Tráfico Internacional de Pessoas e Protocolo de Palermo.

Conceito, definição, principais grupos vulneráveis, casos correlatos e implicações jurídicas

14/08/2016 às 11:21

Resumo:


  • O Tráfico Internacional de Pessoas é uma violação grave dos direitos humanos, caracterizada pela coação, fraude ou abuso de poder para fins de exploração, incluindo exploração sexual, trabalho forçado e remoção de órgãos.

  • O Protocolo de Palermo, adotado pela ONU e ratificado pelo Brasil, estabelece medidas de prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, particularmente mulheres e crianças, e define o consentimento da vítima como irrelevante quando obtido por meios ilícitos.

  • Legislações nacionais, como o Código Penal Brasileiro, buscam criminalizar e punir o tráfico de pessoas, mas ainda são necessárias medidas mais eficazes para proteger as vítimas e combater essa prática globalmente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Tráfico Internacional de Pessoas deve ser entendido como: o impedimento da liberdade de ir e vir da pessoa levada a outro país, com seu consentimento (quando não sabendo o real motivo da ação), ou contra sua vontade.

Conceito

O Tráfico Internacional de Pessoas deve ser entendido como: o impedimento da liberdade de ir e vir da pessoa levada a outro país, com seu consentimento (quando não sabendo o real motivo da ação), ou contra sua vontade.

Definição

O Protocolo de Palermo, do qual o Brasil é signatário, “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças”, já assevera em seu mesmo texto que pretende “prevenir e combater” o tráfico internacional de pessoas, mas esbarra na legislação de cada país:

Declarando que uma ação eficaz para prevenir e combater o tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, exige por parte dos países de origem, de trânsito e de destino uma abordagem global e internacional que inclua medidas destinadas a prevenir esse tráfico, a punir os traficantes e a proteger as vítimas desse tráfico, designadamente protegendo os seus direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos,

Tendo em conta que, apesar da existência de uma variedade de instrumentos internacionais que contêm normas e medidas práticas destinadas a combater a exploração de pessoas, em especial de mulheres e crianças, não existe nenhum instrumento universal que trate de todos os aspectos relativos ao tráfico de pessoas,

O referido Protocolo, em seu Art. 2º, declara como objetivo:

“a) Prevenir e combater o tráfico de pessoas, prestando uma especial atenção às mulheres e às crianças;

 b) Proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos; e

c) Promover a cooperação entre os Estados Partes de forma a atingir estes objetivos.”

Em seu Art. 3ª, alínea “a”, o Protocolo define Tráfico de Pessoas como sendo:


“o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos;”

Em seu livro e na entrevista concedida ao programa Direito e Globalização, a Drª Thaís de Camargo Rodrigues, Mestre em Direito Penal, também define o Tráfico de Pessoas como o fenômeno do alistamento ou transferência de pessoas, transporte, voluntário ou involuntário, porém acrescentando que pode ser nacional ou internacional e que os objetivos de exploração podem ser também para a adoção ilegal, esta também forçada ou consentida mediante pagamento aos pais.

Também o Protocolo de Palermo, em seu Art. 3º, alínea “b”, declara que o consentimento, a vontade da vítima é irrelevante, porque muitas vezes ela sequer tem noção que o ato será atentatório contra sua liberdade.

Ainda em sua alínea “c”, o Art. 3º do Protocolo define que: “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança (assim considerado o menor de 18 anos) para fins de exploração deverão ser considerados tráfico de pessoas

A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz vários artigos relacionados à liberdade, segurança, tratamento desumano e liberdade de locomoção, em especial os seguintes:

Artigo III

Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos estão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V

Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo XIII

I) Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.

II) Todo o homem tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Principais Grupos Vulneráveis ao Tráfico Internacional de Pessoas

Os grupos mais suscetíveis ao tráfico internacional de pessoas são: as crianças, os adolescentes, os jovens, principalmente do sexo feminino. Esses grupos têm grande valor para o comércio. As crianças são vítimas de adoção ilegal, além do tráfico de órgãos sob encomenda; adolescentes e mulheres jovens  até os vinte e oito anos para casamento forçado, ou submisso e exploração sexual (consentida ou forçada). O tráfico de órgãos atinge todos os grupos. A doutora Thaís de Camargo Rodrigues acrescenta a escravidão moderna na qual vítimas tem os documentos retidos e trabalham em condições desumanas, acrescenta ainda que travestis e homossexuais também são explorados sexualmente. 

Casos Correlatos

A CPI do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados ouviu, entre outros, o Caso da jovem Charlotte Cohen-Tenoudji que aos quatorze anos descobriu que havia sido adotada ilegalmente, por uma família francesa, família essa que tinha problemas psíquicos muito sérios, onde foi criada em condições de relacionamento difícil. Investigações feitas pela própria Charlote, demonstrou que ela e dezenas de outras crianças de um orfanato de São Paulo foram traficadas para adoção ilegal.

No caso da Charlotte, cujos documentos franceses são inválidos em razão da adoção ilegal, os documentos de nascimento e identidade brasileiros somente poderiam ser emitidos se ela conseguisse determinar quem são seus pais verdadeiros. A que tudo indica (ela encontrou documentos de créditos bancários do pagamento de sua adoção na escrivaninha de seus pais de criação) o tráfico e a adoção ilegal foi realizada em troca de altos valores.

Algumas vezes, porém, a vítima é convencida a viajar com a promessa de emprego fora do país, trabalhos como modelo e até mesmo com a promessa de altos rendimentos para prostituição de alto nível, porém quando chegam ao destino ou são vendidas para casamento forçado ou para trabalho escravo e exploração sexual com privação de liberdade, seus documentos são retidos e suas famílias ameaçadas.

Outras vezes, a vítima é levada para fora do país com a promessa de casamento, cujo pretensos noivos as vendem ou exploram.

Quando a vítima é raptada  ou forçada, para sua família ela irá figura como pessoa desaparecida. Porém quando ela é iludida de alguma forma e consente em ser aliciada, para sua família ela está vivendo normalmente no exterior.

No Brasil, a cada 5 minutos uma pessoa desaparece. Muitos casos de desaparecimentos estão associados a doença mental, fuga do lar, assalto ou mesmo estupro seguido de assassinato. Muitos dos casos de desaparecimento, porém estão associados ao tráfico internacional de pessoas. Infelizmente poucos casos de desaparecimento são solucionados. Vide os casos das Mães da Sé, do Instituto Impar etc.

Implicações Jurídicas

O Protocolo de Palermo deixou a cargo dos países signatários a criminalização, penalização e adoção de medidas legais para coibir e punir os atos nele descrito.  No Brasil o Protocolo foi recepcionado pelo DECRETO Nº 5.017, DE 12 DE MARÇO DE 2004 e a Lei 12.015 de 2009, acrescentou o artigo 231 ao Código Penal Brasileiro. Esse artigo, porém, apenas tipifica o crime, não provendo nenhuma proteção à vítima do tráfico internacional de pessoas, nem a sua família, mesmo em casos de extremo perigo e necessidades de proteção da identidade e proteção de testemunhas etc.

Entretanto, com o fim da CPI do tráfico de pessoas da Câmara dos Deputados, foram propostos diversos projetos de lei que estão tramitando naquela casa que visam coibir a prática do tráfico de pessoas e punir os algozes:

“...Relatório aprovado torna regras de adoção mais rígidas, prevê que agências de modelos sejam credenciadas junto ao poder público para contratar profissionais que atuarão no exterior e apresenta projeto de lei, o qual tramita apensado a texto do Senado, que amplia caracterização para crime de tráfico de pessoas.”

“Tramita o Projeto de Lei 6934/13,  que trata do combate ao tráfico internacional e interno de pessoas.”

“A proposta sugere modificações em sete leis vigentes, principalmente no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40).”

“De acordo com a comissão, as mudanças na legislação vão dar mais eficácia no controle “dessa hedionda espécie” de crime. A CPI classificou a proposta como um “estatuto do combate” ao tráfico internacional de pessoas.”

Escravidão
A ideia principal é aperfeiçoar a tipificação penal do tráfico de pessoas, no País ou para o exterior, hoje restrita para fins de exploração sexual. Foram incluídos o tráfico para trabalhos forçados, guarda de crianças e adolescentes, escravidão e remoção de órgãos.”

“A pena será de 5 a 8 anos de reclusão para quem transportar, recrutar ou acolher pessoas nessas situações. Atualmente, a pena mínima para tráfico para prostituição ou exploração sexual era de três anos.”

“Quem ajudar a investigação poder ter a pena reduzida em até dois terços. Se o crime tiver motivação por gênero ou orientação sexual, a pena aumenta pela metade. O aumento da pena já era previsto em casos de preconceito por raça, etnia, religião e origem.”

“Para ser caracterizado como tráfico, não é preciso que esse trânsito ocorra apenas por causa de uma ameaça ou violência. Também será levada em conta a situação de vulnerabilidade da pessoa ao consentir em ser levada e as promessas feitas a ela.”

“A pena é aumentada de um terço até a metade para vítimas menores de 18 anos, idosa, gestante, indígena ou com deficiência. Atualmente, o aumento era de um sexto até um terço da pena.”

“O tráfico de pessoas e o trabalho análogo a escravo passam a ser enquadrados como crimes hediondos (Lei 8.072/90), assim como o estupro e o latrocínio. Traficante estrangeiro fica sujeito à lei brasileira assim que entrar no território nacional, mesmo se for absolvido no exterior.”

Trabalho escravo
No caso do trabalho análogo ao escravo, a comissão pretende alterar o Código Penal para que a pena de reclusão aumente de no mínimo 2 para 4 anos, sendo que a pena máxima permaneceria em 8 anos.”

“A lei já define como condição semelhante à de escravo sujeitar um trabalhador a condições degradantes de trabalho ou limitar a liberdade de ir e vir do trabalhador por causa de uma dívida contraída com o empregador ou com o aliciador de trabalhadores.”

“Também ficou especificado que esse trabalho não se dá apenas quando existem condições degradantes e jornada exaustiva. O trabalhador ainda pode estar sendo forçado a contrair dívidas com o empregador ou sendo impedido de rescindir o seu contrato de trabalho.”

“Vários artigos do projeto de lei proposto buscam agravar a pena quando o crime for cometido por servidor público que teria o dever de fiscalizar a situação ou quando a vítima for criança ou adolescente. A pena também aumenta em crimes cometidos contra menor de 14 anos.”

Tramitação
A proposta será analisada por uma comissão especial, pois seria avaliada por mais de três comissões de mérito, e seguirá para o Plenário.” [trechos estraídos do sítio da Câmara dos Deputados]

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Conclusão

Nós brasileiros devemos agora acompanhar a tramitação dos Projetos de Lei decorrentes da CPI do Tráfico de Pessoas, na Câmara e no Senado e as modificações que serão propostas.

Por fim, mesmo compreendendo que o tráfico internacional de pessoas tem origem históricas e, percebendo os esforços dos estados para tentar diminuir práticas tão perversas que ultrapassam fronteiras, entendemos que deva haver um esforço adicional de toda a sociedade, não só dos legisladores, promotores, juízes, policiais, investigadores, órgão transnacionais, buscando cumprir a Convenção e o Tratado de Palermo, como também, parafraseando a Drª Thais de Camargo Rodrigues, há necessidade do envolvimento dos meios de comunicação, das escolas, professores, pais e toda a sociedade na edução das crianças para formá-las e nelas incutir o conhecimento para as livrar dos engodos dos aliciadores.

Uma tarefa que cabe a todos nós cidadãos de bem.

Bibliografia:

Protocolo de Palermo:

http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/onu/protocolotr%E1ficopt.pdf

Decreto nº 5017, de 12 de março de 2004 recepcionando o Protocolo de Palermo:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm

Declaração Universal dos Direitos Humanos:
http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm

Reportagem Direito e Globalização entrevistando a Drª Thaís de Camargo Rodrigues, autora do Livro: “Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual – Ed. Saraiva

https://www.youtube.com/watch?v=N1gzxCjm6Sc

Trabalho de Pós-graduação Strito Sensu da Drª Thaís de Camargo Rodrigues na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

file:///home/augusto/Downloads/REDACAO_FINAL_Thais_de_Camargo_Rodrigues.pdf

Caso fictício baseado em casos reais que virou novela com nomes e locais trocados:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Salve_Jorge

Casos de tráfico internacional para fins de adoção ilegal:

http://noticias.r7.com/jornal-da-record/videos/trafico-de-pessoas-presidente-da-cpi-aponta-crime-contra-brasileira-17102015

https://www.facebook.com/pessoasdesaparecidasBR/posts/617947998254445

http://blogdomardem.blogspot.com.br/2014/05/jovem-francesa-traficada-quando-crianca.html

http://blogdomardem.blogspot.com.br/2014/08/jovem-francesa-traficada-quando-crianca.html

Desaparecimento de pessoas – casos correlatos

http://centraldecriancasdesaparecidas.blogspot.com.br/2015/11/instituto-impar.html

https://plus.google.com/+SandraMorenoaninha/posts/Wj6J7TsA373

http://www.maesdase.org.br/Paginas/default.aspx

https://www.facebook.com/pessoasdesaparecidasBR/posts/617947998254445

http://www.pm.sc.gov.br/desaparecidos/

http://www.pm.sc.gov.br/noticias/sos-desaparecidos-policia-militar-cria-programa-para-auxiliar-na-busca-de-pessoas-desaparecidas.html

CPI do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados Federais

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/468369-TRABALHO-FINAL-DA-CPI-DO-TRAFICO-DE-PESSOAS-PROPOE-LEIS-MAIS-RIGOROSAS.html

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/467892-VOTACAO-DO-RELATORIO-FINAL-DA-CPI-DO-TRAFICO-DE-PESSOAS-FICA-PARA-O-DIA-20.html

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=611445

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/468388-PROPOSTA-AMPLIA-CARACTERIZACAO-E-PUNICOES-PARA-TRAFICO-DE-PESSOAS.html

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/468392-ADOCAO-INTERNACIONAL-NAO-PODERA-SER-INTERMEDIADA-POR-PESSOA-FISICA.html

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=604107

Núcleos de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas

http://sistema3.planalto.gov.br/spmu/atendimento/busca.php?uf=TD&cod=11

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Sobre a autora
Francisca Pereira Dias

Estudante de direito do Centro Universitário de Brasília.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho acadêmico elaborado para disciplina Direito Internacional Público em curso de graduação em direito.

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