O agir comunicativo e a democracia deliberativa: contribuições às políticas públicas educacionais no Brasil

05/07/2016 às 09:26
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Na atualidade a educação tem assumido papel fundamental no combate aos grandes dilemas sociais. A Constituição Federal brasileira de 1988 conferiu à educação o status de direito social, de forma que este direito passou a integrar o mínimo existencial.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como direito social fundamental, a educação visa não somente a preparação ao mercado de trabalho, mas também a formação da consciência cidadã nas comunidades humanas. O nível de formação de uma população é condição para que haja desenvolvimento econômico e social, assim, torna-se cada vez mais evidente o papel primordial da educação na solução para os principais dilemas da sociedade atual como a violência, a alienação, o incipiente desenvolvimento econômico e as desigualdades sociais.

A educação, como serviço público constitucionalmente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, tem sua efetivação garantida por meio de políticas públicas que se consolidam como instrumento para a realização dos direitos fundamentais, resguardando a dignidade humana e, consequentemente, possibilitando a inclusão social. Nesse âmbito, os conceitos de agir comunicativo e de democracia deliberativa de Jurgen Habermas ganham relevância na medida em que podem conduzir à concepção e implementação de políticas públicas mais efetivas.

Assim, este estudo partiu do seguinte problema: quais as contribuições dos conceitos habermasianos de agir comunicativo e democracia deliberativa às políticas públicas educacionais no Brasil?

Como hipótese, concebe-se que as contribuições do agir comunicativo e da democracia deliberativa referem-se à possibilidade de maior participação dos sujeitos destinatários das políticas públicas em sua formulação e implementação. Entende-se que o agir comunicativo faz-se necessário, pois traz consigo o entendimento mútuo que permite o consenso em relação às políticas de maneira que não se vise apenas fins individuais, mas sim universais. A democracia deliberativa garante neste âmbito uma espécie de legitimidade democrática por meio da ampliação da participação dos indivíduos nos processos de decisão e no incentivo à uma cultura política democrática.

Este estudo tem como objetivo geral analisar as contribuições dos conceitos habermasianos de agir comunicativo e democracia deliberativa às políticas públicas educacionais no Brasil e, como objetivos específicos visou-se: compreender o direito à educação como serviço público; descrever a concepção de Habermas acerca do agir comunicativo; caracterizar as políticas públicas educacionais no Brasil e refletir acerca da concepção de democracia deliberativa.

Metodologicamente, utilizou-se como técnica de pesquisa a documentação indireta por meio da pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica baseia-se na coleta de publicações diversas acerca de um determinado tema. Constituíram-se em fontes de pesquisa livros, artigos científicos, dissertações e legislação pátria, destacando-se as contribuições teóricas de Habermas (1995, 1997, 2002a, 2002b), Hachem (2014), Gabardo (2009), Reck, Thier e Moraes (2011), dentre outros.

A investigação realizada justifica-se cientificamente pela necessidade de aprofundar e expandir os estudos acerca de teorias de pensadores como Habermas extraindo suas contribuições para a sociedade atual. No âmbito social o estudo ora empreendido justifica-se por promover a reflexão acerca das políticas públicas no contexto brasileiro, trazendo para este contexto de discussão contribuições teóricas que possam favorecer a promoção de melhorias na prestação dos serviços públicos, em especial, a educação. Pessoalmente, justifica-se a pesquisa realizada pela produção de novos conhecimentos que serão fundamentais para o desenvolvimento da dissertação de Mestrado que vem sendo produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.

Além desta primeira seção introdutória este artigo está estruturado em outras cinco seções. Na segunda seção serão abordados aspectos essenciais para a compreensão do direito à educação no Brasil e sua consolidação como serviço público; na terceira seção analisar-se-á a concepção de agir comunicativo; a quarta seção apresenta considerações sobre as políticas públicas educacionais no Brasil, principalmente no âmbito do ensino superior; na quinta seção analisa-se a concepção de democracia deliberativa e sua relação com as políticas públicas educacionais e, por fim, a sexta seção traz as considerações finais com as principais constatações realizadas a partir da pesquisa bibliográfica acerca do tema proposto.

As discussões propostas no presente trabalho, sem a pretensão de esgotar o estudo da temática em questão, visam revelar as contribuições das concepções de agir comunicativo e democracia deliberativa enunciadas por Habermas para as políticas públicas no âmbito educacional brasileiro.

2 DIREITO À EDUCAÇÃO COMO SERVIÇO PÚBLICO

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º indica a educação como direito social, inserido dentre os direitos e garantias fundamentais. O direito à educação é elemento indispensável ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e à concreção da própria cidadania (BRASIL, 1988).

Dessa forma:

[...] educação, para a Constituição, é um esforço no sentido de competências formativas, isto é, de contribuir na construção de uma personalidade dotada de determinadas estruturas aptas a pensar a mundo, e não meramente memorizá-lo. Estas estruturas aparecem em uma ordem de prioridade na Constituição Federal. Esta ordem de prioridades materializa-se, em um primeiro momento, na necessidade de “desenvolvimento da pessoa”, “preparação para a cidadania” e “formação para o trabalho”. A ordem de competências prevista na Constituição não é meramente retórica, e abrange a que o poder público, e quem por ele (escolas privadas e comunitárias) sigam a ordem de preferência constitucional, uma vez que fora posta por decisão. (RECK; THIER; MORAES, 2011, p. 66)

O direito à educação constitui-se em um dos componentes do princípio maior do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana, visto que a efetivação de tal princípio garante à pessoa o direito a uma vida digna que só é possível diante de condições mínimas de subsistência, ou seja, através da efetivação de direitos fundamentais como o direito à educação, dentre outros imprescindíveis. Assim, ensina Fiorillo (2000, p. 14): “[...] tem-se a educação como um dos componentes do mínimo existencial ou piso mínimo normativo, como uma das condições de que a pessoa necessita para viver em sociedade, para ter uma vida digna”.

