Auxílio-reclusão: uma visão humanista sobre o mais controverso dos benefícios da previdência social

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O presente artigo almeja apresentar fundamentos técnicos, doutrinários e jurisprudenciais sobre a ocorrência fática do benefício de auxílio-reclusão, seus beneficiários diretos e indiretos.

O presente artigo almeja apresentar fundamentos técnicos, doutrinários e jurisprudenciais sobre a ocorrência fática do benefício de auxílio-reclusão, seus beneficiários diretos e indiretos. Apresenta a figura dos dependentes dos segurados da Previdência Social. Expõe a série de requisitos previstos em lei para obtenção do mesmo. Além disso, concentra-se na grande celeuma e polêmica que emerge das chamadas “redes sociais”, que disseminam uma incontável série de inverdades ou análises preconceituosas sobre o referido benefício previdenciário. Busca-se, também, esclarecer, de forma específica, a real diferenciação entre “trabalhador preso” e “preso trabalhador”. Por fim, analisamos recentes projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que buscam modificação legislativa sobre o benefício em estudo. O conceito constitucional de “seguridade social” encontra-se disposto na Constituição Federal, no artigo 194, caput, como sendo “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Trata-se, portanto, de um sistema de proteção social que abrange os três programas sociais de maior relevância para a população: a previdência social, a assistência social e a saúde.

Na visão do ilustre Sérgio Pinto Martins (2008, pg. 19), temos:

“Direito da Seguridade Social é o conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.”

Quanto à saúde, encontramos referência expressa no texto constitucional delineados entre os arts. 196 e 200 a qual é exposta como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas públicas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Nas palavras de Nilson Martins Lopes Júnior (2009, pg. 49):

“ Dizemos que não existe contribuição direta vez que, tratando-se de prestação de serviço público, certamente sua manutenção se dá com recursos públicos, para os quais existe a arrecadação especialmente de impostos que, no final das contas, são pagos pelos próprios usuários do sistema”.

A assistência social, também, é uma espécie de seguridade social, que possui natureza não contributiva, ao contrário da previdência social. Partindo dessa premissa básica, temos que, por ordem constitucional, a esfera abrangida pela assistência possui características próprias quanto ao seu custeio por parte do Estado. Esse benefício será prestado àquelas pessoas que não possuem condições mínimas para sua própria manutenção.

Em outras palavras, a assistência social, diferentemente da saúde, não é universal, uma vez que somente ampara aquelas pessoas consideradas hipossuficientes, conforme alude o art. 203 da CF/1988. Desta feita, o requisito para a concessão do beneficio é a necessidade do assistido, pois aqueles que possuem proventos suficientes para sua manutenção não têm direito ao recebimento do mesmo.

Sua previsão encontra-se expressa na Lei nº 8.742/93, vejamos sua definição:

“Art. 1º: A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”

Dessa forma, a assistencial social veio suprir o desamparo às pessoas em necessidades, da quais a previdência social não resguardou algum direito, ou seja, os indivíduos que estão fora do raio protetivo da previdência, haja vista a ausência de contribuição prévia.

Por fim, temos a previdência social. Sua previsão constitucional encontra-se na Seção III do Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal, nos arts. 201 e 202. O texto constitucional é claro ao apresentar, de início, o caráter contributivo da previdência para atender aos chamados “riscos sociais” de seus segurados e dependentes. Tais riscos são eventos inerentes à vida em sociedade e à própria natureza humana.

Sobre o tema, vejamos as palavras do professor Nilson Martins ( 2009, pg. 29):

“ Assim como no sistema de seguro privado, em que podemos contratar uma forma de proteção para determinado bem da vida, firmando um contrato de seguro saúde ou de seguro do patrimônio, a seguridade social também necessita estabelecer qual o bem será por ela protegido, quais eventos estarão cobertos pela proteção social, assim como qual a forma de proteção, reposição ou compensação.”

Na mesma esteira de raciocínio, leciona Cesarino Júnior (1970, pg. 259):

“ Há na vida humana acontecimentos independentes da vontade do homem, aleatórios, chamados riscos. Estes podem ser biológicos, isto é relativos a modificações do estado de saúde e da consequente capacidade para o trabalho, ou da supressão da vida, ou econômicos-sociais, isto é, os eventos impedientes da aquisição pelo hipossuficiente de meios para sua subsistência, decorrentes da atual organização econômica da sociedade.”

A própria Constituição, em seu art. 201, relaciona tais eventos como: doença, invalidez, morte, idade avançada, proteção à maternidade, especialmente à gestante, desemprego involuntário, família e reclusão.

Assim, o auxílio-reclusão representa um benefício previdenciário social, destinado a garantir a subsistência digna dos dependentes do segurado de baixa renda, recolhido à prisão, impossibilitado de prover o atendimento das necessidades básicas e essenciais de sua família. Esse benefício tem por objetivo conceder proteção aos dependentes pelo fato de ficarem desprotegidos com a reclusão do segurado. Visa atender ao risco social da perda da fonte de renda familiar, em razão da prisão do segurado e tem por destinatários os dependentes do recluso.

2- AUXÍLIO-RECLUSÃO

2.1 – EVOLUÇÃO NORMATIVA

O auxílio-reclusão apareceu, pela primeira vez, no ordenamento previdenciário brasileiro, no artigo 63 do Decreto número 22.872, de 29 de junho de 1933, que estabeleceu o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos:

Art. 63. O associado que não tendo família houver sido demitido do serviço da empresa, por falta grave, ou condenado por sentença definitiva que resulte perda do emprego, e preencher todas as condições exigidas neste decreto para a aposentadoria, poderá requerê-la, mas esta só lhe será concedida com metade das vantagens pecuniárias a que teria direito se não houvesse incorrido em penalidade.

Parágrafo Único. Caso o associado esteja cumprindo pena de prisão, e tiver família sob sua exclusiva dependência econômica, a importância da aposentadoria a que se refere este artigo será paga ao representante legal de sua família, enquanto perdurar a situação de encarcerado.

Posteriormente, o Decreto número 54, de 12 de setembro de 1934, tratou sobre referida prestação em seu artigo 67: 

Art. 67. Caso o associado esteja preso, por motivo de processo ou cumprimento de pena, e tenha beneficiário sob sua exclusiva dependência econômica, achando-se seus vencimentos suspensos, será concedida aos seus beneficiários, enquanto perdurar essa situação, pensão correspondente à metade da aposentadoria por invalidez a que teria direito, na ocasião da prisão.

Com o advento da Lei Orgânica da Previdência Social, de 26 de junho de 1960, de número 3.807, surgiram inovações em relação ao benefício, sendo também a primeira vez que a expressão “auxílio-reclusão” foi utilizada no texto legislativo para regulamentar a referida prestação. Dispõe o artigo 43 da citada Lei:

 Art. 43. Aos beneficiários do segurado, detento ou recluso, que não perceba qualquer espécie de remuneração da empresa, e que houver realizado no mínimo 12 (doze) contribuições mensais, a previdência social prestará auxílio-reclusão na forma dos arts. 37, 38, 39 e 40, desta lei.

§ 1.º O processo de auxílio-reclusão será instruído com certidão do despacho da prisão preventiva ou sentença condenatória.

§ 2.º O pagamento da pensão será mantido enquanto durar a reclusão ou detenção do segurado o que será comprovado por meio de atestados trimestrais firmados por autoridade competente.

 Mesmo o auxílio-reclusão estando previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde 1933, referido benefício foi constitucionalmente recepcionado somente na Carta Magna de 1988, em seu artigo 201, alterado pela Emenda Constitucional número 20, de 15 de dezembro de 1998, que determina:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...]

IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda.

Necessário citar que referida Emenda Constitucional instituiu a Baixa Renda, limitando, assim, o recebimento do auxílio-reclusão. Como disposição infraconstitucional, o auxílio-reclusão está previsto no artigo 80 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991:

Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço. Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.

O Decreto número 3.048, de 06 de maio de 1999, traz em seu texto disposições que regulamentam a prestação do auxílio-reclusão:

 Art. 5º A previdência social será organizada sob a forma de regime geral,de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá a:   [...]

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; e [...].

Art.11. É segurado facultativo o maior de dezesseis anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, na forma do art. 199, desde que não esteja exercendo atividade remunerada que o enquadre como segurado obrigatório da previdência social.

§ 1º Podem filiar-se facultativamente, entre outros: [...]

IX - o presidiário que não exerce atividade remunerada nem esteja vinculado a qualquer regime de previdência social;[...]. 

Art. 13. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício; [...]

IV – até doze meses após o livramento, o segurado detido ou recluso; [...].

 Art. 25. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, expressas em benefícios e serviços: [...]

II – quanto ao dependente: [...]

b) auxílio-reclusão; [...].

 Art. 30. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:

I – Pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente de qualquer natureza; [...].

 Art. 39. A renda mensal do benefício de prestação continuada será calculada aplicando-se sobre o salário-de-benefício os seguintes percentuais: [...]

§ 3.º O valor mensal da pensão por morte ou do auxílio-reclusão será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no §8º, do art. 32.

 

2.2 – CARACTERÍSTICAS DO BENEFÍCIO

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Diante de todo o arcabouço normativo acima descrito, temos que o auxílio-reclusão, é espécie de benefício previdenciário destinado a socorrer a família do segurado a qual se vê desamparada pela ausência de seu provedor, no caso, pelo risco social da reclusão.

De início temos que, assim como todos os demais benefícios da Previdência Social, a concessão do auxílio-reclusão exige a comprovação da qualidade de segurado do indivíduo que vier a ser recolhido à prisão.

É de bom alvitre esclarecer que a lei previdenciária não distingue sobre os motivos da prisão do segurado. Nesse sentido, a lição de Simone Barbisan Fortes e Leonardo Paulsen:

“(...) Pode, assim, a título exemplificativo, o encarceramento decorrer de prisão em flagrante, prisão provisória, prisão decorrente de sentença de pronúncia, prisão decorrente de sentença penal transitada em julgado, prisão decorrente de dívida alimentar, etc. (...)” (2005, pg. 146)

Equipara-se à condição de recolhido à prisão, a situação do maior de 16 (dezesseis) e menor de 18 (dezoito) anos de idade que se encontre internado em estabelecimento educacional ou congênere, sob custódia do Juizado da Infância e da Juventude.

A ressalva legal está no regime carcerário a qual o segurado está submetido. Nesse contexto, para que os dependentes do segurado recolhido à prisão façam jus a tal direito, é necessário que o segurado, recolhido à prisão provisória ou definitiva, esteja cumprindo pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semi-aberto e que não esteja recebendo remuneração da empresa.

Considera-se pena privativa de liberdade, para fins de reconhecimento do direito ao benefício de auxílio-reclusão, aquela cumprida em regime fechado ou semi-aberto. De acordo com a Lei de Execuções Penais, temos que Regime fechado é aquele sujeito à execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média. Por sua vez, Regime semi-aberto é aquele sujeito à execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

O benefício será pago mensalmente aos dependentes do segurado de baixa renda, desde que o recluso não receba salário ou ajuda da empresa em que trabalhava, ou esteja em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço, e cujo salário-de-contribuição seja igual ou inferior ao valor referencial máximo. Assim, cabe à lei definir o que seja trabalhador de baixa renda.

Muito se discutiu, nos meios acadêmicos e nos tribunais, sobre a real aferição da baixa renda e, principalmente sobre os verdadeiros destinatários da norma, ou seja, os beneficiários diretos do benefício, que são os dependentes do segurado.

