Correlação entre a violação dos direitos dos presos e a reincidência criminal

31/05/2016 às 23:03
Leia nesta página:

Se as prisões, como dizem alguns, é ainda um mal necessário, ou, como dizem outros, “se o crime é a doença, a pena, a cura, e a prisão, o hospital”, precisamos cuidar do local onde ficam internados os pacientes para que a sua doença não se agrave.

RESUMO

O presente trabalho analisa as características do Sistema Penitenciário Brasileiro à luz dos seus aspectos sociais. Assevera as deficiências estruturais dos estabelecimentos penais. Apresenta o leque de direitos reservados aos presos no ordenamento jurídico nacional, demonstrando a incoerência existente entre tal ordenamento e a realidade do cárcere que, dentre outros fatores, constitui óbice à reabilitação e caracterizam a ineficácia do sistema.

Palavras-chave: Direitos dos presos. Ressocialização. Reincidência criminal. Lei de Execuções Penais.

INTRODUÇÃO

O trabalho a ser desenvolvido tem como tema a violação dos direitos dos presos e a reincidência criminal, ou seja, a influência que os maus-tratos sofridos pelos detentos dentro das penitenciárias tem sobre o retorno de recém-libertos do cárcere à prática de crimes. O tratamento dispensado aos presos pelo sistema prisional tem estreita correlação com a falência desse sistema, posto que embrutece ainda mais o detento, não o ressocializando, o que leva ao cometimento de novos crimes pelos egressos, por vezes até mais graves.

Trabalha-se com a hipótese de que o tratamento desumano ao qual os condenados são submetidos tem plena influência nos altos índices de reincidência criminal. Os direitos mais irrisórios são deixados de lado. Tomar banho, alimentar-se, dormir, receber visitas, tudo parece ser considerado regalia. Essa situação tem como mola propulsora vertiginoso crescimento da população carcerária dos últimos anos, vez que o Estado não se preparou estruturalmente para atender à crescente demanda. Então os presos se amontoam em celas sem ventilação, fétidas e lotadas, sobrevivendo sem um mínimo de dignidade.

O trabalho tem por objetivo demonstrar que o pensamento vingativo que acomete a sociedade, de que é com sofrimento e violência que o criminoso deve cumprir a pena, deve ser repensado. Repensado sim, pois pagando-se o mal (o crime cometido pelo condenado) com o mal (os maus-tratos sofridos pelo condenado no cárcere), faz surgir um círculo vicioso, no qual esse condenado pagará o mal sofrido dentro da prisão, quando estiver em liberdade, praticando outros crimes.

1. DIREITOS DOS PRESOS À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO

A Constituição Federal de 1988 é a Lei Maior do ordenamento jurídico brasileiro, contendo os princípios e os objetivos que dão embasamento ao sistema normativo do país; e as garantias e os direitos fundamentais previstos no art. 5º e assegurados a qualquer indivíduo brasileiro ou estrangeiro, desde que residente no país.

Sendo assim, em virtude do princípio da supremacia constitucional, a legislação penal deve enquadrar-se às disposições constitucionais, tanto sendo próprias normas formalmente constitucionais quanto sendo autorizadas ou delegadas por outras normas da Constituição. A Carta Magna não prevê os delitos e as suas respectivas penas, mas contêm disposições de Direito Penal que determinam, em parte, o conteúdo de normas penais.

Como já dito, as disposições do art. 5º atingem a todos, sem distinção, logo são direitos e garantias também reconhecidos aos presos, salvo os direitos atingidos pela sentença condenatória. Passar-se-á agora a identificar na Carta Magna alguns direitos reconhecidos aos presos, e que acintosamente os são negados.

No caput do art. 5º, a Constituição proclama a igualdade de todos perante a lei, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito á vida, dentre outros. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, vez que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira, o direito a continuar vivo e, a segunda, de se ter vida digna quanto à subsistência.

