RESUMO
O presente estudo apresenta como escopo a apreciação da obrigação alimentar que nasce no momento da concepção do nascituro no ventre materno, instante este em que floresce o milagre da vida, o qual, por ser um fato jurídico, produz reflexos no ordenamento jurídico pátrio, fazendo nascer a obrigação do futuro genitor em prestar auxílio à gestante. Nesse sentido, em 05 de novembro de 2008, foi promulgada a Lei 11.804, a qual disciplina o direito aos chamados “alimentos gravídicos”, os quais possuem a finalidade de atender as despesas adicionais ocorridas na gravidez e que sejam delas decorrentes, da concepção ao parto, como alimentação especial da gestante, assistência médica, exames, parto, medicamentos, além de outras que o juiz considere necessárias no caso concreto. Imprescindível se faz elucidar que, para o direito, quem ainda nem nasceu, ou melhor, quem ainda está no ventre materno, já é titular de direitos, fruto da Teoria Concepcionista adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual o dever de fornecer alimentos ao filho se inicia antes mesmo de seu nascimento. No entanto, por mais que no passado não houvesse dúvidas de que a obrigação alimentar dos genitores surgisse desde a concepção, a ausência de dispositivo legal expresso nesse sentido acabava por dificultar a concessão desses alimentos ao nascituro, ante a recusa de alguns juízes em conceder direitos não explicitamente consagrados, o que acabava por presentear o genitor ausente e irresponsável com relação ao filho concebido. Assim, à luz da função social do direito, e considerando a fragilidade e vulnerabilidade vividas pela gestante durante o período gestacional, consagrou-se os subsídios gestacionais, priorizando a dignidade humana e, sobretudo, a vida, daquele que ainda nem nasceu, o nascituro.
Palavras-chave: Alimentos, Nascituro, Personalidade Jurídica, Teoria Concepcionista, Paternidade Responsável.
INTRODUÇÃO
A expressão “alimentos gravídicos” versa sobre a extensão dos direitos do nascituro, em virtude do advento da Lei 11.804, de 05 de novembro de 2008, que inovou o ordenamento jurídico pátrio ao consagrar expressamente o direito aos alimentos do nascituro e a forma como será exercido.
Impende consignar que a expressão "gravídico" não se afigura como o termo mais apropriado para a realidade do benefício que se pretende alcançar. Talvez "alimentos do nascituro" fosse a definição mais correta para a finalidade da lei, tendo em vista que o Código Civil resguarda com o aludido instituto, desde a concepção, os direitos do nascituro e não da gestante.
E não é novidade o nascituro configurar como protagonista da tutela estatal. A Declaração Dos Direitos da Criança (1959), promulgada pela Assembleia Geral da ONU preconiza que a criança, em razão de sua imaturidade física e mental, necessita de proteção legal apropriada, tanto antes como depois do nascimento.
Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) institui, ainda, o direito de proteção à vida e à saúde do nascituro, proporcionando-lhe um nascimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Portanto, impende consignar a grande evolução ocorrida em relação à proteção desses indefesos seres humanos que, com a Lei de Alimentos Gravídicos, estarão protegidos desde a sua concepção, asseguradas as penalidades ao genitor que não cumprircom seu dever legal de amparar a gestante durante a gravidez.
É evidente que a nova lei simplifica o acesso do direito a alimentos conferidos à mulher gestante, não casada e que também não viva em união estável, desde a concepção até o parto, rompendo com um passado que presenteava a irresponsabilidade paternal. Afinal de contas, a omissão do legislador produzia fartas dificuldades para a concessão de alimentos ao nascituro, uma vez que a Lei de Alimentos (Lei 5.478/68), em seu art. 2º, exige a prova do parentesco ou da obrigação, e a nova Lei de Alimentos Gravídicos exige apenas a existência de indícios da paternidade para a concessão dos alimentos.
Considerando que este é o início de uma grande e necessária evolução do nosso ordenamento jurídico, faz-se imprescindível elucidar no bojo do presente estudose o direito à personalidade civil da pessoa natural realmente se inicia a partir do nascimento com vida, de acordo com o artigo 2º do Código Civil de 2002, pois uma vez que o nascituro é concebidono ventre materno, o ordenamento jurídico, de pronto, já lhe concede direitos e garantias como se adulto fosse, podendo, por exemplo, receber doações e atuar no polo ativo de uma demanda judicial, através de sua genitora, como na Ação de Alimentos Gravídicos. Portanto, através do presente estudo almeja-se identificar e delimitar os direitos do nascituro.
Outrossim, é fundamental apontar o principal pecado cometido pela lei em estudo, pois em que pese agasalhe o princípio da proteção integral, a Lei de Alimentos Gravídicos acaba assumindo uma postura um tanto protetiva ao réu, presenteando a irresponsabilidade paterna.
Apreciar os principais aspectos dessa nova lei, sedimentando sua aplicabilidade, denunciando seus equívocos e suas imprecisões, bem como elucidando seu caráter processual de urgência, dispensando certos ritos, são de suma importância para que se possa conceber uma sociedade mais justa, resguardando os direitos de quem mais apresenta vulnerabilidade e fragilidade: aqueles que nem nasceram ainda.