A educação é direito de todos e dever do Estado. De um lado, tem-se a pessoa humana portadora do direito à educação e, do outro, a obrigação estatal de prestá-la. Em favor do indivíduo há um direito subjetivo, em relação ao Estado, um dever jurídico a cumprir.

O artigo 205 do texto constitucional de 1988 define a educação e seus objetivos, entendendo tal direito com uma concepção ampla:

Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A educação escolar brasileira é herdeira direta do sistema discriminatório da sociedade escravagista sob dominação imperial. Na sociedade imperial e nas primeiras décadas da República, a educação tinha duas características principais: o ensino superior voltado para a formação das elites e o ensino profissional oferecido nas escolas agrícolas e nas escolas de aprendizes-artífices, destinado à formação da força de trabalho. Nesse contexto a maior parte da população permanecia sem acesso a escolas de qualquer tipo (CUNHA, 2007).

Tal realidade permaneceu ao longo dos anos, no entanto, a mesma educação que durante anos foi privilégio das elites, tornou-se também instrumento de mobilidade e inclusão social. A educação é processo fundamental para que o ser humano possa obter as condições mínimas de sobrevivência com dignidade em uma sociedade edificada na cultura de exclusão social. O desafio da educação consiste na busca e manutenção de estratégias para uma organização social de convivência mais justa e pacífica, transmitindo conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana.

Desde a consolidação do direito à educação no rol de direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 a educação vem sendo repensada a partir dos embates político-sociais marcados pela luta em prol da ampliação, laicidade, gratuidade, obrigatoriedade, universalização do acesso, gestão democrática, ampliação da jornada e garantia de padrão de qualidade em todos os níveis.

A educação representa tanto um mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se insere. A atuação do Estado no campo educacional é necessária para a igualdade no acesso à formação, com o compromisso de desenvolver mecanismos para possibilitar este acesso. A educação como direito social se contrapõe a ideia de educação como mercadoria, ou seja, aquela que beneficia apenas aos que podem pagar. Se não compreendida como bem público, a educação atenderá a determinados indivíduos e aos seus interesses exclusivos, jamais será compromissada com a sociedade.

            Ao se compreender a educação como um direito público subjetivo, tem-se que a mesma não se esgota na educação formal ou regular. Presentes as partes constitutivas do processo educacional, o que é relevante do ponto de vista educacional é o avanço no potencial de conhecimento do indivíduo, na condição de aluno, é esse acréscimo aprendido e modificador do comportamento humano, com a cobertura do Estado. Nesse contexto, o direito à educação resguarda íntima relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, na constituição dessa dignidade, a educação tem papel fundamental no desenvolvimento pessoal e social do sujeito.

A educação no ordenamento jurídico pátrio constitui-se em serviço público, uma vez que se relaciona a uma utilidade que satisfaz necessidades humanas (GASTALDI, 1999). Assim:

Atividades como os serviços de educação, saúde, transporte, fornecimento de energia elétrica, abastecimento de água potável, entre tantas [...] Independentemente de quem esteja autorizado a prestá-las (Estado ou sujeitos privados) e sob qual regime jurídico (mais ou menos benéfico ao destinatário), são serviços que envolvem bens escassos e úteis, e, portanto, representam atividade de caráter econômico. (GABARDO, 2009, p. 130).

Dessa forma, pode-se afirmar que os serviços públicos correspondem a atividades cuja prestação é considerada atribuição típica do Poder Público, a quem cabe o dever de garantir que serão oferecidas à população. Estas atividades poderiam ser realizadas pela iniciativa privada, no entanto, estar-se-ia correndo o risco de que fossem prestadas de maneira inadequada e, diante de sua importância na satisfação de necessidades humanas fundamentais, o Estado atribuiu a si, primariamente, a prestação de tais serviços. 

Assim, através de normas jurídicas primárias atributivas de deveres-poderes às entidades estatais, o Poder Público dirige à Administração a obrigação de assegurar que tais atividades sejam prestadas permanentemente, estipulando princípios de observância obrigatória sobre elas incidentes para atingir a finalidade de que todos os cidadãos que delas necessitem possam acedê-las de maneira igualitária (HACHEM, 2014, p. 126).

            Os serviços públicos tem o elemento material como fator decisivo para sua configuração, ou seja, a atividade precisa ser de utilidade material, relacionada a prestações destinadas à satisfação de relevantes necessidades humanas que gera ao Estado o dever de garantir o seu fornecimento contínuo.  Nesse ponto, Hachem (2014) identifica a relação entre o serviço público e os direitos fundamentais sociais, como a educação, pois são expressos constitucionalmente com a função de atender às necessidades básicas dos sujeitos, resguardando sua dignidade.

A satisfação destes direitos está relacionada diretamente à implementação de ações estatais promovidas por meio de serviços públicos, constituindo-se estes no principal instrumento de que dispõe a Administração para a realização dos direitos fundamentais sociais. Para cada um desses direitos o sistema constitucional estipula uma correlativa atividade estatal destinada a oferecer aos cidadãos prestações materiais imprescindíveis à fruição dos bens jurídicos.

Assim, tem-se a essencialidade dos serviços públicos como meio para que o Estado promova uma tutela efetiva dos direitos fundamentais sociais, pois “[...] a Administração tem o dever de prestar um serviço público adequado, ao qual corresponde o direito do cidadão de recebê-lo.” (HACHEM, 2014, p. 129).