A celeuma doutrinária e jurisprudencial surgida sobre a disposição legal do pressuposto da “baixa renda” ser a do segurado ou aos verdadeiros destinatários da proteção previdenciária, quais sejam, os dependentes do mesmo, foi levada ao Supremo Tribunal Federal que, em sede de Repercussão Geral, definiu que a renda considerada deve ser a do segurado e não dos dependentes. Vejamos:

“(...) I – Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes. II – Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/98, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários. III – Diante disso, o art. 116 do Decreto 3.048/99 não padece do vício da inconstitucionalidade. IV – Recurso extraordinário conhecido e provido.” ( RE 587365/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe – 084 08.05.2009)

O artigo 2º da Lei 10.666/2003 ressalta que:

“O exercício de atividade remunerada do segurado recluso em cumprimento de pena em regime fechado ou semiaberto que contribuir na condição de contribuinte individual ou facultativo não acarreta a perda do direito ao recebimento do auxílio-reclusão para seus dependentes.”

2.3. – CARÊNCIA, SUSPENSÃO E CESSÃO DO BENEFÍCIO

 

Quanto aos pressupostos de carência temos que, conforme dispõe o inciso I do art. 26 da Lei 8.213/91, a concessão do auxílio-reclusão independe de carência. Já em relação ao período de graça, que consiste no tempo em que o segurado mantém essa qualidade independentemente de contribuição, a mesma lei garante que após o seu livramento, o segurado, que estava detido ou recluso, mantém a sua qualidade de segurado pelo prazo de 12 (doze) meses.

Os ditos segurados especiais também tem direito ao recebimento do supracitado benefício, uma vez que são equiparados em direitos e deveres com os demais segurados da previdência. Para tanto devem comprovar a qualidade de segurado (no caso, o efetivo exercício de atividade rural, pesca artesanal, etc.) no momento do recolhimento à prisão. Tal posicionamento é pacífico em nossa jurisprudência. Vejamos:

PREVIDENCIÁRIO – AUXÍLIO-RECLUSÃO – NÃO COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO – APELO DA PARTE AUTORA IMPROVIDO. – Conforme dispõe o art. 80 da Lei 8.213/91, o auxílio-reclusão será devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão. – Não ficou comprovado nos autos que o filho da autora, recluso em estabelecimento penal, exercia, antes, a atividade de trabalhador rural. – Inexiste início de prova documental e os depoimentos testemunhais foram genéricos e contraditórios. – Apelação a que se nega provimento. ( TRF3ª R. – AC. 341983 – PROC. 96030801038 – 7ª T. Rel. Desª Federal Eva Regina – DJU 31.08.2006)    

As condições de cessação e suspensão do pagamento do referido benefício encontram-se previstas nos arts. 343 e 344 da Instrução Normativa 45 do INSS/PRES de 2010. Vejamos:

Art. 343. O auxílio-reclusão cessa:

I - com a extinção da última cota individual;

II - se o segurado, ainda que privado de sua liberdade ou recluso, passar a receber aposentadoria;

III - pelo óbito do segurado ou beneficiário;

IV - na data da soltura;

V - pela ocorrência de uma das causas previstas no inciso III do art. 26, no caso de filho ou equiparado ou irmão, de ambos os sexos;

VI - em se tratando de dependente inválido, pela cessação da invalidez, verificada em exame médico pericial a cargo do INSS; e

VII - pela adoção, para o filho adotado que receba auxílio-reclusão dos pais biológicos, exceto quando o cônjuge ou o companheiro(a) adota o filho do outro.

 Art. 344. Os pagamentos do auxílio-reclusão serão suspensos:

 I - no caso de fuga;

II - se o segurado, ainda que privado de liberdade, passar a receber auxílio-doença;

III - se o dependente deixar de apresentar atestado trimestral, firmado pela autoridade competente, para prova de que o segurado permanece recolhido à prisão; e

IV - quando o segurado deixar a prisão por livramento condicional, por cumprimento da pena em regime aberto ou por prisão albergue.

 § 1º Nas hipóteses dos incisos I e IV do caput, havendo recaptura ou retorno ao regime fechado ou semi-aberto, o benefício será restabelecido a contar da data do evento, desde que mantida a qualidade de segurado.

§ 2º Se houver exercício de atividade dentro do período de fuga, livramento condicional, cumprimento de pena em regime aberto ou prisão albergue, este será considerado para verificação de manutenção da qualidade de segurado.

Assim, temos que, para que os dependentes tenham direito ao auxílio-reclusão, é necessário que o segurado instituidor tenha sido recolhido à prisão, não receba remuneração da empresa, não esteja em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço e que seu último salário-de-contribuição seja igual ou inferior ao valor estipulado por lei para enquadra-lo como “baixa renda”.

Feitas essas considerações conceituais, temos que, de início, a enorme maioria dos presos brasileiros não possuem condições legais de serem instituidores desse benefício, haja vista não serem enquadrados como segurados da previdência social e, além disso, nem todo preso segurado tem direito ao auxílio-reclusão, visto que para ter direito a esse benefício será necessário preencher os requisitos legais acima nominados. Reside justamente nesse ponto, ou seja, a efetiva abrangência do referido benefício, grande parte da polêmica e contradição que emergiram, de forma mais clara, com o advento das redes sociais, conforme vermos a seguir. 

 3 – POLÊMICAS SOBRE O TEMA

Com a expansão e popularização da internet surge, com maior força na última década, a multiplicação de adesões às chamadas “redes sociais”. Com o advento das redes sociais, a opinião de milhões de usuários, antes restritas ao seu núcleo familiar, de amizades ou até mesmo as suas próprias mentes, ganhou reverberação gigantesca. A despeito das enormes qualidades e comodidades dessas ferramentas, temos um lado obscuro onde o preconceito, a intolerância e, às vezes, a própria ignorância reina e causa severos danos à população em geral.

Vem sendo, infelizmente, o caso do benefício em estudo. É comum o surgimento de informações repletas de inverdades e eivadas de erros que pretendem desencadear mais opiniões errôneas por onde passam. Na rede mundial de computadores, muitos usuários, quando veem alguma situação com a qual não concordam, especialmente quando se trata de políticas públicas que se dirigem a grupos mais desfavorecidos da sociedade, emitem opiniões esdruxulas que, infelizmente, ganham eco e acabam se tornando “verdades” para os incautos.

Diz o senso comum que o absurdo está no fato de que “o preso ganha mais do que o trabalhador honesto”. Geralmente, a fala nas redes sociais vem seguida de uma imagem que mostra em letras garrafais: salário mínimo = X, auxílio reclusão = um valor mais alto do que o salário mínimo – e que, normalmente, não chega perto do que é mostrado pelos dados oficiais do Ministério da Previdência Social.

Além de preconceituosas, tais mensagens são eivadas de erros grotescos e demonstram total desconhecimento da norma previdenciária. Seja pelos reais destinatários da proteção previdenciária, ou seja, os dependentes do recluso e não o próprio preso, seja pela inverdade quanto aos valores pagos que, conforme visto alhures, são rateados entre a quantidade de membros do grupo familiar e obedecem a um teto remuneratório estipulado em lei e regulamentado pelos órgãos responsáveis.

Outra falácia consta em quem diga, também, que: “vale mais a pena ir preso do que trabalhar de 8h às18h”. Mais uma vez, a fala é baseada em todas as falsas ideias que se têm acerca do auxílio reclusão e mostra, claramente, a absoluta falta de noção sobre o sistema prisional brasileiro, notório por fracassar na tentativa de ressocialização dos detentos.

