As instituições educativas como aparelhos ideológicos do Estado

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10/06/2016 às 08:48
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Diante da dominação e influência do Estado por meio de seus aparelhos ideológicos na sociedade, faz-se necessário refletir acerca da ação excludente promovida pela ideologia burguesa no âmbito educacional.

 

Resumo

Diante da dominação e influência do Estado por meio de seus aparelhos ideológicos na sociedade, faz-se necessário refletir acerca da ação excludente promovida pela ideologia burguesa no âmbito educacional. Neste sentido, este estudo tem como objetivo analisar o papel das instituições educativas, especialmente as instituições de ensino superior, como aparelhos ideológicos do Estado. Metodologicamente, utilizou-se como técnica de pesquisa a documentação indireta por meio da pesquisa bibliográfica. Constituíram-se em fontes de pesquisa livros, artigos científicos, dissertações e legislação pátria, destacando-se as contribuições teóricas de Althusser (1970), Mannheim (1968), Giddens (1999), dentre outros. Pode-se afirmar que, o acesso e permanência dos estudantes brasileiros no ensino superior pode ser expandido por meio de melhorias constantes nas políticas públicas destinadas a esta finalidade, de maneira que possibilitem a superação do domínio ideológico da burguesia e a democratização da educação promovendo igualdade e inclusão social.

Palavras-chave: Ensino superior. Aparelhos ideológicos do Estado. Políticas públicas.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A sociedade mantém uma estrutura de classes composta por uma classe dominante, detentora da produção industrial, intelectual e manipuladora do poder estatal. O domínio do Estado está relacionado com os grandes interesses da burguesia, nesse sentido, o Estado utiliza-se de aparelhos ideológicos que servem para reprimir, manipular e controlar as massas.

Segundo Althusser (1970) a escola constitui um dos principais aparelhos ideológicos do Estado sobre as classes subalternas, pois seria o grande regulador e controlador das massas, o sistema de ensino seria responsável para preparar mão de obra para as indústrias, caracterizando a ideologia da alta burguesia que está no domínio econômico e político.

As classes subalternas são consideradas mão de obra para as classes dominantes, o interesse das elites é manter a ordem e o controle total dos proletariados que são meros trabalhadores que enriquecem os ricos industriais. A burguesia utiliza-se de várias formas de dominação e de permanência no poder. No presente trabalho analisar-se-á, de maneira específica, o papel das instituições educativas como aparelhos de transmissão da ideologia do Estado.

O sistema educacional no Brasil, seguindo o padrão estabelecido externamente, manteve o caráter de imobilidade social, abrindo possibilidades de formação e boa colocação no mercado de trabalho aos componentes da classe burguesa, enquanto a grande massa era alijada do direito de acesso aos níveis mais altos de ensino e, consequentemente, de boas colocações no mercado de trabalho e possibilidade de ascensão social.  

Na sociedade contemporânea, é atribuído à educação o papel de atender às exigências do mundo globalizado, onde a qualificação profissional é fator imprescindível para uma boa colocação no mercado de trabalho. Nesse contexto, a demanda pelos cursos de graduação tem sido cada vez mais expressiva, de maneira que o acesso ao ensino superior não pôde ser suprido pela oferta única e exclusiva do Estado, tendo em vista a demanda crescente, desproporcional ao número de vagas oferecidas no ensino público.

 Dessa forma, presencia-se o crescimento das instituições de ensino superior (IES) privadas no Brasil e a consequente necessidade de políticas públicas para que alunos de situação econômica menos favorecida possam chegar ao ensino superior privado, diante da insuficiência de vagas no setor público.

Este estudo tem como objetivo analisar o papel das instituições educativas, especialmente as instituições de ensino superior, como aparelhos ideológicos do Estado. Metodologicamente, utilizou-se como técnica de pesquisa a documentação indireta por meio da pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica baseia-se na coleta de publicações diversas acerca de um determinado tema. Constituíram-se em fontes de pesquisa livros, artigos científicos, dissertações e legislação pátria, destacando-se as contribuições teóricas de Althusser (1970), Mannheim (1968), Giddens (1999), dentre outros.

