovantes de pagamentos efetuados aos funcionários (recibos e transferências bancárias).
Não obstante, recomendamos também, seja aberto processo administrativo para apurar a possível omissão dos responsáveis pela fiscalização dos contratos de gestão pactuados até o momento, que tiveram como consequência reclamações trabalhistas de ex-funcionários.
III – CONCLUSÃO
Diante do exposto, em que pese a lei de licitações falar que a obrigação do pagamento dos encargos é da contratada, os tribunais trabalhistas tem apontado a responsabilidade do Estado em arcar subsidiariamente com os débitos trabalhistas e previdenciários.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Lei n° 9.637 de 15 de maio de 1998. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9637.htm;
Lei nº 9.648, de 27 de maio de 1998. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9648cons.htm;
Lei n° 8.666 de 15 de maio de 1993. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm;