- Introdução:
Os versos poéticos de Caetano Veloso (2003, p. 149) demonstram as contraposições existentes no ser, numa linguagem que se vale da antítese, figura de linguagem bem peculiar do estilo Barroco, que elucidam a natureza humana. Senão veja-se:
“Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês”
A antítese é também um dos três elementos da dialética hegeliana, quais sejam, tese, antítese e síntese. Muitos destacam a dialética de Hegel pela força do argumento, no sentido de restar vencedor aquele que melhor argumenta, mas tal visão sobre as suas ideias é bastante limitada, pois não demonstra a efetiva compressão de sua filosofia. Da leitura de Hegel, se extrai a necessidade máxima de se observar a realidade e sua constante movimentação figurativa e valorativa.
Extrai-se da filosofia hegeliana conceitos importantes para se entender a teoria dos precedentes, especialmente na concepção do argumento apresentado nos precedentes e a realidade que se insere no sistema do Civil law.
Partindo de uma análise dos sistemas Civil law e Common law, e analisando as interferências de um sob o outro, é importante observar a aplicabilidade da teoria dos precedentes no Brasil. A sua adoção trouxe uma grande valorização das decisões dos tribunais, capazes de impactar de forma determinante na prática jurídica, uma vez que o precedente criado se torna vinculante em diversas situações.[1]
Diante das novidades trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, é necessário destacar as implicações que a legislação trouxe ao prever normas fundamentais em sua parte introdutória, uma vez que tais previsões legais acabaram por acrescer deveres ao magistrado, sem direcionar o foco da discussão ao seu poder de criatividade no exercício da decisão judicial. Verifica-se uma grande possibilidade de criação dentro dessa realidade, isto é, uma laboração que pode ser concebida dentro da amplitude das normas fundamentais de natureza principiológica.
Dentro deste contexto, extrai-se a indagação: as normas fundamentais e os precedentes judiciais podem mitigar o ativismo judicial? É o que se dispõe a responder. Para tanto, o conceito de dialética na visão Hegel se afirma oportuno, para se conceber uma leitura da teoria dos precedentes mais analítica e racional.
2- Breve digressão sobre os sistemas do Civil law e o Common law
A contraposição de dogmas entre os diferentes países e as suas experiências históricas deram origem a dois sistemas jurídicos distintos, quais sejam, o Civil law e o Common law. Tais estruturas têm como gênese, respectivamente, os ideais romano-germânico e anglo-saxônico, que possuem características específicas marcantes, mas também possuem pontos de aproximação. Não é despiciendo lembrar que: "O civil law e o common law surgiram em circunstâncias políticas e culturais completamente distintas, o que naturalmente levou à formação de tradições jurídicas diferentes, definidas por institutos e conceitos próprios a cada um dos sistemas" (MARINONI, 2009, p. 12).
O Civil law é caracterizado por ser um sistema que valoriza a lei escrita, de forma que a sua finalidade é consubstanciada na própria interpretação, aplicação e cumprimento desta, que torna o juiz no modelo representado pelas palavras de Montesquieu, como sendo “a boca que pronuncia as palavras da lei”.
Nesse sentido, Elpídio Donizetti (2015, p. 3), considera o Juiz como o “intérprete e aplicador da lei, não lhe reconhecendo os poderes de criador do Direito”. Portanto, entende-se possível afirmar que há soberania da lei neste sistema, mesmo quando se adota a teoria dos precedentes.
O Common law, por sua vez, produz um sistema formado pelo direito costumeiro, baseado e aplicado na jurisprudência, e que tem como um dos pilares objetivos a pacificação, re-harmonização e conciliação entre seus litigantes. (LOURENÇO, 2011).
Além disso, é insofismável o desenvolvimento dos precedentes judiciais em meio a essa estrutura jurídica, responsável pela formação da Teoria do stare decisis, traduzida para o português como “o sistema da força obrigatória dos precedentes” (DONIZETTI, 2015).
Mesmo com as suas peculiaridades, a influência entre os sistemas é necessária e natural, isto é, um sistema sofre influência direta do outro na tentativa de gerar melhorias. Assim, as diferenças são mitigadas pela necessidade de uma tutela jurisdicional que afirme mais segurança jurídica, celeridade, igualdade, estabilidade e garantias constitucionais nas relações jurídicas.
No que tange à segurança jurídica em específico, ressalta-se que, para os dois sistemas, tanto a aplicação do civil law quanto a do common law garantem atingir essa finalidade, porém de forma contraposta. Com aguçado senso crítico, Marinoni (2010, p.19) destaca que “a certeza jurídica adquiriu feições antagônicas no civil law e no common law, já que no último fundamentou o stare decisis, enquanto no civil law foi utilizada para negar a importância dos tribunais e das suas decisões”.
Nessa linha de ideias, é possível afirmar que o sistema do civil law, dentro de uma concepção desvinculada à teoria dos precedentes, possibilita maior poder criativo ao juiz, na medida em que o magistrado cria de forma livre e desvinculada de parâmetros concebidos em outras decisões. Entretanto, o Novo Código de Processo Civil ratifica o sistema do civil law dentro de uma realidade em que se valoriza as decisões dos Tribunais.
Nesse prumo, vale destacar:
A segurança jurídica, romanticamente desejada na tradição do civil law pela estrita aplicação da lei, não mais pode dispensar o sistema de precedentes, há muito estabelecido no common law, em que a possibilidade de decisões diferentes para casos iguais nunca deixou de ser percebida e, por isso, fez surgir o princípio de que os casos similares devem ser tratados do mesmo modo. (MARINONI, 2010, p. 19).
Justifica-se a aproximação das duas estruturas jurídicas processuais atualmente, pela necessidade de se manter a estabilidade das decisões e das interpretações dentro um país que possui uma diversidade legislativa considerável, sendo que, muitas vezes, a produção legislativa é desconsiderada amiudadamente pelos cidadãos. Atualmente, é forçoso reconhecer que: “Os países de cultura anglo saxônica cada vez mais legislam por intermédio da lei, e, em contrapartida, os países de tradição germano-românica estabelecem a força obrigatória dos precedentes judicias.” (DONIZETTI, 2015).
Destarte, o Novo Código de Processo Civil, aprovado em 2015, tem como uma das caraterísticas essenciais, a adoção da teoria do stare decisis no sistema jurídico processual brasileiro, a fim de proporcionar estabilidade, segurança jurídica, garantias constitucionais e, evitar as decisões imotivadas de forma que ignorem as circunstâncias fáticas (PEIXOTO, 2015, p. 150-152). Tal teoria destaca a aplicação dos precedentes no sistema jurídico processual brasileiro.
Ravi Peixoto, enquadra o precedente no seguinte conceito:
É a decisão de um caso singular apta a, pelo menos, influenciar o julgamento de um caso posterior. Do precedente, isto é, a partir a cuidadosa leitura do inteiro teor da decisão (relatório, fundamentação e dispositivo) pode haver a extração da ratio decidendi e do obter dictum[2] para que se possa extrair o seu significado e a amplitude do que foi efetivamente decidido. (PEIXOTO, 2015, p. 157-158).
Para o referido autor, ainda há um segundo aspecto do conceito de precedente que é necessário ser analisado, denominado por ele de conceito impróprio, a ratio decidendi. Ela é definida por ser a “construção de uma norma que é extraída principalmente da fundamentação e vai sendo consolidada por outras decisões que mantenham aquele entendimento”. (2015, p.158). Além disso, este conceito em nada se confunde com o texto do precedente e nem com a fundamentação, é um terceiro elemento extraído da decisão e não se equivale a ela. (2015, P. 176). A fundamentação de um julgado enseja uma tese, antítese e síntese, a partir da análise do caso concreto.
Vê-se, portanto, que o NCPC assevera a teoria dos precedentes judiciais, que é a verdadeira aplicação da lei aos casos concretos. A formação dos precedentes qualifica-se como a tentativa da afirmação de uma tese, antítese e síntese, nos limites da dialética hegeliana, através da ratio decidendi, a partir da valorização das decisões concebidas nos tribunais.
Para a dialética hegeliana o conflito entre os opostos (tese e antítese) ocorre “tanto no plano de sua efetividade quanto no de sua racionalidade, pois o real e o racional se confundem” (MASCARO, 2002, p. 78). Já a superação ocorre na medida em que o conflito se transmuta para um novo patamar produzindo algo novo, pela negação da negação da tese, que, na situação processual em debate, será conseguida com a formação de um precedente com qualidade.
A expressão `negação da negação da tese´ é concebida em Hegel como “uma constante negação onde o ser negado não é eliminado, destruído, mas sempre remetido a uma nova síntese pela mediação da própria contradição da qual é portador imanente” (CIOTTA, 1994, p. 18).
