O Direito Natural e o Direito Positivo

05/09/2016 às 22:27
Leia nesta página:

A importância do Direito Natural na sociedade.

 

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo a discussão e exposição dos antagonismos entre o direito positivo e o direito natural, discorrendo o conceito de cada um e colocando como base a argumentação de que o direito natural deve servir como fundamento à ordem moral e jurídica da sociedade; de modo que o positivismo jurídico, a criação e aplicação das leis, só tem sua devida eficácia e atinge o conceito verdadeiro de justiça à medida que é subordinado à lei natural. O artigo apresentado resgata o conceito e o valor do estudo do direito natural clássico, aquele oriundo dos filósofos gregos, romanos e escolásticos, que foi deturpado na filosofia contemporânea. É salientado as negações ao direito natural e as consequências destas na sociedade. É frisada a importância do estudo deste tema de forma mais profunda, afim de que os juristas e autoridades competentes reconheçam um princípio ordenador e um critério objetivo de justiça.  Por fim, vale ressaltar que o presente trabalho não destina a fazer uma abordagem minuciosa sobre toda a história da filosofia do direito e o pensamento de cada filosofo, mas um apanhado geral de maneira a realçar a importância do estudo desta doutrina.  

 

 

Palavras - Chaves: Direito natural, tomismo,direito positivo e filosofia do direito.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

O direito natural é uma teoria abordada na Filosofia do Direito e tem suas raízes do aristotelismo, nos juristas romanos e na patrística. O filósofo Tomás de Aquino contribuiu muito para Teoria do Direito Natural dando um espaço denso em sua Suma Teológica com capítulos específicos para o tema, sendo fiel aos pensamentos de seus antecessores, principalmente do filósofo Cícero e de Aristóteles. Mas antes mesmo da Idade Média o Apóstolo Paulo, em sua Carta aos Romanos, fala sobre a existência de um “direito natural”. Ele diz que há uma lei escrita no coração do homem, e por isso até os gentios que desconhecem a lei são capazes de proceder pela natureza.

O problema abordado no presente trabalho resume-se a verificar que o Direito Natural predispõe todos os demais direitos circunscritos nas leis dos homens, e que, esse direito transcende o materialismo, estando por assim, nos ideais recônditos mais profundos do ser.

O objetivo do presente trabalho é comparar o Direito natural com o Positivismo jurídico e mostrar a importância do estudo do direito natural entre os acadêmicos de Direito e juristas, dando mais ênfase ao direito natural tomista, em sua concepção clássica, de forma a alertar sobre as consequências das negações dessa doutrina na sociedade como um todo.

A metodologia de pesquisa utilizada foi a análise do discurso das fontes primárias do filósofo escolástico, Tomás de Aquino e o autor José Pedro Galvão. Essa análise foi feita pelo cruzamento de fontes primárias textuais destes com outros livros como fontes secundárias de pesquisa. Foi abordado o método de análise semiótica do texto.

Para Tomás de Aquino a moralidade está relacionada com o que é justo e injusto caso concreto. Para o doutor angélico o bem-estar da sociedade depende de ações virtuosas do homem e a sociedade caótica é fruto de atitudes viciosas. Portanto o caráter do ser humano e a ordem da sociedade está intrinsecamente ligada à virtudes e vícios. Mas atualmente, segundo a filosofia moderna positivista o que é imoral está vinculado a uma prescrição legal, em outras palavras, o que é injusto se torna “errado moralmente” ou “ilícito” simplesmente pela não observância da norma. 

Para os positivistas a justiça é quando as leis impostas pelas autoridades são cumpridas, enquanto para os defensores do direito natural a justiça não depende simplesmente do cumprimento de uma norma, pois podem existir leis iníquas, portanto existe uma justiça natural que acontece quando cada um recebe o que lhe é devido, quando o seu direito mesmo não reconhecido em lei é reconhecido. Neste último caso o direito ultrapassa os limites de uma visão apenas normativa. A razão da escolha do tema deve ao fato de que em nossa sociedade se encontra, com a existência de leis injustas longe de alcançar o conceito de verdadeira justiça. Os legisladores tornaram-se engenheiros sociais com o fim de satisfazer interesses pessoais ao invés de visar o bem comum e respeitar valores dos cidadãos. É um assunto de tamanha relevância jurídica tendo em vista que a ordem e harmonia da sociedade dependem de leis justas.

No primeiro capítulo há a exposição direta do que é o direito natural e positivo. Há uma comparação, mensuração e definição de ambos; no segundo capítulo exponho as negações e críticas feitas ao direito natural; no último capítulo, apresento a necessidade e importância do direito natural na sociedade.

 

2 CONCEITO DE DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO

 

O filósofo escolástico Tomás de Aquino desenvolveu uma sólida doutrina sobre o direito natural. Em sua Suma Teológica Tomás discorre sobre a lei dividindo - a em quatros tipos: lei eterna, lei natural, lei humana e divina.

Para Tomás o direito natural é a participação da lei eterna na mente do homem. Poder-se-ia descrever a máxima: faz o bem e evita o mal:

 

E tal participação da lei eterna na criatura racional se chama lei natural.(...) como se a luz da razão natural, pela qual discernimos o que é o bem e o mal, que pertence à lei natural, nada mais seja que a impressão da luz divina em nós. Daí se evidencia que a lei natural nada mais é que a participação da lei eterna na criatura racional. Tomás de Aquino – Suma Teológica I. QU. 91. Art II

 

Para o filósofo a lei natural está escrita no coração de cada homem e esta lei é a razão humana que nos ordena fazer o bem e coíbe de fazer o mal. Esta norma da razão humana só pode ter força de lei, se existir uma “voz” e intérprete de uma razão mais alta, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem obedecer, que é a lei eterna. O homem não pode criar leis para suas próprias condutas como se fosse o legislador último e supremo. Por isso para Tomás de Aquino a lei natural é a lei que rege moralmente e eticamente os homens, esta é um reflexo da lei eterna que é captada pelo juízo humano e desenvolve-se pouco a pouco com a ciência moral.

O homem conhece a lei natural enquanto ser racional, esta lei é a soma das obrigações reconhecidas pela razão como sendo conformes à natureza. Surge como mais do que um dever de auto conservação e conservação da humanidade, vai a uma inclinação de conhecer a verdade, e o fim último de todas as coisas.

Tomás de Aquino também trata da lei jurídica que é a lei humana. As leis humanas existem para estabelecer normas, aplicar direitos e sanções a certas condutas, para disciplinar o homem a viver em sociedade de forma virtuosa:

 

Mas por que se encontram alguns imupundentes e inclinados ao vicio, os quais não podem ser movidos facilmente com palavras, foi necessário que pela força e pelo medo fossem coibidos do mal, de modo que, ao menos desistindo assim de fazer o mal, aos outros tornassem tranquila a vida, e os mesmos, por fim, por força de tal costume, fossem conduzidos a fazer voluntariamente o que antes cumpriam por medo, e assim se tornassem virtuosos. Tal disciplina, obrigando por medo da pena, é a disciplina das leis. Portanto, foi necessário que as leis fossem impostas para a paz dos homens e a virtude...  Tomás de Aquino – Suma Teológica I. QU 95, Art I

 

 Essas leis são ordens proclamadas pela coletividade ou por quem tem a responsabilidade pela comunidade tendo em vista o bem comum:

 

Tudo aquilo que é em razão de um fim, é necessário que seja proporcionado ao fim. O fim da lei é o bem comum, pois, como diz Isidoro ‘ a lei deve ser escrita não em vista de um interesse privado, mas a favor a utilidade comum dos cidadãos’. Portanto é necessário que as leis humanas sejam proporcionadas ao bem comum.” Tomás de Aquino – Suma Teológica I. QU. 96. Art I

 

Segundo o autor a lei natural e a lei humana estão precisamente ligadas, visto que as leis elaboradas pelos homens devem ter como base a lei natural.  Esses preceitos naturais devem ser colocados em prática através das leis positivas, com o objetivo do homem lutar contra seus vícios e servir às virtudes.

