~~PENHORA DE COTAS SOCIAIS
ROGÉRIO TADEU ROMANO
O Decreto 3.708/1919 não se preocupou em definir o que seja uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada, deixando a sua conceituação a cargo dos doutrinadores, mas indicou como características essenciais:
(a) a responsabilidade dos sócios limitada ao total do capital social (art. 2o);
(b) a adoção de firma ou denominação particular, sempre seguidas da palavra "limitada" (art. 3o e §§);
(c) a responsabilidade solidária, de todos os sócios, em caso de falência, pela parte que faltar para completar o pagamento das quotas não inteiramente liberadas (art. 9o).
A partir dessas características, verifica-se que os mesmos são bastantes para diferenciar as limitadas de qualquer outra sociedade comercial, na medida em que a limitação da responsabilidade dos sócios até o total do capital social e o acréscimo à firma ou à denominação particular da palavra "limitada", as tornam inconfundíveis com os demais tipos societários: sociedade anônima, sociedade em comandita por ações, sociedade em comandita simples, sociedade em nome coletivo, sociedade de capital e indústria e sociedade em conta de participação.
Para tanto será necessária a Affectio societatis que consiste na intenção dos sócios de constituir uma sociedade. É a declaração de vontade expressa e manifestada livremente pelo(s) sócio(s) de desejar(em),estar(em) e permanecer(em) juntos na sociedade, eis que se a vontade de qualquer deles estiver viciada não há affectio societatis.
Fran Martins (Curso de direito comercial) a definiu como:
"Segundo a lei brasileira, caracterizam-se as sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, pela limitação da responsabilidade solidária dos sócios ao total do capital social e, em caso de falência, também pela parte que faltar para preencher o pagamento das quotas não inteiramente liberadas; e pela adoção de uma firma ou denominação à qual se deverá sempre aduzir a palavra limitada"
"Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade."E, o parágrafo primeiro deste mesmo artigo determina:"cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito."
Em seu Curso de direito comercial, 1981, é ainda Fran Martins que ensinava que o capital das sociedades por quotas será expresso em dinheiro, denominando-se a parte de cada sócio de quota. Essas quotas, de acordo com a lei brasileira, serão distintas, não se incorporando, assim, como acontece, com as participações de um mesmo sócio para a constituição de uma sociedade em nome coletivo. A lei não tratou da divisão do capital em quotas de valor igual, como acontece com a maioria das leis estrangeiras, podendo cada sócio possuir quotas de valor diverso do dos outros. Em qualquer caso, porém, não se aglutinarão as quotas de um sócio em uma só, constituindo, portanto, cada quota uma unidade pela qual responde o sócio que a subscreveu ou que a adquiriu.
De toda sorte, as quotas não podem ser representadas por títulos circuláveis, como acontece com as ações das sociedades de sociedades anônimas. Estarão elas fixadas no contrato social e, não há, para representa-las um documento especial. As cotas podem ser possuídas por mais de uma pessoa, mas, nesse caso, serão os seus coproprietários representados na sociedade, por uma só pessoa, por eles escolhida. Caso isso não se verifique, responderão todos os coproprietários da quota pelas obrigações decorrentes da mesma.
Disse Paulo de Almeida Ferreira(A questão da penhorabilidade das quotas sócias) que é possível a penhora das quotas sociais liberadas “na insuficiência de outros bens do devedor” (CC/2002, art. 1.026, parágrafo único) , pois, segundo o art. 591 do CPC “ o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.
O primeiro passo é buscar antes da penhora das quotas, outros bens em nome do devedor. Não importa que o devedor tenha sido fiador e não o devedor principal para ter suas quotas penhoradas.
Em segundo lugar, quando não houver bens suficientes do sócio devedor, a execução poderá recair sobre o que couber ao sócio nos lucros da sociedade ou na parte que tocar em liquidação (CC/2002, art. 1.026, caput) se a sociedade houver sido dissolvida.
Pergunta-se se é possível penhora de quota social? Ainda responde Paulo de Almeida(obra citada):
“sociedades limitadas sujeitas ao regime de regência supletiva das sociedades simples – são as chamadas limitadas de vínculo instável, pois o vínculo entre os sócios pode ser rompido com facilidade, abrangendo grande número de hipóteses em que é cabível a resolução da sociedade em relação a um sócio: morte do sócio (art.1.028, CC), liquidação de quotas a pedido de credor do sócio (art.1.026, CC), retirada motivada (art.1.077, CC), retirada imotivada (art.1.029, CC), e expulsão de sócio (art.1.085, CC). Nesse subtipo de limitada, aplica-se a legislação referente à sociedade simples (ou civil) no caso de lacuna legislativa ou contratual em relação a sociedade limitada. Pois bem, o art.1.026 do Código Civil, dispositivo que está localizado no capítulo concernente às sociedades simples, permite a penhorabilidade das cotas sociais no caso de insuficiência de outros bens do devedor - lembrando que este dispositivo só é aplicado às sociedades limitadas quando o contrato desta não dispor sobre o assunto (uma vez que a legislação própria da limitada é omissa em relação à possibilidade ou não da penhora) e também não determinar a regência supletiva pela Lei das Sociedades Anônimas ao invés das disposições do Código Civil relativos à sociedade simples;
A jurisprudência assim enfrenta a matéria:
Processo: AG 33644 PR 2009.04.00.033644-3
Relator(a): MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Julgamento: 27/01/2010
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação: D.E. 09/02/2010
Ementa
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. COTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE LIMITADA. AUSÊNCIA DE OUTROS BENS. POSSIBILIDADE.
1. A penhora de cotas sociais de titularidade dos executados revela-se, à luz do artigo 655, VI, do CPC, plenamente possível, desde que demonstrada - como no caso - a ausência de outros bens de propriedade do executado.
2. A partir do momento em que incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, os imóveis deixam de pertencer ao seu antigo proprietário, que passa a ostentar sobre eles unicamente a condição de titular de parcela correspondente à sua participação social na empresa, da mesma forma que os demais sócios. Justamente por tal razão, na forma do parágrafo único do artigo 1026 e o artigo1031 do CC, impõe-se a liquidação da quota social do devedor, a indicar que, a rigor, o que está sendo penhorada é a participação social dos executados na empresa, e não os imóveis que compõem o seu capital social. Obviamente, será respeitada a parcela do capital social titularizada por aqueles que não foram responsabilizados pelos débitos da executada.
3. Agravo de instrumento improvido.
Vejam-se outros entendimentos:
"Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade."E, o parágrafo primeiro deste mesmo artigo determina:"cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito."
A possibilidade de penhora de cotas sociais tem como impedimento o fato de ensejar a entrada de sócio na sociedade sem a necessidade de concordância dos demais. A questão assim se propõe porque a penhora, como ato processual que é, poderá levar à alienação das cotas em hasta pública, passando o adquirente a ter direitos perante a sociedade, sem que os demais sócios sejam consultados ou possam impedir o exercício dos direitos que a propriedade das cotas atribui ao seu possuidor.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, que é possível penhorar cotas de sócios para o pagamento de dívidas pessoais. Para os ministros da 3ª Turma do STJ, a venda não fere a relação de confiança (affectio societatis) — mesmo se houver a “previsão contratual de proibição à livre alienação das cotas de sociedade de responsabilidade limitada”.
A empresa alegou que é sociedade limitada fechada e que “a entrada de um terceiro alheio aos negócios da sociedade é desconstituir sua característica essencial. Mencionou, ainda, julgamento do próprio STJ em que “ficou decidido que havendo "cláusula impediente, cumpre respeitar a vontade societária, preservando-se a affectio societatis, que restaria comprometida com a participação de um estranho não desejado”. Os ministros, no entanto, entenderam que a “penhora não encontra vedação legal nem afronta o princípio da affectio societatis, já que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio”.
A quebra de relação de confiança também tem sido tratada em processos que pedem a exclusão de sócios. O Código Civil, em seu artigo 1.085, prevê a possibilidade de exclusão do sócio por justa causa. Explica-se que existe a possibilidade da saída dos sócios de duas formas: judicial e extrajudicial. “Se o contrato social tiver previsão específica da possibilidade de exclusão de sócio minoritário, ela pode ser feita sem a necessidade de uma ação judicial. Convoca-se uma assembleia para se discutir a exclusão. O sócio tem direito de se defender nesta oportunidade”, detalha.
Contudo, se o sócio acusado não comparecer e não exercer seu direito de defesa, basta a comprovação de sua ciência sobre a reunião e pedido de exclusão.
Trago alguns outros posicionamentos.
