Inovação em Tempos de Cólera: Uma Perspectiva no Âmbito Jurídico

10/08/2016 às 21:55
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Uma análise sobre as novas perspectivas profissionais no âmbito jurídico diante dos processos de inovação.

            Inovar é preciso! Essa parece ser uma frase bastante propositiva nos tempos atuais, mas um pouco singela se considerarmos as razões da própria inovação e dos tempos de dificuldade econômica em que o país passa. Ora, a inovação é essencial porque a própria mudança é inevitável. A questão primordial é identificar com sucesso, em meio às várias possibilidades existentes, as oportunidades diante de um cenário conturbado e das dificuldades naturais em que os processos de inovação poderão ser reconhecidos e implementados. No âmbito jurídico essa perspectiva é ainda mais cruel, pois é vista com muito ceticismo por grande parte dos operadores do direito, sobretudo aqueles ainda arraigados em vetustos tradicionalismos.

            A ciência jurídica ainda tem relutado em explorar sistematicamente o papel do direito no desenvolvimento de tecnologias ou de outras inovações mais contundentes, restringindo-se em separar o conteúdo do que seja justo ou injusto, ou em indicar as condições que asseguram a legitimidade de uma decisão judicial. Isso, todavia, já não é mais suficiente, urgindo aclarar o papel do operador do direito na solução de problemas sociais por meio dos processos de inovação.

            A inovação pode abrir fronteiras dentro do próprio direito. Nesta perspectiva, a inovação não implicaria necessariamente na criação de algo absolutamente inédito, mas na criação de algo prático para as demandas já existentes no cotidiano do profissional do direito. Essa perspectiva pode certamente abrir novos nichos de trabalho e indicar outras possibilidades profissionais no âmbito jurídico.

            Dentro dessa perspectiva, é possível apontar algumas possibilidades de imersão profissional dentro da própria seara jurídica, tais como: mediação e arbitragem por meio virtual, coaching jurídico, planejamento estratégico aplicado ao direito, atuação em programas de compliance em diversos segmentos econômicos, criação e desenvolvimento de startups, entre diversas outras possibilidades de atuação.

            O profissional do direito tem a possibilidade de trabalhar em processos de inovação que permitam com que sejam desenvolvidas práticas que retirem do judiciário o único caminho de resolução de conflitos ou que sejam vetores para tornar o cumprimento da lei mais eficiente. Essa inovação, aliás, está prevista no novo Código de Processo Civil, o qual privilegia o acordo entre as partes como solução primária de conflitos, motivo pelo qual facilita a mediação e arbitragem, que antes ficava adstrita a poucas câmaras privadas de mediação e que têm custo elevado.

            Com a nova perspectiva do novo Código de Processo Civil, é possível a criação de centros de mediações e arbitragem por meio virtual, onde o consumidor poderá pleitear a garantia de seus direitos sem a necessidade de judicialização das demandas e que, em virtude do potencial tecnológico de solução, certamente poderá ser muito mais eficiente e rápido do que as câmaras de mediação e arbitragem presenciais. As possibilidades são diversas, sobretudo em face das diversas tecnologias disponíveis.

            Como inovação, o coaching jurídico também se apresenta como uma excelente maneira de capacitar advogados e demais profissionais do direito no desenvolvimento do seu mister. Trata-se de uma nova perspectiva no desenvolvimento de habilidades próprias do profissional e que abre uma grande demanda para aqueles que atuam como coach.

            O planejamento estratégico aplicado ao direito também é outro flanco pouco explorado, pois geralmente é trabalhado por profissionais que não são da área jurídica, mas da área administrativa. No caso, o planejamento estratégico é comumente utilizado em escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas, cujo objetivo primordial é alinhar estratégias entre aquilo perseguido pela própria empresa e seus sócios com a atividade desenvolvida pelos profissionais. Com o planejamento estratégico específico no âmbito jurídico é possível determinar como o advogado deva atuar no processo de estruturação do negócio e como envolver-se com as demais áreas da empresa, além de conhecer cases bem sucedidos de alinhamento da gestão do Departamento Jurídico às estratégias organizacionais.

            Em que pese o tradicionalismo relacionado à atuação profissional, não resta dúvida que a advocacia, em especial, também é um negócio que precisa ter um tratamento profissional adequado, principalmente por causa de dois contrastes: a advocacia insere-se em um mercado competitivo, mas o advogado não pode ser mercantilista; e, o advogado é um profissional que precisa ser conhecido, mas a legislação o proíbe de se promover. Em virtude dessas dificuldades, o planejamento estratégico é algo vital para os advogados.

            O compliance também é uma novidade bastante promissora na atuação do profissional do direito, pois abriu a possibilidade de desenvolvimento de novas expertises na área de consultoria em diversos segmentos mais regulamentados. Como é cediço, o programa de compliance tornou-se um mecanismo efetivo de prevenção ao descumprimento de normas, combate a fraudes, desvio de condutas e, por via de consequência, tornando-se indispensável para mantença da competitividade no intricado cenário corporativo. O compliance passou a servir de vetor para a proteção da integridade das organizações, reduzindo riscos e aprimorando controles que sejam imprescindíveis para a tomada de decisões.

