Considerações sobre a fase decisória do processo civil brasileiro em face do CPC/2015.

Exibindo página 2 de 2
17/06/2016 às 19:14
Leia nesta página:

[1] As transformações na definição do conceito de sentença, mais marcantes quando comparado o CPC/1939 e o de 1973 e, por derradeiro, com a Lei 11.232/2005 que dão azo a diversos e imprescindíveis estudos, gerando posicionamentos doutrinários distintos e, por vezes até conflitantes.

Deve ser ressalvado, ainda que a Constituição de 1934 restabeleceu o sistema da unidade processual em todo o país, retomando a competência da União para legislar sobre os processos civil e penal. Caberia aos Estados a competência era apenas supletiva, ou seja, os códigos estaduais continuariam sendo aplicados até a elaboração de um código de processo civil nacional (art. 11, §2º), o que ocorreu em 1939.

A palavra sentença ao tempo do CPC de 1939 era utilizada em sentido amplo, designando quaisquer pronunciamentos da autoridade judiciária. Que era entendida como sinônimo de despacho interlocutório ou misto, como também os atos decisórios que apreciavam o meritum causae. Ao longo da vigência do CPC de 1939, a palavra sentença fora utilizada para designar decisão definitiva proferida pelo juiz de primeira instância. Assim seria o ato do juiz que pusesse fim ao litígio, manifestando-se sobre o mérito da questão (João Monteiro, Pedro Baptista Martins, Pontes de Miranda e José Frederico Marques).

[2] Houve um tempo em que manteve o juiz preso à lei era sinônimo de segurança jurídica. E, assim apregoou Montesquieu a segurança baseada na estrita aplicação da lei, quando afirmou que, “se os julgamentos fosse uma opinião particular do juiz viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos”. A ideologia da liberdade política era entendida como segurança ideal do indivíduo que se realiza através da certeza do direito.

[3] Para Barbosa Moreira, a unificação dos processos cognitivo e executivo, bem assim a iniciativa da execução partindo do mesmo órgão judicial que proferiu o julgamento, também não teve o poder de extinguir a sentença condenatória.

[4] O procedimento, além de oferecer a oportunidade adequada para a participação das partes e a possibilidade de controle da atuação do juiz, deve viabilizar a proteção do direito material. Infelizmente, a tutela jurisdicional pode, ou não prestar a tutela do direito. Ocorre a tutela do direito quando a sentença e a decisão interlocutória reconhecem o direito material. As sentenças condenatórias e mandamentais são técnicas que permitem a prestação da tutela jurisdicional de direitos. A adequada tutela não depende apenas da sentença pois nem sempre há o efeito pleno no plano do direito material. No fundo, as sentenças refletem o modo ou a técnica pelo qual o direito processual vem a tutelar os diversos conflitos concretos.

[5] Pontes de Miranda também consignou: “Sentenças, no Código de Processo Civil, são as decisões de entrega da prestação jurisdicional, como a que condena ou absolve o réu, ou a que anula todo o processo, ou a que decreta a absolvição da instância, ou a que homologa a transação ou a desistência. A prestação jurisdicional prometida, objeto da relação processual, se a sentença julga o mérito, ou foi precipitada por ato do autor ou de ambas as partes, homologado pelo juiz, é sempre sentença “. (In: MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. V.II p.323)

[6] José Frederico Marques apregoou: “ Na verdade, a sentença, como instante jurisdicional básico da relação processual de cognição, é o ato de composição da lide em que o preceito normativo abstrato, imposto pela ordem jurídica, se transforma em preceito específico”. Portanto, o conceito de sentença visto como decisão final da causa, atrelava-se à função do Judiciário o de estabelecer de forma definitiva e permanente o reequilíbrio das relações de direito levadas ao seu conhecimento. Admitia-se, portanto, a função política da sentença. Corroborou com tal entendimento Pontes de Miranda, in litteris: “A sentença é o objeto de prestação prometida pelo Estado. Sentenciar é executar essa prestação. Qual seja a natureza da sentença, isso é outra questão: como, se prometêssemos vinte cruzeiros e os prestássemos, conceitos diferentes seriam ‘prestar’ e ‘vinte cruzeiros’.