O art. 5º, III da CF/88 afirma que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Assim, o crime de tortura exige o constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental. Tal crime tem estreita relação com o princípio da dignidade humana, também previsto na Constituição, em seu art. 1º, III, como descrito no trecho que segue:

A dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil consagra, desde logo, nosso Estado como uma organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial. A razão de ser do Estado brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em corporações, em organizações religiosas, tampouco no próprio Estado (como ocorre nos regimes totalitários), mas sim na pessoa humana. Na feliz síntese de Alexandre de Moraes, ’esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual’. São vários os valores constitucionais que decorrem diretamente da idéia de dignidade humana, tais como, dentre outros, o direito à vida, à intimidade, à honra e à imagem. (PAULO; ALEXANDRINO, 2010, p. 90)

Com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se ligado à própria condição humana de cada indivíduo e é um valor supremo que atrai e unifica o conteúdo de todos os outros direitos fundamentais. Com isso, diz-se que o crime de tortura tem correlação com a dignidade da pessoa, posto que sua execução atenta contra a vida, a integridade física e moral. Por fim, no que tange a dignidade da pessoa humana, destaque-se que, sendo um valor indissociável da pessoa humana, contempla toda a coletividade e ninguém pode ser privado desse direito.

Por sua vez, o princípio da individualização da pena, instituído no art. 5º, XLVI, possibilita ao condenado, mediante suas características pessoais, tais como ser réu primário ou ter bons antecedentes, a atenuação da pena e a clausura em conjunto com outros presos de antecedentes semelhantes. Isso porque, deve-se evitar a miscigenação de diferentes graus de deliquencia, ou seja, que os menos perversos tenham contato com pensamentos mais violentos e, consequentemente, se contaminem com uma crueldade antes desconhecida.

Por fim, além dos direitos já elencados, a Constituição de 1988 assegura expressamente ao preso o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX), o direito de receber assistência de sua família e de advogado (art.5º, LXII), a garantia de que a sua prisão e o local em que se encontra serão comunicados imediatamente ao juiz competente e a sua família ou a pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII), o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (art. 5º, LXIV), bem como a garantia de que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (art, 5º, LXV), dentre outros.

Por sua vez, a execução penal é uma atividade desenvolvida nos planos jurisdicional e administrativo. A Lei nº 7.210/84 rege e estabelece as diretrizes do sistema penitenciário nacional, prescrevendo, também, os direitos e deveres dos detentos. Em suma, traz em seu bojo uma completude de normas que se cumpridas em sua essência, por si só, já seriam suficiente para influenciar de maneira positiva o alcance das finalidades da pena no Brasil.

Vários princípios constitucionais foram recepcionados pela LEP, dentre eles, o da individualização da pena, elencado no artigo 5º, XLVI, da Constituição de 1988 e disposto no artigo 5º da LEP.

Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

Contudo, o que se tem  observado nas unidades prisionais brasileiras, é que na população carcerária encontra-se verdadeira miscelânea de personalidades e graus de periculosidade, de modo que os indivíduos que apresentam envolvimento mais acentuado com a criminalidade conseguem dominar os demais presos, influenciando-os de maneira negativa e transformando as penitenciárias em verdadeiras “escolas do crime”.

Outros  dispositivos de grande valia da LEP são o artigo 10 e 11, que asseguram o dever do Estado de prestar assistência ao preso, a fim de garantir a condições mínimas de higiene, saúde e alimentação compatíveis com a dignidade humana. São, também, direitos  dos reclusos o  acesso à educação,  ao trabalho, a assistência jurídica, social, psicológica, religiosa etc. É indiscutível que a simples observância dessas prerrogativas já representaria um ganho inestimável á recuperação e reabilitação dos detentos, uma vez que reconhecem a sua condição de pessoa humana.

Nesse sentido, assevera Mirabete:

Se a reabilitação social constitui a finalidade precípua do sistema de execução penal, é evidente que os presos devem ter direito aos serviços que a possibilitem, serviços de assistência que, para isso, devem ser-lhes obrigatoriamente oferecidos, como dever do Estado. É manifesta a importância de se promover e facilitar a reinserção social do condenado, respeitadas suas particularidades de personalidade, não só com a remoção dos obstáculos criados pela privação da liberdade, como também com a utilização, tanto quanto seja possível, de todos os meios que possam auxiliar nessa tarefa. (MIRABETE, 2004, p. 63)

Outro critério a ser abordado dentro da complexidade do sistema penitenciário é a necessidade de investimento e estímulo aos profissionais que nele trabalham. Todos devem ser contemplados, desde o advogado e defensores públicos, passando pelos agentes penitenciários, médicos, dentistas, psicólogos, diretores até os juízes da execução. Todos devem estar cientes e devidamente conscientizados de que ressocialização dos detentos também passa pelo modo que cada um desses profissionais conduz seus trabalhos.