Desta feita, o presente estudo se atém ao estudo do direitoa alimentos do nascituro, sob o viés do Novo Código Civil Brasileiro, buscando-se apresentar o tema perfazendo um laço entre a doutrina e a jurisprudência mais recentes, sempre considerando que os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção integral e da paternidade responsável devem estar presentes em todo e qualquer debate sobre direito a alimentos gravídicos.
1. Do primordial direito a alimentos
1.1 Conceito de alimentos
Pode-se dizer que alimentos é um tema exaustivamente discutido e talvez por isso o ordenamento jurídico tenha avançado tanto ao longo dos tempos nessa seara, exemplo disso é que em muito boa hora foi promulgada a Lei de Alimentos Gravídicos rompendo com um passado que negava o direito a alimentos ao nascituro pelo silêncio do legislador que não lhe assegurava expressamente tal direito.
Primeiramente, imprescindível se faz colacionar a lição de Maria Berenice Dias (2013, p. 531), para quem, “o primeiro direito fundamental do ser humano é o de sobreviver”, o qual somente pode ser preservado com a satisfação das necessidades básicas que ocorre por meio da prestação de alimentos, e continua,
E este, com certeza, é o maior compromisso do Estado: garantir a vida. Todos têm direito de viver, e viver com dignidade. Surge, desse modo, o direito a alimentos, como princípio da preservação da dignidade humana (CF, 1º, III). Por isso os alimentos têm natureza de direito de personalidade, pois asseguram a inviolabilidade do direito à vida, à integridade física. Inclusive, foram inseridos entre os direitos sociais (CF 6º.).
Esposando o mesmo entendimento, nas palavras de Maria Helena Diniz (2008, p.575), os alimentos possuem como fundamento a preservação da dignidade da pessoa humana, senão vejamos.
O fundamento desta obrigação de prestar alimentos é o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o da solidariedade social e familiar (CF, art. 3º), pois vem a ser um dever personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão de parentesco, vínculo conjugal ou convivencial que o liga ao alimentando [...]
Por sua vez, para Sílvio Rodrigues(2006, p. 386), o conceito de alimentos pode ser definido como:
Alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução.
Após uma breve apreciação dos conceitos acima elaborados, imperioso se faz debruçar sobre o texto legal, em que o artigo 1.695 do Código Civil preceitua que: "São devidos alimentos quando quem os pretende suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento".
No que se refere à abrangência das despesas cobertas pelos alimentos gravídicos tal celeuma encontra previsão noart. 2º da Lei 11.804/08, o qual enumera as despesas que precisam ser atendidas da concepção ao parto, dentre as quais se inserem, exemplificativamente, alimentação especial, assistência médica e psicológica à gestante, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensável a juízo do médico.
Por sua vez, Maria Berenice Dias (2013, p. 560) bem lembra que “o rol não é exaustivo, pois o juiz pode considerar outras despesas pertinentes”. Imprescindível é ponderar que “são despesas com a gravidez e não correspondem a todas as despesas da gestante”, pois por mais que haja amparo à gestante, o fundamento da concessão dos alimentos gravídicos é a primordial proteção do nascituro que se encontra no ventre materno.
O fato é que todo ser humano, desde sua concepção no ventre materno, necessita de amparo e de cuidados, os quais são imprescindíveis à sua sobrevivência, realçando-se a necessidade de alimentos, os quais, no caso dos nascituros, recebem o nome de “alimentos gravídicos”.
1.2 Natureza jurídica dos alimentos
Em relação à natureza jurídica dos alimentos, essa modalidade é considerada sui generis, portanto existe uma considerável divergência doutrinária que se divide em três compreensões.
A primeira delas aduz que os alimentos têm natureza jurídica de direito pessoal extrapatrimonial, ou seja, sem interesse do alimentando com relação à prestação econômica dos alimentos, uma vez que esta verba não objetiva a ampliação de seu acervo patrimonial, mas tão somente suprir seu direito à vida, que é personalíssimo.
A segunda compreensão é a de que os alimentos possuem sim natureza patrimonial, uma vez que a prestação é feita pecuniariamente ou em espécie, em que o caráter econômico não resta afastado.
Já a terceira delas possui um caráter apaziguador, em que compreende ter os alimentos natureza jurídica de conteúdo patrimonial com finalidade pessoal, ou seja, uma fusão dos entendimentos anteriores e também a mais aceita no universo jurídico.
No entanto, em que pese essa terceira corrente seja a mais aceita pela doutrina, salienta Maria Helena Diniz (2008, p. 320):
(...) Outros, como Orlando Gomes, ao qual nos filiamos, nele vislumbram um direito, com caráter especial, com conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, conexa a um interesse superior familiar, apresentando-se como uma relação patrimonial de crédito-débito... havendo, portanto, um credor que pode exigir de determinado devedor uma prestação econômica
O que é fundamental édestacar o caráter ético-social da prestação de alimentos gravídicos, que encontra abrigo no princípio da solidariedade entre os membros pertencentes ao mesmo grupo familiar. Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2013, p. 532) elucida que,
A fundamentação do dever de alimentos se encontra no princípio da solidariedade, ou seja, a fonte da obrigação alimentar são os laços de parentalidade que ligam as pessoas que constituem uma família, independentemente de seu tipo: casamento, união estável, famílias monoparentais, homoafetivas, socioafetivas (eudemonistas), entre outras. Ainda que cada espécie de obrigação tenha origem diversa e características próprias, todas são tratadas pelo Código Civil de maneira indistinta.
A obrigação alimentar tem por primordial finalidade atender às necessidades de quem não pode suprir seu próprio sustento, e por mais que o Código Civil não defina o que seja alimentos, aplica-se o artigo 227 da Constituição Federal, que assegura a crianças e adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade, sobretudo, quando se trata de nascituros que ainda estão indefesos, fragilizados e carecendo de cuidados muito especiais no ventre materno (DIAS, 2013, p. 533).
Do mesmo modo, o artigo 1.920 do Código Civil elucida o que a lei entende por “legado de alimentos”, ou seja, quais as necessidades que precisam ser saciadas com a prestação de alimentos, que são o sustento, a cura, o vestuário e casa, além de educação.
Mais especificamente, no caso dos alimentos gravídicos em apreço, o artigo 2º da Lei 11.804/08 enumera as despesas que precisam ser atendidas da concepção do nascituro até o parto, conforme já elucidado em linhas volvidas, lembrando sempre que tal rol é meramente exemplificativo.
1.3 Da obrigação alimentar
Conforme aduz Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2012, p. 417), “Aquele que pleiteia alimentos é denominado alimentando ou credor; enquanto aquele que os deve pagar é o alimentante ou devedor”.
Ainda, os aludidos autores (2012, p. 417) elucidam que a obrigação alimentar tem por escopo a pacificação social, fundamentando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, conforme já aduzido.
Debruçando-se sobre o texto legal, o Código Civil, em seu artigo 1.695 vaticina que
São devidos alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Por sua vez, a Constituição Federal ordena em seu artigo 229 que: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Também o Código Civil agasalha em seu artigo 1.694 e seguintes asnormas de quem deverá prestar ou receber alimentos e como devem ser prestadas as obrigações alimentares, in verbis: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
Neste momento faz-se necessário mencionar que a obrigação alimentar possui características próprias, pois conforme aduz Maria Berenice Dias (2013, p. 534), “No âmbito das relações de família, os alimentos comportam classificações segundo diversos critérios”. Desse modo, passa-se a seguir a destacar e elucidar cada uma dessas características, senão vejamos.
O direito a alimentos pode ser considerado personalíssimo, uma vez que objetiva garantir a vida e a dignidade do indivíduo, não podendo ser passada a outrem.
Também pode ser considerado um direito irrenunciável, para tanto, o artigo 1.707 esclarece que: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”. A esse respeito, Maria Berenice Dias explica que “O direito a alimentos não pode ser objeto de transação ou renúncia, sendo restrita a vontade individual nas convenções a seu respeito”.
Ainda, pode ser definido como sendo um direito irrestituível, poisna definição de Venosa (2009, p. 416),
Não há direito à repetição dos alimentos pagos, tanto os provisionais como os definitivos. Desse modo, o pagamento dos alimentos é sempre bom e perfeito, ainda que recurso venha a modificar a decisão anterior, suprimindo-os ou reduzindo seu montante. No entanto, como sempre, toda afirmação peremptória em direito é perigosa: nos casos patológicos, com pagamentos feitos com evidente erro quanto à pessoa, por exemplo, é evidente que o solvens terá direito à restituição.
Por outro lado, o direito a alimentos pode ser considerado como um direito incompensável, pois não poderá a obrigação alimentar ser compensada por outra, uma vez que privaria o alimentando de seus meios de sobrevivência.
Também é visto como um direito impenhorável, sobretudo,em virtude do caráter subsistencial dessa obrigação, de maneira que não poderá nenhum credor privar o alimentando do direito a alimentos para garantir a prestação do que lhe é devido.
Outrossim, o direito a alimentos é intransmissível, devido ao seu caráter personalíssimo, ou seja, com a morte do alimentando, a obrigação será extinta, sem a possibilidade de se estender a seus sucessores.
É considerado como um direito imprescritível, poisdiferentemente das prestações alimentícias, que prescrevem em 2(dois) anos, o direito à alimentos é imprescritível, ou seja, pode o alimentando solicitar alimentos a qualquer tempo, de acordo com sua necessidade.
Do mesmo modo, é concebido como um direito não transacionável, uma vez que o direito aos alimentos não poderá ser objeto de transação, mas a quantia das parcelas vencidas ou vincendas o podem perfeitamente.
Ainda, é visto como um direito variável, pois varia conforme as circunstâncias e necessidades dos envolvidos à época da prestação, podendo ter seus valores reajustados caso haja alguma alteração na possibilidade econômica do alimentante ou na necessidade do alimentado, uma vez que a sentença que a fixa não faz coisa julgada material com relação aos valores das prestações periódicas.
No entanto, impende elucidar com muito destaque que, diferentemente dos demais alimentos, no caso dos alimentos gravídicos “não se guarda proporcionalidade com os ganhos do alimentante, tal como ocorre com os alimentos devidos ao filho. Existe um limite: as despesas decorrentes da gravidez” (DIAS, 2013, p. 561). Portanto, não se aplica o binômio necessidade e possibilidade no caso de alimentos gravídicos, pois o que vai determinar a quantia para o pagamento da prestação alimentícia gravídica é a cobertura das despesas adicionais advindas da gravidez.
Também, o direito a alimentos é entendido como sendo um direito periódico, poisnão se admite que seja pago em valor único, devendo ser pago periodicamente, uma vez que se designa à subsistência do alimentando que, usualmente, é mensal, mas poderão ser fixados outros períodos.
Ademais, o direito a alimentos pode ser compreendido como um direito divisível, se considerar quepoderá mais de um membro da mesma família arcar com a obrigação alimentar, devendo, para tanto, serem consideradas as condições econômicas de cada um, e assim definir a quota que lhes caberá, como previsto no artigo 1.698 do Código Civil, senão vejamos.
Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Ficarão, então, sujeitos a prestar alimentos ou a pleiteá-los os parentes em linha reta, com maior proximidade em grau, uns em falta dos outros. Em não havendo parentes em linha reta, serão chamados os colaterais, irmãos unilaterais e bilaterais, mas o legislador não admite que sejam obrigados à prestação colaterais além do 2º grau, aplicando-se também tal regra ao direito a alimentos dos nascituros.
Inclusive, importante se faz mencionar que recente doutrina tem admitido também a obrigação de prestar alimentos gravídicos por parte dos avós quando o futuro genitor não possui condições econômicas para tanto ou se nega a fazê-lo, tendo-se esgotado todas as possibilidades de prestação alimentícia pelo futuro pai, sempre levando-se em conta que a necessidade imediata de alimentos do nascituro não pode esperar, não devendo o ordenamento jurídico presentear a irresponsabilidade paterna com a inércia do Judiciário, o qual tem estendido a obrigação alimentar aos avós, nos chamados “alimentos avoengos”.
Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2013, p. 562) assevera que,
Apesar de a lei (2º, parágrafo único) consagrar que os alimentos são custeados pelo pai, tal não afasta a aplicação supletiva da lei civil, que impõe a obrigação complementar a outros obrigados em caráter subsidiário. Logo, possível exigir alimentos gravídicos aos avós, com base no Código Civil (1.696 e 1.698) e em toda a construção jurisprudencial e doutrinária sobre o tema até agora desenvolvida.
Após uma breve apreciação do instituto dos alimentos, passemos para a compreensão do nascituro no âmbito jurídico.
2. Do nascituro
2.1 Da personalidade jurídica do nascituro
A fim de elucidar a natureza jurídica do nascituro, temos no Brasil, três correntes, senão vejamos.
A Teoria Natalista, defendida por Pontes de Miranda, Caio Mário da Silva Pereira, Sérgio Abdalla Simeão, dentre outros doutrinadores, traz consigo a interpretação extraída da exegese do art. 2º do Código Civil. Para a presente teoria, só se adquire personalidade jurídica após o nascimento com vida. Portanto, pode-se afirmar que o nascituro não é sujeito possuidor de direitos, havendo tão somente uma expectativa de direitos.
Por sua vez, tem-se também a Teoria Concepcionista, que sofre influências do direito francês e tem como adeptos os doutrinadores Maria Helena Diniz, Clóvis Bevilácqua, dentre outros.
De acordo com a aludida teoria, o nascituro se torna sujeito de direitos desde a sua concepção. Esposando o mesmo entendimento, Cesar Fiúza (2004, p.117) agasalha que “a personalidade começa desde a concepção da vida no útero materno”. Essa teoria indica que, ao serem protegidos legalmente os direitos do nascituro, o ordenamento já o considera como pessoa, uma vez que, segundo a sistematização do direito privado, somente pessoas são consideradas sujeitos de direito, e, consequentemente, possuem personalidade jurídica. E se assim não o fosse, o aborto não seria crime, restando sobejamente evidenciada a personalidade jurídica do nascituro, sendo que seu direito à vida não está condicionado ao nascimento.
Por outro lado, a terceira e última teoria, qual seja, a Teoria Pré-Concepcionista, traz ideias inovadoras, sem grandes influências em nosso ordenamento jurídico até o presente momento, porém deve ser cada vez mais considerada tendo em vista o número crescente de técnicas científicas em prol da reprodução humana assistida.
Nesse sentido, Fábio Ulhôa Coelho (2003, p. 132) preceitua que “desde o momento em que o espermatozoide fecunda o óvulo, seja in vitro ou in útero, estariam preenchidas todas as condições para se considerar existente um novo ser”.
Embora a doutrina possua essas três importantes teorias em debate, o legislador sentiu a necessidade de que o Código Civil adotasse os princípios da Teoria Concepcionista. Portanto, mesmo que o nascituro não seja considerado pessoa, deve ter seus direitos (tidos como fundamentais) resguardados desde a sua concepção, nos termos do que prevê o artigo 2º do referido diploma legal.
Seguindo essa linha de raciocínio e pretendendo preencher uma grande lacuna existente no Direito de Família com relação à omissão legal sobre o direito aos alimentos de que o nascituro faz jus, é que em 05 de novembro de 2008, foi sancionada a Lei 11.894/08, que trata dos alimentos gravídicos, dando à mãe gestante, legitimidade para propor ações alimentícias em benefício do nascituro.
Isso porque, antes da aludida Lei de Alimentos Gravídicos, por mais que fosse inconteste a responsabilidade parental desde o momento da concepção do nascituro, tal direito, na maioria das vezes, não era reconhecido pelos juízes, ante o argumento de que o legislador era silente a esse respeito e a Lei de Alimentos exigia a prova inquestionável do parentesco ou da obrigação, o que foi perfeitamente contornado com o advento da nova legislação que apenas exige a existência de indícios da paternidade para a concessão dos alimentos (DIAS, 2013, p. 560).
No entanto, isso não quer dizer que é suficiente a mera imputação da paternidade pela autora (DIAS, 2013, p. 560), pois conforme Maria Berenice Dias (2013, p. 561) enfatiza, mencionando Yussef Cahali (2012, p. 355), “Seria leviandade pretender que o juiz deva se satisfazer com uma cognição superficial”, de modo que é imprescindível a existência de indícios da paternidade verossímeis a serem apreciados pelo juiz no caso concreto.
2.2 Do nascituro e do direito aos alimentos
A existência de vínculo familiar entre o alimentante e o alimentado é o primeiro pressuposto para a obrigação alimentar. Baseado no Princípio da Proporcionalidade é que ao fixar os alimentos, deverá levar-se em conta o binômio necessidade/possibilidade, ou seja, a necessidade de quem demanda (alimentado) e a possibilidade do devedor (alimentante) de ofertá-los. No entanto, no caso de alimentos gravídicos, é imprescindível lembrar que a prestação alimentícia não possui proporcionalidade com os ganhos do alimentante, como acontece com os alimentos devidos ao filho (DIAS, 2013, p. 561), pois existe um limite bem claro, que são as despesas decorrentes da gravidez.
Contudo, assevera Maria Berenice Dias (2013, p. 561) que “Além do pagamento de prestações mensais, possível impor o atendimento de encargos determinados, como, por exemplo, os exames médicos”.
Quanto à legitimidade do nascituro para reclamar alimentos, Yussef Cahali (2003, p. 243) traz a seguinte definição, senão vejamos.
Desde o momento da concepção, o ser humano por sua estrutura e natureza é um ser carente por excelência; ainda no colo materno, ou já fora dele, a sua incapacidade ingênita de produzir meios necessários à sua manutenção faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis por sua geração.
Conforme delineado em linhas volvidas, os alimentos são devidos pelos ascendentes, descendentes, irmãos ou cônjuges. Sendo o nascituro um descendente legítimo, e com o advento da Lei 11.804 de 2008, restou salvo seu direito de pleitear alimentos, podendo a ação em que se pleiteia alimentos gravídicos ser cumulada com ação de investigação de paternidade. Nesse caso explica Alexandre Marlon da Silva Alberton (2001, p. 347),
No caso do nascituro, a ação investigatória de paternidade possui principal importância não somente para ver reconhecida a paternidade, já que esta é uma ação de cunho imprescritível, mas tendo em vista a busca de uma prestação alimentar visando o nascimento do nascituro com vida.
Também, Maria Berenice Dias (2013, p. 561) traz à baila que “Caso a mulher faça jus a alimentos, em decorrência do vínculo de solidariedade, pode cumular os dois pedidos: alimentos para si e alimentos gravídicos”.
O direito à vida, ao qual garante a Constituição Federal de 1988, é o maior fundamento doutrinário para tratar dos alimentos em geral e principalmente na modalidade gravídica, porém alguns doutrinadores ainda resistem a ela, despertando assim a indignação de muitos como é o caso de Sérgio Gischkow Pereira(2004, p. 342)que se posiciona nos seguintes termos, vejamos.
Com toda a vênia, espanta-me que ainda haja posições em contrário, sem dúvida baseadas em uma visão puramente tecnicista e lógico-formal do direito, que deixa de lado, além disto, a exegese sistemática construída a partir da Constituição Federal. Trata-se simplesmente do maior de todos os direitos, que é o direito à vida e à vida com dignidade! Bastaria uma leitura do art. 1°, inciso III, da Constituição Federal, que situa a dignidade da pessoa humana como um fundamento da República Federativa do Brasil. De que adianta pôr a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, se ele vier a morrer por falta de alimentos?!.
No intuito de sintetizar todo exposto anteriormente, cumpre ressaltar que os alimentos gravídicos são devidos ao nascituro, com fundamento no direito à vida e dignidade da pessoa humana, garantidos pela Constituição Federal de 1988. Esses, portanto, são direcionados ao sustento necessário ao nascituro, sobretudo, com as despesas adicionais durante o período de gravidez. Nesse aspecto, Alexandre Marlon da SilvaAlberton (2001, p. 348) menciona que,
É sabido que, realmente, aquele que está por nascer necessita de cuidados médicos, como, por exemplo, assistência pré-natal, medicamentos e até intervenções cirúrgicas em casos mais graves. Assim, os alimentos também se prestam para possibilitar ao nascituro todos os cuidados médicos necessários além dos indispensáveis ao seu desenvolvimento saudável.
Nesse diapasão, concluiu-se ser extremamente necessária a criação de normas que conscientizassem e obrigassem os genitores à se responsabilizarem com o desenvolvimento saudável de seus filhos enquanto nascituros.
3. Dos alimentos gravídicos
3.1 Apreciação da Lei 11.804/08
Em vigor desde a sua sanção em 05 de novembro de 2008, a Lei 11.804 disciplinou direito a alimentos gravídicos, ou seja, a percepção de alimentos pela mulher gestante, representando o nascituro no bojo da ação judicial,para assegurar-lhe o desenvolvimento saudável em seu ventre até o momento de seu nascimento com vida.
A referida lei é objeto de grande polêmica no âmbito jurídico, tendo sido alvo de grande excitação daqueles que a esperavam exaustivamente, como se pode observar através da manifestação de Maria Berenice Dias (2008, p. 460), senão vejamos.
Enfim está garantido o direito à vida mesmo antes do nascimento. Outro não é o significado da Lei 11.804 de 5/11/2008, que acaba de ser sancionada, pois assegura à mulher grávida o direito a alimentos a lhe serem alcançados por quem afirma ser o pai do seu filho. Trata-se de um avanço que a jurisprudência já vinha assegurando. A obrigação alimentar desde a concepção estava mais do que implícita no ordenamento jurídico, mas nada como a lei para vencer a injustificável resistência de alguns juízes em deferir direitos não claramente expressos.
O artigo 2º limita até onde compreenderão os valores prestados pela obrigação dos alimentos gravídicos, quais sejam, as despesas adicionais do período de gravidez ocasionados desde a concepção ao parto, incluindo assistência médica, gastos com alimentação especial, medicamentos e quaisquer prescrições médicas, além dos demais gastos que o juiz entender pertinentes. O parágrafo único do referido artigo ressalta que a prestação feita pelo suposto pai deverá ser estipulada levando-se em consideração a contribuição também dada pela mãe, de acordo com as possibilidades financeiras de cada um.
O juiz, após convencido da existência de indícios da paternidade, poderá fixar os alimentos provisionais que perdurarão até o nascimento, atentando-se sempre aos limites das despesas decorrentes da gravidez.
Após o nascimento, converter-se-ão osalimentos gravídicos em pensão alimentícia, conforme agasalha o artigo 6º da Lei de Alimentos Gravídicos, passando os alimentos a partir de então a serem fixados segundo outro critério, qual seja o critério da proporcionalidade, não se atendo mais aos limites das despesas advindas com a gravidez. Para compreender melhor, faz-se imperioso trazer à baila a explicação de Maria Berenice Dias (2013, p. 561), senão vejamos.
Como a obrigação perdura mesmo após o nascimento, quando a verba fixada se transforma em alimentos a favor do filho, ocorre a mudança de sua natureza. A partir deste momento passa a ser atendido o critério da proporcionalidade, segundo as condições econômicas do genitor. Isso porque o encargo decorrente do poder familiar têm parâmetro diverso, devendo garantir o direito do credor de desfrutar da mesma condição social do devedor (CC 1.694). Desse modo, nada impede que sejam estabelecidos valores diferenciados, vigorando um montante para o período da gravidez e valores outros, a título de alimentos ao filho, a partir de seu nascimento.
O réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias, conforme os termos do artigo 7º da Lei de Alimentos Gravídicos, e serão aplicadas as regras pertinentes à lei da ação de alimentos (Lei 5.478/68) e do Código de Processo Civil, supletivamente, na ação de alimentos gravídicos, em obediência ao artigo 11 da Lei de Alimentos Gravídicos.
É de suma importância esclarecer que embora não seja requisito para o deferimento dos alimentos gravídicos a prova pericial da paternidade (através de exame de DNA), os alimentos gravídicos só serão reconhecidos em virtude do convencimento do magistrado da verossímil existência de vínculo pré-estabelecido pela gestante e o suposto pai do nascituro, que se dará após as alegações de ambas as partes, “não sendo suficiente a mera imputação da paternidade pela autora” (DIAS, 2013, p. 560).
3.2 Aspectos vetados na Lei de Alimentos Gravídicos
Em princípio, a Lei 11.804/08continha 12 (doze) artigos, porém 6 (seis) desses artigos, ou seja, metade deles foram vetados. Vejamos, então, quais foram e a justificativa de tais modificações.
No art. 3º da referida lei, havia a determinação de que o foro competente para o ajuizamento da ação de alimentos gravídicos seria o domicílio do réu, sendo aplicada a regra de que as ações com fundamento em direito pessoal serão propostas naquele foro, conforme preleciona o art. 94 do Código de Processo Civil.
Muito pertinente o veto, pois tal determinação viria a contrapor a regra estabelecida de que o foro competente é o do alimentando, tal como determinado no Código de Processo Civil, em seu art. 100, II. Portanto, faz-se necessário considerar que a gestante deve ter o foro privilegiado não só pelo fato de se enquadrar como alimentanda, mas, principalmente, pela condição especial em que se encontra. Não poderia a gestante ter o ônus de propor a ação no domicílio do réu se ela já não tem o apoio do pai de seu filho, pois, se tivesse, não precisaria buscar o Judiciário e, ainda assim, seria obrigada a procurar o caminho que poderia ser o mais difícil, acarretando-lhe dificuldades em se deslocar ao domicílio do réu a fim de pleitear alimentos.
Por sua vez, o artigo 4º estabelecia que a parte autora deveria instruir a inicial com o laudo médico que atestasse além de sua gravidez, a viabilidade da mesma. Tal medida não merecia mesmo prosperar, uma vez que desde a concepção do nascituro, sendo essa gravidez viável ou não, há que se ter cuidados especiais em relação à gestante, ensejando todo o dispêndio financeiro necessário para amparar o nascituro e os cuidados especiais que este demanda.
Ainda, ficava proposto no artigo 5º da aludida lei que após receber a petição inicial, o juiz designaria audiência de justificação para ouvir a parte autora e apreciar as provas relacionadas à paternidade do nascituro. Tanto o Ministério da Justiça como a Advocacia-Geral da União manifestaram-se contra a referida determinação com a justificativa de que a ação de alimentos gravídicos tem caráter urgente, portanto seria inviável que ainda houvesse a audiência de justificação que, aliás, não é obrigatório a nenhuma outra ação de alimentos.
Além do mais, se o juiz restar convencido da paternidade no caso concreto, mesmo sem a ocorrência de audiência, nada mais sensato do que dispensar a realização da aludida audiência, em homenagem, sobretudo, aos princípios da razoável duração do processo e da economicidade.
No entanto, o mais absurdo dos artigos foi devidamente vetado, qual seja o artigo 8º, uma vez que este exigia a produção de prova pericial (exame de DNA) para a procedência do pedido. Bem formulada a justificativa, pois além de tal procedimento colocar em risco a vida do nascituro e da mãe, não é a prova pericial condição de qualquer sentença em nosso ordenamento jurídico, mas sim elemento prova necessário quando ausentes outros elementos comprobatórios da situação em controvérsia, o que não é o caso, pois “Basta o juiz reconhecer a existência de indícios da paternidade para a concessão dos alimentos” (DIAS, 2013, p. 560), indícios esses que podem ser colhidos de diversas maneiras de produção de provas.
Mais uma vez, visando a celeridade do rito procedimental para o reconhecimento e a concessão de alimentos, houve o veto do artigo 9º que consideraria devidos os alimentos a partir da data da citação do réu. Como já se sabe nem sempre as citações são feitas por diversos motivos, até mesmo pela fuga do réu para não ser citado, e mesmo quando efetuadas, não o são com a devida agilidade, o que poderia comprometer a prestação alimentícia indispensável ao nascituro.
Por fim, o artigo 10 da Lei de Alimentos Gravídicosprevia o direito à indenização proposta pelo réu em face da autora caso houvesse a negativa da paternidade alegada, mediante prova pericial. A indenização em questão deveria ser liquidada nos próprios autos da ação de alimentos. No entanto tal norma teria cunho intimidador ao criar responsabilidade objetiva tão somente por ingressar com ação em juízo e não obter êxito, pressupondo que o livre exercício de direito de ação pode causar dano à terceiro, atentando contra o livre exercício do próprio direito de ação.
3.3 Efeitos sócio-comportamentais em virtude da Lei 11.804/08
Não é novidade que vivemos em uma sociedade guiada pelo caos, na qualos valores familiares vem se perdendo cada dia mais. A busca desenfreada pela sensação de satisfação gera inconsequências e, posteriormente, virá o que todos presenciam diariamente, milhões de crianças abandonadas, vulneráveis, que não foram recebidos com afeto e cuidados em um lar que se preparou para recebê-los.
No intuito de proteger a sociedade, os valores familiares e, principalmente, os mais indefesos, é que o Direito e, mais propriamente, o Direito de Família, vem se aprimorando a cada dia e em prol da Justiça. Prova disso é a criação de uma lei que garante proteção ao nascituro por meio da responsabilização de seus genitores.
A Lei nº 11.804/2008 teve um caráter inovador ao estreitar ainda mais esta distância entre os pais e os filhos, num dos momentos mais importantes que é o gestacional, onde deve a mãe gestante ter tratamento adequado, alimentação apropriada para estar saudável e então possibilitar um desenvolvimento satisfatório de sua gestação.
É de suma importância compreender que a Lei de Alimentos Gravídicos não apresenta caráter punitivo algum, mas tão somente educativo, uma vez que objetiva proteger o princípio da paternidade responsável. Nessa linha de pensamento, se pronunciou Maria Berenice Dias (2009, p. 480), senão vejamos.
A lei tem outro mérito. Dá efetividade a um princípio que, em face do novo formato das famílias, tem gerado mudanças comportamentais e reclama maior participação de ambos os pais na vida dos filhos. A chamada paternidade responsável ensejou, por exemplo, a adoção da guarda compartilhada como a forma preferente do exercício do poder familiar. De outro lado, a maior conscientização da importância dos papéis parentais para o sadio desenvolvimento da prole permite visualizar a ocorrência de dano afetivo quando um dos genitores deixa de cumprir o dever de convívio.
Para esclarecer melhor essa questão da paternidade ou parentalidade responsável, Guilherme Calon Nogueira Gama (2008, p. 236) agasalha que,
Aparentalidade responsável decorre não apenas do fundamento da vontade da pessoa de tornar-se pai ou mãe, mas também pode surgir em razão do risco do exercício da liberdade sexual- ou mesmo reprodutiva, no sentido mais estrito – no campo da parentalidade. Diante do estágio atual da civilização humana, com os recursos educacionais e científicos existentes em matéria de contracepção- e mesmo de concepção- há risco inerente ao exercício de práticas sexuais realizadas pelas pessoas, o que fundamenta o estabelecimento dos vínculos de paternidade-filiação e maternidade-filiação e, consequentemente, a assunção das responsabilidades- deveres e obrigações especialmente- inerente aos vínculos paterno – materno-filiais. Assim, o Princípio da Parentabilidade Responsável fundamenta o estabelecimento da paternidade, maternidade e filiação com base no simples risco, a par de também não excluir a vontade livre e consciente, como fonte geradoras de tais vínculos.
Por todo exposto a conclusão que se chega é de que a sociedade contemporânea se encontra em processo evolutivo rumo à uma sociedade saudável de membros conscientes, exercendo seu livre exercício de afetividade, sem jamais esquecer das implicações e responsabilidades derivadas de seus atos, em homenagem ao princípio da paternidade responsável.
4. Conclusão
O presente estudo buscou apreciar a obrigação alimentar que nasce na concepção do nascituro no ventre materno, produz efeitos no ordenamento jurídico pátrio, fazendo nascer a obrigação do futuro genitor em prestar auxílio à gestante.
Os alimentos gravídicos são expressamente previstos na Lei 11.804/08, tendo por finalidade a cobertura das despesas adicionais ocorridas na gravidez e que sejam delas decorrentes, da concepção ao parto, como alimentação especial da gestante, assistência médica, exames, parto, medicamentos, além de outras que o juiz considere necessárias no caso concreto.
Imprescindível se faz elucidar que, para o direito, quem ainda nem nasceu, ou melhor, quem ainda está no ventre materno, já é titular de direitos, fruto da Teoria Concepcionista adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual o dever de fornecer alimentos ao filho se inicia antes mesmo de seu nascimento.
Inclusive, com relação à personalidade jurídica do nascituro, existem três importantes teorias discutidas pelos doutrinadores. Contudo, o legislador sentiu a necessidade de que nosso Código Civil adotasse os princípios da Teoria Concepcionista, que compreende que mesmo que o nascituro não seja considerado pessoa, deve ter seus direitos (tidos como fundamentais) resguardados desde a sua concepção, ou seja, poderão seus genitores representá-lo em demandas jurídicas vislumbrando a expectativa futura do nascituro vir a adquirir personalidade jurídica após seu nascimento.
Impende consignar que, por mais que no passado não houvessem dúvidas de que a obrigação alimentar dos genitores surgisse desde a concepção, a ausência de dispositivo legal expresso nesse sentido acabava por dificultar a concessão desses alimentos ao nascituro, ante a recusa de alguns juízes em conceder direitos não explicitamente consagrados, o que acabava por presentear o genitor ausente e irresponsável com relação ao filho concebido.
O fato é que, vislumbrando além da proteção à gestante e ao nascituro, a Lei 11.804/08 objetiva a responsabilização dos pais que ao exercerem sua livre vontade sexual e procriatória, acabam por abandonar seus filhos que, por muitas vezes, não foram planejados.
A referida lei consagrou um importante princípio do Direito de Família, qual seja o da paternidade responsável, onde o juiz poderá, através de seu convencimento com relação ao vínculo estabelecido entre a mãe e o suposto pai, reconhecer e conceder alimentos gravídicos, levando-se em conta os gastos médicos, farmacêuticos, alimentícios, dentre outras despesas que precisam ser atendidas desde a concepção até o parto.
Embora possa parecer utopia, a lei de alimentos gravídicos poderá sim contribuir com a diminuição dos índices de abandono e, consequentemente,da marginalidade também. Afinal, se o pai acompanhar todo o processo de gravidez e der o respaldo necessário, as possibilidades de se criar um vínculo afetivo entre pai, mãe e filho são consideráveis, logo poderá ter essa criança um lar, deixando assim, a figura do abandono infantil no passado.
Uma questão polêmica em relação à lei de alimentos gravídicos é a desnecessidade de prova pericial (exame de DNA) pelo fato deste trazer riscos à gestante e ao nascituro. No entanto, a decisão proferida pelo juiz que fixar os alimentos gravídicos em favor da gestante será fundamentada em outras espécies de provas, quais sejam, documentais e testemunhais, afastando-se assim qualquer questionamento com relação à desobediência ao princípio presunção de inocência, garantido pela Constituição Federal de 1988.
O maior ganho trazido pela Lei 11.804/08 foi resgatar, com veemência, a responsabilidade paterna, assegurando a satisfação das necessidades básicas que uma gravidez origina e que são imprescindíveis para garantir uma gestação saudável e digna, cumprindo, pois, a função social do Direito de Família.
O presente trabalho teve como objetivo esclarecer a finalidade e os aspectos mais polêmicos da Lei de Alimentos Gravídicos, que traz como seu maior objetivo resguardar a saúde do nascituro através da responsabilização de seus genitores.
Assim, à luz da função social do direito, e considerando a fragilidade e vulnerabilidade vividas pela gestante durante o período gestacional, consagrou-se os subsídios gestacionais, priorizando a dignidade humana e, sobretudo, a vida, daquele que ainda nem nasceu, o nascituro.
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