DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL HIPOTECADO
Rogério Tadeu Romano
Caio Mário da Silva Pereira conceitua a hipoteca como “o direito o direito real de garantia de natureza civil de natureza civil, incidente em coisa imóvel (podendo excepcionalmente ser de moveis como os navios e aviões)do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor”, ressalvando, entretanto, que tal conceituação é imperfeita e sem os rigores de uma definição estrita(Instituições de direito civil 1ª edição, volume IV/256).
Em princípio, a hipoteca incide sobre bens imóveis. Em sendo assim, devem ser por natureza alienáveis, uma vez que se o devedor deixa de pagar a dívida no prazo que é convencionado, o credor executará o imóvel hipotecado, promovendo a sua venda judicial e exercendo o direito de preferência.
A hipoteca mais comum é a convencional que se constitui pelo acordo de vontades, exigindo a escritura pública uma vez que se trata de direito imobiliário.
Sabe-se que existem outras hipotecas como a legal e a judicial, expostas em lei.
Diverso da hipoteca é a anticrese, outro direito real em garantia, ou outra pessoa por ele, entrega ao credor a fim de que este percebendo –lhe os frutos e rendimentos pode compensar-se da quantia entregue ao primeiro.
Um imóvel hipotecado pode ser objeto de desapropriação.
O antigo artigo 762, V, do Código Civil determinava:
Considera-se a dívida vencida:
V- Se se desapropriar a coisa dada em garantia, depositando-se a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor”.
O artigo 31 do Decreto-lei 3.365/41 já aduzia que ficam sub-rogados no preço de quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado, quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado, segue-se que, depositado o “quantum” a indenização fixada na sentença proferida no feito expropriatório, se opera automaticamente a sub-rogação do direito do credor hipotecário sobre aquele “quantum”, de modo que da indenização se retirará a quantia necessária ao pagamento deste último, uma vez que essa será a consequência do vencimento antecipado da dívida.
O vencimento antecipado produz os mesmos efeitos do vencimento no termo ajustado, podendo o credor cobrar, desde logo, a quantia devida, sem que o devedor possa alegar qualquer defesa, fundada no prazo firmado no contrato.
Clóvis Beviláqua(Código civil comentado, 10ª edição, v. 3/267, 1955) disse o que segue:
“Em virtude da sub-rogação por força da lei, quer o segurador, quer a pessoa obrigada pela indenização da coisa, deve consignar, em favor do credor, a soma necessária para o seu integral pagamento, considerando-se vencida a dívida. Se assim não fosse, como observa Lafayette, que, aliás, não é completo na providência, que lembra, se a lei permitisse ao segurador pagar o preço ao segurado, “teria ela destruído a virtude da providência que consagra”(Direito das coisas, § 182, nota 7). Deixará, porém, de ser assim, quando a indenização se aplicar na reconstrução do prédio. Sobre ele renascerá a hipoteca.”
Há uma verdadeira sub-rogação e não preferência.
Sub-rogação é colocar uma coisa em lugar da outra, uma pessoa em lugar de outra. Pode haver sub-rogação real ou pessoal.
Preferência, por outro lado, é a vantagem peculiar a certos credores, dada a qualidade de seu crédito, de serem pagos em primeiro lugar, quando em competição com outros credores.
Havendo um credor preferencial como o hipotecário, cujo direito- sub-rogando-se no valor da indenização – absorva a este ultimo por inteiro, afastada estará a sub-rogação do ônus anticrético sobre a indenização que se alude, por não ter o credor anticrético preferência sobre o preço nos casos de desapropriação. Clóvis Beviláqua(Comentários ao código civil, 10º edição, v. 3/305, 1955), no mesmo sentido de Carvalho Santos, pensam diversamente de José Carlos Moraes de Moraes Salles(A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 2º edição, pág. 557) que conclui que a anticrese incide sobre o imóvel s não sobre os frutos.