O sistema penal é extremamente complexo e vai muito além do cárcere, transcende a pessoa do detento e alcança todas e cada uma das instituições sociais (Estado, família, Igreja, etc). Nesse sentido, é que as várias atividades dentro de uma unidade prisional devem ser desempenhadas de maneira interdisciplinar, a fim de lograr êxito na concretização das finalidades da pena.

2. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS PRESOS E REINCIDÊNCIA CRIMINAL

Após a explanação, acima feita, dos direitos juridicamente assegurados aos presos, previstos na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal. Passa-se a demonstrar os aniquiladores efeitos acarretados pelo desrespeito a tais direitos por parte da sociedade e, principalmente, do Estado. Estado este, detentor do poder necessário à manutenção da ordem pública, esta pautada no bem estar social. No entanto, adiante será avaliada a forma deturpada de utilização do referido poder, através do sistema penitenciário, hora em execução, no Brasil.

A pena deve ser entendida como conceito natural ao homem, ser dotado de consciência moral, sempre teve e sempre terá as noções do errado, do delito; sendo a pena o impulso que reage com um mal ao mal do delito. Logo, a pena é contemporânea ao homem, não tendo nem princípio nem fim na história. Para Greco com o surgimento da pena de prisão surgem vários problemas antes inexistentes, como proclama a seguir:

Com a pena de prisão, surge um problema até então inexistente: onde colocar tantos presos? O que fazer com eles nesses locais? Ficariam ali, apodrecendo, sem nenhuma atividade? A pena deveria ter um fim utilitário, ou seja, deveria ela servir somente para compensar o mal praticado com a infração penal, punindo o criminoso, ou, de alguma forma, deveria ser aplicada visando recuperá-lo, trazê-lo de volta ao convívio social? (GRECO, 2011, p. 189)

Esses questionamentos deveriam ser levantados, vez que, antes da prisão, o que se tinha era lugares para o preso permanecer até o momento da execução de sua pena corporal. Lugares insalubres, sem ventilação, com odor insuportável, distantes da luz do sol deveriam ser adaptados à nova finalidade e necessidade da pena de prisão.

Ao longo dos anos, tentou-se dá a prisão um fim utilitário, permitindo que o criminoso pudesse, após determinado período de tempo, voltar ao convívio social. Entretanto, as tentativas foram frustradas, vez que ao invés de diminuir a prática de infrações penais, as prisões fizeram foi multiplicar as taxas de criminalidade. A reincidência é comum e, inversamente ao esperado, quanto mais tempo o agente permanece preso, maior é a probabilidade de voltar a praticar crimes, de reincidir.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Chegou-se, destarte, a um ponto em que o sistema prisional deve ser reavaliado. Alternativas devem ser pensadas. A prisão não está cumprindo seus objetivos, vez que os índices de criminalidade se mostram cada vez mais alarmantes. Ao contrário da ressocialização e reeducação, a prisão destrói, aniquila a personalidade daquele que a conheceu de perto. Na verdade, representa um muro de contenção, separando os miseráveis dos socialmente privilegiados e, diferenciando, de maneira nítida, ricos e pobres.

3. A REALIDADE ATUAL DAS PENITENCIÁRIAS TEM REABILITADO OS PRESOS?

A ressocialização talvez seja o “ponto fraco” do sistema prisional. Os altos índices de reincidência demonstram que as penitenciárias não estão cumprindo com sua finalidade principal. A sociedade também tem sua parcela de culpa, posto não proporcionar oportunidades no mercado de trabalho aos egressos, os recém libertos do sistema prisional.

Para que se entenda a influência das penitenciárias na reabilitação do preso, será dado como exemplo a Casa de Detenção de São Paulo, popularmente Carandiru, que entrou em derrocada a partir de 1940, devido ao início de sua superlotação.

Esse complexo penitenciário foi criado na década de 1920, e projetado para abrigar 1.200 detentos. Durante muito tempo esse presídio foi considerado padrão de excelência, atraindo visita de políticos, estudantes de Direito, autoridades estrangeiras que vinham ao Brasil para conhecê-lo. Os detentos ficavam encarregados da manutenção do presídio, desde a limpeza até serviços na clínica e no hospital, ali existentes.