A sentença supõe exame, argumentação e conclusão pelo próprio Estado a respeito do caso posto em lide. Tal como o parecer que se pede ao jurisconsulto, a consulta médica, o laudo do engenheiro, mais a fixação estatal (o ‘sê-lo da autoridade do Estado’, preferia MENESTRINA, La Pregiudiciale, 34). Essa fixação não é imposição, porque existem resoluções judiciais sem força de coisa julgada formal e material. O papel da vontade é semelhante ao que há em toda execução voluntária de dever. ”

[7] É preciso lembrar que a sentença não é o único ato processual decisório do juiz, posto que existam outros. Como por exemplo, o ato decisório dos juízos coletivos ou colegiados, utiliza-se o termo acórdão, enquanto que o termo aresto designa a decisão final insuscetível de recurso ordinário.

A partir das inovações trazidas pela Lei 11.232/2005, com o sincretismo processual, consolidando o processo de conhecimento e execução, após mais de quarenta e dois anos de dualidade de processos, houve os doutrinadores que se mostraram desfavoráveis aos credores que sofriam com a dificuldade de concretizar os direitos exarados por sentença. Quando a velha máxima ganhou fama: "ganhou, mas não levou".

A dualidade do fenômeno jurisdicional deveu-se à necessidade de se justificar a autonomia de instrumentos executórios. Pois a construção doutrinária de um processo de conhecimento desprovido de qualquer traço de executoriedade visava a justificar plenamente a autonomia do processo de execução e legitimar a execução fundada em título extrajudicial. Sem exagero, mas se não conhecêssemos a idoneidade de Alfredo Buzaid afirmaríamos que quem elaborou o processo de execução, no Brasil, parece ter sido feito por um contumaz devedor.

[8] O conceito de sentença introduzido pela Lei 11.232/2005 fora classificado como enumerativo por Leonardo Greco, afirmando que o Código abandonara o conceito topográfico de 1973, assim surgiu um novo e mais amplo conceito e abarca as sentenças desvinculadas da anterior nota características comum (que era pôr fim ao processo). A problemática recursal, por um lado, para parte da doutrina, parece ter sido resolvida pelo novo conceito, pois, conforme visto, a conceituação original compreendia situações nas quais se proferia verdadeiramente sentenças, mas, por não finalizar a lide principal, não poderia ser considerada propriamente sentença, nem dela se interpor apelação.

[9] No direito marítimo, avaria grossa significa todos os danos ou despesas extraordinárias decorrentes de um ato intencional, efetuado para a segurança do navio e suas cargas, em uma situação de perigo real e iminente, com o intuito de evitar um mal maior a expedição marítima. Sendo reconhecida a avaria grossa pelas autoridades competentes, todas as despesas geradas com o salvamento do navio e cargas serão rateadas proporcionalmente entre os proprietários das cargas embarcadas. Matéria extremamente relevante para o Direito Civil e para o Direito Marítimo, a avaria grossa foi inserida no rol dos procedimentos especiais do novo Código de Processo Civil, Lei Federal nº 13.105/2015, sendo disciplinada nos seus aspectos formais nos artigos 707 a 711.

Todavia, revestiu-se de maior formalidade com a previsão instrumental nos referidos artigos. As inovações foram poucas, porém consideráveis. O tema avaria grossa é um dos maios polêmicos do Direito Marítimo e, portanto, de especial interesse dos seus atores: armadores, fretadores, afretadores, transportadores, consignatários, embarcadores e seguradores de cargas.

Isso porque, o reconhecimento ou não da validade e da eficácia da avaria grossa implica desdobramentos importantes nos cenários jurídico e econômico de um dado caso concreto. Basicamente, pode-se dizer que a declaração de avaria grossa, efetivamente reconhecida, válida e eficaz, amortizará os deveres do transportador marítimo num sinistro.

[10] Convém trazer a ressalva da existência da expressão "sentença interlocutória" que fora sempre entendida, segundo alguns, como uma contradição em seus termos. Porque a interlocução é o que antecede a sentença. A sentença tem como finalidade o resultado final, ao passo que a decisão interlocutória visa preparar para a solução final.

A própria origem do adjetivo interlocutório advém do latim inter locutus que quer dizer, literalmente, pronunciado no meio. Assim, tem-se em mente que a decisão seria aquela proferida no meio do processo, após o pedido inicial, mas antes da sentença, o que se contrapõe.

Apesar disto, a expressão fora utilizada pelo direito germânico e difundida nos direitos intermediários e no direito canônico e fartamente usada no CPC de 1939. In lato sensu, a sentença interlocutória era concebida como ato do juiz que não decidindo a lide, ordenava o processo ou ainda decidia um incidente. Tais atos se classificavam em simples ou mistos.

Poderia haver uma sentença interlocutória simples sem cunho decisório sendo meramente ordinatório.

E, havendo a sentença interlocutória mista que de alguma forma, envolvia a demanda, decorrendo sua força de decisão definitiva. Exemplificando, era o ato do juiz, no curso da lide, que excluía um dos réus do processo, dando seguindo ao feito com relação aos demais. Para o réu que fora excluído da lide, proferiu-se uma sentença terminativa, enquanto para os demais se poderia ter apenas um despacho interlocutório simples, ou a chamada sentença interlocutória mista, conferida pelo CPC/1939.

[11] A sentença terminativa é a que põe fim ao processo sem, entretanto, resolver a lide, ou seja, não aprecia o pedido do autor. Há defeitos no ajuizamento que impedem o regular processamento e, consequentemente, o provimento final. Os defeitos podem ser decorrentes da falta de condições da ação ou carência de ação, ou da falta de pressupostos processuais, ou ainda, por haver impedimentos processuais.

Há uma sutil diferença entre as expressões sem a resolução do mérito, e sem julgamento do mérito. Pois com este há uma resposta que pode ser positiva ou negativa ao pedido do autor, ou seja, sem outorgar-lhe a tutela jurisdicional, que se revelou inadmissível diante as circunstâncias do caso concreto. Resolução é tecnicamente o meio de dissolução do processo em caso de impossibilidade culposa ou fortuita.

Na opinião de Humberto Theodoro Júnior, lide e mérito da causa são sinônimos no CPC/1973. O pedido do autor, manifestado na propositura da ação, revela processualmente qual a lide que se pretende compor através da tutela jurisdicional (...). O reconhecimento do pedido refere-se diretamente ao próprio direito material sobre o qual se funda a pretensão do autor.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No CPC/2015 o vocábulo "lide" ora significa processo e ora significa mérito da causa. Lide é, na lição de Carnelutti, o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes, e nega-a à outra parte, constitui uma sentença definitiva de mérito. Portanto, a lide é o objeto principal do processo e nesta se exprime as aspirações dos litigantes.

[12] Nesse sentido ensina Kazuo Watanabe: O juízo preliminar de admissibilidade do exame do mérito se faz mediante o simples confronto entre a afirmativa feita na inicial pelo autor, considerada in status assertionis, e as condições da ação, que são o interesse de agir e a legitimidade para agir.

A propósito, Dinamarco critica a teoria da asserção afirmando que não é suficiente que o demandante descreve formalmente a situação onde estejam presentes as condições da ação. É indispensável que de fato estas existam. E, ainda assevera que somente os operadores de direito despreparados iriam incorrer em carência de ação. O CPC /2015, ao priorizar o julgamento de mérito, de nossa parte, consagra a teoria da asserção na aferição das condições da ação.

