Aspectos jurídicos da exploração sexual infantil

01/09/2016 às 02:27

Resumo:


  • A proteção legal de crianças e adolescentes no Brasil é assegurada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), que adotam a Doutrina da Proteção Integral.

  • O ordenamento jurídico brasileiro estabelece uma série de direitos fundamentais para crianças e adolescentes, além de prever punições severas para casos de abuso e exploração sexual.

  • Apesar das disposições legais, a realidade mostra que os direitos de crianças e adolescentes muitas vezes não são efetivamente garantidos, exigindo medidas urgentes de combate e prevenção ao abuso e exploração sexual.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo tende a estudar as especificidades do abuso sexual deflagrado na seara infanto-juvenil de modo a tentar coibir tal expressão de violência que ofende ao direito ao desenvolvimento sadio e por conseguinte a dignidade humana.

Enfocando-se a proteção legal de crianças e adolescentes, analisamos ser estes, objeto de tutela jurídica pelo ordenamento jurídico brasileiro, haja vista ser atualmente o ordenamento jurídico pautado pela ideologia referente à Doutrina da Proteção Integral.

Analisando a situação ao qual se encontra a criança e o adolescente perante a ordem jurídica, e conseqüentemente aos preceitos constantes na CF/88, dispões Pedro Lenza (2008, p. 757):

[...] A Constituição de 1988 avança na proteção à criança e ao adolescente, estabelecendo diversos direitos fundamentais. A proteção às crianças e adolescentes é reforçada pela Convenção sobre os Direitos da Criança e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).

Ao tecer comentários acerca da previsão legal de amparo jurídico da criança e do adolescente, dispõe Tiago Emboaba Dias (2005, on line):

A Constituição Federal de 1988 concebeu um novo enfoque sobre os princípios pelos quais as normas anteriores que regulavam direitos e garantias de crianças e adolescentes se norteavam, assimilando a doutrina da proteção integral em seu bojo, segundo a qual a criança é vista como cidadã, não mais se afigurando como mero objeto de assistência ou pessoa em potencial, mas sujeito de direito, destinatário de proteção específicas e prioritárias, necessárias ao seu desenvolvimento.

No mesmo sentido albergado pela norma constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, disposto na Lei n. 8.069/90, prevê como um de seus princípios basilares a proteção integral instituída à criança e ao adolescente, posto que, mister se faz a orientação pelo entendimento que são estes pessoas em desenvolvimento, sendo esta característica de natureza peculiar.

Acerca da doutrina da proteção integral, preleciona o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) em seu art. 1º. “Esta Lei disporá sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.”

Assim sendo, a legislação infraconstitucional, bem como a própria norma constitucional respaldam a total proteção da crianças e do adolescentes, optando-se, pois, por coibir qualquer forma de abuso ou exploração que estes porventura possam vir a sofrer.

Ademais, a Carta Magna de 88 é precisa, dispondo em seu bojo de forma explícita a tutela dos direitos dos menores, estabelecendo, pois, caber a todos, a família, ao Estado, bem como a sociedade viabilizar a efetivação dos direitos inerentes à criança e ao adolescente.

A CF/88 em seu art. 227, § 4º faz ainda uma ressalva, prevendo que qualquer forma de abuso ou exploração de cunho sexual será efetivamente punido, assim disciplinando acerca da proteção integral do menor, bem como ao combate à exploração sexual a Carta Constitucional:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 4º. A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

Ao efetivar comentários acerca da viabilização dos direitos fundamentais instituídos a crianças e adolescentes na norma constitucional e no ECA, narra o Ministro Nilson Naves (2003, on line), em estudo acerca do Tráfico e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes: [...] “Apesar de estarem previstas em normas jurídicas as condições para o desenvolvimento saudável das crianças e dos adolescentes, no dia a dia dos brasileiros a efetivação de seus direitos parece bem distante.”

Ao analisar a denominação criança e adolescente, detecta-se que o legislador norteou-se exclusivamente pelo critério etário, segundo dispositivos constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, sendo este a definir quem serão enquadrados como crianças e adolescentes), assim sendo, disciplina seu art. 2º: Art. 2º. “Considera-se criança, para efeitos dessa Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre treze e dezoito anos de idade.”

Contudo, apesar de observarmos a existência de nítida previsão legal à tutela jurídica da criança em face da exploração sexual, verificamos que no contexto social o abuso e a exploração sexual infantil atingem contornos assombrosos e índices alarmantes, sendo verificada a prática desta forma abjeta de exploração infantil sob os mais diversos modos, tais como: através do incesto ou da violência sexual intra-familiar, do estupro, do atentado violento ao pudor, do assédio sexual, da pornografia e da prostituição infantil.

Segundo dados constantes no estudo acerca do Tráfico e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, dispôs o Ministro Nilson Naves (2003, on line): [...] “revela que cem crianças morrem por dia no Brasil vítima de maus-tratos, violência física, abuso sexual e psicológico.”

Ao analisarmos a situação da exploração sexual infantil, no estado do Ceará, verifica-se a incidência desta em índices ainda mais alarmantes, segundo informações da promotora de justiça Edna Lopes Costa da Matta, acerca dos crimes contra crianças e adolescentes (2008, on line), [...] “Só na Vara dos Crimes Contra Criança e Adolescente, cerca de 55% dos 1.100 processos em tramitação são referentes a abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.”

A exploração sexual infantil constitui-se, por conseguinte, num crime sexual de natureza sui generis, haja vista englobar várias formas de violência que mostram-se violadoras dos direitos fundamentais do menor, o qual seja, perfaz uma violência de natureza física e psicológica, sendo várias vezes de conseqüências graves e irremediáveis.

Há de destacar-se ainda, que a exploração sexual infantil apresenta-se como o gênero de onde derivam as demais formas de abuso sexual infantil, segundo entendimento de Gustavo Leal (2001, p. 331 apud Antônio Cezar Lima Fonseca 2001, p. 146):

A exploração sexual, por seu turno, é toda a forma de aproveitamento sexual sobre sua pessoa. Pode ser a exploração se forma comercial ou não.É todo tipo de atividade onde alguém usa o corpo de uma criança ou de um adolescente para tirar vantagens de caráter sexual, como diz o sociólogo uruguaio Gustavo Leal.

[...]

Perfazendo a continuidade do raciocínio acerca das especificidades que circundam as várias formas de exploração sexual, prossegue o referido autor, entendendo, que a exploração sexual seria uma das categorias de abuso sexual, assim dispondo Lourensz e Powell (2000, p. 2661 apud, Antônio Cezar Lima da Fonseca 2001, p. 146):

[...] Lourensz e Powell referem que a exploração sexual é uma das duas categorias de abuso sexual, sendo definida como: a) condutas ou atividades relacionadas à pornografia retratando menores; b) promoção ou tráfico de prostituição de menores ou c) coerção de menores à participação de atos obscenos.[...]

Assim sendo, segundo entendimento de Antônio Cezar Lima da Fonseca (2001, p. 146-147) a exploração sexual seria o gênero de onde se originam as demais espécies de violência sexual, assim dispondo:

[...] Neste aspecto, a exploração sexual seria um gênero, do qual sobressairiam as espécies previstas nos arts. 240 e 241 do ECA. Destarte, podemos entender que, pelo princípio da especialidade, toda exploração sexual de crianças e adolescentes que não estiver tipificada nos arts. 240 e 241 do ECA, ou nos dispositivos do Código Penal, caberá neste art. 244-A.[...]

Detectamos, pois, ser bastante ampla as hipóteses de abuso e exploração sexual de menores, perfazendo-se a conduta delitiva dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes sob as mais variadas nuances. Antônio Cezar Lima Fonseca elenca outras formas de agressões de caráter sexual que aflingem crianças e adolescentes (2001, p. 147): [...] “A criança e o adolescente não sofrem apenas pela prostituição e pela exploração sexual, mas também por outras agressões sexuais: estupro (art. 213, CP), atentado violento ao pudor (art. 214, CP).”

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Perfazendo-se uma análise sócio-jurídica acerca da realidade inerente ao nosso país, quanto ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, verificamos ser indiscutível o entendimento de que medidas urgentes de combate a esse crescente e desenfreado índice referente a exploração sexual de menores tem de ser efetivamente combatido, tanto no âmbito legislativo, quanto jurídico, como social, posto que, fazer com que a exploração e o abuso sexual de nossas crianças e adolescentes possa vir a se tornar algo distante da nossa realidade social, requer a inserção e o empenho de todos em um conjunto harmônico, em consonância com os preceitos básicos traçados pela Norma Constitucional, ao estatuir ser dever de todos zelar pela proteção integral de crianças e adolescentes.

