Homicídio no trânsito: dolo eventual ou culpa consciente?

Qual seria a solução?

30/06/2016 às 13:40
Leia nesta página:

Zona cinzenta do direito penal, mas não era para ser. O homicídio no trânsito e sua definição em dolo eventual e culpa consciente tem que acabar e tem como acabar.

A conduta culposa se forma pela presença de vários elementos.

Os elementos da culpa que se chama culpa em sentido estrito são:

a) Conduta voluntária; b) Inobservância do dever de cuidado; c) Resultado lesivo indesejado; d) Previsibilidade objetiva; e) Tipicidade e f) Nexo de causalidade.

CONDUTA VOLUNTÁRIA

Pode ser positiva ou negativa e deve ser voluntária, dirigida a determinada finalidade.

Não confundir com resultado desejado.

INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE CUIDADO

É um direito posto na sociedade e se manifesta em três formas:

a) Negligência - Ausência de precaução ou omissão.

b) Imperícia - Falta de aptidão para exercício de determinada arte ou profissão.

c) Imprudência - Abuso ou prática de algo perigoso.

Em breve reflexão pode-se concluir que negligência é gênero enquanto que imperícia e imprudência são espécies de negligência.

Um ato imprudente ou imperito surge através de uma negligência.

Greco (2010, p. 197) ensina que “imprudente seria a conduta positiva praticada pelo agente que, por não observar o seu dever de cuidado, causasse o resultado lesivo que lhe era previsível” e imperícia “quando ocorre uma inaptidão, momentânea ou não, do agente para o exercício de arte, profissão ou ofício”.

Uma das três deve estar presente para se emitir um juízo condenatório e na denúncia deve constar qual das inobservâncias o agente se enquadrou com sua conduta.

Estando ausente deve o condutor ser absolvido.

DELITO DE TRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – CONDENAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE CULPA – IMPRUDÊNCIA E NEGLIGÊNCIA NÃO EVIDENCIADAS – RECURSO DESPROVIDO. 1. Mantém-se a absolvição do apelado porquanto não evidenciada a culpa do agente. 2. Não se encontra demonstrado in casu a imprudência ou a negligência do apelado vez que este conduziu veículo automotor com os cuidados necessários. 3. Recurso desprovido. (TJMG - 1.0024.10.129852-9/001 - Relator(a): Des.(a) Pedro Vergara - Data da publicação da súmula: 03/02/2014).

RESULTADO LESIVO INDESEJADO

Para Masson (2009), o resultado naturalístico será sempre e obrigatoriamente, involuntário.

Só haverá delito culposo quando houver resultado não desejado, pois existindo o desejo, a conduta será dolosa.

PREVISIBILIDADE OBJETIVA

“O resultado deve ser objetivamente previsível”. (BITENCOURT, 2012, p. 369).

O direito só pode punir os fatos que puderem ser evitados e só pode ser evitado o resultado possível de ser antevisto.

Assim, previsibilidade é a possibilidade de o sujeito, nas condições em que se encontra antever o resultado lesivo.

Estefam (2010), explica que referente a esse elemento existirá duas espécies de culpa:

a) Culpa inconsciente - Situação em que o resultado é previsível, mas o agente não prevê e pratica a conduta voluntária.

b) Culpa consciente - É aquela em que o agente realiza a previsão, mas confia sinceramente que o resultado não ocorrerá. PRESTE ATENÇÃO NESSA CULPA.

Portocarrero explica que “são admitidas as duas modalidades de culpa: a inconsciente e a consciente”. (2010, P. 247).

O agente acredita fielmente que o resultado jamais se produzirá enquanto que no dolo eventual o mesmo trata o resultado com indiferença ou assume o risco de produzi-lo.

O correto para os que ingerem bebida alcoólica e se envolve em um acidente é a imputação da culpa consciente, pois ele acredita que o resultado não ocorrerá.

Salles Junior (1986) apresenta a existência de critérios para aferição da previsibilidade.

O critério objetivo seria a atenção que possui a maioria das pessoas, tendo como base o homem médio ou homem comum.

O critério subjetivo analisa as condições personalíssimas, como idade, grau de instrução, de cultura, etc.

Não sendo previsível o correto é a absolvição.

APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO. CULPA. DEVER OBJETIVO DE CUIDADO. PREVISIBILIDADE DO RESULTADO. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Deve ser mantida a absolvição do agente quando a prova dos autos demonstra que ele pautou sua conduta com dever objetivo de cuidado e somente atingiu um resultado lesivo por fator imprevisível na situação em que se achava. 2. Negado provimento ao recurso. (TJMG - 1.0024.11.176742-2/001 - Relator: Des.(a) Marcílio Eustáquio Santos - Data da publicação da súmula: 21/02/2014).

TIPICIDADE

É a determinação legal da punição. Não havendo previsão não haverá delito.

NEXO CAUSAL

Elo que liga a conduta e o resultado.

EM RELAÇÃO ao dolo, existem as seguintes espécies:

a) Dolo direto - O agente pratica a conduta buscando alcançar o resultado determinado.

b) Dolo indireto - Se divide em duas subespécies:

b1) Dolo alternativo - A conduta do agente não se dirige a um resultado certo, mas a um ou outro resultado (vontade de qualquer um dos resultados em mente).

b2) Dolo eventual - O agente não deseja o resultado previsto, mas assume o risco de produzi-lo, aceitando-o e o tratando com indiferença.

Nessa espécie existe o grande problema em relação ao homicídio no trânsito.

Muitos são adeptos ao pensamento de que a partir do momento em que o indivíduo ingere bebida alcoólica e dirige, estará ele assumindo o risco do resultado.

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Mas assumir o risco do resultado é o mesmo que tratá-lo com indiferença.

Será que o motorista estará pensando “Se matar alguém não estou nem aí”, ou estará pensando “Sou bom no volante, nada vai acontecer”. Fico com a segunda opção, pois o que tem que mudar é a pena no Código de Trânsito e outras questões que segue no capítulo.

A mudança já começou com a Lei 12.971/14, com o homicídio advindo da prática do racha. Agora só falta mudar em relação ao homicídio estando o condutor embriagado.

Quebrar a estrutura de dolo estaria fora de cogitação, então é necessário que cessem essa infinita discussão sobre o dolo eventual ou culpa consciente.

Quem está no veículo dirigindo na maioria das vezes não está a aceitar a própria morte nem a tolerá-la.

QUAL A SOLUÇÃO? FICA A SUGESTÃO A SEGUIR.

Assim, restaria aos legisladores atitudes como:

1) Acrescentar no dispositivo legal onde obriga a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito relacionados com o homicídio no trânsito o trecho “salvo se outro dispositivo dispuser de modo diverso”.

Assim deixaria de ser obrigatória a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito, passando a existir exceções, onde o dispositivo dispusesse de modo diverso.

Veja como é:

CPB - Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.

Veja como ficaria (mudança está na parte destacada):

CPB - Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo, salvo se o crime culposo dispuser de modo diverso.

2) Criar dispositivos penais para três tipos de condutas culposas relacionadas com o homicídio no trânsito, aumentando a pena para os homicídios culposos de acordo com o desvalor da ação do condutor do veículo.

1ª Figura - Manutenção do homicídio culposo já existente, com a obrigação da substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito.

2ª Figura - Criação de um tipo penal de homicídio culposo estando o condutor sob a influência de álcool, ficando a critério do Juiz a substituição. Pena mínima e máxima poderia ser alterada.

3ª Figura - Criação de um tipo penal de homicídio culposo estando o condutor praticando racha, sendo proibida a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito. (Criou-se a figura no artigo 302, § 2º e no artigo 308 do CTB. A intenção foi boa, mas fizeram uma confusão em relação à pena a ser aplicada, cominando a mínima de 02 anos em um tipo e de 05 anos em outro tipo penal). Pena mínima e máxima poderia ser alterada.

Seria a solução? Talvez não, mas seria um ótimo início, pois estaria punindo gradativamente de acordo com o desvalor da ação.

REFERÊNCIAS:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008.

_____ . Tratado de direito penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL.TJMG - 1.0024.10.129852-9/001.

BRASIL.TJMG - 1.0024.11.176742-2/001.

ESTEFAM, André. Direito penal esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 12. ed. Niterói: Impetus, 2010.

_____ . _____ . 13. ed. Niterói: Impetus, 2011.

_____ . _____ . 15. ed. Niterói: Impetus, 2013.

GOMES, Luis Flávio – atualidadesdodireito.com.br.

GOMES, Luis Flávio - Jusbrasil.

MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado: parte geral. 2. ed.  São Paulo: Método, 2009.

PORTOCARRERO, Cláudia Barros. Legislação especial para concursos. Niterói, RJ: Impetus, 2010.

RODRIGUES, Eduardo. A embriaguez e o crime. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 1996.

SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Homicídio culposo e a lei n. 4.611/65. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

Sobre o autor
Santos Fiorini Netto

Advogado Criminalista, especialista em ciências penais e processo penal, professor de direito penal (Unifenas - Campo Belo - MG), escritor das obras "Prescrição penal simplificada", "Direito penal parte geral V. I" e "Direito penal parte geral V. II", "Manual de Provas - Processo Penal", "Homicídio culposo no trânsito", "Tráfico de drogas - Aspectos relevantes", "Noções Básicas de Criminologia" e "Tribunal do Júri, de suas origens ao veredicto". Atua na área criminal, defesa criminal em geral - Tóxicos - crimes fiscais - Tribunal do Júri (homicídio doloso), revisão criminal, homicídios no trânsito, etc.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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