[13] Os direitos personalíssimos tratam de aspectos inerentes à dignidade da pessoa humana conforme o texto constitucional vigente, porém são disciplinados pelo Código Civil de 2002, onde em seu artigo 11, prevê que são intransmissíveis e irrenunciáveis, salvo previsão legal, inclusive a própria ação do seu titular.

[14] É relevante, ainda, frisar um detalhe de ordem técnica. Em algumas classificações apresentadas pela doutrina, aparece a irregularidade, como espécie de vício do ato processual, ao lado de algumas espécies de nulidade. Tal entendimento é incorreto. Não se pode colocar numa classificação, antes porque possuem de naturezas distintas. Não se pode, em uma classificação de fatos (os defeitos), incluir as suas consequências. A irregularidade é defeito, ao passo que a nulidade é a sanção e a consequência é o defeito.

Há defeitos processuais que apesar de gerarem invalidade não podem ser decretados de ofício. Apesar de raros, nesse caso, visa resguardar-se o interesse particular. Em geral, há previsão legal nesse sentido. A invalidade, nestes casos, deverá ser requerida pela parte prejudicada e, o silêncio no primeiro momento que lhe couber manifestar-se nos autos a respeito, acarretará a preclusão, ou por um terceiro, como é o caso da invalidade de ato de cônjuge praticado sem consentimento do outro. Um exemplo é a falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária, tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminadas a sociedade conjugal.

[15] Enquanto que no common law nunca houve dúvidas que os juízes interpretam a lei e, por essa razão, proferem decisões diferentes e, enxergam na força vinculante dos precedentes o instrumento capaz de garantir a segurança e a previsibilidade que são necessárias para o desenvolvimento e prosperidade da sociedade humana.

[16] Boa parcela da doutrina pátria reconhece existir as sentenças impuras ou impróprias, o que para Dinamarco corresponde as chamadas falsas sentenças de mérito.

[17] O silogismo lógico deve ser expresso na fundamentação da sentença. Conforme observou Calamandrei, quem se limita a afirmar que a operação mental da qual nasce a sentença é um silogismo em que a premissa maior é formada pela norma de lei, não percebe inteiramente as operações que se desenvolvem na mente do juiz.

Desta forma a fundamentação deve conter o suporte do entendimento judicial na solução que oferece ao caso concreto, corresponde ao corolário do princípio da transparência e da publicidade dos atos processuais, como também ao direito das partes de conhecer as razões que formaram o convencimento do julgador. Na fundamentação da sentença, o juiz considera os fatos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão e reduzidos por escrito e os que o tribunal coletivo considerou como provados, fazendo exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.

A motivação no direito processual brasileiro deita raízes nas Ordenações Filipinas onde havia severa punição ao juiz que a transgredisse.

No direito francês, a fundamentação das sentenças tinha origem constitucional, além de expressa previsão no CPC. E, a sentença sem fundamentação naquele país era considerada nula. A fundamentação da sentença tinha ainda o caráter de permitir às partes a aferição sobre a realização da justiça. Caso entendessem que seus direitos não haviam sido resguardados como deveriam, poderão recorrer da decisão e exigir a adequação de seu direito à norma que entendesse regê-lo.

[18] Chiovenda escreveu: Há entre o pedido e a sentença uma tão íntima relação de grande correspondência, que julgou acertado defini-la como o provimento do juiz que, acolhendo ou repelindo o pedido do autor, afirma a existência ou inexistência de uma vontade concreta da lei que lhe garanta um bem ou, respectivamente, a inexistência ou a existência de uma vontade lei que assegure um bem ao réu.

O dispositivo é a parte mais importante do julgamento, uma vez que somente ele tem a autoridade da coisa julgada, contendo a solução do litígio e, ao mesmo tempo, todas as disposições acessórias da condenação e das perdas e danos e as despesas. Naturalmente, deve responder a todos os pedidos da demanda, não podendo ir além daquilo que foi pedido. A contradição entre os motivos e o dispositivo dá lugar ao poder de cassação.