 

Para Tomás de Aquino os dois tipos de leis são importantes e se completam mutuamente, entretanto a lei positiva só é válida quando se subordinada à lei natural, ao contrário essa lei torna-se iníqua:

 

“Portanto, deve-se dizer que como a lei escrita não dá força ao direito natural, assim também não pode diminuir –lhe nem suprimir-lhe a força; pois, a vontade humana não pode mudar a natureza. Portanto, se a lei escrita contém algo contra o direito natural, é injusta e não tem força para obrigar. Pois, só há lugar para o direito positivo, quando, segundo o direito natural, é indiferente que se proceda de uma maneira ou de outra, como já foi explicado acima. Por isso, tais textos não hão de chamar leis, mas corrupções da lei, como já se disse. E portanto, não se deve julgar de acordo com elas.” Tomás de Aquino – Suma Teológica II QU.60 Art 5

 

Para os positivistas o direito é reduzido à lei escrita, fazendo desta a fonte única do direito:

 

“O positivismo jurídico representa, portanto, o estudo do direito como fato, não como valor: na definição do direito deve ser excluída toda qualificação que seja fundada num juízo de valor e que comporte a distinção do próprio direito em bom e mau, justo e injusto. O direito, objeto da a ciência jurídica, é aquele que efetivamente se manifesta na realidade histórico-social; o jus positivista estuda tal direito real sem se perguntar se além deste existe também um direito ideal (como aquele natural), sem examinar se o primeiro corresponde ou não ao segundo e, sobretudo, sem fazer depender a validade do direito real da sua correspondência com o direito ideal.”

 

Como se pode observar na Filosofia Jurídica moderna o conceito de lei, direito e justiça é apresentada de forma reducionista.  Enquanto para os defensores da lei natural o direito natural é algo justo em si mesmo, nas correntes positivistas o direito só é justo enquanto o reforça pelas legitimas determinações do poder social competente.

O  positivismo jurídico no sentido próprio e técnico da palavra consiste na negação do direito natural:

 

“O positivismo jurídico consiste essencialmente em reduzir o direito e a justiça ao que está estabelecido na lei positiva ditada pela autoridade jurídica; por isso, nega validez à doutrina do direito natural, reduz a moral e a justiça a uma valorização puramente subjetiva e nega a pessoa todo direito que não seja expressamente reconhecido pela autoridade. ” SACHERI, Carlos Alberto. A Ordem Natural.  São Paulo: Edições Cristo Rei, 2014. Pág 44

 

 

3 AS NEGAÇÕES E CRITICAS AO DIREITO NATURAL

 

Em seu livro “Lições de filosofia o Direito”, Noberto Bobbio discorre sobre toda a evolução histórica do positivismo jurídico. Com a análise desta evolução do direito positivo foi notado que de uma maneira ou de outra os positivistas sempre recorriam à lei natural. Em algumas correntes, os positivistas negavam toda a doutrina do direito natural reduzindo todo o direito ao direito positivo, outros admitiam o direito natural, mas como um direito à parte, não sendo este fundamento da ordem jurídica, mas um direito primitivo e hipotético. E mesmo aqueles que diziam não admiti-lo de alguma forma o admitiam mesmo que implicitamente. José Pedro Galvão em seu livro também faz várias menções sobre essa persistência do direito natural ao longo da história da filosofia do direito. O autor cita vários filósofos e escritores que discorreram sobre a lei natural como algo biossociológico, outros no aspecto psicológico, e aponta como muitos entraram em contradição ao tentar negar o direito natural. O que se pode observar que o direito natural apesar de sofrer críticas sempre persistiu e o positivismo com todo o avanço cientifico não conseguiu ratificá-lo, dada a necessidade de um direito que sirva de fundamento para a ordem jurídica.

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“Tem toda a razão o eminente Del Vecchio, ao dizer: “A ideia de direito natural é, na verdade, daquelas que acompanham a humanidade no seu desenvolvimento; e se, como de certo, tem ocorrido, principalmente em nossos tempos, algumas escolas fazem profissão de excluí-la ou ignora-la, ela se afirma, poderosamente, na vida. Por isso é vã e incôngrua a tentativa de repudiá-la.”

