Resumo
O foco deste trabalho é o Direito Penal, tendo como objeto de pesquisa a teoria delineada pelo jurista alemão Günther Jakobs denominada Direito Penal do Inimigo, através da corrente chamada Funcionalismo Sistêmico, cuja defesa é expressa pela coercitividade que deve ser imposta aos indivíduos que infringem as normas jurídicas, considerados inimigos do Estado, restando evidente o processo discriminatório e excludente desse posicionamento. Os fundamentos da teoria em estudo configuram-se pela necessidade de se afastar, eliminar, o delinquente do meio social, balizando-se pela relativização das garantias fundamentais e enrijecimento das legislações penais; nesse contexto, acha-se legitimado o Estado a punir os potenciais criminosos, que de alguma maneira representem perigo à sociedade. Acredita-se, ainda, haver alguma justiça no aprisionamento discriminatório de seres humanos, com a justificativa de ser tal atitude a maneira única de evitar delitos de outros cidadãos, bem como de resgatar aquele que já delinquiu. Entretanto, essa ideia é inteiramente falaciosa, vez que o que se tem observado é a superlotação de presídios, onde se degrada a dignidade dos detentos; aumento da criminalidade; e elevados índices de reincidência delituosa, verificando-se a completa exclusão de quem passa por uma casa penal, sem muitas garantias de seu retorno ao convívio em coletividade, fora das grades.
Palavras-chave: Direito penal do inimigo; Seletividade penal; Garantismo
Introdução
No presente artigo, e no sentido de melhor compreender, inicialmente as conceituações de delito e de pena, serão abrangidos o criminoso e, em última análise, a vítima, buscando-se conhecer as motivações da delinquência e as implicações do controle social. Para tanto, torna-se mister a análise das doutrinas já construídas sobre tais assuntos, avaliando se elas respondem satisfatoriamente ao clamor da sociedade e quais as melhores alternativas para se aplacar a criminalidade, sem nunca pretender exaurir o tema que se propõe, senão, pelo contrário, estimular sua discussão.
O foco deste trabalho é o Direito Penal, tendo como objeto de pesquisa a teoria delineada pelo jurista alemão Günther Jakobs denominada Direito Penal do Inimigo, através da corrente chamada Funcionalismo Sistêmico, cuja defesa é expressa pela coercitividade que deve ser imposta aos indivíduos que infringem as normas jurídicas, considerados inimigos do Estado, restando evidente o processo discriminatório e excludente desse posicionamento.
Os fundamentos da teoria em estudo configuram-se pela necessidade de se afastar, eliminar, o delinquente do meio social, balizando-se pela relativização das garantias fundamentais e enrijecimento das legislações penais, nesse contexto, acha-se legitimado, o Estado, a punir os potenciais criminosos, que de alguma maneira representem perigo à sociedade.
Segundo o Direito Penal do Inimigo, aqueles que infringem as normas não podem ser considerados cidadãos, visto terem descumprido o contrato social, tornando-se mister para a regularidade do funcionamento da coletividade, sejam rigorosamente penalizados os agentes que apresentem quaisquer riscos à sociedade, perdurando o castigo enquanto houver periculosidade – não há limite máximo no quantum de pena a ser imposta –, verificando-se aqui, inclusive, a possível alienação perpétua do agente infrator do ambiente social.
Preocupante é o desenvolvimento da teoria acima apresentada, que se tem propagado pelos diversos meios de comunicação, arraigando-se no pensamento da sociedade, que através do senso comum vem defendendo a necessidade de implementação de penas cada vez mais rigorosas aos infratores, com o cuidado de se evitar medidas garantistas.
Inconteste, portanto, é a estigmatização desses indivíduos pela penosa imagem conferida pelo Direito Penal, sendo taxados de inimigos da sociedade, por se contraporem ao paradigma comportamental por ela estabelecido.
Diz-se que a pena aplicada ao infrator é o necessário castigo, medida suficiente à prevenção de outros delitos, mas a restrição da liberdade, que deveria perdurar por determinado interregno de tempo, costuma alcançar proporções outras que “coisificam” o indivíduo, quando este, como qualquer outro sujeito de direitos, necessita ter sua dignidade humana respeitada.
Nesse diapasão, defrontamo-nos com a triste realidade existente no Sistema Penitenciário Brasileiro, de completo descaso com a população carcerária, no que se refere às condições estruturais dos estabelecimentos penais, aos benefícios vencidos dos internos e à supressão ou restrição de seus direitos (processuais e materiais), estabelecidos na Constituição Federal, marcando suas vidas, sem a eles conferir oportunidade de redenção, posto que ao passarem pelos portões de saída, continuarão a pagar pelos erros dantes cometidos, ficando sujeitos a circunstâncias certamente piores daquelas que o motivaram a delinquir pela primeira vez.
O presente artigo abrange fundamentalmente a exclusão social que acomete os penalizados pelo sistema carcerário, que uma vez estigmatizados pelo castigo, passam a ser rejeitados em seleções de emprego, discriminados por grupos sociais e olvidados pelo Poder Público. Ademais, tem-se o racionamento de investimentos por parte do Estado em saúde e educação para as populações de baixa renda, investimentos esses, que se fossem melhor distribuídos, contribuiriam, inclusive, à prevenção da criminalidade.
O tema em tela debruça-se nas implicações de algumas correntes ideológicas e modelos teóricos referentes ao crime e à penalização, abarcando-se, ainda, a pessoa do infrator, a fim de fomentar a reflexão a respeito do negativismo da seletividade da norma penal.
Será utilizado o conhecimento cientifico, delineado por Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro como aquele que “vai muito além do senso comum. Com o seu método de análise podemos conhecer e investigar os objetos, fatos, as coisas, a partir de suas causas, efeitos e leis próprias”[2].
Pretende-se investigar as alternativas existentes para a recuperação dos reclusos do sistema prisional, verificando as possibilidades de prevenção do delito, a partir de uma melhor compreensão dos fatores que lhe motivam e das circunstâncias contributivas para a sua realização.
Direito Penal
Sabe-se que o direito penal é uma ramificação do direito público, em razão de os bens a que tutela serem defendidos diretamente pelo Estado, que poderá exercer o seu jus puniendi ante as ações de particulares que comprometam ou possam vir a comprometer a integridade dos referidos bens; o que lesaria a própria coletividade, uma vez que tais ações provocariam insegurança jurídica.
Ressalte-se, porém, que o jus puniendi estatal não é absoluto, mas sim, deve ser exercido dentro da limitação imposta pelo próprio ordenamento jurídico. Este coloca o Estado em uma posição de representação da sociedade, logo, os direitos por ele protegidos são, em verdade, de titularidade dos componentes da sociedade.
Em virtude disso, devem-se penalizar as condutas que firam o corpo social, sem, contudo, privar o exercício da autonomia moral de cada indivíduo, ou seja, não pode o Estado impor uma moral que lhe pareça conveniente, interferindo na liberdade pessoal dos cidadãos. Corrobora com esse entendimento a rica lição[3] a seguir exposta:
Um direito assim concebido não pode aspirar com a pena a outros objetivos que não sejam a segurança jurídica. A pena não pretende cumprir, pois, em nosso direito, uma função de expiação ou castigo, o que teria um sentido moral, e sim uma função de garantia de bens jurídicos. O propósito de segurança das penas e a limitação da ingerência do Estado às condutas que afetam bens jurídicos são necessariamente complementares: o direito penal que reserva a moral à consciência individual não pode perseguir, com a pena, nenhuma finalidade expiatória (moral), mas só pode buscar um propósito de garantia do âmbito da consciência moral.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 1°, estabelece a liberdade e a igualdade em dignidade e direito de todos os homens[4], sendo estes possuidores de razão e consciência. Conclui-se, então, pela inadmissibilidade de um tratamento diferenciado dispensado aos homens, conforme as políticas de poder, seja não os tratando como pessoa, seja reduzindo sua dignidade ou até cerceando seus direitos, mesmo quando leis internas – sobretudo nossa Carta Magna – e tratados internacionais frisam repetidas vezes o caráter pessoal de todos os homens, e, por isso, defendendo-os em todos os âmbitos de suas vidas.
A defesa dos direitos de todos deve proporcionar a convivência harmoniosa entre os habitantes de uma sociedade. Eis a função da segurança jurídica. Ao punir o autor de uma infração a um bem jurídico alheio, pretende-se fortalecer o sentimento de segurança jurídica ao mesmo tempo em que se busca diminuir o pavor provocado pelo delito.
Para tanto, essa punição deve observar a proporcionalidade com o ato praticado e com a valoração do bem jurídico tutelado, pois a desproporção entre ato e punição geraria maior insegurança jurídica que o próprio delito em si. Nesse sentido, Zaffaroni e Pierangeli:
A coerção penal deve reforçar a segurança jurídica, mas, quando ultrapassa o limite de tolerância na ingerência aos bens jurídicos do infrator, causa mais alarme social do que o próprio delito. Não se trata de que a pena “retribua” nenhum mal com outro mal, e sim de que garanta os bens jurídicos se lesionar o sentimento de segurança jurídica da comunidade. (2009, p. 87).
Vê-se a necessidade de o Direito Penal incidir especialmente sobre a liberdade do agente, não podendo ser exaustivo em sua tutela, mas deve reservar-se aos bens jurídicos mais relevantes e ser utilizado quando os outros campos jurídicos e suas respectivas sanções não sejam suficientes para reparar os danos causados pelo delito praticado.
Teorias da Pena
Cabe, nesse momento, avaliar as teorias da pena, quais sejam da retribuição e da prevenção, formuladas a partir da contribuição de diversos filósofos, sociólogos, juristas e doutrinadores, ao desenvolverem suas concepções e teses a respeito da(s) finalidade(s) da pena. Levando-se em consideração que a aplicação da mesma é a principal característica do direito penal, tem-se que as referidas teorias da pena conceituam o próprio direito penal, vez que ambos não podem ser pensados separadamente.
A primeira, enfatizando a retribuição moral, fundamenta-se na teoria do imperativo categórico de Kant e defende a correspondente penalização para cada infração cometida. Conhecida, também, como teoria absoluta da pena, expressa uma única função para a sanção penal: a de restabelecer a ordem jurídica violada pela prática de um delito.
Nesse contexto, entendia Kant que os descumpridores das normas legais não seriam dignos de possuírem o direito à cidadania, sendo, então, merecedores de impiedosos castigos pelo soberano. O contratualista, porém, nega qualquer outra função da pena que não seja a pura retribuição ao delinquente pela quebra do contrato social, com o consequente restabelecimento da ordem jurídica, e não a aplicação de uma punição pela simples prática de um mal a outrem.
A segunda teoria subdivide-se em prevenção geral, fundada em uma repressão que sirva de exemplo à sociedade como um todo; e prevenção especial, pautada em um aprendizado direcionado ao autor, no sentido de este não reincidir na vida criminal. A teoria da prevenção geral, em sua ramificação negativa, consiste na imposição da pena, coercitivamente, com a finalidade de amedrontar o potencial infrator com a eventual consequência do crime.
A teoria preventiva assim interpretada é um tanto falaciosa, uma vez que pessoa alguma avalia a respectiva pena antes de delinquir, menos ainda, consulta as atenuantes e majorantes antes de cometer o fato delituoso, razão pela qual continuamos a nos deparar com a prática de crimes hediondos e indivíduos construindo uma “carreira” na criminalidade, cometendo os mais diversos delitos e até especializando-se neles; muitas vezes são capturados e cumprem reiteradas penas e, não pouco, de forma consecutiva.
Nesse sentido, manifesta-se o Dr. Romão[5]:
Nossos legisladores, buscando uma solução imediata para o problema apressam-se em elaborar novos tipos penais ou aumentar as penas já existentes, como uma forma de intimidar os transgressores; estes, por sua vez, permanecem indiferentes ao inchaço legiferante ante a certeza da impunidade face à ineficiência do próprio Estado em dar exequibilidade aos seus mandamentos legais.
Diante do exposto, os efeitos pretendidos pela teoria preventiva geral não são alcançados, uma vez que ainda se verifica a existência de crimes no corpo social e, por sinal, cada vez mais frequente, não obstante a excessiva intervenção do Direito Penal, hodiernamente. Nas palavras de Roxin, “cada delito já é, pelo só fato de existir, uma prova contra a eficácia da prevenção geral”.[6]
Conclui-se pela insatisfatória aplicabilidade da teoria comentada em atender aos anseios da sociedade atual, pois exacerba a utilidade da pena na resolução dos injustos penais, quando, em verdade, há outras alternativas efetivas funcionalmente para os referidos casos. Ademais, a inadmissível imposição de um paradigma comportamental ético e moral em um Estado Democrático de Direito.
Por seu turno, a teoria da prevenção especial, em sua vertente positiva, retrata a imposição realizada pelo Estado de um paradigma comportamental, procurando domesticar aos que não se enquadram nesse padrão apropriado, determinando como deve ser o sujeito; o que se convencionou chamar de ressocialização, ficando muito aquém dos louváveis objetivos que o termo propõe.
Embora se fale aqui em ressocialização, observa-se mais um modelo de domesticação desse indivíduo anormal, retirando-lhe sua inerente condição de pessoa; inconcebível, pois, a aceitação da referida teoria em nossa Democracia.
A mera imposição de um determinado conjunto de comportamentos não pode ser chamada, em um Estado Democrático de Direito, de uma nova socialização daquele que foi apenado, quando, na verdade, suprime todas as condições e reprime quaisquer possibilidades de se reintegrar o egresso à sociedade, diante do descaso com que este é tratado durante o cumprimento de sua pena, além da estigmatização feita pela própria sociedade, que os considera como inservíveis.
Entrelaça-se com esse posicionamento o que entende Roberto Lyra Filho[7] sobre o tema em tela:
O comportamento divergente dos grupos e classes dominados, seus padrões de conduta – com normas opostas às normas do sistema – são vistos como “subculturas”, comportamentos “aberrantes”, “antijurídicos”, uma “patologia” que constitui “problema social” a ser tratado com medidas repressivo-educativas para conduzir os “transviados” ao “bom caminho”.
A sanção penal pode recair sobre duas esferas, a saber, a da culpabilidade e a da periculosidade. A primeira direciona-se ao autor do ato delituoso, pois se exigia dele uma conduta diversa, em conformidade com o ordenamento jurídico, não se deixando, porém, de analisar as circunstâncias do caso específico, a fim de graduar a reprovabilidade da conduta praticada.
A censura da periculosidade, por sua vez, expressa que o homem já é determinado em suas condutas, não havendo espaço para escolhas, tendo em vista ser o homem movido por causas determinadas. Dessa forma, considerar-se-á tão somente a determinação do indivíduo para o delito, em outras palavras, a periculosidade do homem, independentemente de já haver delinquido ou não.
Nota-se a existência de um direito penal do autor, que dependendo de seu contexto, poderá ser direito penal de periculosidade ou direito penal de culpabilidade; e um direito penal de ato, que, necessariamente, será um direito penal de culpabilidade.
Como é possível em um Estado Democrático de Direito vigorar um Direito Penal que direciona sua norma a um tipo de autor, em lugar de apenas punir condutas nocivas à sociedade? Plenamente incompatível com a nossa democracia é a adoção do Direito Penal do Autor, vez que o Direito funda-se na regulamentação de condutas propícias à harmonização da vivência em comunidade.
