O CRIME DA PIEDADE

03/08/2016 às 13:49
Leia nesta página:

O ARTIGO NARRA COMENTÁRIOS SOBRE UM DOS MAIORES CRIMES PASSIOAIS DA HISTÓRIA NO BRASIL.

~~O CRIME DA PIEDADE

Rogerio Tadeu Romano

Relatou um dos maiores criminalistas do Brasil, Evaristo de Moraes:
1. Domingo, 15 de agosto de 1909. Na casa de número 214 na Estrada Real de Santa Cruz, na Piedade, no Rio de Janeiro, entra um homem agitado e nervoso. Era Euclides da Cunha, o autor de “Os Sertões”.
Bate palmas, é recebido pelo jovem Dinorah de Assis, a quem manifesta o propósito de avistar o dono da casa, Dilermando de Assis, aspirante do Exército.
Vai logo entrando na sala de visitas. Aí, saca um revólver e diz: “vim para matar ou morrer!”. Entra no interior da casa e atira duas vezes em Dilermando que, atingido, cai.
Dinorah, vendo o irmão ferido, tenta arrebatar a arma de Euclides. Ouvem-se mais dois disparos. Outro tiro e Dinorah é atingido na coluna vertebral, junto à nuca, ficando, posteriormente, inutilizado para o resto da vida.
Dilermando, embora ferido, consegue apanhar o revólver, atira duas vezes sem atingir Euclides. Euclides aperta o gatilho de novo e recebe um tiro de Dilermando que lhe fere o pulso. Duelo de vida e morte. Tiros de ambos os lados e um projétil atinge o pulmão direito de Euclides, que cai morto ao solo.
Assim foi o que se denominou A Tragédia da Piedade".
Veio o julgamento.
A acusação não estava à altura da defesa que detinha o melhor direito. Euclides da Cunha entrou na casa para matar e acabou encontrando a morte. Era um vencedor literário, como se vê dos Sertões, mas encontrou a morte numa tragédia passional, em que foi um derrotado.
De um lado, a acusação carrega as tintas na tese de o réu ter cometido o crime impelido por “motivo reprovado”. De outro, os advogados de Dilermando tentaram mostrar a alegação de legítima defesa, que os atos e a personalidade de Euclides da Cunha teriam impulsionado sua mulher à traição.
Um dos documentos juntados ao processo em que fica claro esse objetivo é o artigo do jornalista Júlio Bueno, companheiro de gamão de Euclides, publicado no jornal O Muzambinho, uma semana depois do crime. Em um trecho, o jornalista descreve a relação do escritor com Anna.
“Mas aquele de grande espírito tinha uma falha; aquele de imenso coração tinha um ponto negro; aquela alma Adamantina, como novo Gulinan, tinha uma jaça; aquele Himalaia de patriotismo, de dedicação para os fracos, para os oprimidos, para os pequeninos, para os infortunados, tinha uma caverna escura; como Achiles, o herói de Homero, tinha um ponto vulnerável; aquele cultor apaixonado do dever tinha um senão — essa falha, esse ponto negro, essa jaça, essa caverna escura, esse ponto vulnerável, esse senão, era o abandono moral da companheira, daquela que de carinho, de zelo, de dedicação, o aconselhava, o advertia, o arredava dos perigos, procurando cercá-lo de uma atmosfera de calma e repouso. Porém o grande homem, por uma fatalidade idiossincrásica, correspondia mal a essas disposições da esposa.”.

Aos dezessete anos de idade, em 1905, apaixona-se pela esposa do escritor e engenheiro militar, Euclides da Cunha, Ana Emília Ribeiro, filha do general Solon Ribeiro, então com trinta anos.
Ana havia lhe indicado um quarto, na Pensão Monat. Dilermando, que era órfão, morava na Escola Militar. Encontram-se, durante as longas ausências de Euclides, sempre viajando a serviço, nesta pensão carioca, situada à rua Senador Vergueiro - depois alugam uma casa na rua Humaitá, onde passam longos períodos juntos.
Dilermando era então descrito como belo, alto e loiro – o relacionamento estabelece-se e, mesmo continuando casada, com ela tem dois filhos, registrados por Cunha:
• Mauro, em 1906, morto com sete dias.
• Luís, em 1907.
Após o retorno de Euclides, transfere-se para a Escola Militar de sua cidade natal, Porto Alegre, em 1906, mantendo copiosa correspondência com a amante.
Em 1908 conclui o curso, atingindo o posto de tenente, retornando para o Rio, passa a morar com o irmão Dinorah, em uma casa na Estrada Real de Santa Cruz, 214 (depois avenida suburbana, atual avenida Dom Hélder Câmara), no bairro da Piedade.
A volta para o Rio de Janeiro fê-lo protagonizar o trágico episódio que vitimou mortalmente Euclides, feriu e aleijou seu irmão Dinorah, e maculou sua biografia para sempre.
Casando-se com Ana, tem com esta quatro filhos. O relacionamento, porém, dura catorze anos.
Na verdade, Euclides era casado com Ana Emília Ribeiro e era um homem quase constantemente ausente do lar. Viajava muito. Cobriu a campanha de Canudos, esteve na Amazônia e de suas viagens o grande fruto é a sua obra mais famosa.

No entanto, Ana, sozinha e carente, apaixonou-se loucamente por um jovem de 17 anos, Dilermando de Assis. Teve dois filhos com ele enquanto estava casada com Euclides. Um dos meninos, único louro no meio de uma família de morenos, era chamado por Euclides de "espiga de milho no meio do cafezal".

Descoberta a traição, Euclides invadiu a casa do amante de sua mulher, na avenida Suburbana, altura de Piedade, com a intenção declarada de matar ou morrer. O intelectual disparou tiros contra Dilermando, mas errou todos. O militar, especialista em tiro, acertou Euclides em cheio levando o escritor à morte. Ana estava com o amante no momento do crime.

Esse foi um dos crimes passionais mais famosos da história do Brasil e ficou conhecido como “A Tragédia da Piedade”.
Anos mais tarde, Quidinho, filho de Euclides, tentou vingar o pai e acertou Dilermando com tiros pelas costas. Mas o militar, mesmo ferido, conseguiu reagir e matou o jovem, que tinha então 19 anos.

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Ana, mãe de Quidinho já estava casada com Dilermando e, apaixonada, perdoou o marido, que dela acabou se separando dez anos depois.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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