No entanto, a partir de 1940, começaram a surgir os problemas no complexo, pois a penitenciária começou a abrigar detentos além de sua capacidade normal. Em 1956, houve uma tentativa de acomodação dos presos com a construção da Casa de Detenção, aumentando sua capacidade para 3.250 detentos. Contudo, acontecendo o contrário do esperado, o complexo perdeu seu formato original e foi considerado um “celeiro” de presos, chegando a abrigar oito mil detentos. O ambiente era promíscuo, fétido, violento e propício para formação de facções criminosas.

Em 1992, aconteceu o famigerado “massacre do Carandiru”, quando a Polícia Militar do Estado de São Paulo invadiu o complexo, o que resultou na morte de 111 presos. No ano de 2002 teve início a desativação do complexo do Carandiru, sendo os detentos transferidos para outras unidades prisionais. 

 Do exemplo do complexo do Carandiru, depreende-se a explicação para a falência do sistema prisional: a superlotação carcerária. Essa superlotação gera inúmeros efeitos negativos, dentre eles as rebeliões nas penitenciárias, disseminação de doenças, convivência entre presos de discrepantes graus de periculosidade, falta de estrutura para um mínimo de sobrevivência digna.  Como assevera Rogério Greco:

As rebeliões nas penitenciárias brasileiras têm sua razão de ser. Existem presídios superlotados, muitos deles com três, quatro ou mesmo cinco vezes a sua capacidade. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que visitou inúmeros presídios em vários Estados da Federação brasileira, identificou, como não poderia deixar de ser, graves e sérios problemas no sistema. (GRECO, 2011, p. 239)

Só a título de exemplo, em quase todos os presídios não havia trabalho ou mesmo algum tipo de educação escolar ministrada aos detentos para, de alguma forma, contribuir no seu processo de ressocialização; no quesito alimentação, foi descoberto que, também em muitos presídios, era oferecida comida estragada aos presos, ou então com prazo de validade vencido; os detentos faziam suas refeições com as próprias mãos, não utilizando nenhum tipo de talher, nem mesmo os plásticos, porque por questões de segurança, afirmavam, não eram fornecidos porque poderiam ser utilizados como armas brancas. (GRECO, 2011, p. 240)

O renomado jurista aponta ainda inúmeras outras deficiências detectadas pela referida Comissão: como a falta de aparelhos adequados para detectar se familiares que visitavam parentes presos estavam portando materiais não permitidos, com isso, funcionários os obrigavam a tirar a roupa e a fazer movimentos de agachamento; isso fez com que as visitas (fundamental para que o preso alimente a esperança de um retorno ao convívio social, evitando a depressão carcerária) diminuíssem, vez que os visitantes não queriam passar por essas situações vexatórias.

Outro déficit encontrado foi a insuficiência de profissionais habilitados para defender os presos que têm direito a algum benefício legal, como livramento condicional e progressão de regime, sem falar nos que já cumpriram toda a pena. Isso contribui para reforçar mais ainda o inchaço da população carcerária, pois enquanto diariamente inúmeros indivíduos ingressam no cárcere, os que poderiam está sendo soltos, dando lugar para os recém-chegados, não desocupam as vagas.

A superlotação carcerária leva a outro fator de gravidade, que é a convivência numa mesma cela de presos considerados perigosos com outros que praticaram crimes mais brandos. Esse convívio carcerário pernicioso aumenta o índice de reincidência e leva a prisão a ser denominada “a escola do crime”. Outro grave problema é a disseminação de doenças, pela falta de atendimento médico adequado, como tuberculose, AIDS, doenças de pele, sem falar nos doentes mentais, que deveriam está em hospitais psiquiátricos para serem tratados, mas que estão jogados nas penitenciárias, agravando mais ainda seu quadro.

É por tudo isso, que se diz que o sistema prisional brasileiro está falido e necessita, urgentemente, de uma solução. A corrupção existente nos presídios e o tratamento indigno dispensado aos detentos devem-se a uma opção política, que foi o movimento de lei e ordem, em que os governos que não cumpriam suas funções sociais viam no Direito Penal a solução dos seus problemas. Esses Estados se transformaram de Estados Sociais em Estados Penais e seus sistemas carcerários passaram a não comportar a número de pessoas que deveriam cumprir suas penas.