No entanto, o excesso de formalismo na prestação dos serviços públicos acaba por vezes a acarretar a morosidade na efetivação da tutela de direitos distanciando-se de um modelo ideal de administração participativa centrado na celeridade e efetividade do serviço público.

A importância da efetivação do direito a ser exercido pelo serviço público implica na busca de critérios de legitimação da atividade administrativa encontrada nas sociedades pós-modernas. Dentre as propostas surgidas para reconstruir a concepção do direito, destaca-se a ideia da ação comunicativa de Habermas (LOPES; CAGLIARI, 2013).

A ação comunicativa dirigida, prioritariamente, a um efetivo entendimento, produz a expectativa de que, pelo consenso atingido, se possa alcançar a adesão das partes no diálogo à solução compartilhada e o alcance da efetividade do serviço público buscado, com menos formalismo e mais comunicação entre cidadão e a Administração que presta o serviço.

3 O AGIR COMUNICATIVO E A EDUCAÇÃO

                O conceito de agir comunicativo enunciado por Habermas é de fundamental importância na prestação do serviço público de educação de maneira efetiva. A teoria do agir comunicativo pressupõe um modelo de agir orientado para o entendimento mútuo, no qual os atores busquem harmonizar seus objetivos e ações com o acordo alcançado comunicativamente.

Na compreensão de Habermas, a ação comunicativa é uma necessidade dialógica de entendimento entre os sujeitos, assim, esse agir está presente quando as pessoas tentam estabelecer um consenso de maneira que não se vise apenas fins individuais, mas sim universais.

Assim contribui Habermas (2002a, p. 54):

O que é importante notar, por enquanto é o que o agir comunicativo estabelece uma relação reflexiva com o mundo, na qual a pretensão de validade levantada em cada enunciado deve ser reconhecida intersubjetivamente; para isso acontecer, o falante depende da cooperação dos outros. Como uma comentarista tem notado participantes em agir comunicativo podem prosseguir com seus objetivos somente em cooperação um com o outro.

Nesta perspectiva, a participação das partes na busca pela concretização dos serviços públicos pela Administração deve ser ampliada, conferindo maior participação dos sujeitos nas decisões que estão diretamente relacionadas aos serviços oferecidos a estes. Observa-se neste contexto o princípio da cooperação entre as partes, que traz em si o potencial de  garantia de efetividade e concretização dos serviços públicos. No entanto, os acordos podem esbarrar em interesses individuais gerando dificuldades de entendimento que devem ser superadas pela interpretação consensual dos atores envolvidos.  

Nesse sentido, Leal (2009, p.406) esclarece que segundo “[...] a consideração teorética da comunicação de Habermas sobre a ação social, o que torna possível a ação coordenada é nossa capacidade de chegar a um entendimento mútuo sobre alguma coisa”. Os agentes, ao se depararem com questões a serem resolvidas no contexto da situação (mundo da vida) devem levar tal contexto e necessidades coletivas em consideração a fim de buscar um entendimento mútuo.

O entendimento mútuo está diretamente relacionado à aceitação ou rejeição das pretensões de validade apresentadas pelo agente, pois este poderá valer-se de diversas perspectivas de mundo, escolhendo entre os “[...] modos cognitivo, interativo e expressivo do uso linguístico e entre classes correspondentes de atos de fala constatativos, regulativos e representativos”, podendo se concentrar em questões de verdade, de justiça, de gosto ou de expressão pessoal (HABERMAS, 1989, p. 168).

Habermas (1989, p. 40) observa que o risco de dissenso faz-se presente, no entanto, a razão evidencia a necessidade de um acordo, no qual há a possibilidade de se dizer “não”, ocorrendo uma vantajosa “[...] estabilização não-violenta de expectativas de comportamento”.  O acordo, mesmo com o dissenso, torna-se possível quando se considera o agir comunicativo, que considera as resistências da realidade na formulação do consenso.

A complexidade da sociedade revela-se na pluralidade de formas de vida e suas especificidades, ocasionando uma diversidade e segmentação cada vez maior do mundo da vida. Nesse contexto, a ordem normativa assumiu um agir orientado por interesses, influenciando decisivamente na segmentação social. Desse modo, para Habermas (2002a), a integração poderá ser realizada através do agir comunicativo por meio do qual as interações estratégicas no mundo da vida podem ocorrer.  Na sua concepção:

Interações estratégicas têm o seu lugar num mundo da vida enquanto pré-constituído em outro lugar. Mesmo assim, o que age estrategicamente mantém o mundo da vida como um pano de fundo; porém, neutraliza-o em sua função de coordenação da ação. Ele não fornece mais um adiantamento de consenso, porque o que age estrategicamente vê os dados institucionais e os outros participantes da interação apenas como fatos sociais. No enfoque objetivador, um observador não consegue entender-se com eles como se fossem segundas pessoas.

Assim, a organização política deve ser capaz de organizar e manter os processos onde se captam o poder comunicativo da sociedade. A organização tem também a função de executar os argumentos morais, éticos e pragmáticos que se transformam em Direito, e isso se traduz nos poderes judiciário e executivo – o primeiro especializado em discursos de aplicação e o segundo em argumentos instrumentais (HABERMAS, 1997).