De início, temos que desmistificar o pensamento popular sobre a abrangência da cobertura previdenciária sobre o auxílio-reclusão de formas a perceber que ele é concedido à família daquele detento que, ao ser preso, detinha a condição de segurado da Previdência Social e se enquadra na definição legal da hipossuficiência financeira familiar. Tendo como premissa esse fato, é de fácil dedução que o benefício é concedido à menor parcela das famílias de presos. Tratando-se, em verdade, de um dos benefícios menos solicitados e, por consequência, menos concedidos pela Previdência Social.

Também facilmente derrotada a tese de que o Estado atende a família do criminoso, via auxílio-reclusão, mas não atende a família da vítima do mesmo crime. Transportando para a esfera factual, se um sujeito ficar impossibilitado para o trabalho em razão de um tiro, por exemplo, ele obterá benefício previdenciário, caso esteja, na data do fato, contribuindo com a Previdência. Da mesma forma, a família de um sujeito vítima de homicídio que estiver mantendo sua qualidade de segurado, receberá pensão por morte. Trata-se, por isso, da cobertura de outro risco social advindo do mesmo fato.

Para maior esclarecimento, cumpre atentar para a diferenciação entre “preso trabalhador” e o “trabalhador preso”, conforme veremos a seguir.

3.1. PRESO TRABALHADOR

Trata-se, notoriamente, de recluso que exerce alguma espécie de atividade lícita remunerada enquanto do cumprimento da pena privativa de liberdade a qual foi imposta pela autoridade judicial competente.

Por tratar-se de fenômeno adstrito ao cumprimento da pena, a legislação regente sobre a matéria é o próprio Código Penal Brasileiro e a Lei Federal 7.210/1984 (Lei de Execução Penal). A referida Lei tem por como finalidade “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (artigo 1º, parte final). O Código Penal, também avança sobre o tema quando expões que “[o] trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social” (artigo 39).

A Lei de Execuções Penais dispõe, ainda, em seu artigo 41, inciso II, que a atribuição de trabalho e sua remuneração, constituem direito do preso e o artigo 28 complementa, assinalando que “[o] trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”.

Segundo Hélio Gustavo Alves (2007, pg. 35):

“[...] o sistema carcerário tem como função reeducar o preso e uma das formas de ressocialização é dar-lhe oportunidade de exercer uma atividade profissional dentro do sistema carcerário, fato que não ocorre. Logo, o preso, além de não estar sendo reeducado, por uma falha no sistema não pode exercer qualquer espécie de trabalho, primeiro por estar recluso, segundo por má administração do Estado em não construir uma penitenciária produtiva que proporcione o exercício profissional.”

Enquanto estiver cumprindo pena em regime fechado, o trabalho será interno. Entretanto, admite-se o trabalho externo, como, por exemplo, em serviços ou obras públicas (artigo 34, § 3º, do Código Penal), desde que seja autorizado pela direção do estabelecimento, o preso tem que ser apto para o serviço, tem que ter disciplina e responsabilidade, além de ter cumprido, no mínimo, um sexto da pena (artigo 37 da LEP).

Tratando-se de regime semiaberto, “[o] condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar” (artigo 35, § 1º, do CP). Admite-se, também, o trabalho externo, assim como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (artigo 35, § 2º, do CP).

O artigo 28, § 2º da Lei de Execuções Penais, especifica que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Contudo, os artigos 29 e 33, estipulam que seu trabalho será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo, sendo que a jornada normal de trabalho não será inferior a seis nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados e, além disso, deverá atender às seguintes finalidades:

a) Indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) Assistência à família;

c) Pequenas despesas pessoais;

d)Ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

Além da remuneração supracitada, a LEP beneficia o condenado que trabalha ou estuda e que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto: a remição de parte do tempo de execução da pena. A cada 3 (três) dias de trabalho será diminuído 1 (um) dia da sua pena, ou, a cada 12 (doze) horas de frequência escolar, divididas, no mínimo, em 3 (três) dias, 1 (um) dia de pena será diminuído (artigo 126, § 1º, I e II).