No entanto, para que ocorra com eficácia o combate e a prevenção ao abuso e a exploração sexual de menores em nosso país, mister se faz a verificação de vários problemas delineados no bojo da norma jurídica que traça as bases da proteção integral do menor (o ECA), bem como no Código Penal Brasileiro, de modo que se possa punir com presteza o infrator no delito de crime sexual contra crianças e adolescentes.

Optando por uma análise crítica pautada em aspectos diversos, buscando expor o entendimento que opta por viabilizar a aplicação da norma já existente como forma de combate a exploração sexual de menores, dispõe o Ministro Nilson Naves (2003, on line):

Dentro do seu território, ainda que o Brasil possa orgulhar-se de contar com uma legislação atualizada sob alguns aspectos, urge continuar o aperfeiçoamento das leis (embora eu ache que a questão de maior relevo seja a de fazer cumprir eficazmente as leis já existentes, aperfeiçoando os segmentos governamentais e não-governamentais competentes para prevenir e reprimir ações ilícitas), mais ainda quando se sabe que várias delas datam de quarenta anos e que, nestas seis décadas, houve mudanças significativas na estrutura social. Os crimes de natureza sexual aqui cometidos contra crianças e adolescentes estão a reclamar políticas públicas e a atuação imprescindível da sociedade civil organizada – o dever é antes de tudo da sociedade e do Estado – para medidas urgentes a fim de prevenir, coibir e, quando necessário punir severamente a exploração sexual de menores de dezoito anos.

Ao traçar análises referentes aos parâmetros ensejadores da exploração sexual contra crianças e adolescentes em nosso país, bem como delinear as possíveis hipóteses de solução a esta triste realidade que “rouba” a infância de nossas crianças, dispõe Tiago Emboaba Dias (2005, on line):

[...] A despeito da norma constitucional, um dos obstáculos ao combate à exploração sexual infanto-juvenil e suas variadas dimensões é a falta de dispositivos legais específicos na legislação infraconstitucional, que vislumbrem todas as suas nuances. De um lado temos o Código Penal, datado de 1940; de outro, temos a Lei nº 8.069 de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Porém, nenhum deles é capaz de suprir com absoluta eficácia as complexidades inerentes a esta modalidade criminosa. No que se refere ao Código Penal, é possível constatar que o mesmo encontra-se defasado da realidade há mais de seis décadas. Muitas alterações foram feitas e muitas propostas estão sendo submetidas ao trâmite legal, porém, sua base filosófica continua a mesma de mais de sessenta anos atrás, o que enseja uma série de discussões para a sua atualização.

Ressalta-se cabível no presente caso uma reflexão sobre o tema em questão, visto a sua importância e relevância social. Precisamos refletir a importância de formas eficazes de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, sendo este combate garantia fundamental instituída aos mesmos pela Constituição Federal, contudo, para poder ser efetivamente punida e combatida as formas de violência sexual infantil que por ora se apresentam, mister se faz a participação de todos, seja através da família, da sociedade, ou do Estado, pois, a exploração sexual infanto - juvenil deve ser efetivamente banida do nosso contexto social.

Sobre a autora
Semiramys Fernandes Tomé

Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Católica de Quixadá lecionando as disciplinas de de Prática Civil, Direito Penal II, Direito Penal IV, Direito Processual Penal I e Direito Civil VI (Sucessões) desde 2012.2. Docente convidada do Módulo de Direito Penal - Parte Especial do curso de pós-graduação em Direito e Processo Penal em 2014.2 da Faculdade Católica Rainha do Sertão - FCRS. Advogada atuante no Estado do Ceará, inscrita na OAB/CE sob o nº 22.066. É especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Vale do Acaraú- UVA (2010). Possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR (2009.1). Possui experiência na área de Direito, com ênfase em Direito e Processo do Trabalho e Direito e Processo Penal. Bolsista Funcap. Membro do grupo de pesquisa Mulheres e Política junto ao CNPQ. É autora de diversos artigos e capítulos de livro sobre temas de significativo relevo na área jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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