Como o positivismo filosófico não conseguiu sobrepor-se à metafísica, tampouco ao positivismo jurídico foi possível banir da filosofia do direito a ideia de direito natural. ”(SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág 45)

Carlos Alberto Rachieri em seu livro “A ordem natural” também testifica isso:

Essa afirmação de certos direitos como naturais ou essenciais ao homem permaneceu ao longo dos tempos. É curioso constatar que, ainda quando tal conceito tenha sido negado por alguns positivistas ( Bergbohm, Kelsen, etc.), a noção de direito natural reaparece constantemente sempre que são questionados os fundamentos de uma ordem jurídica ou de uma lei. O caso recente mais significativo foi o processo de Nuremberg sobre os crimes de guerra nazistas, pois nenhuma lei positiva havia previsto o delito de genocídio. Fato análogos levaram grandes juristas, como Radbruch e Del Vecchio, a reconhecer a existência de uma ordem supralegal que sirva de fundamento para as leis humanas.” (SACHERI, Carlos Alberto. A Ordem Natural.  São Paulo: Edições Cristo Rei, 2014. Pág 49)

Além de discorrer sobre as correntes positivistas José Pedro Galvão também explica como o direito natural sofreu deturpações pela filosofia moderna, fugindo assim do seu conceito clássico. O autor explica que foram essas deturpações alvo de críticas e não o conceito objetivo do direito natural e menciona que a não compressão do verdadeiro sentido desta doutrina se dá pela insuficiência de um estudo mais aprofundado.

“Há certas doutrinas de direito natural excessivamente abstratas e constituídas pelo abuso do método dedutivo: as que se formaram depois de Grócio. Puffendorf, Rousseau e Kant. Mas também um sistema de direito natural baseado na evidência dos primeiros princípios do conhecimento e resultante de uma análise objetiva da natureza racional do homem. Esse sistema encontra-se naquela concepção que, proveniente dos filósofos gregos e dos jurisconsultos romanos, se incorporou ao patrimônio doutrinário da filosofia chamada por Bérgson a metafísica natural da inteligência humana. Geralmente, as críticas feitas ao direito natural atingem apenas o “jusnaturalismo” abstrato e dedutivo. Entretanto, abroquelando - se nos argumentos utilizados por tais críticas, precipitam-se muitos a uma negação sumária de todo direito natural.” (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, Pág3)

O autor ainda relata que os positivistas ao criticarem as concepções modernas do direito natural se aproximam dos princípios fundamentais do direito natural.

“É interessante todavia verificar que, malgrado as inúmeras críticas provocadas pelo direito natural moderno, os positivistas muitas vezes se aproximam sem o perceber, dos princípios fundamentais do direito natural clássico, nem sempre conhecido suficientemente pelos seus adversários.”  (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág 5)

Por isso é importante registrar a diferença da clássica concepção do direito natural defendida por Tomás de Aquino e as concepções modernas. Pela concepção clássica, existe o que é justo por natureza e o que é justo por convenção, dessa forma o homem pode cometer muitas injustiças mesmo que sua conduta seja permitida por lei.

 

José Pedro Galvão explica que o direito natural deve servir como base, como um ordenador para a aplicação do direito positivo, sendo aquele um critério objetivo de justiça e este uma técnica da realização do justo, mas o autor reafirma várias vezes que o direito natural não deve servir como ideal e modelo para as legislações, como alguns filósofos assim entendiam. Ele explica que o direito positivo deve conformar-se ao direito natural quanto à sua causa final que é atingir a realização do justo, mas não quanto à sua causa formal, tendo em vista que a aplicação do direito natural pode variar de acordo com os costumes e ambiente de cada povo:

 

O que se deve procurar no direito natural não é um modelo para as legislações e os regimes políticos (pois estes e aquelas dependem do condicionalismo histórico de cada povo), mas sim a razão do justo que deve impregnar todos os regimes e todas leis. O direito natural não é um direito ideal, mas um direito fundamental.  Por isso mesmo, o direito natural é transcendente e imanente em relação ao direito positivo. Transcendente, enquanto expressão da ordem natural, fundada na lei eterna. Imanente, enquanto realizado no direito positivo, dando a este um conteúdo de justiça. (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág 79)

 

Também realça em outro lugar:

 

As críticas dirigidas à ideia de direito natural em nome da variação da moral e do direito no tempo e no espaço – variação diante da qual parece insustentável a afirmação de um direito universal e imutável – procedem geralmente de um desconhecimento daquela ideia no seu significado autêntico. Significado este que se nos apresenta na continuidade de uma longa tradição, despontada com os filósofos gregos e anunciada no brado de Antígona, corroborada pelos jurisconsultos romanos, enriquecida pelos teólogos e canonistas da Idade Média, consolidada definitivamente por São Tomás e pela escola espanhola do siglo de oro, e florescente na filosofia do direito do século XX. (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág 71)