[19] Dispositivo direto é o que esclarece de forma certa e determinada, qual a cominação ou decisão do juiz naquela hipótese. O juiz expressa qual o ter exato de sua decisão. Já o dispositivo indireto é aquele em que o julgador realiza referência ao local onde fora realizado o pedido, onde normalmente se reporta à peça inicial. É onde o juiz afirma: “Julgo procedente o pedido do autor, condenando o réu conforme os termos da inicial. ”. Não se afirma diretamente o teor da condenação imposta ao réu.

[20] Pode-se enumerar as proibições de prolação de sentença ilíquida, a saber: o art. 38 da Lei 9.099/95, art. 1º da Lei 10.259/2001 e o art. 475-A, §3º do CPC/1973 ou art. 509 do CPC/2015).

[21] Princípio da instrumentalidade das formas – Este princípio, geralmente aplicável aos atos processuais em geral, não tem aplicação para a sentença. É que ele preceitua que os atos e termos processuais não dependem de forma predeterminada, salvo quando a lei o exigir. Como a sentença tem forma legalmente estabelecida, esta deve ser seguida, sob pena de nulidade. É que as partes da sentença – relatório, fundamentação e dispositivo – são requisitos essenciais que devem estar presentes em toda sentença.

[22] A respeito dos sistemas possíveis para a regulamentação da forma dos atos processuais, Vicente Greco Filho ensina que são três os sistemas, quais sejam: 1. Sistema da liberdade absoluta das formas; 2. Sistema da soberania do juiz e 3. O sistema da legalidade das formas. Há a orientação predominante que é adotado pelo sistema processual brasileiro que é o da legalidade das formas, no qual o encadeamento de atos do processo e sua forma estão especificados em lei, posto que a atividade jurisdicional é estatal e não pode ser exercida de modo arbitrário. É verdade que o rigor do princípio da legalidade das formas fora atenuado, admitindo-se que os atos fossem exercidos de modo distinto do estabelecido em lei, desde que atinjam sua finalidade essencial.

Para Dinamarco, no CPC/1973 vigeu o equilíbrio entre a liberdade e a legalidade das formas. Também o CPC/2015 permaneceu desta forma, principalmente em razão da primazia do julgamento do mérito.

[23] O princípio da instrumentalidade das formas, que assegura válida a prática de determinado ato, ainda que exercido de modo diverso do definido em lei, desde que esteja preservada sua finalidade essencial.  Apropriado destacar também o princípio do formalismo que, para Moacyr Amaral Santos, vige no processo mais do que em qualquer outro ramo do Direito.

[24] O tratamento oferecido pelo CPC de 1939 para as sentenças terminativas e as definitivas era tão diferenciado que para as decisões terminativas o recurso cabível era o agravo de petição, enquanto que para as definitivas cabia a apelação. Já, o CPC de 1973 em sua redação original, já não se importa se a decisão era definitiva ou terminativa, posto que o recurso cabível seria indistintamente, o de apelação. Analisando a classificação dada pelo CPC de 1973, pode-se cogitar das sentenças terminativas e das definitivas e da diferença da coisa julgada numa e noutra.

[25] Cumpre, ainda, comentar o objetivo do legislador com a mudança da palavra “julgamento” pelo termo “resolução”, nos retrocitados arts. 267 e 269 do CPC/1973. Alexandre Freitas Câmara há muito defende que a expressão mais adequada ao art. 269 seria “resolução” e não “julgamento”, por ser mais abrangente.  É que “resolução” abrange atos de julgar e atos de homologar, tal como se passa nas hipóteses do art. 269. E a troca no art. 269 decerto impulsionou a mudança também no art. 267 do CPC/1973.

[26] É caso de sentença inexistente aquela que não contenha a assinatura do juiz, que esteja sem dispositivo ou a que condena a um resultado jurídico ou materialmente impossível.  A sentença ineficaz é aquela que existe, porém, não produz seus efeitos. É o caso da sentença proferida com a falta de um dos litisconsortes necessários.