O autor Rogério Greco, em seu estudo sobre o sistema prisional brasileiro, enumerou alguns fatores que exercem influência sobre a crise das prisões, sob a ótica das autoras espanholas K. M. Espinoza Velázquez e M. MenganaCatañeda, são os seguintes:

A)    Ausência de compromisso por parte do Estado no que diz respeito ao sistema carcerário;

B)     Controle ineficiente por parte daqueles que deveriam fiscalizar o sistema penitenciário;

C)     Superlotação carcerária;

D)    Ausência de programas destinados à ressocialização dos condenados;

E)     Ausência de recursos mínimos para a manutenção da sua saúde;

F)      Despreparo dos funcionários que exercem suas funções no sistema prisional. (GRECO, 2011, p. 302-307)

Greco também faz menção a sete princípios fundamentais que, segundo Focault, devem ser adotados para que a pena possa realizar suas funções ressocializadoras e reeducativas:

1.      Princípio da correção (a detenção penal deve ter por função essencial a transformação do comportamento do indivíduo).

2.      Princípio da classificação (os detentos devem ser isolados ou, pelo menos, repartidos de acordo com a gravidade penal de seu ato, mas principalmente segundo sua idade, suas disposições, as técnicas de correção que se pretende utilizar nas fases de sua transformação).

3.      Princípio da modulação das penas (o desenrolar das penas deve poder ser modificado segundo a individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou as recaídas).

4.      Princípio do trabalho como obrigação e como direito (o trabalho deve ser uma das peças essenciais da transformação e da socialização progressiva dos detentos).

5.      Princípio da educação penitenciária (a educação do detento é, por parte do Poder Público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento).

6.      Princípio do controle técnico de detenção (o regime de prisão deve ser, pelo menos em parte, controlado e assumido por pessoal especializado que possua capacidades morais e técnicas de zelar pela boa formação dos indivíduos).

7.      Princípio das instituições anexas (o encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistência até a readaptação definitiva do antigo detento). (GRECO, 2011, p. 299 e 230)

Ademais, o renomado autor Rogério Greco acrescentou mais um princípio que, na concepção dele, seria o mais importante: o princípio da cristandade. Por tal princípio o condenado teria o direito de conhecer a Palavra de Deus, o que o leva a adaptar-se com maior serenidade à realidade do cárcere. Segundo o autor, raramente os presos convertidos causam algum problema, durante a execução de sua pena não se rebelam, atendem a todas as autoridades, otimizam seu tempo com trabalho, lazer e, sobretudo, com o conhecimento diário das Sagradas Escrituras.

No entanto, mesmo com esses efeitos negativos que a tortura gera na personalidade dos presos, a punição com o necessário e violento castigo do delinqüente é o que satisfaz a comunidade. Para a sociedade, o criminoso só está penalizado se sofrer pelo crime que cometeu, a ponto de arrepender-se e não mais reincidir. Parece que a sociedade não concorda, à primeira vista, com a ressocialização do condenado, pois a condenação impede o egresso de retornar ao normal convívio social.

Diante disso, cabe os seguintes questionamentos: Seria a ressocialização possível? Haveria interesse efetivamente por parte do Estado em promover a reinserção do egresso ao convívio em sociedade? Como o Estado quer levar a efeito o programa de ressocialização do condenado se não cumpre as funções sociais que lhe são atribuídas pelo ordenamento jurídico? São questões que devem ser analisadas, vez que com a recuperação do delinqüente tem influência direta sobre a superlotação do sistema prisional, pois aquele que deixa de praticar novos crimes, torna-se um cidadão útil.

O Estado não cumpre com seu dever nem antes, nem durante, nem depois do cárcere. O Estado não educa, não presta serviços de saúde nem assistência social, não fornece habitação para a população carente e miserável. O Estado não está embasado em uma política ressocializadora, não fornece instalações carcerárias mínimas para o desenvolvimento de um ser humano responsável, trabalhador, um ser humano social e espiritualmente recuperado. O Estado não assegura ao egresso condições de reinserção social, de espaço no mercado de trabalho, de aceitação pela comunidade. Enfim, o Estado é negligente em todos os aspectos fundamentais no que diz respeito à preservação da dignidade da pessoa humana.