Correntes Ideológicas
Sempre se buscou compreender e explicar o Direito Penal, perpassando-se por seus maiores objetivos e principais funções; daí advém a variada gama de teorias funcionalistas dessa especial ramificação do Direito, ocasionado o surgimento de diversas correntes ideológicas.
Costuma-se encontrar três vertentes de idealização do Direito Penal, quais sejam, a minimalista ou garantista, a maximalista e a absolutista. A última não será aqui abordada, por não ser a realidade de nosso ambiente jurídico, pois é uma corrente que defende a abolição do Direito Penal, em razão de não encontrarem seus seguidores justificativas plausíveis e reformadoras na pena, negando plenamente sua utilidade.
A seguir, serão analisadas as outras duas correntes, que estão digladiando-se em nossa sociedade, ao dividir posicionamentos tanto entre profissionais jurídicos como no meio de leigos cidadãos.
Direito Penal Máximo e Seletividade da Norma Penal
Há muito, o que se tem observado em nossa sociedade, lamentavelmente, é o aumento acelerado da criminalidade, despertando receio na população em geral. Revoltados com tal situação, elevaram a voz os seguidores de uma intervenção máxima do Direito Penal, clamando por uma efetividade do sistema, mediante o enrijecimento das penalidades, recrudescimento legislativo e supressão de garantias e direitos do criminalizado, estendendo o alcance da tutela penal.
Diante do clamor social por segurança, verifica-se a elevada aceitação desse máximo intervencionismo penal, mormente propagado pela mídia sensacionalista, que desconhecendo os procedimentos inerentes ao Direito Penal e Processual Penal, rechaçam os trâmites garantistas e os princípios fundamentais, sobretudo, o da presunção de inocência, e sem qualquer cuidado condenam de imediato ao acusado, exclamando que o mesmo deve “apodrecer” na prisão.
Propugna a intervenção máxima do Direito Penal, que este deve incidir na sociedade com toda a sua força repressiva e estar ainda mais presente no meio social, criminalizando a maior quantidade possível de condutas ofensivas. No entanto, com tal prática desvirtua-se a função da pena, de forma que:
A intervenção penal não objetiva mais tutelar, com eficácia, os bens jurídicos considerados essenciais para a convivencialidade, mas apenas produzir um impacto tranquilizador sobre o cidadão e a opinião pública, acalmando os sentimentos, individual ou coletivo, de insegurança.[8]
Fica patente a crassa seleção que a norma penal realiza, ao se presenciar as maiorias constantes nos estabelecimentos penitenciários, quais sejam, de negros, com baixo poder aquisitivo, de pouca ou nenhuma instrução educacional, buscando-se o inimigo, na maioria miserável que as classes abastadas procuram afastar do convívio social, diminuindo sua importância como seres humanos, subestimando-os nos quesitos capacidade mental e habilidades profissionais, tratados como verdadeiros selvagens.
Observa-se aqui a seletividade ameaçadora e lamentável das classes menos abastadas denunciada por Pinho[9]:
Enquanto aos economicamente favorecidos garante-se proteção penal à propriedade, aos desfavorecidos o estado não assegura de forma adequada a tutela aos bens jurídicos que lhes são caros (vida e integridade física, por exemplo). Enquanto aos primeiros o sistema penal se mostra tal qual verdadeiramente é, [...]; aos segundos, é uma ameaça constante, já que as agências oficiais de controle somente estão preparadas para perseguir a criminalidade tosca, praticada exatamente pela camada vulnerável da população. Exclusão gera seletividade que gera mais exclusão. Só existe seletividade e disfunção porque a exclusão (a negação de alguns, que jamais tiveram seus direitos fundamentais respeitados) é patológica: antecede a tudo, vem desde o descobrimento do Brasil, com a dominação do índio, do negro, os quais, jamais, tiveram oportunidade de fala. E ainda hoje segue assim: as camadas mais frágeis da população (boa parte descendente desses índios e negros inicialmente explorados) continuam tendo seus direitos básicos negados (saúde, educação, emprego, moradia) e continuam sendo o alvo preferencial das agências de repressão.
Inconteste a ocorrência da seletividade penal nas parcelas marginais da sociedade, que, sem dúvida, corresponde à maioria da população. Constata-se que os integrantes das classes dominantes apenas excepcionalmente sofrem punição pelo sistema legal e, ainda assim, de maneira mais tímida e menos burocrática.
O mesmo autor evidencia a excepcionalidade com que se atinge as camadas mais elevadas da sociedade com o sistema penal, tentando-se provocar a intimidação geral, e que dificilmente se consegue determinar uma função para a pena, quase sempre utilizada como simples alienação dos marginalizados ao mesmo tempo em que oferece uma falaciosa resposta ao anseio público por segurança.
Esse direcionamento do sistema penal evidencia a realidade de não se estar punindo ações nocivas à coletividade, mas condutas de vida de determinados grupos sociais, descaracterizando, portanto, a generalidade da lei penal, utilizada como um instrumento nas mãos dos detentores do poder para escolher a quem punir, em conformidade com seus interesses.