Assim, verifica-se que o preso trabalhador é aquele que trabalha enquanto está na prisão, em regime fechado ou semiaberto, sendo sua pena diminuída – se cumprir com os requisitos –, percebendo remuneração que é destinada para objetivos específicos.

 

3.2 TRABALHADOR PRESO

Já o trabalhador preso é aquele que trabalha e contribui para a previdência, comete algum delito e vai para a prisão. É, justamente, o sujeito da relação previdenciária que, por ter a condição comprovada de segurado, gera o fenômeno da proteção aos seus dependentes enquanto perdurar a incapacidade laborativa plena decorrente da reclusão.

Na esfera trabalhista, é de bom alvitre relembrar que constitui justa causa para a rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador, desde que a condenação criminal do empregado tenha sido transitada em julgado e caso não tenha havido suspensão da execução da pena. Vejamos:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; (...)

Isso significa que há a obrigação, por parte do empregador, de aguardar a sentença antes da demissão. Optando a empresa em manter o contrato de trabalho, que já estará suspenso desde a prisão, ficará isenta do pagamento dos salários ao seu funcionário, bem como do recolhimento do FGTS e Previdência Social.

Sendo assim, ratificamos que o trabalhador preso é aquele que, antes da sua prisão, já contribuía para a Previdência Social, tendo um trabalho habitual. Dessa forma, sua família não poderia ficar desamparada, por isso os dependentes do segurado, se este vier a ser preso, terão direito ao benefício de auxílio-reclusão para sustento próprio, tendo em vista que, não raras vezes, o preso era quem levava o alimento/sustento para seus dependentes.

3.3 A CONTROVERSA PEC 304/2013 E O FIM DO AUXÍLIO-RECLUSÃO

De autoria da deputada Antônia Lúcia (PSC-AC), a proposta de emenda constitucional 304/2013 prevê a extinção do auxílio-reclusão e a sua substituição por um “auxílio às vítimas”.

Vejamos a íntegra dessa proposta que, atualmente, encontra-se em vias de ser posta em votação pelo plenário da Câmara dos Deputados:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , de 2013

(Da Sra. ANTÔNIA LÚCIA e outros)

Altera o inciso IV do art. 201 e

acrescenta o inciso VI ao art. 203 da Constituição Federal, para extinguir o auxílio-reclusão e criar benefício para a vítima de crime.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O inciso IV do art. 201 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 201. ....................................................................

IV – salário-família para os dependentes dos segurados de baixa renda;

...........................................................................”

Art. 2º Acrescente-se o seguinte inciso VI e parágrafo único ao art. 203 da Constituição Federal:

“Art. 203. ....................................................................

VI – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa vítima de crime, pelo período que for afastada da atividade que garanta seu sustento e, em caso de morte da vítima, conversão do benefício em pensão ao cônjuge ou companheiro e dependentes da vítima, na forma da lei.

Parágrafo Único. O benefício de que trata o inciso VI deste artigo não pode ser acumulado com benefícios dos regimes de previdência previstos no art. 40, art. 137, inciso X e art. 201.”

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.”  

Pode-se deduzir, facilmente, que se trata de uma tentativa do parlamento em dar vazão aos textos e toda a “polêmica” acima descrita sobre o auxílio-reclusão que, como visto, ganhou forma nos últimos anos com a popularização das redes sociais na internet.

Diante disso, estamos diante de duas questões a serem analisadas na PEC da deputada Antônia Lúcia: a proposta de extinção do auxílio-reclusão e a criação do suposto auxílio às vítimas. E, talvez, o maior dos questionamentos: a extinção do benefício em estudo traria alguma vantagem social? A nosso ver, a resposta é negativa.