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As decisões que se pautam no agir comunicativo trazem a noção de entendimento com o outro, de consensos sobre planos de ação. Assim, a ação comunicativa dirigida, prioritariamente, a um efetivo entendimento, produz a expectativa de que, pelo consenso atingido, se possa alcançar a adesão das partes no diálogo à solução compartilhada e o alcance assim da efetividade e conclusão do serviço público buscado, com menos formalismo e mais comunicação entre cidadão a Administração que presta o serviço (LOPES; CAGLIARI, 2011).

Desta forma, se faz necessário que existe cooperação entre todas as partes envolvidas com a realização e formalização do serviço público, tendo em vista que a necessidade de agilizar sempre ao máximo a prestação dos serviços públicos.  

Nesta perspectiva a participação das partes no exercício da busca pela concretização do serviço público de educação deve ser alargada dando maior participação aos cidadãos, demonstrando assim que o princípio da cooperação vai ao encontro de uma nova visão da garantia de efetividade e concretização dos serviços públicos de qualidade.

Assim, o agir comunicativo torna-se elemento essencial  na eficácia do serviço público de educação e nas políticas públicas que se desenvolvem nesse contexto, uma vez que as decisões neste âmbito devem ter em vista a exigência de se buscar um entendimento intersubjetivo entre aquele que presta o serviço e o destinatário deste serviço. Dessa forma, o contexto educativo deve favorecer a promoção de ações que efetivem o direito à educação de maneira igualitária, produzindo o entendimento entre as partes prestadora e destinatária de forma que “[...] a linguagem voltada para o entendimento torna-se condição a priori de possibilidade da própria experiência educativa e pode recuperar um caráter crítico-emancipatório da educação.” (BOUFLEUR apud HERMANN, 1999, p. 64).

Nesse sentido:

[...] o conceito de ação comunicativa retroliga-se com o conceito de racionalidade discursiva. A ação comunicativa pressupõe atores capazes de, utilizando-se da linguagem, tomarem postura frente às pretensões de validade apresentadas pelo outro. Como o mundo da vida aparce desdiferenciado aos indivíduos, a reconstrução de uma oferta de fala leva à conclusão de que as pretensões de validade defendidas sempre estarão referenciadas aos três mundos (objetivo, social e subjetivo). Desta forma, quem oferece um ato de fala comunicativamente, ou seja, orientado à cooperação, necessariamente fundamenta seu ato na pretensão de que é verdadeiro em relação ao mundo social e veraz com relação ao mundo subjetivo. (ALMEIDA; RECK, 2013, p. 76)

Políticas públicas educacionais pautadas pelo agir educativo pressupõem um espaço onde todos os atores possam expressar suas opiniões e interagir com seus pares, refletindo acerca do que é melhor para a coletividade, tendo em vista que os agentes educacionais não são meros receptores de informações, mas sim sujeitos efetivos do processo educacional.

            O contexto educacional é espaço crucial na concretização do agir comunicativo enunciado por Habermas, pois faz-se necessário repensar as ações desenvolvidas neste contexto a fim de promover a formação de sujeitos comunicativamente competentes em uma sociedade excludente na qual opera a lógica da razão instrumental. A racionalidade do entendimento mútuo possibilita abir-se ao diálogo concebendo o outro em suas diversidades e, não obstante haja dissensos entre uma opinião e outra, isso não seria um problema, pois, nas estruturas de comunicação, estes dissensos não prejudicam o entendimento (RUIZ, 2006).      Assim, as ideias de Habermas podem contribuir na formulação e implementação de políticas públicas educacionais de maneira que o contexto educativo seja concebido como comunidade comunicativa baseada na relação entre os sujeitos cujas propostas pedagógicas sejam comuns, assumidas por todos os envolvidos. Dessa forma, pode-se dizer que a razão comunicativa habermasiana pode vir a auxiliar a efetivação de políticas mais democráticas e condizentes aos anseios da coletividade.

Pela teoria habermasiana torna-se possível, segundo Iarozinsk (2000), construção de uma nova e democrática estrutura nos sistemas de ensino atuais, dessa forma procurando basicamente uma combinação entre o mundo do sistema e o mundo da vida, onde a teoria e a prática estariam interligadas através de ações concretas, em uma dinâmica de interação entre os atores envolvidos, visando novas racionalidades.

De acordo com Habermas (2002a, p. 63):

Chamo ação comunicativa àquela forma de interação social em que os planos de ação dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extraverbais) orientada ao entendimento.  À medida que a comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível a ação comunicativa.

No paradigma da comunicação proposto por Habermas, o sujeito não é mais definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objetos para conhecê-los ou para agir através deles e dominá-los, e sim, como aquele que, durante seu processo de desenvolvimento histórico, é obrigado a interagir, entender e se fazer entender por outros sujeitos. (SIEBENEICHLER, 1989).

Portanto, a ação comunicativa é voltada para a compreensão, que é a capacidade dos sujeitos em entrarem em um consenso, realizando com isso, na concepção de Habermas, o ideal de emancipação humana no momento que há o entendimento mútuo e no entendimento livre do sujeito consigo mesmo. Logo, de acordo com Habermas apud Prestes (1997, p. 81) é necessário compreender:

Não é o conhecimento ou submissão de uma natureza objetivada, tomados em si mesmos, senão a intersubjetividade do entendimento possível, tanto no plano interpessoal, como no plano intrapsíquico. O foco se desloca então de uma racionalidade cognitivo-instrumental a uma racionalidade comunicativa.

Nesse sentido, a proposta da teoria habermasiana se abriga na quebra do paradigma instrumental, onde a educação é visualizada como mera transmissora de conhecimentos, passando a ser posta como uma construção e reconstrução do conhecimento, baseado numa visão do todo. Com isso proporcionando uma emancipação do sujeito que outrora estava arraigado à razão instrumental, que o privava dessa construção global do conhecimento.