O Direito Penal não pode ser utilizado como arma repressiva desferida contra uma determinada parcela da sociedade, sendo empregado como instrumento de exclusão social, devendo-se buscar alternativas outras de penalidades, antes de acometer a coletividade com a sanção mais rigorosa existente no ordenamento jurídico brasileiro, a pena restritiva de liberdade.
Direito Penal Mínimo e Garantismo Penal
É indubitável o caráter estigmatizante da pena e a atuação extremamente violenta do Direito Penal, que coage mediante a restrição de bens mui valiosos para o ser humano, diminuindo a incidência de garantias e direitos fundamentais – sobretudo a liberdade –, a fim de fazer valer o sistema punitivo.
Diante disso, nasce uma outra corrente ideológica denominada Direito Penal Mínimo, que prega a intervenção mínima deste instituto, ou seja, legitima o jus puniendi estatal, mas de maneira limitada, sem arbitrariedades, respeitando os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, mormente o da dignidade da pessoa humana. Ademais, defende a restrição do alcance penal, reservando-se aos delitos de maior gravidade, pois que o excesso tutelar do Direito Penal acaba por banalizar sua aplicabilidade, ocasionando ineficiência e descrédito do sistema.
Nesse contexto, encontra-se fundamentos na moderação e humanização das penas, que devem conter apenas o rigor necessário para evitar a continuidade da delinquência, quando verdadeiramente necessário. Deve-se utilizar também outras formas corretivas e reparadoras à infração, de maneira a não se concentrar no Direito Penal a resolução para todos os conflitos pessoais ou a maior parte deles.
Em seu tempo, Beccaria[10] já defendia essa moderação, ressaltando que:
Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime. Quem não temeria até o âmago da alma, vendo milhares de desgraçados que o desespero obriga a retornar a vida errática, para fugir a males superiores às suas forças, provocados ou tolerados por essas leis injustas que sempre acorrentaram e ultrajaram a multidão, para servir tão-somente a um reduzido número de homens privilegiados?
No sentido de fortalecer a corrente minimalista em estudo, elaborou-se o modelo conhecido como Garantismo Penal, cujo maior expoente na atualidade é Luigi Ferrajoli, onde se reafirma os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, principalmente quando estão submetidos a um processo criminal e passam a integrar o sistema penitenciário, em razão da vulnerabilidade destes, que, em sua grande maioria, são compostos pela parcela marginalizada da sociedade.
Por se tratar de um momento delicado na vida desses indivíduos, defende-se a prevalência do respeito aos direitos e garantias fundamentais sobre todo e qualquer controle social exacerbado e tirano. Vale dizer que a Carta Constitucional Brasileira, estabelece a proteção desses direitos inerentes ao ser humano, e dentre eles observa-se a afirmação das garantias e dos direitos dos próprios acusados criminais, inclusive daqueles que já cumprem penas.
Considerou-se importante regular e reafirmar direitos e garantias fundamentais no âmbito penal, vez que a agressividade da incidência do Direito Penal sobre um indivíduo é sobremaneira ofensiva, originando muitas repercussões negativas em sua vida social e psíquica, pois estará para sempre marcado como um ex-presidiário, não importando as circunstâncias em que se deu esse evento, dificultando especialmente sua (re) integração ao mercado de trabalho.
Modelos Teóricos na Criminologia
Há diversos modelos teóricos encontrados na Criminologia que buscam conceituar o fato delitivo e explicar as causas destes, incluindo em seus estudos as figuras do delinquente e da própria vítima, sem deixar de lado o instituto do controle social.
Nas inúmeras tentativas de se explicar o delito, destaca-se aqui o Funcionalismo Teleológico ou Moderado de Claus Roxin por transferir a culpa do aspecto subjetivo para o normativo, conceituando crime como fato típico, antijurídico e reprovável.
Para além desse âmbito individual, a Criminologia considera também o delito um problema de toda a sociedade, devendo-se investigá-lo empiricamente, valendo-se da contribuição de diversas áreas de estudo da ação humana, como a sociologia, a psicopatologia, a psicologia, a religião, a antropologia, a política, dentre outras, para que, compreendendo suas causas e motivações, possa-se aliviar seus efeitos, reparar os danos provocados e concorrer para seu controle e sua prevenção.
Há consciência geral de que é impossível conter absolutamente o crime, pois presente está em qualquer aglomeração de pessoas, mas não se deve deixar dominar por ele e, como toda doença, ao se examinar suas razões desencadeantes, pode-se tratá-las, melhorando o convívio social, pois simples paliativos apenas mascaram sua gravidade, prejudicando o bom desenvolvimento da coletividade.
A prática de um crime, indubitavelmente, é influenciada por diversos fatores, internos e externos ao indivíduo. Dessa forma, podem fatores endógenos – personalidade, valores, habilidades, conhecimentos – e exógenos – ambiente e cultura – implicar na formulação comportamental do delinquente, que por muito tempo ocupou o centro das investigações criminológicas, mas que hoje fica em segundo plano, por se haver superado os enfoques individualistas dos objetivos político-criminais.
Diferenciados graus de importância têm sido atribuídos à vítima do delito, desde os primórdios, quando havia a prevalência das represálias, por meio da vingança privada – período em que experimentou o apogeu de sua relevância.
Vencidas as formas primitivas de vingança, a figura da vítima sofreu um verdadeiro abandono por parte das mais diversas áreas de estudo do crime, inclusive da Política Social. Buscou-se, neste contexto, a neutralização da vítima em face da resposta atribuída ao agressor por sua conduta delitiva.
Nesse diapasão, em uma atividade simbólica do Direito Penal, mediante a linguagem legislativa abstrata, o sistema distanciou cada vez mais a vítima do processo legal. Neste, finaliza sua participação com depoimento e testemunho, não tendo, posteriormente, utilidade para o sistema, muito menos, recebe atenções outras, através de reparações social, psicológica e econômica.[11]
A partir da II Guerra Mundial e todas as atrocidades trazidas em seu bojo, passou-se a constatar uma intensa valoração da vítima e, por conseguinte, interesse pelos estudiosos em examiná-la, resultando na moderna Vitimologia.
Recentemente, acrescentou-se ao âmbito jurídico a avaliação das lesões psíquicas resultantes da participação de um indivíduo no pólo passivo de um crime, recaindo, anteriormente, o maior interesse pelas repercussões físicas dessas experiências, que quase sempre carregam aspectos traumatizantes. Em relação a esse tema, segue a lição de Molina[12]:
A vitimização psíquica nos delitos violentos, no geral, é um problema grave cujos efeitos conhece e valora uma aprofundada experiência empírica. A vítima destes fatos criminosos padece sentimentos de humilhação, ira, vergonha e importância; preocupação constante pelo trauma; auto-culpabilização, com tendência a reviver e perceber o acontecimento como responsável principal do mesmo; perda progressiva de autoconfiança pelos sentimentos de impotência por ela experimentados; alteração do sistema de valores, em particular, quebra de sua confiança nos demais e na existência de uma ordem justa; falta de interesse e motivação para atividades e afeições prévias; incremento de sua vulnerabilidade com temor a viver em um mundo perigoso e perda de controle de sua própria vida; diminuição da auto-estima; ansiedade, depressão, agressividade; alterações do ritmo e conteúdo do sono, disfunções sexuais; dependência e isolamento; mudanças drásticas no estilo de vida, medo de frequentar os lugares de costume etc.
Verifica-se, portanto, a elevada gama de negativos efeitos que a experiência passiva de um crime pode ocasionar em determinadas pessoas; em umas mais do que em outras, dependendo de sua capacidade adaptativa. Há indivíduos, ainda, em que tais consequências podem manifestar-se após um interregno de tempo ou de mais de uma experiência como vítima de uma infração penal. Em todo caso, sempre se encontrará alguma enfermidade psíquica em decorrência da vitimização.
Em decorrência disso, a Vitimologia revela a necessidade de implementar-se programas de assistência, reparação, compensação e tratamento das pessoas vitimizadas por condutas criminosas.
Compreendido, também, entre os objetos da Criminologia, o controle social pode ser entendido, segundo as lições de Molina[13], como:
[...] o conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que pretendem promover e garantir referido submetimento do indivíduo aos modelos e normas comunitários. [...] O controle social penal é um subsistema dentro do sistema global do controle social; difere deste último por seus fins (prevenção ou repressão do delito), pelos meios dos quais se serve (penas ou medidas de segurança) e pelo grau de formalização que exige.
O mencionado autor traz-nos duas instâncias de controle social existentes na comunidade, a saber, as instâncias informais, em que são compreendidas a família e a escola, basicamente, enquanto nas instâncias formais incluem-se a polícia, a justiça, a administração penitenciária, dentre outros, entendendo-se o funcionamento destas últimas como a atuação necessária após o fracasso das instituições informais, cuja ação concerne na imposição coercitiva de sanções que identificam o infrator como perigoso.
Observa-se que há muitos meios de se obter referido controle em uma sociedade, e o Direito Penal corresponde a apenas um deles. Acontece que este tem sido utilizado como única forma de controle social, mesmo com toda sua seletividade, estigmatização e função constitutiva de criminalidade.
Lamentavelmente, persiste a crença de que tão logo se enrijeça a atividade do controle social, os índices da criminalidade diminuirão. Contudo, não será através do recrudescimento legislativo, nem da máxima utilização da coerção penal que se alcançará um maior nível de efetividade do sistema penal como meio de controle social, uma vez que o próprio incremento de condutas delitivas não se dá, exclusivamente, em razão do fracasso do controle social penal.
Contribuições Teóricas da Psicologia
Constata-se a necessidade de programas e políticas sociais, a fim de diminuir as desigualdades sociais em todas as camadas da sociedade, pois quanto mais se restringe o alcance de atendimento das necessidades básicas dos cidadãos, mais se marginaliza parcelas da sociedade.
Um dos fenômenos explicados pela Psicologia, determinante para nosso aprendizado e domínio próprio é o superego, que quando não é bem desenvolvido ou mesmo seja ausente em um indivíduo, pode levá-lo ao cometimento de um delito, seja por não reconhecer neste um injusto, seja por acreditar que esteja fazendo um bem a sociedade, como no caso dos sociopatas, nos quais o superego não está presente.
Demonstra-se, ainda, que o ambiente em que se coloca um prisioneiro pouco o ajuda a reintegrar-se na sociedade e a falta de oportunidades ao sair de uma casa penal em nada contribui para uma mudança de vida, sendo inevitável a reincidência delituosa.
Modelos Teóricos na Sociologia Criminal
As Teorias Multifatoriais seguem o posicionamento de que a criminalidade é causada por uma gama de situações motivadoras, que influenciam o condicionamento das crianças a reagirem delituosamente na fase adulta, por não terem suportado todas as circunstâncias estressantes e frustrantes pelas quais passaram. Segundo essa teoria, a criança é capaz de superar uma ou duas dessas situações que lhes desfavorecem, mas não possuem estrutura para enfrentar positivamente sete ou mais estímulos estressantes.
As Teorias do Processo Social (social process) defendem a existência de um potencial em todas as pessoas para tornarem-se delinquentes, em alguma situação por elas vivenciadas, sendo maior a probabilidade em classes de baixo poder aquisitivo, incluindo-se os da classe média e alta, quando suas relações com as instituições informais restarem deficientes.
Uma das ramificações da Teoria do Processo Social é a do Labelling Approach, a que explicamos pela doutrina a seguir:
[...] a Teoria do Etiquetamento ou Labelling Approach demonstrando que uma vez adquirido o status de desviados ou delinqüente, é muito difícil modificá-lo, pela dificuldade da comunidade aceitar novamente o indivíduo etiquetado e porque a experiência de ser considerado delinquente, e a publicidade que isto comporta, culminam em um processo no qual o próprio sujeito se concebe como tal.[14]
A principal característica da Teoria do Etiquetamento é a discriminação e seletividade geradas pelo controle social penal, pois não são propriamente as condutas criminalizadas que são punidas, mas se escolhe indivíduos – marginais – e a eles se atribui a etiqueta de criminoso e inimigo da sociedade. No lugar de resolver a problemática criminal, eleva-a, solidificando a condição de delinquente de determinada pessoa, passando a excluí-la do convívio social.
Direito Penal do Inimigo
Nas palavras de Gomes[15], o direito penal do inimigo consiste:
[...] na materialização de um ato indevido (ofensivo ao devido processo ou a uma regra material), emanado do legislativo ou de qualquer outra autoridade, contra a liberdade ou outro direito fundamental, que discrimina a pessoa na medida em que divide o direito penal em direito penal do cidadão, de um lado, e direito penal do inimigo, de outro, violando seus direitos ou suas garantias fundamentais.
O direito penal do inimigo tem como um de seus fundamentos a antecipação da punição do inimigo, sendo admissível a punibilidade por atos preparatórios. Vê-se a arbitrariedade desse posicionamento, que atinge alguém com a justificativa de sua potencial periculosidade.
Funda-se também na relativização e/ou supressão de garantias fundamentais do acusado, pois este não deve ser considerado como pessoa, muito menos como cidadão, e, portanto, cabe-lhe um tratamento indigno, posto ser inimigo da sociedade. Aqui, não é levada em consideração a finalidade da pena como um instrumento coativo e ressocializador do delinquente, mas tão somente o fim de extirpar esse inimigo do ambiente social, elevando-se o máximo possível a duração do período de reclusão desse indivíduo. Gomes[16] adverte-nos:
O encarceramento massivo e indevido de pessoas presumidas inocentes constitui um (inequívoco e mau) exemplo do denominado direito penal e/ou processual do inimigo, que se exterioriza e se manifesta em todo ato persecutório ou punitivo indevido, no âmbito criminal, ato esse fundado na discriminação da pessoa mediante a violação de um direito ou de uma garantia fundamental. É da essência do direito penal e/ou processual penal do inimigo, portanto, o tratamento discriminatório de pessoas por meio da vulneração de seus direitos e garantias fundamentais.
O modelo de direito penal em tela ainda pauta-se pelo recrudescimento legislativo, direcionando toda severidade para o inimigo social. Nesse contexto, é legitimada a divisão do direito penal em direito penal do cidadão e direito penal do inimigo.
O primeiro seria utilizado quando um homem comum eventualmente praticasse um crime de pequena ofensividade. Por outro lado, seria exercido o direito penal do inimigo para aqueles considerados perigosos, não apenas por suas condutas pretéritas, mas também pelos possíveis atos nocivos futuramente praticados, punindo-os desproporcionalmente.
Funcionalismo Sistêmico de Günther Jakobs
A Teoria do Funcionalismo Sistêmico preconizado por Jakobs não contempla a proteção de bem jurídico, mas da normatização, devendo-se reprimir as condutas contrárias à norma, restando-se a evidente ausência da intervenção mínima do Direito Penal.
Observa-se, no entanto, a intimidação inútil imposta pelo rigor sem garantias aos reclusos, que em vez de refletirem em seus atos, acabam por ficar ainda mais revoltados, com a mais provável continuidade na vida delituosa.
Funcionalismo Teleológico de Claus Roxin
Em oposição a Jakobs, propõe-se um novo funcionalismo penal, cuja maior persecução será a justiça, sugerindo critérios limitadores do jus puniendi e da tutela penal. Direciona-se, portanto, a fatos e condutas nocivas e não ao autor do delito.
A culpabilidade pela conduta de vida é o mais claro expediente para burlar a vigência absoluta do princípio da reserva e estender a culpabilidade em função de uma actio inmoral in causa, por meio da qual se pode chegar a reprovar os atos mais íntimos do indivíduo. Poucos conceitos podem ser mais destrutivos para uma sã concepção do direito penal[17].
Considera-se essa teoria a mais apropriada para fundamentação do sistema penal no Estado Democrático de Direito em que vivemos, em razão de sua aplicabilidade ser enfaticamente voltada à efetivação da justiça.
Considerações Finais
A presente pesquisa foi desenvolvida com o intuito de analisar o tratamento excludente conferido aos delinquentes e potenciais infratores pertencentes às classes menos abastadas, buscando-se, ainda, avaliar se o recrudescimento das leis penais e a diminuição dos direitos e garantias fundamentais dos custodiados do Sistema Penitenciário resultam na contenção e prevenção da criminalidade.
Almeja-se a transformação da atual finalidade severamente repressiva e injustamente seletiva do Direito Penal, devendo este ser aplicado apenas como ultima ratio, quando os demais ramos jurídicos tiverem sido ineficazes, fundamentando-se no funcionalismo penal de Claus Roxin, concernente na flexibilidade do sistema penal com base em valores de política criminal, bem como do desenvolvimento do princípio da insignificância, sem prejuízo de outros fundamentos.
Torna-se relevante acrescentar a contribuição de Emilio Myra Y López referente à penalidade imposta ao delinquente:
A sanção não deve ser uma vingança que a sociedade tome contra o indivíduo que a ofendeu, mas um recurso por meio do qual aquela trata de conseguir com que este recobre ulteriormente a normalidade de sua conduta. Neste ponto, estão de acordo todos os penalistas modernos e por isso procuram implantar a teoria psicagógica da ação penal, mais com boa-fé do que com acerto, via de regra. Isso porque na escolha da pena – e sobretudo na sua aplicação – devem colaborar os técnicos da psicologia anormal, social, jurídica e pedagógica se se quiser conseguir um efeito verdadeiramente útil da ação penal. (2005, p. 89)
Sugere-se a promoção de debates entre acadêmicos e entre profissionais da área, levando ao conhecimento da população em geral maneiras democráticas e eficientes de se coibir a criminalidade, a exemplo de políticas públicas efetivas à melhoria da qualidade de vida da sociedade, dirigindo-se, especialmente, à formação educacional de todos os grupos sociais, uma vez que a ausência ou precariedade desta é o ponto de partida para a marginalização.
Ressalta-se a inviabilidade de se exercer o Direito Penal do Inimigo ante a democracia Brasileira, observada no conteúdo da Constituição Federal, que estabelece princípios como o da dignidade da pessoa humana, defesa dos direitos humanos, repúdio a tratamentos degradantes, humanização das penas e da execução destas, dentre outros tantos fundamentos de um Estado Democrático de Direito, pelo qual se torna inaceitável a seletividade no encarceramento e nas legislações criminais, recrudescidas inutilmente, e menos, ainda, é admissível a busca de inimigos para o Estado, cuja função é integrar a sociedade em seus diversos âmbitos, a partir do atendimento das necessidades básicas por ela reclamada, respeitando-se, sobretudo, os direitos e garantias da coletividade.
Referências
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ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal: Volume I – Parte Geral. 8ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
[2] MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. 5. ed. São Paulo. Editora Saraiva: 2009, p. 41.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume I – Parte Geral. 8ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 84.
[4] Ênfase dada pela autora, dado o alcance geral da norma, que se estende à humanidade, sem qualquer acepção seletiva e/ou discriminatória.
[5] ROMÃO, Ruy Sérgio Gomes. Princípio da Insignificância e a Polícia Judiciária. Universidade Federal do Pará. Pará: 2007, p. 13.
[6] ROXIN, Claus. Sentido e limites da pena estatal. In: ______. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Coimbra, Ed. Veja Universidade, 1986, p. 18.
[7] LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. Editora Forense: RJ, 1985, p. 44.
[8] PARIS, Alexandre Martins; NETO, Arnaldo Terra. Ações Penais: Prática e Processo Penal. Saber Jurídico. São Paulo: 2010, p. 15.
[9] PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito Penal e Estado Democrático de Direito: uma abordagem a partir do garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro. Lumen Juris: 2006, p. 21-22.
[10] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 49.
[11] Pois a reparação no âmbito civil muitas vezes é dificultada pela própria falta de recursos do infrator, impossibilitando uma justa e efetiva indenização pelos danos sofridos pela vítima, mormente nos casos de delitos que ensejem em perda concreta do provedor familiar ou da incapacitação física definitiva deste para o trabalho.
[12] MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 86-87.
[13] Ibid., p. 133-135.
[14] ROMÃO, Ruy Sérgio Gomes. Princípio da insignificância e a polícia judiciária. Universidade Federal do Pará. Pará: 2007, p. 29.
[15] GOMES, Luiz Flávio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. (Coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 74.
[16] Ibid., p. 78.
[17] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume I – Parte Geral. 8ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 610.