Min. Sálvio de Figueiredo, que ponderou : "A penhorabilidade das cotas pertencentes ao sócio de sociedade de responsabilidade Ltda., por dívida particular deste, porque não vedada em lei, é de ser reconhecida. Os efeitos da penhora incidentes sobre as cotas sociais hão de ser determinados em atenção aos princípios societários, considerando-se haver, ou não, no contrato social, proibição à livre alienação das mesmas. Havendo restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios, a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (arts. 1117 a 1119 do CPC). Não havendo limitação no ato constitutivo, nada impede que a cota seja arrematada com inclusão de todos os direitos a ela concernentes, inclusive o status de sócio” (REsp. nº 30.854-2-SP, j. 8.3.94 – RSTJ 62/250).
• Min. Nelson Hungria , que dizia : "O nosso direito positivo, ao contrário do Direito francês, não exige o consentimento da maioria absoluta dos quotistas para que um destes ceda a terceiro sua respectiva quota. Embora não se trate de sociedade somente de capital, pois nela não se deixa de influir o “intuitu personae” , o nosso legislador não cuidou de criar semelhante restrição. A não ser que o contrato ou estatuto social explicitamente o proíba, o quotista pode fazer cessão de sua quota a estranhos. E se assim é, segue-se, logicamente, que as quotas são penhoráveis. O legislador pátrio evitou a incongruência da lei francesa de não permitir, em face de terceiros, a transmissão “inter vivos” admitir a transmissão “causa mortis” , bem como a estranha solução jurisprudencial ou doutrinária de, no caso de adjudicação judicial, subordinar a validade desta à aprovação dos demais quotistas, a qual, se vem a falar, reduzirá o direito do credor do quotista executado, que continuará dono da quota, tão-somente aos lucros que lhe tenham sido ou forem sendo distribuídos. Em face do já citado artigo 18 da Lei nº 3.708, nada tem a ver com a espécie o artigo 292 do Código Comercial. Tampouco têm pertinência ao caso dos artigos 942, XII, e 931, do Código de Processo Civil, pois não se trata de penhorar os fundos sociais da recorrente, desfalcando-lhe o capital, nem coisa que exceda os fundos líquidos do quotista executado, mas, sim, como bem acentuou a sentença de primeira instância, o direito de tal quotista à sua quota, da qual passará a ser titular o credor exeqüente, com as respectivas vantagens e ônus, como o permite o artigo 18 da Lei nº 3.708, combinado com o artigo 27, parágrafo 1º, do Decreto nº 2.627, de 1940(sobre a sociedade por ações ou anônimas)".
Min. Eduardo Ribeiro, que ponderou : “O artigo 591 do CPC, dispondo que o devedor responde, pelo cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, ressalva as restrições estabelecidas em lei. Entre elas se compreende a resultante do disposto no artigo 64, I, do mesmo Código, que afirma impenhoráveis os bens inalienáveis. A proibição de alienar as cotas pode derivar do contrato, seja em virtude de proibição expressa, seja quando se possa concluir, de seu contexto, que a sociedade foi constituída “intuitu personae”. Hipótese em que o contrato veda a cessão a estranhos, salvo consentimento expresso de todos os demais sócios. Impenhorabilidade reconhecida” (R.esp. nº 34.882-5-RS, j. 30.6.93 – RSTJ 50/376).
Os seguintes julgados: RTF, 919 ("São penhoráveis, por dívida particular do sócio, as respectivas quotas de capital na sociedade limitada" ) ; RDM, 51/123 ( "Execução - Penhora - incidência sobre quotas de sociedade por quotas de responsabilidade limitada - Execução aforada contra sócio, por obrigação sua e não da sociedade - Admissibilidade - ..."); RT, 699/206 "responde o devedor com todos os seus bens, presentes ou futuros, para o cumprimento de suas obrigações, não havendo lei que exclua da execução as quotas do sócio em sociedade de responsabilidade limitada"); RT, 639/712 "não há por que inadmitir a penhora de cotas representativas do capital social de sociedade por cotas de responsabilidade limitada"); RT, 645/109 ( "A penhora de cotas sociais para garantir dívida particular de sócio é admitida na jurisprudência" ); RT, 712 /268 ("a penhorabilidade das cotas, porque não vedada em lei, é de ser reconhecida" ); RT, 716 /208 ( “de fato, integram as cotas os patrimônios individuais dos sócios e, assim, podem elas responder por obrigações assumidas por seus titulares").