Para muitos positivistas parecia inconcebível existir um direito que perpetuasse no tempo e na história e por pensarem assim negavam sua existência, cometendo um equívoco, pois os primeiros preceitos da lei natural são evidentes em si mesmo e presente na alma humana e para conhecê-la basta usar a razão. As variações dessa lei natural se diz desrespeito aos preceitos secundários, mas os primeiros princípios permanecem, como explica José Pedro Galvão:

Segundo a genuína concepção de direito natural, os predicados de universalidade e imutabilidade valem para os princípios, mas à medida que se vai descendo ao particular e contingente, nas aplicações da lei da natureza, mais variável e relativa se torna esta. (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág. 14)

 

E mais adiante:

Quanto aos primeiros princípios, a lei natural é universal e permanente em si mesma, e é de todos igualmente conhecida sem possibilidade de erro. Tais princípios são conaturais à razão humana. Impões pela própria evidência.  A ninguém é preciso, nem seria possível, demonstrar que deve fazer o bem e evitar o mal. E aí está uma verdade mais certa que qualquer outra verdade de ordem prática, pressuposto necessário de toda e qualquer ação. (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág. 15)

O direito natural não perde seu caráter imutável. As dificuldades das aplicações da lei natural se dão por motivos acidentais. Pelo mau uso da razão, por exemplo, o homem comete injustiças, mas nem por isso a lei natural deixa de existir:

...pertencem à lei natural, em primeiro lugar, alguns preceitos comuníssimos, que são conhecidos por todos; alguns outros preceitos segundos mais próprios, que são como que conclusões próximas dos princípios. Quanto, pois, àqueles princípios comuns, a lei natural, de nenhum modo, pode ser destruída dos corações dos homens, de modo universal. Destrói-se, porém, em algo particular prático, segundo o qual a razão é impedida de aplicar o princípio comum ao particular prático, em razão da concupiscência ou de alguma outra paixão, como foi dito acima – Quanto, porém, aos outros preceitos segundos, pode a lei natural ser destruída dos corações dos homens, ou por causa das más persuasões, do mesmo modo como no especulativo acontecem os erros a respeito das conclusões necessárias; ou também em razão dos costumes depravados e hábitos corruptos, como entre alguns não se reputavam pecados os latrocínios, ou também os vícios contra a natureza, como também diz o Apostolo na Carta aos Romanos.  (Tomás de Aquino – Suma Teológica I. QU 94. Art 6)

Tal entendimento de Tomás de Aquino à respeito da imutabilidade da lei natural é reafirmado pelo autor José Pedro Galvão:

 A influência das paixões e os desvios da inteligência podem levar os homens a cometer alguns erros na aplicação daqueles preceitos e mesmo à sua obliteração. Mas o fato é que os primeiros princípios da moralidade e do direito revestem de um caráter de universalidade e perpetuidade atestados pelos documentos históricos e pelos escritores de todas as épocas. Só observações apressadas e mal feitas têm induzidos alguns à contestação deste valor universal. (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág. 62.)

Em outro lugar o autor também explica por que há tantos comportamentos contrários à lei natural:

... a influência das paixões, as falhas da razão humana na aplicação dos primeiros princípios da moralidade, o desigual desenvolvimento das formas culturais sujeitas a transformações para melhor ou para pior e, portanto, aprimoramentos e a degenerescências. Quando São Tomás diz que a lei da natureza pode corromper-se no coração de alguns, nada mais faz do que considerar o verdadeiro estado da natureza humana, não o estado idealizado por Rousseau, nem o da visão pessimista de Hobbes. (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág. 80.)

Há portanto uma diferença entre o direito natural puro do racionalismo, que levou à concepções abstracionistas, acreditando ser um direito puramente moral sem valor jurídico, e o direito natural clássico tomista.