4. MÉTODO APAC PARA A HUMANIZAÇÃO DA PENA

Que o sistema penitenciário atual é viciado, corrupto e violento, sendo impossível de reverter, isso é indiscutível. Nesse contexto, surge a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, entidade civil de direito privado sem fins lucrativos, como uma alternativa “para promover a justiça, recuperar o preso, socorrer a vítima e proteger a sociedade.” (ARAÚJO, 2011, p. 94)

O método apaqueano nasceu na cidade de São José dos Campos, no ano de 1972, tendo como fundador e idealizador o douto jurista Mário Ottoboni. Busca a valorização humana por meio de um processo de evangelização, marcado pela proximidade com Deus, com a família e muito trabalho. “É genuinamente brasileiro, todavia já excede as fronteiras e tem alcançado repercussão no exterior, como no Equador, Argentina, EUA, Nova Zelândia, Escócia, dentre outros.” (ARAÚJO, 2011, p. 94)

A APAC atua na qualidade de órgão auxiliar da justiça e da segurança constituindo uma alternativa à execução penal. Para o ingresso no seu sistema, o detento tem que preencher quatro requisitos: ter situação jurídica definida, sentença penal transitada em julgado; manifestar interesse por escrito; ter residência na comarca onde a APAC está sediada, com o fito de o recuperando ter contato com a família; por fim, deve aguardar na lista de espera.

A APAC defende a participação da sociedade no cuidado com os reclusos e considera a apatia e o distanciamento da população em relação às questões prisionais como um entrave à ressocialização, especialmente na atualidade, com os altíssimos índices de violência, que geram um sentimento de comoção e revolta social, despertando a defesa da pena de morte como solução para redução da criminalidade.

O método prima, em sua gênese, pelo desenvolvimento da espiritualidade e da intimidade do recuperando com Deus. Inicialmente, a sigla APAC significava: “Amando o Próximo, Amarás a Cristo”, revelando o seu caráter religioso, com bases na fé cristã e no reconhecimento pelo homem do amor do seu Criador.  Nesse sentido é que promove diversos retiros espirituais, com a participação dos recuperandos e de suas famílias.

O método enaltece também o fato de o próprio recuperando prestar auxílio ao outro, reaprendendo a conviver em sociedade. Assevera Ottoboni que:

É fundamental ensinar o recuperando a viver em comunidade, a acudir o irmão que está doente, a ajudar os mais idosos e, quando for o caso, a prestar atendimento no corredor do presídio, na copa, na cantina, na farmácia, na secretaria etc. Aliás, exatamente por não saber respeita a regras da boa convivência social, em razão da falta de respeito e ausência de limites do outro, é que a pessoa acabou sendo condenada. (OTTOBONI, 2006, p. 67)

Com relação ao trabalho, ele

deve fazer parte do contexto, da proposta, mas não deve ser o elemento fundamental da proposta, pois não é suficiente para recuperar o preso. Ademais, é preciso ter claro o objetivo do trabalho em cada um dos regimes, uma vez que a legislação federal adota o modelo progressivo do cumprimento de pena, a fim de não frustrar as expectativas de caminhada do preso. (OTTOBONI, 2006, p. 70)

O aperfeiçoamento do método permitiu a sua larga expansão e hoje além da grande repercussão no Brasil, ele estende-se ao exterior. Apresentando índices de reincidência em torno de 10%, sendo que no sistema comum a média de reincidência é de 75%. São aproximadamente 100 unidades em todo o território nacional, e várias já foram implantadas em outros países, como as APACs de Quito e Guaiaquil no Equador, Córdoba e Concórdia na Argentina, Arequipa no Peru, Texas, Iowa,  Kansas e Minnesota nos EUA, e muitas outras se encontram em fase de implantação como África do Sul, Nova Zelândia, Escócia. Em 1986, a APAC filiou-se à PFI – PrisionFellowslripInternational, órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários. A partir daí o método passou a ter maior visibilidade e, atualmente, é aplicado com sucesso em todo o mundo.

Segundo o promotor de justiça do Estado de Minas Gerais, Tomás Aquino Resende, uma vaga no sistema convencional custa ao contribuinte em torno de 45 mil reais, já uma vaga da APAC custa em média 15 mil reais, tendo em vista que neste último não há necessidade da rigidez de segurança de outrora, com muros altos, guaritas, sistema de segurança e contratação de grande quantidade de funcionários para a supervisão dos detentos. Com relação ao custo per capita para manutenção do preso na cadeia, o mencionado jurista afirma ser de mil e oitocentos reais, para o preso convencional e de novecentos reais, para o reabilitando apaqueano.