[27] Quanto ao momento de eficácia da sentença de interdição, por exemplo, temos uma exceção, pois seus efeitos se produzem imediatamente, sem aguardar o necessário trânsito em julgado. E, ainda, retroagem até o momento em que ocorreram os fatos que ensejaram a interdição.

[28] A nulidade da sentença surgiu no direito romano como consequência de alguns vícios da atividade processual. Originariamente o conteúdo da decisão que resolvia a controvérsia submetida a seu juízo, não tinha nenhuma repercussão sobre a validade do julgado, ou seja, a existência jurídica desses vícios era totalmente independente da justiça ou não contida na decisão.

Apesar de que a validade da sentença era considerada também em razão da justiça de seu conteúdo, passando-se a negar a existência jurídica de uma pronunciação viciada por alguns erros de juízo que eram considerados como graves. E, esclareceu Calamandrei: “Tal extensão do conceito de nulidade acontece (...) por razões políticas, da mesma forma que por razões políticas nasce o instituto da apelação e, com isso, o conceito de impugnabilidade do julgado”.

[29] A ausência de clareza e de precisão poderia ensejar a propositura de embargos de declaração ou a reforma da sentença por meio de apelação. A ausência de clareza e de precisão, portanto, eram vícios passíveis de serem encontrados na sentença, porém sanáveis. Também o eram os erros materiais decorrentes de lapso manifesto, ou os erros de escrita ou de cálculo existentes na sentença. Mas estes poderiam ser corrigidos por despacho ex officio ou a requerimento de qualquer das partes.

[30] Fredie Didier Jr assevera que não se pode confundir o defeito com a sanção. Pois a invalidação é sanção e não o defeito que lhe dá causa. A coação é o defeito enquanto que a anulação é a sanção. A incapacidade é o vício, e a nulificação corresponde a sanção. Também não se pode misturar o ato defeituoso com o ato inválido. Pois o defeituoso decorre de reconhecimento do defeito pelo magistrado, com a consequente destruição do ato. E, ademais, nem todo ato defeituoso é inválido, dependerá do vício. Por outro lado, todo ato inválido é de fato sempre defeituoso. O defeito pode estabelecer uma irregularidade, ilegalidade ou inconstitucionalidade.

[31] Devolvida a cognição da controvérsia ao tribunal ad quem, a causa poderá ser julgada pelo mérito em 2º Grau. Bastará, para tanto, que o thema decidendum, necessariamente debatido sobre o crivo do contraditório, seja considerado exclusivamente de direito (quaestio iuris) e que — na dicção do texto legal — “esteja em condições de imediato julgamento”, isto é, não exija a produção de qualquer outra prova. No entanto, caso não tenha sido conferida oportunidade para o réu se manifestar sobre a questão de fundo, dúvida inexiste de que o julgamento do mérito, pelo tribunal, vulnera a garantia do due process of law.

[32] Afinal quando a sentença finalmente se torna pública? São duas as ocasiões em que pode ser proferida: a) quando a sentença é proferida em audiência; b) quando a sentença é proferida no gabinete (é o que afirma a doutrina clássica) que afirma que é publicada quando for entregue ao escrivão do cartório, ou seja, quando não está mais com o juiz.  Já para a segunda corrente doutrinária, a sentença é considerada publicada quando juntada aos autos. É o que defende Alexandre Freitas Câmara.

É fundamental distinguir a publicação da intimação. Pois aquilo que é conhecido por ser publicação em Diário Oficial, em verdade, não é tecnicamente publicação, e, sim a intimação cuja função é a de comunicar às partes e marcando o início do prazo recursal. Em verdade, a publicação da sentença ocorre em momento anterior quando foi entregue ao escrivão ou juntada aos autos.