Sérgio Ferraz(A Justa indenização na desapropriação, RT Ed. 1978, p. 45), conquanto relativamente a diferente direito real de garantia, assevera por igual a prioridade de que aqui se trata: “Dessa sorte, acreditamos que, a partir do Decreto-lei 3.365, também ao credor anticrético se há de reconhecer preferência sobre o preço expropriatório pago ao dono do bem, sobre o qual constituída aquela relação
Aliás é José Carlos de Moraes Salles(obra citada) quem conclui:
“Idêntica solução para o caso em que a coisa gravada por garantia real é desapropriada. Do preço da indenização deposita-se a parte necessária para o integral pagamento do credor hipotecário.”
Mas vem a pergunta: Na desapropriação qual o modelo indenizatório adotado pelo direito brasileiro: sistema da indenização única ou princípio da sub-rogação?
Seabra Fagundes(Da desapropriação no direito brasileiro, 1949, pág. 328) ensinou que o “o sistema da indenização única, princípio da sub-rogação dos alemães, consiste, segundo a definição de LUCIFREDI, em conter numa soma global “correspondente a todos e quaisquer direitos que antes da expropriação gravem a coisa, seja a favor do proprietário, seja de outros sujeitos”. Os direitos de terceiros passam então a incidir sobre o preço pago ao proprietário resolvendo-se numa participação sobre ele”.
A doutrina não adota essa solução e a critica.
Tendo presente que o montante indenizatório é indiviso, nele devendo satisfazer-se o expropriado e todos aqueles que detenham eventuais direitos sobre o bem, o que mostra a praxis é que não raro o valor indenizado não tem força para atender, de forma plena, a todos os credores. É o que esclarece o mesmo autor, verbis: “O sistema da indenização única nem sempre satisfaz. No caso de ações de reivindicações, ações hipotecárias, etc., o direito pode recair sobre a indenização, mas em se tratando de direito pessoal, como o do arrendatário, só satisfaz ao interessado uma indenização distinta.”
O Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, estatuto vigente sobre desapropriação por utilidade pública, cristaliza, no mandamento insculpido em seu art. 26, esta corrente perfilhada pelo direito brasileiro. Diz o referido dispositivo:
“Art. 26 - No valor da indenização que será contemporâneo da declaração de utilidade pública, não se incluirão direitos de terceiros contra o expropriado. “(grifou-se). Complementa-a outra regra, inserta no art. 31 do mesmo texto: “
Art. 31 - Ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado.”
O Código Civil Brasileiro contém regra específica a tutelar o direito de credor hipotecário em hipóteses de desapropriação. Trata-se do inc. II do art. 1558 que assim disciplina:
“Art. 1558 - Conservam seus respectivos direitos os credores, hipotecários ou privilegiados: ................................. “
II - Sobre o valor da indenização, se a coisa obrigada à hipoteca ou privilégio for desapropriada, ou submetida à servidão legal”.
A crítica que se faz é que se é certo que o pagamento da indenização pelo Estado dever ser uno, menos verdadeiro não é que, neste mesmo pagamento sub-rogar-se-á(ão) o(s) direito(s) do(s) credor(es) do desapropriado. É precisamente isso que quer a lei. Assim, a sub-rogação que se opera pela conjugação dos arts. 31 da lei especial e 1558 do Código absorverá parte da indenização, ou mesmo toda ela, satisfazendo-se o credor hipotecário no interior daquela quantia que, de forma global, disporá o Estado.
A matéria foi objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 37.024 – Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 14.10.96, quando se concluiu:
“DESAPROPRIAÇÃO. HIPOTECA SOBRE O IMÓVEL EXPROPRIADO. SUB-ROGAÇÃO DO ÔNUS NO PREÇO DA INDENIZAÇÃO. Se o imóvel expropriado está gravado por hipoteca, a indenização - no todo ou em parte - não pode ser recebida pelo expropriado, antes da quitação do crédito hipotecário; preferência que deve ser respeitada. Recurso especial conhecido e provido”.