O método APAC se baseia em doze elementos fundamentais, e o seu êxito depende da efetividade conjunta destes:

1. A participação da comunidade: A APAC somente poderá existir com a ajuda da comunidade organizada, pois compete a ela a grande tarefa de introduzir o Método nas prisões e de reunir forças da sociedade em prol deste ideal. 

2. O recuperando ajudando o recuperando: O recuperando é levado a descobrir que possui valores e isto o faz viver com um sentimento de ajuda mútua e colaboração com outro recuperando. Isso faz com que o respeito entre os recuperandos se estabeleça. É por esse mecanismo que o recuperando aprende a respeitar seu semelhante.

3. Trabalho: Somente o trabalho não é suficiente para recuperar o infrator. O trabalho deve fazer parte do contexto, mas não deve ser o elemento fundamental no cumprimento da pena.No Método APAC, o regime fechado é o tempo para a recuperação e o recuperando pratica trabalhos laborterápicos e outros serviços necessários, no semi-aberto para a profissionalização, ou seja mão-de-obra profissionalizada instaladas dentro dos centros, e no aberto, para a inserção social, prestando serviços à comunidade. 

4. Religião: É a importância de se fazer a experiência de Deus, sem imposição de credos, com a transformação moral do recuperando.

5. Assistência jurídica: Uma das maiores preocupações do condenado, se não a primeira, se relaciona com sua situação processual, e 95% da população prisional não reúne condições para contratar um advogado, especialmente na fase da execução penal, quando ele toma conhecimento dos inúmeros benefícios facultados pela lei. O Método APAC recomenda uma atuação especial a este aspecto do cumprimento da pena advertindo que a assistência jurídica deve se restringir somente aos condenados envolvidos na proposta da APAC, evitando sempre que a entidade se transforme num escritório de advocacia e cuidando de prestar assistência jurídica aos recuperando comprovadamente pobres. 

6. Assistência à saúde: São oferecidas assistência médica, odontológica, psicológica e outras de um modo humano e eficiente, uma vez que a saúde deve ser sempre colocada em primeiro plano, evitando preocupação e aflições do recuperando.

7. Valorização Humana: Esta é a base do Método APAC, uma vez que ele busca colocar em primeiro lugar o ser humano, e nesse sentido todo o trabalho deve ser voltado para reformular a auto-imagem do homem que errou. A educação e o estudo devem fazer parte deste contexto de valorização humana, que em âmbito mundial, é grande o numero de presos que tem deficiência neste aspecto. 

8. A Família: No Método APAC, a família do recuperando é muito importante. Aquilo que o sistema comum rompe, na APAC se faz de tudo para fortalecê-lo, ou seja, no Método APAC a pena atinge somente a pessoa do condenado, evitando o máximo possível que ela extrapole a pessoa do infrator atingindo a sua família. A família se envolve e participa da metodologia, é a primeira a colaborar no sentido de que não haja rebeliões, fugas e conflitos.

9. O Serviço Voluntário: O trabalho apaqueano é baseado na gratuidade, no serviço ao próximo. Por isto a comunidade desempenha papel importantíssimo no bom êxito da APAC. Os voluntários são primeiramente treinados, participando de um curso de formação de voluntários.

10. Centro de Reintegração Social:  A APAC criou o Centro de Reintegração Social que tem três  pavilhões,  destinados ao regime fechado, semi-aberto e outro ao aberto. O estabelecimento do CRS, oferece ao recuperando a oportunidade de cumprir a pena próximo de seu núcleo afetivo: família, amigos, parentes, facilitando a formação de mão-de-obra especializada, favorecendo assim, a reintegração social, respeitando a lei e os direitos do condenado.

11. Mérito:No Método APAC, o mérito – conjunto de todas as tarefas exercidas, bem como as advertências, elogios, saídas, etc., constantes da pasta-prontuário do recuperando – é o referencial do recuperando. Não basta que ele seja obediente às normas disciplinares. O Método deseja ver o recuperando prestando serviços em toda a proposta socializadora, como representante de cela, na faxina, na secretaria, no relacionamento com os companheiros, com os visitantes e com os voluntários. É formada uma Comissão Técnica de Classificação composta de profissionais ligados à metodologia para classificar o recuperando quanto à necessidade de receber tratamento individualizado, seja para recomendar, quando possível e necessário, exames exigidos para a progressão de regimes e, inclusive, cessação de periculosidade e insanidade mental.