 

4 A IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE DO DIREITO NATURAL

 

Miguel Reale em seu livro “Filosofia do Direito, afirma que os pensadores e juristas modernos ao apresentarem suas doutrinas, teses, assim o fazem sem uma análise prévia da ordem cósmica. Não param para discutir, aprofundar e refletir se existe ou não uma ordem no Universo, mas estão preocupados em sanar os problemas atuais da sociedade de forma imediata. O autor atesta que um sistema político, um conjunto de leis que tenta resolver os conflitos humanos sem investigar suas raízes, sem observar as questões cosmológicas e antropológicas é um sistema frustrado, pois ignoram as causas. De acordo com o autor os fatos sociais não podem ser o ponto de partida para a criação de leis, é mister usar um critério de valor para lidar com os fatos sociais. Segundo Miguel, deve haver uma certa crítica das ciências, pois estas muitas vezes falham, são precárias, contraditórias e sem eficácia. Não há como apresentar soluções para os problemas a as relações humanas sem antes estudar a sua essência. Se é necessário a verificação dos fatos, é necessário também a verificação dos princípios.

 

“No caso, por exemplo, da Filosofia do Direito, não vamos nos contentar com as explicações que o teórico do Direito pode atingir partindo dos dados empíricos, através de simples abstração generalizadora. Cabe-nos procurar aquelas verdades últimas que governam também as generalizações empíricas dos juristas, dando-lhe validade, pela verificação com base em princípios.” (REALE, Miguel. Filosofia do Direito 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.)

 

Miguel Reale conceitua metafísica como “o perene esforço do homem no sentido de atingir uma fundação racional válida para a totalidade de seu existir histórico.” (REALE Miguel, Filosofia do Direito,2009)

A Metafísica é, portanto, uma investigação do ser, do universo, da existência das coisas. É uma indagação a respeito das realidades.

                Quase não se fala em metafísica nos dias atuais. A maioria das doutrinas apresentadas nega a existência de uma ordem natural. Existe certo preconceito partindo de alguns doutrinadores positivistas ao falar de natureza e ordem. Essas palavras soam como algo imóvel, rígido e arcaico, como foi aludido no capítulo anterior. Ao estudarem os diversos sistemas jurídicos e fatos históricos alguns doutrinadores não acreditam na prevalência do direito natural, pois se prevalecesse seria invariável. Mas para o autor Carlos Alberto Sacheri o problema não pode partir disso, pois em todas as mudanças sempre vamos observar algo de perene:

 

“O problema real consiste em explicar a mudança, o movimento. Para que possamos fazê-lo, devemos reconhecer que, em toda e qualquer transformação, há um elemento que varia e outro que permanece. Se assim não fosse, não poderíamos dizer que um menino cresceu que uma semente germinou uma planta ou que nós somos os mesmo que nascemos um dia, há vinte, trinta ou setenta anos ...se nada permanecesse, teríamos de admitir que o menino, a planta ou nós mesmos somos seres absolutamente diferentes daqueles. Para que haja mudança, deve haver algo que mudou, isto é, um sujeito da mudança; do contrário, não haveria mudança alguma. (...) “Para além de toda mudança, existem realidades permanentes: a essência ou natureza de cada coisa ou ser. A evidência da mudança não somente não suprime essa natureza. Mas ainda a pressupõe necessariamente. A experiência cotidiana nos mostra que pereiras dão sempre peras, e não maçãs nem nozes, e que os olmos não produzem jamais peras. Por não sei que deplorável ‘estabilidade’, s vacas sempre tem novilhos, e não girafas nem elefantes, e, o que é ainda mais escandaloso, os novilhos tem sempre uma cabeça, um rabo e quatro patas...E quando, em certa ocasião, aparece algum com cinco patas ou com duas cabeças. O bom senso espontaneamente exclama: ‘Que monstruosidade, pobre animal, que defeituoso!’. São reações que provam que não apenas há natureza, como também existe uma ordem natural. A evidência dessa ordem natural é que nos permite distinguir o normal do patológico, o saudável do enfermo, o louco do sensato, o motor que funciona bem do motor que funciona mal, o bom pai do mau pai, a lei justa da lei injusta.” (SACHERI, Carlos Alberto. A Ordem Natural.  São Paulo: Edições Cristo Rei, 2014. Pág. 44.)

 

 

Revela-se importante assinalar que o empirismo não é inimigo do direito natural, pois através das experiências podemos chegar à conclusão que existem princípios universais válidos.