De início, temos que um dos princípios basilares do Direito Penal e Constitucional é o de que os efeitos de uma condenação não devem se estender para além da pessoa do criminoso. A existência de um benefício previdenciário dialoga diretamente com essa ideia, ao garantir que a família de um sujeito que, antes de ser condenado, contribuía com a Previdência, esteja salvaguardada da ausência de seu provedor.

Um dos problemas mais graves da temática prisional atual, com consequências diretas na segurança de todos nós que estamos fora do sistema penal é a robustez que foram adquirindo as organizações criminosas no interior dos presídios. Tal poder advém de vários fatores: um deles é a segurança do detento no interior do presídio; a segunda é a assistência que estas organizações terminam dando aos familiares deste, aqui fora.

Nesse aspecto, a eventual extinção do auxílio-reclusão não tem apenas uma carga profundamente contrária aos pressupostos humanistas, mas é um perigoso precedente do ponto de vista de segurança social, haja vista a real possibilidade de inserir no contexto criminal um conjunto de famílias que hoje, graças ao benefício, conseguem minimamente se manter alheias a esse processo.

Por outro lado, o benefício, em tese, garante a manutenção da família do preso, conservando uma existência digna e desmotivando que a mulher e os filhos também sejam seduzidos pela criminalidade ou dependam exclusivamente dos programas assistenciais públicos. Também desestimula a dependência econômica da família do preso com os comparsas soltos e a sedimentação das quadrilhas.

Por fim, cabe referir também o erro na criação um “auxílio à vitima”, proposta que, a priori possui aspectos demagógicos além de, praticamente, mostrar-se  inócua, conforme veremos. Como dito antes, qualquer pessoa que for vítima de um crime e estiver no âmbito de cobertura previdenciário na qualidade de segurado poderá contar com auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou, em caso de morte, seus dependentes contarão com a respectiva pensão equivalente. Tais benefícios, por si, já surgem como espécies de “auxílio às vítimas”.

Ocorre que, mesmo as eventuais vítimas que não possuem a condição de segurado, podem vir a ser beneficiados. Estamos diante de casos que podem ser atendidos via LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), que não guarda as mesmas garantias e proteção do sistema previdenciário, mas garante meios básicos de subsistência.

 Ademais nosso sistema legal prevê claramente a responsabilidade civil advinda de condenação criminal. Qualquer vítima (ou dependente) pode processar o autor de um crime buscando reparação do dano sofrido, seja material ou moral.

Assim, a pretensa modificação legislativa proposta mostra-se com graves ameaças à ordem social e ao próprio sistema previdenciário. Quando, de forma assoberbada, o processo legislativo, muitas vezes influenciado pelos conclames midiáticos, temos como resultado normas mal elaboradas e que não atendem suas finalidades. Pior ainda, tornam-se verdadeiras ameaças ao convívio social.

REFERÊNCIAS

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BEZERRA, David de Medeiros. Recursos no Juizado Especial Federal Previdenciário e sua Admissibilidade. São Paulo: LTr, 2013.

CESARINO JR., A. F. Direito social brasileiro. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1970. V.1.

EDUARDO, Ítalo Romano; ARAGÃO, Jeane Tavares. Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2010.

FARINELI, Alexsandro Menezes. Aposentadoria Rural. 2ª. ed. Sã Paulo: Mundo Jurídico, 2013.

FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leonardo. Direito da Seguridade Social. Porto Alegre: Editora do Advogado, 2005.

LOPES JÚNIOR, Nilson Martins. Direito Previdenciário: Custeio e Benefício. 2ª. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

KOVALCZUK FILHO, José Enéas. Manual dos Direitos Previdenciários dos Trabalhadores Rurais. São Paulo: LTr, 2012.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 26.ed.São Paulo: Atlas, 2008.

SANTOS, Maria Feitosa dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Sobre os autores
Pedro Olímpio de Menezes Neto

Servidor Público Municipal e Acadêmico de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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