Além desta primeira seção introdutória este artigo está estruturado em outras cinco seções. Na segunda seção serão abordados aspectos essenciais para a compreensão do direito à educação no Brasil; na terceira seção analisar-se-á os aparelhos ideológicos do Estado segundo Althusser (1970); a quarta seção tem como foco as instituições educativas e o papel que exercem como aparelho ideológico do Estado; a quinta seção discute acerca das políticas públicas para o acesso ao ensino superior no Brasil e, por fim, a sexta seção apresenta as considerações finais.

As discussões propostas no presente trabalho, sem a pretensão de esgotar o estudo da temática em questão, visam revelar a influência dos aparelhos ideológicos do Estado, especialmente nas instituições educativas, e refletir a partir de um novo olhar sobre a educação a partir de políticas públicas que possam superar o domínio da ideologia burguesa de maneira que a inclusão social concretize-se como fundamento maior dos programas implementados pelo poder público.

2 ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

Com a chegada da Corte Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, criam-se as primeiras escolas isoladas de ensino superior no país com a finalidade de formar profissionais que atendessem às necessidades da burocracia do Estado. Durante mais de um século o Brasil esteve fora dos debates acerca do novo projeto de universidade empreendido pelos países europeus. Somente em 1920 foi criada a primeira universidade do país, a Universidade do Rio de Janeiro com os cursos de Medicina e Direito. Mais tarde, em 1927, cria-se a Universidade Federal de Minas Gerais trazendo os cursos de Engenharia, Farmácia, Odontologia e também Medicina e Direito (CUNHA, 2007).

No contexto da Revolução de 1930 foram registrados dois projetos de universidades: a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, e o da Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935. Na UDF a ideia de alguns gestores e docentes era a criação de uma instituição autônoma, responsável pela formação de sujeitos críticos, no entanto, em virtude de pressões dos segmentos conservadores da sociedade, como a Igreja e o próprio Estado, estas ideias não se consolidaram

No início da década de 1960, diante do crescimento expressivo do número de IES, as correntes intelectualistas brasileiras em parceria com os estudantes discutem uma nova proposta de universidade para o país. Nesse âmbito, foi criada a Universidade de Brasília (UnB), em 1962, trazendo a ideia de associação entre ensino e pesquisa.Em 1964, com o golpe militar, os idealizadores da UnB foram demitidos e muitos obrigados a exilarem-se no exterior por terem suas ideias consideradas subversivas (CUNHA, 2007).

Ainda na década de 1960, as mobilizações da União Nacional dos Estudantes (UNE), defendiam uma reforma universitária que promovesse a democratização do acesso ao ensino superior por meio da ampliação do número de vagas. Assim como no caso da UnB, também alguns estudantes foram exilados, detidos e torturados sob a acusação de conspirarem contra o novo regime do Brasil. Em 1968, o governo militar implanta a Reforma Universitária, por meio da Lei n° 5.540, que impunha diretrizes à produção do conhecimento e ao processo de pesquisa a serem realizados pelas universidades brasileiras.

O desenvolvimento de pesquisas passou a ser função exclusiva da pós-graduação enquanto à graduação competia apenas a formação de profissionais para atender às demandas do mercado econômico, onde predominava o “milagre brasileiro”.O foco na formação de mão de obra qualificada e a separação entre ensino e pesquisa na graduação trouxe à esta um viés arcaico, impedindo o desenvolvimento da criticidade no processo de ensino-aprendizagem. Nas décadas seguintes à Reforma houve uma consolidação da pós-graduação, bem como a estruturação da carreira docente nas universidades federais, no entanto, ainda não havia uma política que garantisse a democratização do acesso às IES (ANASTASIOU, 2001).

A expansão do ensino superior foi acentuada a partir da década de 1990 com a promulgação da Lei n° 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), em consonância com o caráter neoliberal assumido pelo Estado. Dessa forma, tais legislações entraram em vigor “[...] em uma conjuntura socioeconômica e política mais claramente definida em prol dos interesses burgueses, em mais um passo no sentido da sedimentação do processo de empresariamento da educação superior” (NEVES, 2002, p. 139).

Desde meados dos anos 1990, o Estado vem incentivando e criando facilidades para a abertura e expansão de IES privadas. Diante da insuficiência de vagas no ensino público e da exigência cada vez mais expressiva por mão de obra qualificada para atuar no mercado capitalista, a procura por instituições particulares aumentou. A quantidade de matrículas na rede pública do ensino superior ainda é minoria no Brasil. Segundo os dados do Ministério da Educação, em 2012, oito em cada dez novos alunos se matricularam em instituições de ensino superior que cobram matrícula e mensalidade. Essas instituições também foram responsáveis por 77% dos diplomas emitidos a formandos de 2012 (BRASIL, 2012).

Nesse contexto, discute-se acerca da oportunidade de acesso de camadas populares ao ensino superior privado. As políticas públicas de acesso ao ensino superior visando a inclusão social tratam-se de medidas compensatórias, visando equilibrar o acesso aos bens sociais, levando-se em consideração o princípio da igualdade na escolaridade, bem como na inserção profissional mais qualificada (CURY, 2005).

A educação assume o papel preventivo e paliativo da exclusão. Preventivo no sentido de promover uma exigência de equidade, onde todos tenham ensino de qualidade, aspecto que evitaria a reprodução do ciclo de exclusão social, no qual as camadas com situação socioeconômica precária estão excluídas da economia formal, fazendo com que tenham poucas oportunidades de superar sua situação reproduzindo o ciclo que a exclui. A inclusão social no ensino superior possibilita a redução das discriminações relacionadas às diferenças de renda e socioculturais, diferenças que podem se converter em causas da exclusão (BRASIL, 2007).

3 APARELHOS IDEOLÓGICOS DO ESTADO

Althusser (1970) apresentou em sua obra importantes contribuições para a compreensão da realidade social e dos aparelhos repressivos e ideológicos que nela agem. Inicialmente, faz-se importante ressaltar que, para ele, o Estado é um meio de repressão onde a burguesia assegura sua dominação frente à classe operária, para submetê-la ao processo da extorsão da “mais valia”, ao processo da exploração capitalista declarada. Assim, o Estado é um aparelho repressivo, executando a repressão por meio de seus mais variados órgãos como polícia, tribunais, presídios, a serviço das elites frente ao proletariado, tendo por função a reprodução do modo capitalista de produção.

No entanto, o Estado não é formado apenas pelo aparelho repressivo, senão também por um certo número de instituições existentes na sociedade civil concebidos como aparelhos ideológicos de Estado (AIE). Os AIE são as igrejas, escolas, família, jurídico, político, sindical, cultural e outros. Destaque-se que os aparelhos repressivos do Estado (ARE) fazem parte do poder público e os AIE do privado, sendo que os ARE atuam através da violência e os AIE através da ideologia.

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A ideologia utilizada pelos AIE é a ideologia das elites dominantes, é a ideologia burguesa capitalista. Quem controla os ARE e os AIE são as elites capitalistas dominantes, reproduzindo o poder repressivo e ideológico existente a fim de manter a propriedade privada e o trabalho assalariado. O papel do ARE consiste em garantir, pela força física ou não, as condições apropriadas para a reprodução das relações de produção que nada mais são do que relações de exploração (ALTHUSSER, 1970).

Os AIE mantém o modo de produção capitalista e incorpora na mente das pessoas uma ideologia de exclusão e desigualdade. Para Althusser (1970, p.31-32) a ideologia na qual funcionam os aparelhos ideológicos de Estado, é unificada sob a ideologia dominante:

Todos os aparelhos ideológicos de Estado concorrem para o mesmo resultado: a reprodução das relações de produção, isto é das relações de exploração capitalistas. Cada um deles concorre para esse resultado de uma maneira que lhe é própria, isto é, submetendo (sujeitando) os indivíduos a uma ideologia.

Todos os aparelhos ideológicos de Estado concorrem para a do modo de produção do capital, compondo a estrutura ideológica que assegura esta reprodução. A ideologia dentro do sistema capitalista ajuda a burguesia a garantir o seu status de classe dominante.  Althusser,  citando o pensamento de Marx,  escreve que  a  ideologia  é o  “[...] sistema das ideias e das representações, que domina o espírito de um homem ou de um grupo social”. (MARX apud ALTHUSSER, 1970, p. 69).  Althusser sistematiza este pensamento afirmando que as práticas sociais só existem por meio da ideologia, e a ideologia só existe para os sujeitos e por meio deles.

A inculcação da ideologia dominante tem origem na formação das classes sociais, noseiodopróprioEstadoedeseusaparelhos.O Estado, segundo Althusser (1970),funcionaduplamentecomoumaparelhoideológicoe comoumpoderdeforçarepressiva, configurando-se comouminstrumentoqueservepara assegurarosinteressesdaclassedominante,aburguesia,sobreaclassedominada: proletariadoouclassetrabalhadora.

O Estado, como representantedaclassedominante,ditaasregraseasnormasde convivência, o padrão normale otransgressor, por meio desua forçarepressiva. Por isso, toda a luta de classes gira em torno do Estado e da conservação do seu poder.Manter opoderdeEstadoéopropósitodaclassedominanteparapoder manipular os AIE, pois é pela instauração dos AIE, que a ideologiaérealizadaesetornadominante.

Para Althusser (1970) a escola é um dos principais aparelhos ideológicos do Estado, pois contribui para reproduzir as relações sociais de produção capitalista na medida em quecontribuiparaaformaçãoda força de trabalho e para a inculcação da ideologia burguesa, além de ensinar a diferentes crianças, diferentes padrões de comportamento, dependendo da classe que ela pertença e do trabalho que ela realizará.

Esse raciocínio, da escola como aparelho que molda o sujeito e lheinculca pensamentos de submissão ao sistema vigente, será importante para justificar a manutenção da classe burguesa como classe dominante, material, política e ideologicamente.

4 AS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS E SEU PAPEL COMO APARELHOS IDEOLÓGICOS

O aparelhoescolarocupaumlugarprivilegiadonomododeprodução capitalista,poiselereproduz a ideologia dominante easrelações de produçãosobrea base deformação da força detrabalho. Além de contribuir, essencialmente, no processo de reprodução da divisão social, levando os indivíduos a aceitarem, naturalmente, sua condiçãode explorados.

Freitag (1980) aduz que a escola, e as demais instituições educativas como as instituições de ensino superior, preenche a função básica de reprodução das relações materiais e sociais de produção.Ela assegura que se reproduza a força de trabalho, transmitindo as qualificações necessárias para o mundo do trabalho e faz com que ao mesmo tempo osindivíduossesujeitemà estruturadeclasses.Para isso lhes inculca, simultaneamente,asformasdejustificação,legitimaçãoedisfarcedas diferenças edoconflitodeclasses, atuando atravésda ideologia.

Althusser (1970)argumentaqueainstituição de ensino favoreceaformaçãosocialcapitalistaquando pretendesujeitarosindivíduosàideologiadominante,garantirareproduçãodaforçade trabalho por meio da reprodução de habilidades, além de garantir a reprodução da submissão àsregrasdaordemestabelecidadentrodesseregimedeexploraçãoerepressão.Assim, são ensinados saberes práticos, por meio de modelos queasseguramasujeição àideologia dominante e que desvalorizam oconhecimentoeacultura daclasse proletária.

Carnoy (1990, p.39) reforça o papel da escola na reprodução da força de trabalho e,sobretudo,nareproduçãodas relaçõesdeprodução,aparelhoessedominante, quando escreve que :

[...] é pela aprendizagem de uma variedade de know-how, envolvido nainculcação maciça daideologia da classe dominante, que as relações de produção na formação socialcapitalista,istoé,asrelaçõesentreexploradoeexploradoreexploradore exploradosãolargamentereproduzidas.Osmecanismosqueproduzemesse resultadovital paraoregimecapitalistasão naturalmente encobertose disfarçados poruma ideologiadaescola,universalmentedominanteporqueéumadasformas essenciaisdaideologiaburguesavigente:umaideologiaquerepresentaaescola comoumambienteneutro,purgadodaideologia(porqueé...leiga),ondeos professores respeitadores da ‘consciência’ e da ‘liberdade’ das crianças que lhes são entregues(comtodaaconfiança)porseus‘pais’(quesãolivrestambém,istoé, proprietários de suas crianças) abrem-lhes o caminho daliberdade, da moralidade e daresponsabilidadedosadultos,atravésdeseusprópriosexemplos,de conhecimento, daliteratura e através de suas virtudes‘libertadoras. 

As instituições educativas concorrem para as relações de produção e exploração desde os primeiros anos de ensino no início da vida escolar do sujeito, tendo em vista que a escola toma a seu cargo todas as crianças de todas as classes sociaiseinculca-lhesduranteanos saberespráticosenvolvidosna ideologiadominante por meio das disciplinas que transmite.

A partir dos estudos recebidos o indivíduo desempenhará seu papel específico dentro da sociedade de classes:

[...] papel de explorado (com ‘consciência profissional’, ‘moral’, ‘cívica’, ‘nacional’ e apolítica ‘desenvolvida’); papel de agente de exploração (saber mandar e falar aos operários:as‘relaçõeshumanas’),deagentesderepressão(sabermandareser obedecido ‘sem discussão’ ou saber manejar a demagogia da retórica dos dirigentes políticos),ouprofissionaisdaideologia(quesaibamtratarasconsciênciascomo respeito, isto é, com desprezo[...]) (ALTHUSSER, 1970, p. 65).

A escola apresenta um local onde a maioria das crianças frequenta e assim são incentivadas a fazê-lo. Atualmente a ideia disseminada pela sociedade de dominação burguesa é de que é através da escola e da completude da formação acadêmica, posteriormente, que a ascensão social está garantida e que o reconhecimento e a maior aquisição financeira serão possíveis.

Historicamente a educação sempre ocupou um lugar de destaque e importância na sociedade, mesmo na Idade Média onde o aparelho ideológico principal era a Igreja, a educação tornava-se necessária à formação dos indivíduos que iriam compor o setor dominante. Após a Revolução Industrial, a necessidade de se qualificar a mão-de-obra aumentou também a necessidade de seu uso e o número de pessoas que passaram a frequentar as escolas e afins. A educação recebeu então o papel de transmitir os conhecimentos científicos, morais e profissionais a todas as crianças, independente da classe social que ocupam. (BARROCA; THEODORO, 2012).

Através de paradigmas pedagógicos, dos conteúdos a serem ministrados em sala de aula, da formação do professor e do aluno, a educação se torna suscetível a transmissão da ideologia dominante de maneira que as crianças e, posteriormente, os poucos adultos que ingressam no nível superior, não percebem que estão sendo envolvidos nestas ideias. Especificamente em relação ao ensino superior, tem-se a dominação histórica deste setor do ensino pela classe dominante, pois não é interesse desta que todas as classes sociais tenham acesso ao mesmo tipo de ensino, pois assim assegura-se a manutenção de si mesma no poder. Dessa forma, a impossibilidade de acesso ao ensino superior pelas classes dominadas determinam papéis sociais pré-definidos a serem desempenhados.

Por estes papéis, alguns entram no mercado de trabalho para se tornarem a classe trabalhadora de sua sociedade, enquanto outros continuam ligados à educação atingindo o nível superior onde, em menor quantidade, alguns se tornam pequenos burgueses e outros vão compor a classe de intelectuais necessárias à produção e reprodução da ideologia dominante. 

A educação moderna é, portanto, uma luta viva, uma réplica em pequena escala dos propósitos e tendências em conflito que se entrechocam na sociedade mais ampla. Consequentemente, o homem instruído é determinado, quanto ao seu horizonte intelectual, de múltiplas maneiras. Essa herança cultural adquirida o sujeita à influência de tendências opostas na realidade social e o leva a agir exclusivamente sob a influência das condições impostas por sua situação social imediata (MANNHEIM, 1968).

Nesse sentido tem-se que cada setor e cada indivíduo possui um papel já determinado a ser exercido na sociedade de classes: papel de explorado onde a sua consciência é  desenvolvidas de maneira que não consiga perceber que as ideias que reconhecem como únicas, corretas e, principalmente, justas não são necessárias, mas sim naturalizadas por todo um aparato de Estado e pelas relações sociais de produção que lhe escapam a vontade individual (ALTHUSSER, 1970).

É interessante destacar, ainda, o que diz Mészáros (2005, p. 35) a respeito do aspecto educacional:

[...] o impacto da incorrigível lógica do capital sobre a educação tem sido grande ao longo do desenvolvimento do sistema. Apenas as modalidades de imposição dos imperativos estruturais do capital no âmbito educacional são hoje diferentes, em relação aos primeiros e sangrentos dias da “acumulação primitiva”, em sintonia com as circunstâncias históricas alteradas, como veremos na próxima seção. É por isso que hoje o sentido da mudança educacional radical não pode ser senão o rasgar da camisa-de-força da lógica incorrigível do sistema: perseguir de modo planejado e consistente uma estratégia de rompimento do controle conhecido pelo capital, com todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a ser inventados, e que tenham o mesmo espírito.

O que propõe Mészáros (2005) é uma educação que enfrente de forma aberta e consciente as formas de controle ideológico capitalista. Nesse sentido, visa-se a construção de uma nova instituição educativa, de novas políticas que rompam com o sistema excludente de dominação burguesa.

A possibilidade de uma nova educação tem sido gestada por meio de políticas públicas, especialmente no âmbito do ensino superior brasileiro. Pode-se afirmar que desde a implantação dos primeiros cursos de nível superior no Brasil predominou uma clara separação entre a formação recebida pelas classes dominantes e a formação de classes desfavorecidas socialmente, tendo em vista que, ao concluírem o ensino médio muitos não tinham a oportunidade de ingressar no ensino superior, devido à insuficiência de vagas no setor público e a impossibilidade financeira de arcar com os custos de uma formação superior privada.

Dessa forma, evidenciava-se o determinismo nas posições sociais a serem estabelecidas, pois, de um lado tinham-se os alunos de classe mais alta que, por receberem uma boa educação em nível fundamental e médio, conseguiam assumir as vagas em instituições públicas, bem como a possibilidade financeira de assumir vagas em instituições privadas e, dessa forma, diante das exigências cada vez mais intensas do mercado por um nível de formação superior, estes assumiam no mercado os melhores cargos e melhores remunerações, mantendo sua posição de classe dominante.

De outro lado, os alunos de classes sociais menos favorecidas que, diante do ensino público de baixa qualidade recebido nos níveis fundamental e médio, dificilmente conseguem assumir as vagas em instituições de ensino superior públicas, e, por não possuírem condições de arcar com os custos do ensino superior privado terminam por assumir posições subalternas no mercado de trabalho, com pouca possibilidade de ascensão e, consequentemente, mantendo-se como oprimidos e dominados.

Nesse sentido, políticas públicas como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o FIES (Programa de Financiamento Estudantil) tem trazido possibilidades, abrindo espaço para que os estudantes, diante da insuficiência de vagas no ensino superior público, possam assumir vagas em instituições privadas, financiados pelo governo. Estas políticas tem oportunizado condições de acesso a uma formação superior que antes não passaria de um ideal, em alguns casos e, embora ainda não alcancem a totalidade dos alunos por conta da grande demanda, pode-se afirmar que tem ampliado as oportunidades e a inclusão social no âmbito do ensino superior.

5 AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL

O setor da sociedade responsável pela produção ideológica é formado pelas instituições de ensino superior e corresponde ao setor intelectual da burguesia. No entanto, ao longo dos anos, esta função de intelectual foi negada a muitos, de acordo com Gramsci (1978, p. 67) “[...] seria possível dizer que todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens tem na sociedade a função de intelectuais.”

A ideia disseminada na sociedade, de maneira geral, através de outros aparelhos ideológicos inclusive, é a de que é necessário estudar e ter o máximo possível de escolaridade para se obter melhor posição social e, consequentemente, econômica. A educação passou a ter um papel financeiro e a ser um caminho para ter status social ao invés de ter como preocupação primordial a formação de cidadãos críticos e atuantes que visem a transformação da sociedade. A instituição de ensino superior, especificamente, possui um papel diferenciado:

Como instituição funcional ao sistema de dominação, ou seja, em condições em que o controle da classe dominante sobre ela se mantém intacto, a universidade cumpre na sociedade burguesa três funções principais. [...] A primeira é a de reprodução das condições ideológicas nas quais a burguesia assenta as bases de sua dominação de classe. [...] Um primeiro nível está dado pela reprodução, na esfera da universidade, da divisão do trabalho, da estrutura de autoridade e dos demais elementos constitutivos da dominação burguesa [...] Num segundo nível, a reprodução do sistema de dominação se dá pela transmissão dos valores ideológicos mediante os quais a burguesia legitima sua dominação – a análise de teorias pedagógicas burguesas nos mostraria como seu conteúdo e seus métodos respondem às fases que atravessa na história a dominação burguesa –; num plano mais imediato é possível destacar o fato de que a universidade transmite, de forma permanente, valores como o individualismo e a competição. [...] A segunda função que cumpre a universidade burguesa é de ordem econômica e se traduz na transmissão e mesmo criação, através da pesquisa, de técnicas de produção. [...] A terceira função da universidade burguesa, de caráter político, é a de ser um dos campos no qual a burguesia pode concretizar as alianças de classes que necessita para afirmar sua dominação. (MARINI, 1977, p. 59).

As instituições de ensino superior, enquanto aparelhos ideológicos do Estado visam desde o seu início a exclusão e a disseminação de valores burgueses e apresentam-se como algo almejado por quase todos os indivíduos da sociedade, porém não é um local de caráter essencialmente universal e, principalmente, não é um local de caráter popular. Isso porque a grande maioria dos estudantes de escola pública não será considerada apta ao ingresso no ensino superior público devido a sua falta de preparo escolar, bem como não será apta ao ingresso no ensino superior privado devido à carência de recursos para custear as mensalidades. Este cenário de desigualdade no acesso ao ensino superior trata-se de uma forma de se manter o controle ideológico e a continuidade de uma mesma classe no poder.

No sentido de tentar abrir novas possibilidades e uma ruptura com a situação até então posta de acesso restrito ao ensino superior no Brasil, tem-se empreendido nas últimas décadas políticas em torno da democratização do acesso ao ensino superior. Nesse âmbito, as primeiras políticas públicas de acesso ao ensino superior no Brasil foram implantadas a partir das universidades públicas, como forma de estabelecer igualdade de direitos e oportunidades visando a redução das desigualdades socioeconômicas no país.

            Dessa forma, as primeiras iniciativas no contexto do ensino superior constituíam-se em ações reparadoras, uma tentativa para amenizar as desigualdades sofridas por segmentos socialmente e historicamente discriminados. Nesse sentido, estruturaram-se as políticas de cotas, reservando determinada porcentagem de vagas nas instituições a candidatos negros, de baixa renda ou egressos de escolas públicas. Considerando a influência desses fatores na formulação de políticas públicas voltadas para a inclusão social nas universidades, observa-se que o papel das instituições de ensino apresenta-se além da ampliação do acesso, mas, sobretudo, à função de promotoras da democracia, como agente social que contribui para a consolidação de um país mais igualitário.

A igualdade de oportunidades no ensino superior é um desafio central para o Estado social no século XXI. Segundo Schmidt (2008) a pobreza é o maior dos flagelos que a humanidade enfrenta, flagelo de enorme magnitude e complexidade, associada à exclusão e desigualdade social ela se manifesta em todos os continentes, mas com rigor extremo na África, Ásia e América Latina. Essa situação deve-se em grande parte à desigualdade de oportunidades no acesso à educação superior, que possibilitaria a inclusão social.

Os estudantes de classes menos favorecidas foram, durante muitos anos, alijados de instituições superiores privadas onde existe confiança interpessoal entre os “iguais”, em que há múltiplas formas de cooperação e reciprocidade, mas apenas entre os indivíduos “de bem” ou de “mesmo nível”. Nesse contexto, foram implementadas políticas públicas que visam à redução das desigualdades sociais e a busca pela equidade no acesso ao ensino superior brasileiro.

O objetivo das políticas públicas de inclusão social na educação superior deve ser a formação de uma comunidade cívica que une alto grau de tolerância e elevado capital social, onde se respeite o direito à diferença e as robustas formas de interação e cooperação comunitária não se restringem a indivíduos que possuem as mesmas características, mas incluem indivíduos diversos sob o ponto de vista étnico, cultural, religioso, social e político.

No estabelecimento de políticas públicas que visam a inclusão social na educação superior a partir do capital social, o empoderamento das populações marginalizadas é elemento central. Em razão das múltiplas barreiras sociais que lhes são impostas, os pobres tem extrema dificuldade de ver-se como atores capazes de exercer alguma influência real no seu ambiente social e na esfera política. O empoderamento consiste numa transformação atitudinal de grupos sociais desfavorecidos que os capacita “para a articulação de interesses, a participação comunitária e lhes facilita o acesso e controle de recursos disponíveis, a fim de que possam participar do processo político” (BAQUERO, 2005, p.39).

No seu alcance mais amplo, este empoderamento resulta na criação das condições que habilitam os pobres à conquista dos direitos de cidadania. Com isto, expandem-se as possibilidades de ampliação das políticas de equidade na oferta educacional do ensino superior no Brasil. É evidente que as coletividades atingidas pelos males da sociedade precisam ser capazes de, rapidamente, mobilizar suas capacidades produtivas e de solidariedade para solucionarem suas dificuldades.

Giddens (1999) considera que a principal forma de desigualdade em tempos de globalização e economia de conhecimento não se dá tanto pela diferença de renda, mas pela exclusão social, pelo fato de não compartilhar as oportunidades que tem a maioria. A principal força no desenvolvimento de capital humano obviamente deve ser a educação. É o principal investimento público que pode estimular a eficiência e a coesão social. A educação precisa ser redefinida de forma a se concentrar nas capacidades que os indivíduos poderão desenvolver ao longo da vida.

Historicamente, a sociedade brasileira caracterizou-se pela predominância das camadas sociais mais altas no acesso à educação superior privada, ganhando destaque as políticas públicas desenvolvidas neste contexto com a finalidade de promover a inclusão de grupos até então excluídos deste nível do ensino, tendo em vista que, no plano das políticas públicas, um dos debates centrais é o potencial de inclusão das políticas sociais e sua relação com as políticas intereconômicas adotadas no contexto da globalização.

Sobre o autor
João Deusdete de Carvalho

Advogado e Economista, Procurador Público, Professor Assistente da URCA/CE, Estudou pós-graduação em Direito Processual Civil pela UFPI e, Pós-graduação em Planejamento pela FAO, Estudou Mestrado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.

Informações sobre o texto

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