Seguindo as ideias dos autores acima mencionados percebe-se a afirmação de uma ordem natural e compreende-se a importância de uma fonte, de um critério objetivo de justiça para criação e aplicação das leis:

 

A subordinação do Estado à ordem jurídica – isto é, do governo, de seus agentes imediatos, da administração pública, do corpo legislativo, da magistratura, da milícia – essa subordinação só será verdadeiramente eficaz mediante uma condição indispensável: que se reconheça um critério objetivo de justiça, transcendente em relação ao direito positivo e do qual este depende,

Tal critério, por sua vez, decorre da existência do justo por natureza, que deve informar as normas estatuídas pelo legislador. Sem o que, o direito se reduzira a mera expressão da vontade de quem faz a lei, isto é, da força social dominante. Teríamos então o uis quia est em lugar do ius quia iustum est.

Esse justo objetivo de também inspirar todas as sentenças proferidas pelos magistrados na aplicação da lei. Do contrário, a lei, desvinculada da justiça natural e não moderada pela equidade, poderia, em certos casos, redundar em opressão draconiana, conduzindo ao summum ius, summa iniuria.

 

Por outro lado, se há uma intangível esfera de liberdade da pessoa humana em face do Estado, é porque, segundo a ordem natural, o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado. Importa ainda notar que ao Estado cumpre respeitar e tutelar não só os direitos dos indivíduos, mas também os das famílias e dos demais corpos sociais constituídos da sociedade política e cuja autonomia deve ser assegurada.” (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pág 126)

 

Para José Pedro Galvão, se formos considerar o conceito moderno do direito como a determinação de normas emanadas de autoridades arbitrárias, o cumprimento destas normas jamais traduziria em um ato de justiça, pois tais normas são desprovidas de conteúdo moral e bem distantes dos princípios da lei natural:

 

“Sem o reconhecimento da lei natural e a subordinação a um critério objetivo de justiça, o direito positivo torna-se mera expressão da vontade do poder, isto é, da força social dominante. É o domínio do voluntarismo incontrastável, que, nas condições atuais das sociedades políticas, dá origem à última e mais refinada forma de poder absoluto: o Estado totalitário.”- (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, Pág 97.)

 

Para garantir aos homens uma convivência pacifica em sociedade o positivismo tem como meio as leis numa forma mecanicista, mas afastando-se da justiça, que é o essencial para o direito. José Pedro Galvão afirma que o mais importante para o homem é viver segundo os princípios de justiça.

Tomás de Aquino, seguindo a definição dos romanos, afirma que “a justiça é dar cada um o que é seu”, sendo o direito o objeto da justiça. Para o filosofo a lei é apenas instrumento para efetivação do direito. A lei não cria o direito, mas serve para determina-lo e o direto subjetivo é um poder moral de exigir esses direitos. Portanto a lei e o direito subjetivo são derivados de uma noção prévia e fundamental de justiça.  Seguindo esta linha de pensamento José Pedro Galvão assegura que reduzir o direito à lei e à vontade do legislador tem como consequência “a ditadura da força, o estatismo e a idolatraria coletiva da opinião contemporânea por uma democracia mítica. O Estado deve existir para o homem e não o homem para o Estado”, portanto o Estado não pode criar seu próprio direito e impor a sociedade uma ordem jurídica em que esta deve enquadrar-se.

O autor conclui seu livro atestando que para que haja de fato um Estado de direito, este deve submeter-se à lei natural:

 

Ora, o justo objetivo dimana da natureza de uma relação jurídica, à qual é inerente. A lei só é justa quando conforme à ordem natural. E os direitos subjetivos, fundam-se na própria natureza humana, na dignidade pessoal do homem, na liberdade do ser racional, no seu destino transcendente e eterno.

Consequentemente, só poderá haver Estado de direito desde que haja respeito ao direito natural e a essa ordem superior à vontade dos detentores do poder e dos que fazem a lei. Então o Estado de direito, na plenitude do seu significado, será um Estado de justiça.”(SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, Pág. 147.)

 

 

 

“As instituições, por melhores que sejam, de nada valem para assegurar às sociedade um regime de justiça, se os homens que as põem em funcionamento não tiverem a consciência formada no acatamento ao direito natural e à lei divina. É certo que as instituições são importantíssimas, que, conforme forem elas, poderão contribuir para corromper os homens ou para propiciar o bom exercício do poder e a garantia dos direitos.  Seria um grande erro pensar que as crises e os problemas políticos devam ser resolvidos apenas pela presença de homens prudentes e justos no governo. Não menos errado seria pretender que as instituições possam produzir seus efeitos ex opere operato e realizar milagres.

 

Assim, o Estado de direito não depende só do bom arranjo constitucional. Isto é necessário,e necessário, também, é que haja uma adaptação das instituições ao meio histórico. Mas é indispensável que os homens, aos quais cabem as responsabilidade do poder, tenham plena consciência do que significa o direito natural, como fundamento da ordem jurídica positiva e princípio ordenador da atividade do Estado na condução da sociedade à realização dos fins humanos. ” (SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, Pág. 150.)

 

Portanto para que o Estado cumpra com o seu dever de assegurar aos homens aquilo que lhe é devido não basta seguir uma mera legalidade positiva, mas recorrer a um princípio ordenador capaz de conduzir a sociedade às suas finalidades fundamentais, tais finalidades que vão desde os bens e direitos materiais até a realização transcendente do ser humano.

 

 

 

 

 

5 CONCLUSÃO

 

Após a análise, observou-se que a doutrina do direito natural foi desenvolvida por diversos filósofos, tendo uma evolução histórica densa afastando-se de sua concepção classifica. Independente de questões culturais ou socais os juristas sempre tentaram de uma forma ou de outra, recorrer à lei natural.

A sociedade com toda sua evolução, e o direito com todas suas diferenças doutrinárias, mesmo com inúmeras tentativas, não conseguiram negar totalmente esta doutrina.

Com todo avanço técnico da justiça, sempre existiu no ser humano uma sede por verdade e justiça o que é inerente à sua natureza. O ser humano é um ser racional que tem em si uma busca de sentido, de finalidade da vida.

Pela razão natural o ser humano é capaz de decifrar o teor da lei natural e fazer leis humanas. Para decifrar o teor da lei natural e constituir leis humanas, só há necessidade da razão natural. O homem não cria seus valores do nada, não é ele que define o que é bem e mal. Existem leis, elas lhe são dadas e orientam suas condutas. Tomás de Aquino define as leis como diretrizes dos atos dos homens. Essas leis presidem a ordem do mundo. Todos nossos atos, até mesmo dos políticos e juristas, lhe são submetidos. Não são leis positivas, não foram escritas no papel, mas no coração do homem, na consciência humana.

O direito natural não é um estado de natureza anterior ao direito positivo, antes do homem viver em sociedade, também não é um direito ideal e modelo para o direito positivo. Ainda cabe enfatizar que o direito natural não é algo que existe no plano ético e moral separadamente do plano jurídico. O direito natural é vigente, perdura no tempo, é onde se encontra a própria razão do direito, é o fundamento do direito positivo, é o direito como critério objetivo de justiça, transcendente ao homem, o qual se impõe aos legisladores e juízes.·.

Quando o positivismo jurídico é aplicado sem recorrer à um padrão mediante o qual deve medir a justiça das leis humanas, consegue-se terreno para estabelecer uma legalidade ilegítima, assim novos moldes são implantados, passando, muitas vezes, por cima de tradições, culturas e hábitos milenares gestados organicamente em nome de um dito progresso.

 

REFERÊNCIAS

 

 

MORRA, Nello. O Positivismo Jurídico – Lições de Filosofia do Direito. – São Paulo: ícone, 2006

 

 

REALE, Miguel. Filosofia do Direito 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

 

SACHERI, Carlos Alberto. A Ordem Natural.  São Paulo: Edições Cristo Rei, 2014.

 

 

SOUSA, José Pedro Galvão de 1912-Direito natural, direito positivo e estado de direito [por] J.P Galvão de Sousa, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977.
 

Suma Teológica – Tomás de Aquino IV – I –II Parte, Questões 49-114, Edições Loyola

 

 

Suma Teológica – Tomás de Aquino VI – II-II Parte, Questões 57-122, Edições Loyola

 

 


 

 

Sobre a autora
Sabryne Amaral Martins

Bacharel em Direito,26 anos,Governador Valadares, MG.

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É necessário o resgate de um estudo mais aprofundado do Direito Natural, especificadamente a doutrina clássica tomista. A sociedade urge pela recuperação do direito natural como fonte de principio moral para o comportamento humano. Na lei natural encontra-se um fundamento sólido de regras morais e o suporte moral para construção da sociedade. Sabryne Amaral Martins, bacharel em Direito.

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