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            No entanto, a grande sacada do compliance é não compreendê-lo como algo estanque em si, mas como uma forma de criar mecanismos para defesa e crescimento da empresa ou entidade cujo programa foi implementado. Assim, detectar problemas não implicar necessariamente no crescimento da empresa, mas apresentar soluções por meio do compliance é certamente uma grande forma de inovação e desenvolvimento para as empresas ou entidades.

            Ainda dentro do compliance, é possível criar um programa de compliance voltado, por exemplo, ao setor filantrópico, onde diversas entidades esbarram na falta de conhecimento ou mesmo de procedimentos mais simples que lhes credenciem como entidades beneficentes de assistência social. A criação de um programa de compliance voltado para este setor facilita o cumprimento da legislação e, por via de consequência, tem o forte potencial de atingir aqueles que realmente necessitam da assistência social.

            A criação e o desenvolvimento de startups também é uma grande fonte de inovação que permite o desenvolvimento de práticas para a resolução de conflitos ou que facilitem o cumprimento da lei. Por outro lado, a atuação de profissionais do direito no desenvolvimento de startups é um grande desafio, sobretudo diante da pouca gama de aplicativos que sejam práticos para os profissionais da área e que estão disponíveis no mercado. Não se trata da necessidade de desenvolver algo necessariamente novo, como explicado acima, mas de desenvolver algo que facilite o quotidiano do profissional do direito. Um exemplo disso foi a criação de um aplicativo para celulares voltado ao ponto eletrônico de empregados, onde o funcionário pode bater o ponto diariamente via aplicativo no celular e, no fim do mês, tanto ele quanto o empregador têm o controle exato sobre as horas trabalhadas. Essa inovação resguarda tanto o empregado quanto empregador, sobretudo diante da relação do empregado doméstico.

            Da mesma forma é o desenvolvimento de um aplicativo que faz a contagem automática de prazos, de acordo com o novo Código de Processo Civil. Note que a tecnologia, nesse caso, ajuda a melhorar a prática de algo que não é novo, mas sim a forma com que está sendo desenvolvida.

            O problema no desenvolvimento de aplicativos próprios para o setor jurídico é a existência de um grande hiato entre o profissional do direito e o profissional da área de tecnologia. Não basta pagar um profissional para desenvolver um aplicativo, é necessário pensar o aplicativo como um modelo de negócio sustentável e que seja prático para que o profissional ou estudante do direito possa utilizar, caso contrário, não terá serventia alguma. Sendo assim, não basta transformar um livro em aplicativo, pois isso seria a mera reprodução tecnológica daquilo que está no papel. O diferencial é justamente saber como esse livro deva ser transformado. É justamente esse o grande campo fértil que está aberto aos profissionais do direito.

            Enfim, o título deste artigo faz um pequeno trocadilho à obra “Amor nos tempos de cólera”, do escritor Gabriel Garcia Marques. No entanto, não se trata apenas de um trocadilho, mas de uma analogia com um significado prático. A história contada por Gabo foca em assuntos como amor, envelhecimento e morte. Esse é basicamente o enredo que se desenrola no livro, mostrando as relações amorosas das personagens ao longo de suas vidas, conforme vão envelhecendo e chegando mais perto da morte ou mesmo encontrando-se com ela. Nesse contexto, surgem questionamentos importantes sobre as nossas próprias vidas, tais como: isso é mesmo amor? Qual a razão de ter de morrer? São questionamentos legítimos que podem aparecer ao longo da vida. Entretanto, o essencial aqui é que o amor de verdade nunca morre, mesmo com todos os percalços da vida, ele pode ainda resistir, mesmo diante da raiva (cólera). Essa é a mensagem da obra.

            Inovação em tempos de cólera busca fazer uma analogia à obra do mestre Gabriel Garcia Marques, propondo uma provocação aos profissionais do direito no sentido de sentirem-se incomodados com a falta de inovação no nosso setor e, com isso, buscarem soluções práticas para a resolução de conflitos. A inovação é essencial, conforme explicado acima, porque a própria mudança é inevitável, mesmo nos tempos da cólera (crise) em que o país passa atualmente.

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Sobre o autor
Daniel Cavalcante Silva

Advogado e sócio do escritório Covac Sociedade de Advogados (São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília). Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). MBA em Direito e Política Tributária pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Experiência na área de Direito Tributário e Educacional, com ênfase na área de advocacia empresarial. Membro da Associação Internacional de Jovens Advogados. Vários artigos publicados no país e no exterior. Autor do Livro “O Direito do Advogado em 3D” e "Compliance como boa prática de gestão no ensino superior privado". Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas intitulado: Finanças Públicas no Estado Contemporâneo (GRUFIC). Membro da Comissão do Terceiro Setor da OAB/DF. Professor de Direito Tributário. Laureado com o Prêmio Evandro Lins e Silva, concedido pela Escola Nacional de Advocacia do Conselho Federal da OAB. Indicado como um dos “dez advogados mais admirados no setor de educação, Revista Análise Advocacia 500, 2012 e 2015”. Diversos títulos e prêmios obtidos no país e no exterior.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado para motivar a inovação no âmbito jurídico e comemorar o dia dos advogados.

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