12. Jornada de Libertação com Cristo: constitui-se no ponto máximo da metodologia. São três dias de reflexão e interiorização que se faz com os recuperando. A Jornada nasceu da necessidade de se provocar uma definição do recuperando quanto à adoção de uma nova filosofia de vida, cuja elaboração definitiva demorou quinze anos de estudos, apresentando uma seqüência lógica, do ponto de vista psicológico, das palestras, testemunhos, músicas, mensagens e demais atos, com o objetivo precípuo de fazer o recuperando repensar o verdadeiro sentido da vida.

E é por uma aproximação com Deus que o método APAC e o já mencionado princípio da cristandade primam, o conhecimento da palavra de Deus. É isso que fará, com toda certeza, que os presos tenham esperança no cárcere, que possam imaginar-se pessoas diferentes ao retornarem ao convívio em sociedade. É a fé que os farão pessoas melhores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De tudo o que foi exposto até o presente momento, é inegável a existência de garantias e direitos dos presos, assim como é inegável as suas freqüentes violações por parte do Estado. A dubiedade existe exatamente no que acarreta em termos práticos essas violações, já que os presos têm deveres a cumprir e direitos a serem respeitados e cumpridos. Se o não cumprimento de um dever por parte do preso acarreta sanção, que incumbe ao próprio Estado aplicar, este também não poderia ficar impune por não cumprir os seus deveres para com o preso.

De fato o Sistema Carcerário é um órgão punitivo, tendo em vista que a maior punição para qualquer ser humano, não só para o criminoso, é a privação de sua liberdade. No entanto não deve haver distorções na função do Estado, em que ele não deve apenas punir, mas deve também fornecer aparatos para que estas pessoas paguem por seus delitos e não voltem a cometê-los, e que saiam da prisão sendo respeitados pelos demais cidadãos, tendo em vista que já “pagaram” suas dívidas para com a sociedade.

A comprovação de que a pena privativa de liberdade não se revelou como remédio eficaz para ressocializar o homem preso é o elevado índice de reincidência dos criminosos oriundos do sistema carcerário. Embora não haja números oficiais, calcula-se que no Brasil, em média, 70% dos ex-detentos que retornam à sociedade voltam a delinqüir, e, conseqüentemente, acabam retornando à prisão. Essa realidade é um reflexo direto do tratamento e das condições, decorrentes da superlotação carcerária, a que o condenado foi submetido no ambiente prisional durante o seu encarceramento, aliadas ainda ao sentimento de rejeição e de indiferença sob o qual ele é tratado pela sociedade e pelo próprio Estado ao readquirir sua liberdade.

O certo é que a sociedade deve deixar de lado o pensamento de que o condenado só será efetivamente punido, se submetido a maus tratos psicológicos e físicos, vez que o desrespeito à dignidade e aos direitos que os presos são portadores só servem de empecilho para a realização de um tratamento eficaz. Esse sistema humilhante e massacrante, contrariamente à reeducação, só embrutece ainda mais os seus custodiados, fazendo com que estes voltem a delinquir, quando postos em liberdade, e, geralmente em crimes mais graves do que os que os levaram ao cárcere. No final das contas, a sociedade sempre é a desfavorecida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Gladston Fernandes de. Execução Penal: doutrina, lei e jurisprudência. São Luís, 2001.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

BRASIL. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Diário Oficial da União, Brasília, 09 de novembro de 1992. Disponível em: http://www.aidpbrasil.org.br/arquivos/anexos/conv_idh.pdf

BRASIL. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 13 de julho de 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm

BRASIL. Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário. Sistema InfoPen – Relatórios Estatísticos. Disponível em http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm

FOUCAULT,Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão;tradução de Raquel Ramalhete. 34. ed.Petrópolis: Vozes, 2007.

GRECO, Rogério. Direitos Humanos, sistema prisional e alternativas à privação de liberdade, São Paulo, Saraiva, 2011.

MIRABETE, JulioFrabbrini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 26 ed. rev. e atual., São Paulo, Atlas, 2010.

OTTOBONI, Mário. Vamos matar o criminoso? Método APAC. 3. ed. São Paulo, Paulinas, 2006.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado, 5ed., rev. e atual., São Paulo, Método, 2010

SÁ,Geraldo Ribeiro de. A prisão dos excluídos. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos