O processo coletivo à luz do Novo Código de Processo Civil

13/06/2016 às 20:05
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Este artigo acadêmico objetiva, sem a pretensão de esgotar o tema, traçar um breve escorço sobre o surgimento e desenvolvimento do processo coletivo, além de verificar eventuais alterações em razão do advento da Lei nº 13.105/15.

INTRODUÇÃO

A tutela coletiva surge em meados da década de 1970, a partir da constatação da ineficiência do sistema clássico para solucionar os conflitos de massa.

O fenômeno da globalização acelera e difunde relações jurídicas pelos cinco continentes de forma simultânea e, como consequência, o enfrentamento de direitos e interesses também experimenta crescimento exponencial, tornando-se necessária a inovação jurídica de alcance transindividual.

O Código de Processo Civil de 1973 não aborda o processo coletivo, pois precede o seu surgimento em solo brasileiro, que se consolida apenas em 1985 com a promulgação da Lei nº 7.347/85. A partir desse marco, o subsistema de tutela coletiva se desenvolve, expandindo o seu âmbito de proteção e ganhando destaque no cenário jurídico.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/15, vislumbra-se substancial transformação do sistema processual brasileiro, com reflexos nos demais ramos do Direito, de forma que nas linhas seguintes, serão abordadas as principais influências deste novo diploma sobre o processo coletivo.

BREVE DIGRESSÃO HISTÓRICA DO PROCESSO COLETIVO

Inicialmente, reputa-se pertinente traçar uma rápida introdução sobre o surgimento da tutela coletiva no Direito brasileiro. Até meados de 1980, vigia em solo brasileiro o processo civil clássico, também denominado tradicional, que se preocupava basicamente com os conflitos entre o Estado e o indivíduo ou entre um indivíduo e outro indivíduo.

O movimento para a tutela de direitos coletivos nasce na década de 1970, no continente Europeu, a partir de críticas doutrinárias acerca da inadequação do sistema tradicional (processo civil clássico) para a tutela de interesses metaindividuais, que são os interesses de grupos, classes ou categorias de pessoas.

Entre esses estudos inéditos, destacou-se o projeto Florença, capitaneado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, o qual identificou obstáculos ao acesso à justiça prevendo, dentre eles, a ausência de mecanismos de tutela de direitos transindividuais. Como solução a esses obstáculos, os autores propuseram as chamadas ondas renovatórias de acesso à justiça, de modo que a promoção da defesa de direitos transindividuais ocupou a 2ª onda renovatória, logo após a prestação da assistência judiciária aos pobres (1ª onda), precedendo o enfoque ao acesso à justiça (2ª onda).[1]

Assim, em vista às críticas da doutrina estrangeira, na década de 1980 começou a surgir no Brasil a preocupação com a defesa coletiva. Os primeiros projetos a respeito do tema culminaram na promulgação da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) que, inicialmente, permitiu a defesa do meio ambiente, do consumidor e do patrimônio cultural.

Logo após a Lei nº 7.347/85, sobreveio a Constituição da República que trouxe em seu bojo normas sobre processo coletivo. Com efeito, a nova ordem constitucional promoveu o alargamento de conceito, legitimidade e objeto da ação coletiva. A partir disso, novas leis de tutela coletiva foram surgindo, paulatinamente, provocando um crescimento nos índices de propositura das demandas coletivas, a tal ponto que a comunidade jurídica começou a sentir necessidade de um código de tutela coletiva. Surgiu, então, o projeto de Lei nº 5.139/09.

Infelizmente, o projeto para criação de um código de processo coletivo foi definitivamente arquivado no ano de 2010, especialmente em razão do desconforto que as ações de tutela coletiva causam a alguns setores, especialmente o dos governantes, parlamentares e de conglomerados empresariais. As ações de improbidade administrativa, responsabilidade civil, de defesa ambiental e do consumidor, agem, notadamente, sobre esses grupos poderosos, de forma que o medo político do fortalecimento dos processos de massa levou ao arquivamento do projeto de lei nº 5.139/09.

Ocorre que, contemporaneamente ao arquivamento do projeto do código de processo coletivo, dá-se início à tramitação do projeto de lei nº 166/2010, que veio a converter-se no Código de Processo Civil de 2015.

Perceba-se que o momento histórico-político do início de tramitação do Novo Código de Processo Civil é desfavorável ao fortalecimento do processo coletivo, desencadeando um diploma que se omite à disciplina da tutela coletiva.

OPÇÃO CONSTITUCIONAL PELO PROCESSO COLETIVO

Ao lado de todos os avanços e retrocessos que marcam o desenvolvimento do processo coletivo em solo brasileiro, cumpre mencionar a opção constitucional pela tutela de direitos metaindividuais.

Assim, malgrado o medo político dos congressistas aliado ao lobby dos setores empresariais tenha acarretado o arquivamento do projeto de lei nº 5.139/09, certo é que o constituinte ordinário abraçou a ideia da criação de um subsistema próprio para solução dos conflitos de massa.

Com efeito, são inúmeros os dispositivos que se repetem ao longo do texto constitucional e que trazem a clara preferência para a implantação do processo coletivo. Vejamos:

O artigo 5º, inciso XXI dispõe que “as entidades associativas, quanto expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. Já o artigo 5º, inciso LXX, prevê a legitimidade das organizações sindicais, entidades de classe ou associação para impetrar mandado de segurança coletivo, em defesa de seus membros e associados. Além disso, o artigo 5º, inciso LXXIII ampliou o objeto da ação popular – regulada pela Lei nº 4717/65, a fim de alcançar também os direitos transindividuais, como o patrimônio público e o meio ambiente. Essas são apenas algumas passagens constitucionais que tratam sobre a tutela metaindividual, a fim de ilustrar a opção constitucional por esse novo modelo processual.

AVANÇOS LEGISLATIVOS DA TUTELA COLETIVA NO BRASIL

Conforme visto anteriormente, o constituinte de 1988 fez uma clara opção pelo acolhimento da tutela coletiva no sistema jurídico brasileiro.

No Brasil, o desenvolvimento do processo coletivo foi bastante influenciado pela doutrina italiana e norte-americana.

O jurista LORDELO (2015)[2], aponta que o surgimento do processo coletivo antecede a própria Lei nº 7347/85 e ocorre com a promulgação da Lei Nacional da Política do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), a qual previa que o Ministério Público protegeria o meio ambiente por meio da ação civil pública.

A consolidação do processo coletivo ocorre em 1985, com a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85). Essa lei resolveu o problema dos bens ou direitos de titularidade indeterminada, mas não tratou dos bens e direitos cuja tutela individual é inviável e os bens e direitos cuja tutela coletiva é recomendável. Esses últimos dois problemas só foram efetivamente solucionados com o advento do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, no início da década de 1990 ocorreu a potencialização do processo coletivo, com o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, que permitiu a tutela de massas e o atendimento aos bens e direitos de tutela individual inviável ou cuja tutela coletiva seja recomendável.

Não se pode olvidar, ainda, o advento de outras leis que alargaram o âmbito de proteção do processo coletivo, tai como: a defesa coletiva das pessoas com deficiência (Lei nº 7.853/89), a defesa coletiva de investidores lesados no mercado de valores mobiliários (Lei nº 7.913/89) e a defesa coletiva da criança e do adolescente (Lei nº 8.069/90), entre outras.

RETROCESSOS DO PROCESSO COLETIVO

A linha histórica do processo coletivo brasileiro não é marcada apenas por crescimento. Houveram, também, muitos revezes nesses anos que antecedem o Novo Código de Processo Civil.

O primeiro deles, ocorreu quando da edição da própria Lei da Ação Civil Pública, em 1985. O Governo vetou a norma de extensão que permitia a defesa de outros interesses difusos e coletivos. Nessa ocasião, o Presidente da República foi alertado para os riscos de dar à sociedade a ação coletiva que poderia amanhã voltar-se contra os interesses do governo, conforme bem apontado por         MAZZILLI (2015)[3].

Além disso, ao tempo em que as medidas provisórias podiam versar sobre processo (antes da Emenda Constitucional nº 32/2001), foram editadas inúmeras, com o intuito de conter os “poderes” da ação coletiva. Dentre elas, destaca-se a norma de extensão existente no projeto original da Lei de Ação Civil Pública que permitia a tutela de “outros interesses difusos e coletivos”.

Infelizmente, não parou por aí. A Medida Provisória nº 1.570/97 tentou restringir a coisa julgada da ação civil pública aos limites territoriais do órgão prolator da sentença (artigo 16). A restrição – até hoje em vigor – beira ao absurdo, uma vez que confunde a competência do órgão jurisdicional com os efeitos da coisa julgada, e possui o único intuito de esvaziar a tutela coletiva. Outras sucessivas medidas provisórias foram editadas, todas visando limitar o objeto da ação civil pública, vedando a discussão de fundo de garantia por tempo de serviço, questões previdenciárias e tributárias, etc.

Registra-se, ainda, o naufrágio do projeto de lei nº 5.139/09, que pretendeu instituir um código de processo coletivo. Estudiosos da época apontam que o arquivamento foi motivado substancialmente pelo medo parlamentar de conferir força à tutela coletiva.

Por derradeiro, sobreveio o Código de Processo Civil de 2015 que, propositalmente, não disciplinou o processo coletivo, mas apenas contém normas esparsas com algumas referências à tutela coletiva.

PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DO NOVO CPC E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO COLETIVO[4]

Como visto, embora o Código de Processo Civil de 2015 não tenha disciplinado o processo coletivo, certo é que o novo sistema implantado traz reflexos para todo o ordenamento e, inclusive, para o processo coletivo.

A primeira dessas inovações é a que permite a extinção do processo com a concessão a tutela antecipada em caso de urgência, se dela não for interposto recurso (artigos 303-304). Embora ainda sejam poucos os estudos acerca do tema, é possível inferir-se que esta disposição pode ser transportada para os processos coletivos. A grande questão é que essa inovadora disposição colide – ao menos aparentemente – com o princípio da primazia pelo conhecimento do mérito, que permeia todo o microssistema de tutela coletiva. Como sabido, a tutela antecipada não demanda uma cognição exauriente do órgão jurisdicional, isto é, não há análise profunda do mérito da demanda. Ocorre que, no processo coletivo, prima-se sempre pela discussão e análise do mérito. Assim, surge a primeira interrogação, cujos desdobramentos serão certamente enfrentados pelos tribunais superiores.

Outra substancial alteração diz respeito à ordem cronológica de julgamento. Trata-se de medida moralizadora, que objetiva garantir isonomia aos jurisdicionados. Já são recorrentes as críticas ao instrumento, uma vez que possivelmente engessará a atividade jurisdicional e trará maior morosidade, pois processos pequenos e simples deverão aguardar na fila a resolução de processos infinitamente maiores e complexos. Contudo, ao que tudo indica, essa medida será aplicável aos processos coletivos, sem maiores ilações.

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Não se pode olvidar, ainda, a revolucionária adoção da teoria dos precedentes, tornando-os vinculantes para os órgãos jurisdicionais. Nesse ponto, o Código de Processo Civil de 2015 foi fortemente influenciado pelo sistema common law, em especial pelo sistema anglo-saxônico da stare decisis[5]. Assim, o legislador ordinário quis voluntariamente alterar o sistema brasileiro (civil law). O artigo 927 do CPC-2015 elenca em seus incisos uma série de decisões com efeitos vinculantes para os órgãos jurisdicionais inferiores. Como consequência, a teoria dos precedentes obrigatórios também atingirá o processo coletivo, gerando, é certo, maior uniformidade, porém, tornando mais difícil ultrapassar decisões prejudiciais aos interesses metaindividuais. Acresça-se, porém, que a teoria dos precedentes não gera a imutabilidade das decisões. Há, é verdade, as situações de distinguishing e overruling – distinção do caso e superação do entendimento, respectivamente – todavia, o sistema da stare decisis restringe sobremaneira a liberdade do órgão jurisdicional ao proferir decisões.

Por derradeiro, observa-se a adoção da teoria da fundamentação exauriente no novo sistema processual que, aliás, elenca no §1º do artigo 489 as hipóteses em que não se considera fundamentada a sentença. Sem dúvidas, a deficiência da fundamentação das decisões judiciais é um dos problemas que mais assola o cotidiano forense, inclusive no âmbito da tutela coletiva, de modo que a disposição processual deverá ser estendida ao microssistema de interesses metaindividuais.

O PROCESSO COLETIVO NO CPC DE 2015

Conforme salientado anteriormente, o Código de Processo Civil de 2015 traz disposições esparsas sobre processo coletivo, porém, não o regulamenta.

Com efeito, o artigo 139, inciso X, faz expressa remição ao microssistema coletivo, integrado notadamente pela Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Ainda, criou o incidente de resolução de demandas repetitivas[6] (artigo 976 e seguintes), alargou as atribuições do Ministério Público nos conflitos metaindividuais (artigo 178, inciso III), previu a defesa de direitos coletivos dos necessitados  pela Defensoria Pública (artigo 185), previu a suspensão dos processos individuais quando houver repercussão geral reconhecida (artigo 1.037, inciso II), estipulou a vinculação da tese jurídica fixada no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas a processos individuais e coletivos (artigo 985) e, ainda, a hipótese de conversão da ação individual em coletiva, disposição que acabou sendo vetada pelo Presidente da República (artigo 333).

Desta feita, hialino que o microssistema de tutela coletiva não ganhou disciplina pelo novo Código, porém, não se pode alegar que o legislador ignorou a tutela transindividual, pois mencionou uma série de institutos de índole notadamente coletiva.

O fato é que o Código de Processo Civil de 2015 teve certa preocupação com a lide coletiva. Todavia, tentou-se vender a ideia de que o Código Buzaid (1973) era notadamente individualista, ao passo que a Lei nº 13.105/15 teria sido concebida mirando para o coletivo. A primeira afirmação é verdadeira, visto que o código de 1973 espelha a sua época, ou seja, quando ainda era tímida – para não se dizer inóspita – a movimentação em prol da tutela metaindividual. A segunda afirmação, contudo, é equivocada, pois não é verdade que o CPC de 2015 seja voltado para o coletivo. Ele contemplou, sim, incidentes inspirados no sistema transindividual, porém, omitiu-se totalmente na disciplina do processo coletivo. Em razão disso, MAZZILLI (2015)[7] afirma que não CPC de 2015 não é um código atual, pois negligenciou deliberadamente o regramento do microssistema coletivo.

A CONVERSÃO DA AÇÃO INDIVIDUAL EM COLETIVA

A lei nº 13.105/15 quando fora encaminhada para a sanção presidencial continha dispositivo que previa a possibilidade de conversão da demanda individual em coletiva, conforme a então redação do artigo 333, in verbis:

Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ouvido o autor, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que:

I - tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos aqueles definidos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade;

II - tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, por sua natureza ou por disposição de lei, deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo.

O dispositivo, contudo, fora vetado pela Presidente da República, que acolheu a sugestão da Advocacia-Geral da União, motivando o veto da seguinte forma:

Da forma como foi redigido, o dispositivo poderia levar à conversão de ação individual em ação coletiva de maneira pouco criteriosa, inclusive em detrimento do interesse das partes. O tema exige disciplina própria para garantir a plena eficácia do instituto. Além disso, o novo Código já contempla mecanismos para tratar demandas repetitivas. No sentido do veto manifestou-se também a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB.

Sobre o acerto ou desacerto do veto presidencial, a doutrina se divide. Para ASSUMPÇÃO NEVES (2015)[8], a nova norma serviria para evitar a extinção terminativa do processo pseudoindividual por ilegitimidade ativa do indivíduo. Além disso, entende o autor que a previsão do incidente de demandas repetitivas não é motivo suficiente para justificar o veto, especialmente porque a a conversão da ação individual em coletiva teria a aptidão de evitar a extinção do processo sem resolução de mérito.

Já o professor JOSÉ ROGÉRIO TUCCI[9] entende ter sido acertado o veto presidencial. Segundo o jurista, deve ser combatida qualquer tentativa de romper o paradigma da inércia da jurisdição, a pretexto de prestigiar a duração razoável do processo. Acrescenta o autor que o artigo 333 padecia de inconstitucionalidade material, pois trazia amplos poderes discricionários ao juiz da causa, ofensivos à garantia do devido processo legal, descortinando um processo autoritário, capaz de vulnerar o direito individual do cidadão.

Ainda segundo TUCCI[10]:

O sistema processual de tutela coletiva sempre se articulou de forma autônoma e independente, jamais se imiscuiu no âmbito das ações individuais. Daí, porque totalmente inoportuna e desnecessária a ingerência que seria instituída, no âmbito do processo civil individual, no afã de obter um julgamento que pudesse abranger maior número de interessados, em flagrante afronta ao direito do cidadão, que, confiando na Constituição Federal, procurou advogado e ajuizou demanda própria, sobre a qual sempre teve ampla disponibilidade!

MAZZILLI[11] (2015), também considerou acertada a motivação do veto presidencial, em razão da maneira pouco criteriosa com que se faria a conversão da demanda individual em coletiva, inclusive em detrimento do interesse das partes.

O malfadado artigo 333 foi sugestão do renomado jurista Kazuo Watanabe e teve inspiração no direito norte-americano. Na prática, acarretaria a aglutinação de ações individuais que iriam ser transformadas em uma ação coletiva, o que restou prejudicado especialmente pela deficiência nos critérios balizadores deste procedimento.

CONTRADIÇÕES DO NOVO CPC SOBRE A TUTELA COLETIVA

Examinando a posição do CPC de 2015 sobre a tutela coletiva, é possível considera-la contraditória.

Parte da doutrina sustenta que a omissão do novo diploma sobre processo coletivo é proposital, visto que o tema já é tratado na legislação extravagante. Contudo, se as matérias que são objeto de leis especiais não iriam ser disciplinadas pela lei nº 13.105/15, por que resolveu-se disciplinar institutos próprios do sistema coletivo, sem guardar qualquer harmonia de sistema? Ademais, se o CPC de 2015 não quis disciplinar o processo coletivo – que já está presente na ordem jurídica brasileira há pelo menos três décadas – por que resolveu se aventurar na codificação do incidente de demandas repetitivas, este sim sem qualquer tradição legislativa ou jurisprudencial em solo brasileiro? É dizer: o novo sistema processual incorpora preceitos anglo-saxônicos e exclui outros de semelhante matriz, sem qualquer filtro racional.

A solução pela incorporação do incidente de demandas repetitivas e omissão sobre o regramento da tutela coletiva desconsiderou o sistema jurídico, contaminando-o com a desarmonia.

Com efeito, a ordem jurídica brasileira é desde sempre inspirada no sistema da civil law. O Novo Código de Processo Civil quebra esse paradigma ao incorporar mecanismos próprios da common law. Todavia, o faz por meio de lei. Ora, abraça-se institutos próprios do direito costumeiro anglo-saxão (common law), ao mesmo tempo em que esses são inseridos no ordenamento por meio de lei (civil law), sem qualquer correspondência com a Constituição da República. Deixa-se de regular o processo coletivo no sistema processual civil, ao mesmo tempo em que este disciplina instrumentos inerentes à tutela transindividual.

Se a preocupação do CPC de 2015 eram os valores de estabilidade, segurança e previsibilidade das decisões judiciais, a solução nunca poderia ter sido a de incorporar instrumentos estrangeiros e estranhos à tradição jurisdicional brasileira, fragmentando o sistema e dando azo à inúmeras dúvidas e contradições que gerarão insegurança jurídica. Ao que parece, ao menos em parte, o código de processo civil de 2015 fora traído por suas próprias intenções.

CONCLUSÃO

O ensaio científico objetivou analisar os reflexos da Lei nº 13.105/15 sobre o processo coletivo, podendo-se concluir que o novo diploma processual civil decepcionou ao negligenciar a regulamentação da tutela transindividual, de maneira deliberada.

Causa certa perplexidade imaginar que em pleno Século XXI se faça um Novo Código de Processo Civil sem que haja um livro, título, capítulo ou ao menos uma seção para disciplinar uma das mais importantes realidades processuais contemporâneas, que é a tutela coletiva. Esta, não recebeu nenhuma normatização, sob o pretexto da tramitação de um projeto próprio de lei especial (Lei nº 5.139/09), arquivado muito antes da Comissão responsável pelo anteprojeto do Novo Código de Processo Civil terminar seus próprios trabalhos.

É imprescindível que os conflitos coletivos recebam solução adequada e efetiva. É urgente o enfrentamento harmonioso de todas as questões processuais, de forma a integrar a tutela metaindividual no ordenamento, com o devido respeito às suas peculiaridades, sobretudo em relação aos processos individuais.

Assim sendo, um estatuto processual civil adequado à sua contemporaneidade, também deve cuidar do caminho da tutela coletiva, e, nesse ponto, a lei nº 13.105/15 teve a oportunidade de fazê-lo, mas silenciou.

REFERÊNCIAS

Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.

CONSULTOR JURÍDICO. Leia as razões dos sete vetos de Dilma Rousseff ao Novo CPC. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-17/leia-razoes-sete-vetos-dilma-rousseff-cpc. Acesso em: 13 dez 2015.

GARTH, Bryant; CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.

LORDELO, João Paulo. Manual Prático de Processo Coletivo. 2ª edição. Disponível em: https://drive.google.com/folderview?id=0B6kIGVSklOP4fllibldyVl8yYTkxUl9ENG5IQm5qUUowSzdXSW44cHhtZkhaQ3RoUjJJYjg&usp=sharing. Acesso em: 13 dez 2015.

MAZZILLI, Hugo Nigro. O processo coletivo no Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7u8G8UfKQMI. Acesso em: 13 dez 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC – Código de Processo Civil. 1ª edição. São Paulo: MÉTODO, 2015.

OAB/RS. Novo Código de Processo Civil Anotado. Porto Alegre: OAB-RS, 2015.

TEODORO, Rafael. A teoria do stare decisis no controle de constitucionalidade brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/25383/a-teoria-do-stare-decisis-no-controle-de-constitucionalidade-brasileiro. Acesso em: 13 dez 2015.

TUCCI, José Rogério Cruz. Um veto providencial ao novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-17/paradoxo-corte-veto-providencial-cpc. Acesso em: 13 dez 2015.


[1] GARTH, Bryant; CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.

[2] LORDELO, João Paulo. Manual Prático de Processo Coletivo. 2ª edição. Disponível em: https://drive.google.com/folderview?id=0B6kIGVSklOP4fllibldyVl8yYTkxUl9ENG5IQm5qUUowSzdXSW44cHhtZkhaQ3RoUjJJYjg&usp=sharing. Acesso em: 13 dez 2015.

[3] MAZZILLI, Hugo Nigro. O processo coletivo no Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7u8G8UfKQMI. Acesso em: 13 dez 2015.

[4] O capítulo aborda algumas das alterações promovidas pelo Código de Processo Civil de 2015 que trarão reflexos ao processo coletivo. Serão tratados de alguns temas específicos, sem o esgotamento de todos os institutos, em razão da brevidade deste ensaio acadêmico.

[5] O emprego da expressão denota que os precedentes firmados por um tribunal superior são vinculantes para todos os órgãos jurisdicionais inferiores dentro de uma mesma jurisdição. Teoria típica dos sistemas jurídicos que valorizam sobremaneira a força dos precedentes. TEODORO, Rafael. A teoria do stare decisis no controle de constitucionalidade brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/25383/a-teoria-do-stare-decisis-no-controle-de-constitucionalidade-brasileiro. Acesso em: 13 dez 2015.

[6] O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) permite que o Judiciário decida a tese para todos os casos iguais. Assim, processos individuais e coletivos em andamento, cujo mérito esteja coberto pela tese versada no incidente, serão obrigatoriamente suspensos.

[7] MAZZILLI, Hugo Nigro. O processo coletivo no Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7u8G8UfKQMI. Acesso em: 13 dez 2015.

[8] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC – Código de Processo Civil. 1ª edição. São Paulo: MÉTODO, 2015.

[9] TUCCI, José Rogério. Um veto providencial ao Novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-17/paradoxo-corte-veto-providencial-cpc. Acesso em: 13 dez 2015.

[10] Idem.

[11] MAZZILLI, Hugo Nigro. O processo coletivo no Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7u8G8UfKQMI. Acesso em: 13 dez 2015.

Sobre a autora
Mariela Moni Marins

Defensora Pública no Estado do Paraná

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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