[33] Ovídio Araújo Baptista da Silva, citando Enrico Tulio Liebman, concordou com o raciocínio desenvolvido pelo doutrinador italiano, de que a coisa julgada não é propriamente um efeito da sentença, mas uma qualidade posterior que ao efeito se ajunta, para torná-lo imutável. E, neste pontou aderiu aos ensinamentos de Barbosa Moreira apenas no raciocínio de que a imutabilidade atingia apenas a situação jurídica concreta sobre a qual versou o pronunciamento judicial.

Aliás, Barbosa Moreira se opunha à doutrina tradicional, com a qual concordava Ovídio Baptista pois para ele, porém, esse raciocínio a imutabilidade atingia apensa a situação jurídica concreta sobre a qual versava o pronunciamento judicial, ratificava a doutrina tradicional, ao invés de invalidá-la. Assim defendia que a imutabilidade atingia apenas aquilo que foi declarado pela sentença, isto é, a eficácia declaratória da sentença. Os efeitos constitutivos, executivos ou condenatórios seriam mutáveis.

[34] Não é sinônimo de tutela inibitória, já que tal modalidade de sentença também pode permitir, por exemplo, a tutela do adimplemento específico da obrigação e a tutela ressarcitória na forma específica, quando o dano pode ser reparado, novamente, por exemplo, mediante um fazer. A sentença e os meios de execução, portanto, são apenas técnicas para uma adequada prestação jurisdicional. A noção de sentenças autossuficientes está vinculada à sentença satisfativa e refere-se àquela sentença que por si só, satisfaz o jurisdicionado, sem precisar interferir na esfera jurídica do réu ou mesmo modificar de maneira forçada a realidade dos fatos.

[35] As sentenças mandamentais, conforme elucida Ovídio Baptista, eram aquelas originadas da própria estatalidade da função jurisdicional, nas quais o magistrado emitia uma ordem para que se fizesse ou se deixasse de fazer alguma coisa.  Nessas ações inexistia a substituição da vontade privada no comando emitido pelo juiz.  A diferença entre as sentenças executivas e as mandamentais era necessária para a exata compreensão do que era a coisa julgada.  A sentença mandamental continha um comando tipicamente jurisdicional e, por isso, não produzia coisa julgada material.  Já a sentença executória, por constituir intromissão estatal na vontade privada ante a omissão do obrigado, fazia coisa julgada material.

[36] A sentença mandamental continha um comando tipicamente jurisdicional e, por isso, não produzia coisa julgada material. Já a sentença executória, por constituir intromissão estatal na vontade privada ante a omissão do obrigado, fazia coisa julgada material. Para restar clara a distinção efetivada pelo doutrinador, a consequência de descumprimento de sentença mandamental era, por exemplo, a responsabilização criminal por desobediência, ao passo que o descumprimento de sentença condenatória (na qual se operava a execução forçada) era a indenização por perdas e danos.

[37] A sentença deve ser certa, ainda que esteja em discussão relação jurídica condicional. Contrariamente à doutrina de Carnelutti, para quem a sentença condicional deixa de promover o acertamento do direito, o CPC de 1973 admite a sentença condicional, também chamada de sentença com reserva conforme o seu art. 572.

Relevante, ressaltar quanto às sentenças condicionais, que embora decidirem o ato jurídico em causa subordinando-o à condição, ainda assim, a sentença deverá certa no que se refere à relação jurídica cuja manifestação requer, como também quanto à própria condição. Já o CPC de 1939 era omisso quanto à possibilidade de existência de sentenças condicionais.

[38] Existem sérias discussões doutrinárias pela questão conceitual de usar de forma útil e coerente, quanto ao que se pode entender sobre os capítulos da sentença. Pode-se afirmar que os capítulos tendem a isolar os vários componentes estruturais formais necessários que estão presentes numa sentença válida, a saber: relatório, motivação e dispositivo.

Segundo Dinamarco é pertinente repartir os doutrinadores entre os que desenvolvem a teoria dos capítulos de sentença somente em relação aos componentes do decisório, chegando Chiovenda ao ponto de limitar esses cortes verticais ao âmbito das decisões sobre as diversas partes do objeto do processo (pedidos cumulados, reconvenção e, etc.), excluídas, portanto, as conclusões referentes às preliminares.  In: DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de Sentença. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, 136 p.