Assim, o agir comunicativo torna-se elemento essencial a ser considerado nas políticas educacionais, possibilitando o desenvolvimento da democracia deliberativa.

4 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: UM OLHAR SOBRE O ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO

As pesquisas abordando as políticas públicas são crescentes, no entanto, faz-se necessário especificar a concepção de políticas públicas que se adota em cada estudo, tendo em vista que este termo apresenta-se pouco definido em virtude de sua ampla utilização.

O conceito de política pública remete a questões coletivas, relacionadas a metas e encaminhamento de soluções para resolver problemas sociais nas mais diversas áreas. O Ministério da Saúde apresenta um conceito de políticas públicas relevante para a compreensão destas ações:

Políticas públicas configuram decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opinião as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades (BRASIL, 2006, p. 09).

O conceito exposto acima cita aspectos importantes na concepção de políticas públicas, dentre eles a descontinuidade administrativa ocorrida em virtude da mudança periódica dos governantes. Esta mudança é positiva na medida em que permite melhorias e avanços, no entanto, a descontinuidade também pode levar à criação de novas diretrizes, distintas ou até mesmo contraditórias em relação às anteriores, gerando desperdício de recursos financeiros. Ademais, ressalte-se que a definição apresentada pelo Ministério da Saúde expõe as políticas públicas como meio de participação dos cidadãos, uma vez que estes passam a conhecer as intenções do governo, podendo então apoiá-las, conhecer sua implementação ou até mesmo opor-se à sua execução (SCHMIDT, 2008).

Easton (1963 apud Schmidt, 2008) considera que, dentro de um sistema político, as políticas públicas são produtos e resultados. As políticas públicas originam-se do contexto sócio-político que cerca o sistema político. Esse contexto gera demandas e apoios ao sistema político. O sistema processa estas demandas através de suas instituições específicas do Estado, gerando decisões e políticas, que não são o fim do processo, pois há um processo de retroalimentação, constituindo-se novas demandas que levam a novos resultados e assim indefinidamente.

As políticas públicas tem se constituído como oportunidades para melhorar os serviços públicos e expandir a participação cidadã.  De acordo com Cunha e Costa (2003) tais políticas são criadas como uma resposta do Estado, na pessoa de seus entes públicos, às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo expressão do compromisso público de atuação numa determinada área em longo prazo.

Ainda conforme Cunha e Costa (2003, p. 15):

O processo de formulação de uma política envolve a identificação dos diversos atores e dos diferentes interesses que permeiam a luta por inclusão de determinada questão na agenda pública e, posteriormente, a sua regulamentação como política pública. Assim pode-se perceber a mobilização de grupos representantes da sociedade civil e do Estado que discutem e fundamentam suas argumentações, no sentido de regulamentar direitos sociais e formular uma política pública que expresse os interesses e as necessidades de todos os envolvidos.

            A análise das políticas públicas traz importantes contribuições para a compreensão do funcionamento das instituições políticas e de como estas lidam com as complexidades da realidade social na atualidade. Dentre as situações problemáticas vivenciadas ao longo dos anos pela sociedade brasileira destaca-se o acesso à educação. Como direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 o direito à educação tem norteado a formulação de políticas públicas visando a democratização do acesso e a construção da inclusão social por meio da materialização deste direito.

Na atualidade, evidencia-se o objetivo das instituições educativas e das despesas públicas em educação de possibilitar certa mobilidade social. O objetivo reivindicado é que todos possam ter acesso à formação como meio de fomentar a inclusão social.

A inclusão social relaciona-se às iniciativas empreendidas pelo Estado e pela sociedade civil para enfrentar os processos de exclusão nas suas diversas esferas (social, econômica, política e cultural), de modo a tornar possível a todos ou ao maior número os benefícios que a sociedade possibilita apenas a certos segmentos (SCHMIDT, 2008).

Historicamente, a sociedade brasileira caracterizou-se pela predominância das camadas sociais mais altas no acesso à educação superior privada, ganhando destaque as políticas públicas desenvolvidas neste contexto com a finalidade de promover a inclusão de grupos até então excluídos deste nível do ensino, tendo em vista que no plano das políticas públicas, um dos debates centrais é o potencial de inclusão das políticas sociais e sua relação com as políticas intereconômicas adotadas no contexto da globalização.

A expansão da educação superior foi acentuada a partir da década de 1990 com a promulgação da Lei n° 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), em consonância com o caráter neoliberal assumido pelo Estado. Diante da insuficiência de vagas no ensino público e da exigência cada vez mais expressiva por mão de obra qualificada para atuar no mercado capitalista, a procura por IES particulares aumentou.

Nesse contexto, passou-se a discutir acerca da ampliação das oportunidades de acesso de camadas populares ao ensino superior privado. As políticas públicas de acesso ao ensino superior visando a inclusão social tratam-se de medidas compensatórias, visando equilibrar o acesso aos bens sociais, levando-se em consideração o princípio da igualdade na escolaridade, bem como na inserção profissional mais qualificada (CURY, 2005).

Nas últimas décadas as políticas em torno da democratização do acesso à educação superior ganharam destaque, principalmente em virtude da relevância do espaço acadêmico diante das novas necessidades da sociedade capitalista. Como espaço complexo que envolve desde relações sociais ao desenvolvimento técnico-científico, às instituições de ensino superior atribuiu-se a função de formar o homem para o mundo do trabalho e para a própria sociedade. Nesse âmbito, as primeiras políticas públicas de acesso à educação superior no Brasil foram implantadas a partir das universidades públicas, como forma de estabelecer igualdade de direitos e oportunidades visando a redução das desigualdades socioeconômicas no país.

A igualdade de oportunidades no ensino superior é um desafio central para o Estado social no século XXI. Segundo Schmidt (2008) a  pobreza é o maior dos flagelos que a humanidade enfrenta no início do novo milênio. Flagelo de enorme magnitude e complexidade, associada à exclusão e desigualdade social ela se manifesta em todos os continentes, mas com rigor extremo na África, Ásia e América Latina. Essa situação deve-se em grande parte à desigualdade de oportunidades no acesso à educação superior, que possibilitaria a inclusão social.

O objetivo das políticas públicas de inclusão social na educação superior deve ser a formação de uma comunidade cívica que une alto grau de tolerância e elevado capital social, onde se respeite o direito à diferença e as robustas formas de interação e cooperação comunitária não se restringem a indivíduos que possuem as mesmas características, mas incluem indivíduos diversos sob o ponto de vista étnico, cultural, religioso, social e político.

No estabelecimento de políticas públicas que visam a inclusão social na educação superior a partir do capital social, o empoderamento das populações marginalizadas é elemento central. Em razão das múltiplas barreiras sociais que lhes são impostas, os pobres tem extrema dificuldade de ver-se como atores capazes de exercer alguma influência real no seu ambiente social e na esfera política. O empoderamento consiste numa transformação atitudinal de grupos sociais desfavorecidos que os capacita “para a articulação de interesses, a participação comunitária e lhes facilita o acesso e controle de recursos disponíveis, a fim de que possam levar uma vida autodeterminada, auto-responsável e participar do processo político” (BAQUERO, 2005, p.39).

No seu alcance mais amplo, este empoderamento resulta na criação das condições que habilitam os pobres à conquista dos direitos de cidadania. Com isto, expandem-se as possibilidades de ampliação das políticas de equidade na oferta educacional do ensino superior no Brasil.

As políticas públicas atualmente desenvolvidas pelo poder público no sentido de promover a inclusão social no meio acadêmico precisam ser constantemente avaliadas e revistas. De acordo com Costa e Castanhar (2003), a avaliação sistemática, contínua e eficaz de programas pode ser um instrumento fundamental para se alcançar melhores resultados e proporcionar uma melhor utilização e controle dos recursos neles aplicados, além de fornecer aos formuladores de políticas sociais e aos gestores de programas, dados importantes para o desenho de políticas mais consistentes e para a gestão pública mais eficaz.

A inclusão de grupos historicamente excluídos do ensino superior contribui para amenizar a desigualdade no acesso a este âmbito do ensino, bem como possibilita a convivência entre estudantes de classes sociais diferentes, colaborando para a redução da discriminação, com a geração de novas referências para a sociedade. No entanto, ainda que as políticas públicas tenham sido expandidas visando garantir a inclusão no ensino superior, precisam ser continuamente melhoradas para resolver totalmente os problemas de acesso e qualidade no sistema de educação superior brasileiro (OLIVEIRA et al, 2008).

As políticas públicas voltadas para a inclusão social no ensino superior brasileiro visam conceber o estudante como cidadão, em pleno gozo de seus direitos sociais, participativo social e politicamente. Isto é, a inclusão social é caracterizada pelo exercício da cidadania plena ou emancipatória, pela participação social, política e cultural, além do acesso aos direitos básicos. Nesse sentido, “[...] a efetivação de uma política pública voltada à inclusão social no ensino superior implica a garantia do acesso e permanência do aluno, a equidade de oportunidades e a efetivação da democratização do espaço escolar” (FACEIRA, 2004, p.16). 

A educação superior precisa oferecer condições para que os cidadãos tenham oportunidade de formação intelectual e assim possam agir como sujeitos atuantes socialmente e não oprimidos sob o jugo das desigualdades social e historicamente construídas. A atualização das políticas públicas, assim como a elaboração de novas políticas, deve passar, portanto, pelo prisma da inclusão social a fim de que se possa ter a garantia de que estão sendo adotas medidas eficazes para conviver-se em sociedade de forma harmônica e igualitária diante dos desafios da diversidade humana.

5 A DEMOCRACIA DELIBERATIVA DE HABERMAS E SUA APLICAÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS

A concepção de democracia em Habermas recebe o caráter de deliberação como categoria de legitimidade democrática, que se assenta nas exigências de ampliação da participação dos indivíduos nos processos de deliberação e no fomento de uma cultura política democrática.

A democracia deliberativa é uma proposta que visa criar uma opção entre as concepções liberal e republicana de democracia, que tem entre si como diferença o papel atribuído ao processo democrático.

Na concepção liberal o Estado age como aparato de Administração pública e a sociedade como sistema estruturado em torno de uma economia mercadológica, de maneira que a vontade política dos cidadãos consubstancia-se na imposição de interesses privados e o Estado deve agir para garantir os interesses coletivos.

No modelo republicano, o processo democrático considera uma opinião social que represente a vontade dos atores sociais. Nessa perspectiva, a política não obedece aos procedimentos do mercado, mas às estruturas de comunicação pública orientada pelo entendimento mútuo, configuradas em um espaço público. A concepção republicana tem a vantagem de adotar uma postura de democracia radical, no sentido de auto-organização da sociedade pelos cidadãos que se comunicam entre si e não por arranjos entre interesses privados conflitantes. Contudo, tem a desvantagem do excesso de idealismo, pois fica presa a ideia de cidadãos que se orientam para o bem comum (HABERMAS, 1997).

O modelo deliberativo, por sua vez, acolhe elementos de ambos os lados e os integra de uma maneira nova e distinta concebendo a construção democrática apoiada em condições de comunicabilidade nas quais o processo político possa ter a pretensão de alcançar resultados racionalmente justificados, já que, nessas condições, o “[...] modo e o estilo da política deliberativa realizam-se em toda a sua plenitude [...]” (HABERMAS, 1997, p. 45). Dessa forma:

Se convertermos o modelo procedimental de política deliberativa no núcleo normativo de uma teoria da democracia produzem-se diferenças tanto com respeito à concepção republicana do Estado como uma comunidade ética quanto com respeito à concepção liberal do Estado como protetor de uma sociedade centrada na economia.

Nesse sentido, a teoria discursiva se utiliza de elementos de ambas as concepções (liberal e republicana) e os integra em um processo de tomada de decisões políticas democráticas por meio de discursos de autocompreensão, fundados no pressuposto de atingir resultados racionais e equitativos na vida coletiva, pois:

Conforme essa concepção a razão prática se afastaria dos direitos universais do homem (liberalismo) ou da eticidade concreta de uma determinada comunidade (comunitarismo) para se situar naquelas normas de discurso e de formas de argumentação que retiram seu conteúdo normativo do fundamento de validade da ação orientada para o entendimento, e, em última instância, portanto, da própria estrutura da comunicação linguística. (HABERMAS, 1997, p. 46).

Destaca-se nesta concepção democrática o papel da autocompreensão como forma de esclarecimento e entendimento entre os sujeitos enquanto membros de um determinado contexto social. Este entendimento é fundamental para o relacionamento mútuo na vida coletiva em meio ao pluralismo cultural e social da atualidade:

[...] por trás das metas politicamente relevantes muitas vezes escondem-se interesses e orientações valorativas que de modo algum podem-se considerar constitutivos da identidade da comunidade em seu conjunto, isto é, de uma inteira forma de vida compartilhada intersubjetivamente. (HABERMAS, 1997, p. 44).

As negociações entre os sujeitos pressupõem a disponibilidade para a cooperação para que se possa chegar a acordos aceitos por todas as partes, ainda que por razões distintas. Assim, a política deliberativa precisa levar em consideração a pluralidade nas formas de comunicação e nas especificidades dos sujeitos conduzindo à formação de uma vontade que leve em consideração o equilíbrio dos interesses e compromissos que surjam de escolhas racionais. (HABERMAS, 1997).

Para Habermas (1997) a democracia deliberativa se constitui a partir de conjuntos de procedimentos e de atos, que tenham por base o discurso e a deliberação racional. O que determina a legitimidade é o processo de tomada de decisões políticas, frutos de discussão pública ampla e igualitária em que os participantes possam debater afim de que as decisões obtidas sejam assumidas por todos como suficientemente corretas e frutos de consensos em vista de interesses comuns à existência coletiva.

A democracia deliberativa se fundamenta racionalmente e isso significa a utilização da deliberação por parte dos cidadãos como participação política. Portanto, a participação discursiva dos interessados que são direta e indiretamente afetados pelas decisões que venham a ser tomadas garante a legitimidade destas. E isso necessariamente amplia a ideia de soberania popular, pois a construção de acordos mediados pelo uso da linguagem permite aos indivíduos que se reconheçam nas decisões tomadas, ampliando com o isso a prática da democracia.

Nesse sentido, a democracia deliberativa carrega consigo um potencial de fortalecimento do mundo da vida, uma vez que amplia as possibilidades de interferência participativa e faz com que os cidadãos se identifiquem com as decisões tomadas.  (HABERMAS, 1997).

A participação dos indivíduos nas questões de interesse comum auxilia a transformação da realidade e os educa politicamente para a ação política e social. Tem-se, pois, a ampliação das possibilidades de participação e construção coletiva, que torna a democracia deliberativa uma alternativa para o contexto atual do mundo, tendo em vista que “A democracia pressupõe essencialmente a liberdade de expressão e opinião pública, a divisão de poderes, a participação política, assim como formas diretas ou indiretas de participação política.” (RECK; THIER; MORAES, 2011, p. 70).

Nessa perspectiva a democracia realiza-se a partir da possibilidade de deliberação dos sujeitos envolvidos em determinado contexto social. Esta concepção não parte de uma visão utópica de sociedade justa, apenas possibilita que os concernidos sejam decididos mediante processos comunicativos a respeito de sua vida social concreta, livres de qualquer forma de coerção, o que caracteriza a emancipação.  A ideia de emancipação está associada a  criação de um processo comunicativo permanente entre os sujeitos que fazem acordos a respeito de questões que lhes são comuns.

Assim, a democracia deliberativa transfere o eixo da decisão para o processo de constituição da vontade pública, não ligada apenas a interesses de grupos que estejam eventualmente no exercício do poder político. Nesse contexto, a esfera pública ganha importância como espaço de formação da vontade popular livre dos imperativos institucionalizados uma vez que desenvolve os conteúdos nascidos das demandas do contexto social como um todo. Ela funciona como um fórum permanentemente aberto às discussões dos concernidos e permite a seleção do argumento a ser apresentado às esferas de poder político para, mediante pressão dos grupos sociais, exigir respostas às demandas  (HABERMAS, 1997).

A democracia deliberativa se baseia no respeito mútuo entre os indivíduos numa perspectiva igualitária, isto é, caracteriza-se por ser uma forma de governo em que cidadãos livres e iguais justificam suas decisões políticas mediante um processo em que as razões são aceitáveis e acessíveis a todos os concernidos. Para a real legitimidade democrática, é insuficiente pensar que uma cúpula da Administração Pública foi escolhida por representantes legitimados nas urnas, pois a eleição é somente um dos momentos democráticos e consubstancia somente um instrumento de escolha de governantes entre as opções políticas apresentadas.

Nesse sentido, de nada adianta a representação política se não houver a participação ativa dos cidadãos e sua ampla deliberação pública sobre os posicionamentos e políticas a serem adotados por eles. Como ressalta Young (2006, p. 155) “[...] a participação está estritamente ligada ao processo de harmonização da legitimidade representativa e, por isso, deve haver uma participação intensa dos cidadãos.”

A fim de viabilizar esta participação ativa dos cidadãos alguns instrumentos foram criados, como os conselhos gestores de políticas públicas, que são órgãos públicos de composição paritária entre representantes da sociedade e do Estado, que assumem atribuições consultivas, deliberativas e de controle social. Cada conselho se diferencia por sua paridade, que é a correlação de forças e alianças que devem ser estabelecidas para consolidar um determinado projeto ou política pública (PAULA, 2006).

Os conselhos gestores de políticas públicas são canais participativos, propiciadores de um novo padrão de relações entre o Estado e a sociedade, principalmente em nível municipal, já que, em tese:

(i) viabilizam a participação dos diferentes segmentos sociais na formulação das políticas sociais; (ii) possibilitam à população o acesso aos espaços onde são realizadas decisões políticas; (iii) criam condições para um mecanismo de vigilância sobre as gestões públicas, implicando em maior efetividade na prestação de contas do Poder Executivo.(GOHN, 2006, p. 9).

Com base na democracia deliberativa, os conselhos gestores de políticas públicas podem se consolidar como espaços de participação ativa dos cidadãos, garantindo transparência e ampla publicidade de todos os atos estatais a serem levados à apreciação dos conselhos e igualdade de condições de todos os participantes, o que inclui amparo de conhecimento teórico e político dos conselheiros e ampla capacidade inclusiva.

Assim, os conselhos gestores de políticas públicas funcionarão como órgãos públicos que se põem como redes de deliberação, contestação e argumentação e um espaço de produção coletiva com a participação dos potencialmente afetados pela decisão e  configurar-se-ão como órgãos que se prezam pelo esclarecimento recíproco e pela plena formação da opinião pública (HABERMAS, 2006).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerar a teoria do agir comunicativo como elemento essencial a ser considerado na formulação de políticas públicas educacionais no Brasil por meio de um modelo democrático deliberativo contribui para a construção de uma sociedade mais igualitária e menos hierarquizada.

Nesse sentido, as proposições de agir comunicativo e democracia deliberativa de Habermas podem contribuir para uma mudança na maneira de conceber as políticas públicas de educação, tendo em vista que a educação é direito social e serviço público que impõe a garantia de que seja oferecida a todos, não se tratando apenas de igualdade de oportunidades, mas de inclusão social, de maneira que as políticas desenvolvidas neste contexto possam reduzir as distâncias existentes entre as diferentes posições sociais.

A teoria do agir comunicativo pauta-se em uma relação dialógica entre as partes que se relacionam, de maneira que os enunciados devem ser reconhecidos em um processo de cooperação. Dessa forma, os cidadãos somente podem prosseguir com seus objetivos em cooperação com os demais, ocasionando menos burocratização e maior eficiência dos serviços públicos prestados pela Administração.

A linha de raciocínio de Habermas  aponta  para o entendimento de oferecer soluções que não considerem o convívio social fruto de imposições institucionais e sistêmicas, mas que ofereça possibilidades de transformações sociais que se abram para o que emana do mundo da vida, ou seja, para que as organizações da sociedade civil tenham capacidade de intervenção política. Entende-se que as teorias da ação comunicativa e da democracia deliberativa fornecem, não só uma fundamentação para a existência de conselhos com participação popular, que intervêm na fixação de diretrizes de políticas públicas, mas mostram também que a consolidação destes espaços públicos autônomos, onde atuam os diversos grupos da sociedade civil, é condição básica para a solução de uma série de problemas que envolvem a educação no Brasil, em especial o ensino superior e os dilemas relacionados à inclusão social neste âmbito.

À luz da análise habermasiana, pode-se afirmar que a hipótese formulada neste estudo foi confirmada, pois as contribuições do agir comunicativo e da democracia deliberativa referem-se à possibilidade de maior participação dos sujeitos destinatários das políticas públicas em sua formulação e implementação. A existência dos conselhos gestores de políticas públicas são um caminho viável para promover contribuições significativas no que tange às políticas públicas educacionais, uma vez que pautam-se na razão comunicativa dirigida por processos de busca do entendimento e não por meios auto-regulados. Estes processos evidenciam que no âmbito das políticas públicas faz-se necessário promover mudanças que considerem os mecanismos de decisão que levem em conta a participação de lodos aqueles que sofrerão os efeitos desta ação.

É necessário, portanto, aprofundar os estudos e desenvolver mecanismos que reduzam a tendência centralizadora do sistema institucional de tomada de decisão. No âmbito das políticas públicas educacionais, especificamente no ensino superior, a consideração do agir comunicativo e da democracia deliberativa podem trazer profundas melhorias ao possibilitar, não somente maior participação dos sujeitos, como também a própria emancipação social a partir da reflexão crítica sobre o mundo da vida e sua inserção ativa neste contexto.

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Sobre o autor
João Deusdete de Carvalho

Advogado, Procurador Público, Professor Assistente H do Departamento de Direito da Universidade Regional do Cariri-URCA, Cursou Especialização em Direito Processual Civil na UFPI, Especialização em Planejamento pela FAO, Mestrado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul-RS

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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