Essa analogia é importante, pois afirma a contribuição do pensamento filosófico de Hegel para a concepção de uma resposta que construa conceitos adequados, através de um sistema no qual “os próprios conceitos são a tradução viva e orgânica do movimento (devir) constitutivo, não só das regras do pensar correto, mas do próprio ser” (CIOTTA, 1994, p. 11).
Já aplicação processual dos conceitos filosóficos traduz uma operabilidade criativa de uma atividade que enseja riscos. Criar a solução para um caso concreto, aceitando as contradições inerentes às interpretações jurídicas, a fim de formar um precedente, pode gerar um ganho para a sociedade (quando o precedente tem qualidade) ou uma insegurança significativa (quando o precedente não possui a qualidade desejada).
3- A normatividade principiológica no NCPC.
O NCPC/2015 teve como inovação determinante comparado ao CPC/73, a previsão legal de “Normas Fundamentais do Processo Civil” na parte introdutória do Código, determina o poder/dever ao Juiz de empregar nas decisões princípios como a razoabilidade, legalidade, proporcionalidade, eficiência, publicidade, contraditório, razoável duração do processo, fim social e bem comum.
O significado de princípio, na sua origem, estava atrelado a uma aplicabilidade de mera complementação e auxílio à norma, vez que não tinha força principal no Direito, considerado, portanto, de aplicabilidade subsidiária.
Contudo, com o pós-positivismo, ocorreu o fenômeno da normatização dos princípios e, muitos autores passaram a defender pela existência de regras e princípios como espécies de normas, apesar do estudioso Kelsen ainda optar pela análise distinta da norma jurídica e dos princípios como realidades separadas.
Streck é bastante enfático no que tange a relação entre regra e princípio. Para ele: “uma regra é uma regra porque há um princípio que a institui; não que para cada regra haja um único princípio instituidor, mas um princípio instituidor abarca várias regras.” (2011, p. 582).
Segundo Luís Roberto Barroso, é importante assinalar que, apesar de tanto as regras como os princípios estarem dentro de uma mesma concepção normativa, sendo espécies desta,
As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema. (1996, p. 141).
Nesse sentido, as regras e os princípios se comportam de forma distinta nas resoluções de conflitos, assim entende Dirley da Cunha Junior:
Interessante destacar que os princípios, por se revelarem como normas jurídicas impositivas de otimização, ainda que eventualmente colidentes (o que pode ocorrer), coexistem, pois permitem o balanceamento de valores e interesses de acordo com a sua importância para o caso concreto, ou seja, podem ser objeto de ponderação, de harmonização ou concordância. Já as regras sequer podem coexistir quando conflitantes, pois as regras antinômicas excluem-se. (2015, p. 130).
Portanto, conclui que os princípios
“são normas jurídicas dotadas de normatividade e (...) providas de intensa carga axiológica, enquanto as regras jurídicas são normas descritivas de situações fáticas hipotéticas, dispostas a concretizar os valores normatizados pelos princípios.” (2015, p. 131)
Segundo Didier (2015, p. 61), “a norma é fundamental, porque estrutura o modelo do processo civil brasileiro e serve de norte para a compreensão de todas as demais normas jurídicas processuais civis”. E ainda considera que “essas normas processuais ora são princípios, ora são regras”.
É importante evidenciar que um dos destaques do NCPC foi considerar a previsão constitucional das normas fundamentais de natureza principiológica, especialmente processuais, uma vez que o legislador inovou separando um capítulo próprio introdutório para tais normas.
Entretanto, a aplicação dos princípios ao caso concreto merece cuidado, uma vez que a sua interpretação deve seguir um raciocínio lógico, dentro do sistema afirmado pelo estado democrático de direito. A interpretação não pode ser deturpadora do sistema, que fora afirmado pelas leis. Os conteúdos reconhecidos pelos princípios devem ser adequados para a pacificação social, sem descaracterizar as leis específicas que incidem no caso concreto.
O princípio da inércia, por exemplo, é sobressaído no artigo 2º, quando o legislador previu as regras para a instauração do processo no sistema brasileiro pela iniciativa das partes, e pelo seu desenvolvimento pelo impulso oficial. Outrossim, o próprio legislador, no artigo 3º, traz expressamente um incentivo e estímulo ao fenômeno da autocomposição para a resolução de conflitos.
É possível considerar uma congruência mais evidente entre os artigos 4º, 5º e 6º, vez que são responsáveis por garantir respectivamente a duração razoável do processo, o respeito à boa-fé processual (objetiva), além de primar pela cooperação dos sujeitos processuais participantes, garantindo também, por conseguinte, atender ao princípio da efetividade.
Quanto ao artigo 7º destaca-se o cuidado do legislador em atender ao princípio constitucional da isonomia, preservando uma igualdade ao assegurar a paridade de armas na lide processual.
O artigo 8º é inovador por trazer à aplicação de princípios da ordem administrativa nas relações privadas, como a razoabilidade, proporcionalidade, legalidade, publicidade e eficiência; além de determinar a finalidade social resguardando a dignidade humana, princípio constitucional fundamental previsto no art. 1º, III da CF/88.
A noção de eficiência, por sua vez, merece destaque, pois necessita de uma criação peculiar, levando em consideração a ideia que se extrai da administração, que é realizar o procedimento da melhor forma possível. Na atual realidade processual, se aguarda a boa aplicação deste princípio, pois o que se vê na realidade são processos que não são bem conduzidos.
Atendendo também ao princípio da publicidade, o legislador previu no art. 11, de forma expressa, a necessidade de julgamento ser público. Além de considerar neste mesmo artigo, a necessidade de as decisões serem fundamentadas, atendendo a princípio da motivação das decisões.
Correlacionando este último princípio ao “princípio da não surpresa”, destaca-se a previsão do princípio do contraditório tratado especificamente nos artigos 9º e 10, mas não somente neles, pois o princípio do contraditório, assim como diversos outros, possuem previsões reflexas e decorrentes espalhados por todo texto codificado.
4- Implicação das normas de caráter principiológico nas decisões judiciais
É imprescindível notar que, apesar do texto do novo código processual valorar princípios fundamentais, apenas eles não são responsáveis por atender de forma plena a prestação jurisdicional. É cediço que não basta a previsão desses princípios, se faz necessário também, como parte da atividade jurisdicional, uma interpretação e aplicação realizados pelo julgador para cada caso concreto.
A utilização dos princípios no processo judicial é importante, pois eles conseguem manter uma unidade a ordem jurídica, “buscando uma justiça mais humana e a prestação jurisdicional com mais qualidade” (LEMOS, 2015, p. 264), além de ser responsável também por trazer uma uniformidade, o que garante atingir e efetivar a segurança jurídica e, consequentemente, o devido processo legal.
É indispensável escapar da frieza legal e buscar, nas análises das situações concretas, uma correlação entre as regras e princípios (LEMOS, 2015, p. 264), garantindo assim a “efetividade do sistema” e adequação do ideal de justiça para cada caso concreto.
Frente à necessidade da adequação e de “aplicação racional” dos princípios, observa-se a seguinte passagem feita por Teresa Wambier (2015, p. 268):
Os princípios basilares dos diversos ambientes decisionais[3] podem recomendar o uso de expressões com textura aberta, e isto, é claro deve influir no espaço de liberdade que tem o juiz para tomar a decisão. É uma técnica que oxigena o direito, permitindo que nele penetrem elementos da realidade externa: sociais, éticos e até científicos.
Nesse sentido, dá-se a possibilidade de os julgadores atuarem com determinado poder de liberdade de criação mesmo dentro de um Estado Democrático de Direito, pois o juiz detém desse poder criativo, desde que decida dentro dos parâmetros legais.
Contudo, se torna imprescindível ressaltar a observação feita por Teresa Wambier no sentido de que,
Essa liberdade não é do juiz: é do Judiciário. Aí entra a importância da jurisprudência uniforme: o Judiciário interpreta a lei e esta interpretação há de valer para todos. Porque o direito há de ser o mesmo para todos. (DIDIER JR. et al., 2015, p.264)
Tomando essa liberdade como uma das preocupações tratadas no NCPC, o legislador, para limitar a criação dos magistrados, aderiu a aplicabilidade dos precedentes vinculantes. Com a aplicação da teoria dos precedentes (com suas técnicas de utilização e adaptação) se permite que a uniformidade e segurança jurídica das decisões sejam atingidas.
Uma coisa é certa, a utilização dessa teoria no sistema processual brasileiro, visa evitar o “solipsismo judicial”. Expressão denominada por Streck em seu livro “O que é isto – decido conforme minha consciência?”, para criticar a possibilidade da existência de discricionariedade e arbitrariedade mascaradas nas decisões judiciais.
Sendo assim, considera-se que “o sentido do texto normativo será para cada caso concreto independentemente dos valores de seu aplicador, aquele que a tradição legou aos princípios constitucionais expressos na Constituição”. (NERY, 2014, p. 127-128).
Portanto, se aproximando desse pensamento, é possível admitir que a adoção das normas fundamentais, bem como a utilização da técnica de uniformização do precedente judicial, é imprescindível para limitar a atuação discricionária dos magistrados. As normas proporcionam uma base interpretativa que, de certa forma, permite a modulação da decisão com o caso concreto (adequando-se aos costumes e ideais do momento histórico), e os precedentes se afirmam como uma forma de garantir a estabilidade e segurança jurídica da mesma decisão para os mesmos casos.
5- Palavras finais
A noção de ativismo judicial, segundo Luís Roberto Barroso, está consubstanciada na ideia de ser “a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance” (2012, p. 25).
É imperioso notar que, cada vez mais, o intérprete se depara com situações diversas, em que os obrigam a utilizar uma interpretação normativa mais expansiva, para tentar mitigar os espaços legais deixados pelo legislador. Portanto, a principal e fundamental relação entre o poder legislativo e o ativismo judicial é a solução interpretativa proporcionada por um “modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição” (2012, p. 31).
Contudo, apesar do ativismo ser apresentado aqui como parte da solução interpretativa constitucional, Barroso (2012, p. 32) ainda ressalva que “Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura”. É esse o principal cuidado que o NCPC teve ao tentar mitigar o ativismo judicial, pois, diante de uma realidade em que são proferidas decisões contrárias sobre casos concretos semelhantes, tais interpretações se tornam preocupantes ao ir de encontro com a estabilidade e segurança jurídica tão defendida atualmente.
Aqui está a resposta do título deste artigo, com uma proposta focada na utilização da Teoria dos precedentes judicias, bem como a expressiva inclusão das normas fundamentais no Código. O Novo CPC, atendendo a sua preocupação com a estabilidade e segurança das decisões, limita (mas não cessa) a interpretação criativa, discricionária e arbitrária dos magistrados, na medida em que valoriza os precedentes oriundos dos tribunais.
As soluções trazidas pela referida norma estão pautadas na tentativa de utilização dos precedentes judiciais e da força da sua aplicabilidade, de forma que, através desta técnica, garante uma uniformidade jurisprudencial evitando assim, decisões arbitrárias que podem surgir em meio ao atual ativismo judicial.
Além disso, faz parte também da solução trazida pelo NCPC, a adoção das normas fundamentais, pois estas são capazes de proporcionar uma base interpretativa e limitativa a ser seguida pelo intérprete quando houver a necessidade de mudança das decisões, aplicando as devidas técnicas de utilização e adaptação que a Teoria dos Precedentes oferece.
A superação dos conflitos, através da criação do precedente se afirma possível e viável, desde que se mantenha a qualidade das decisões paradigmas. Para tanto, não basta apenas o uso persuasivo da linguagem, mas sim raciocínios providos de um rigor lógico, ajustados para o atual momento histórico.
Na formação do precedente, a dialética hegeliana se afirma consoante. A tese, antítese e síntese são elementos representativos não apenas na linguagem poética e filosófica, mas para a compreensão de um sistema jurídico analítico e racional.
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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A vinculatividade dos precedentes e o ativismo judicial – paradoxo apenas aparente. DIDIER JR., Fredie et al. (Coord.). PRECEDENTES. Salvador: Judpodivm, 2015.
[1] Verifica-se o efeito vinculante nas seguintes situações: súmula vinculante, súmula para o respectivo tribunal, precedentes nos julgamentos de recursos repetitivos, assunção de competência e repercussão geral.
[2] Obter dictum (obter dicta, no plural) refere-se às questões apreciadas, mas que não são suficientes para a resolução das questões ou pontos relevantes no caso concreto, não possuindo a eficácia típica do precedente em relação ao qual foi extraído, ao contrário da ratio decidendi. (PEIXOTO, 2015, p. 190).
[3] A expressão ambiente decisional, segundo Teresa Wambier, “é a área de direito material ou substancial, com seus princípios e regras, em que o conflito, submetido ao juiz, deve ser resolvido.” (DIDIER JR. et al., 2015, p.266)