Para os que ampliam o discurso, mas sempre se limitando ao decisório, para incluir também os preceitos emitidos sobre os pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito (Liebman) e os que ficam somente no exame das questões (Carnelutti), e os que consideram os elementos do decisório e também a motivação (Andrioli e Allorio).

A partir do conceito de capítulos de sentença trazido por Liebman houve ampliação deste, incluindo as decisões sobre o processo. Dinamarco é o único doutrinador que aborda a tese dos capítulos da sentença desvinculada da teoria dos recursos, o qual veio a produzir uma obra específica sobre o tema. Aponta a estrutura bifronte das demandas que são julgadas no processo de conhecimento, afirmando existir dois momentos lógicos distintos presentes na unidade formal de toda a sentença de mérito, que são: o reconhecimento do direito do demandante ao provimento jurisdicional; e o da afirmação ou negação do seu direito ao bem da vida, com eventual acréscimo de determinações conducentes à sua efetiva obtenção (condenação, mandamento, constituição ou desconstituição de relação jurídica).

[39] Note-se que a redação do §1º do art. 1.013 do CPC/2015 alude explicitamente aos capítulos impugnados, o que é clara decorrência da teoria dos capítulos da sentença, utilizados na sistemática recursal do código como parâmetro limitador da extensão do efeito devolutivo do recurso de apelação.   Finalmente, a teoria dos capítulos da sentença aparece de modo implícito nas regras de liquidação de sentença, prescritas no art. 509 do CPC/2015.

Sublinhe-se que o § 1º do art. 509 do CPC autoriza a execução da parte líquida da sentença concomitantemente à liquidação, em autos apartados, da parte ilíquida. Essas “partes” a que se reporta o texto legal devem, em verdade, ser lidas como as “partes dispositivas” do provimento jurisdicional. Portanto, a norma do art. 509, § 1º, só é inteligível se se admitir que o CPC/2015 trabalha em sua sistemática de liquidação a partir da teoria que permite capitular o dispositivo de uma decisão judicial.

[40] Mensurar o impacto poderoso do constitucionalismo no civil law corresponde a observar atentamente os efeitos da vontade homogênea do parlamento que fora típica da Revolução Francesa, porém não sobreviveu a evolução histórica. Enfim se confirma que as leis especiais ocupam o centro da experiência contemporânea. O que acarretou um redimensionamento da teoria das fontes bem como a redefinição da reação entre a Constituição Federal e os Códigos e demais leis especiais.

[41] Também será possível haver o protesto do título executivo judicial que expressar obrigação, inclusive a prestação de alimentos, seja determinada por sentença ou por decisão interlocutória. Conforme o art. 528, §7º do CPC/2015.

[42] A formalização da hipoteca judiciária é, pois, uma faculdade da parte que obtém a sentença condenatória ao seu favor, condenando o réu a obrigação de prestar quantia ou coisa, formalizando primeiramente a garantia para eventual inadimplemento quando do vencimento da obrigação. Mas, em verdade se trata de um efeito da sentença apesar de lapidado com viés secundário ou meramente anexo. A hipoteca judiciária se revela como direito de natureza bifronte pois diante de suas peculiaridades e características mistas, onde há cargas tanto de direito material como de direito processual.

[43] Diferente da penhora, onde a execução ocorre por dívida vencida e o devedor nomeia os bens, com ordem de preferência, a hipoteca é benefício legal em favor do vencedor em ação condenatória, servindo de garantia ao adimplemento da obrigação. A hipoteca independe de pedido do credor, deve ter sua inscrição determinada pelo juiz, por mero despacho, com registro junto à matrícula de bem imóvel do devedor. Não exige, sequer, qualquer procedimento, inclusive o da especialização, reservado apenas à hipoteca legal.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos