Inversão das fontes do Direito

12/09/2016 às 18:06
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Sempre aprendemos que a fonte primeira do Direito é a lei, sendo que  a doutrina e a jurisprudência são fontes secundárias.

Realmente, somente a lei tem o caráter de perenidade que oferece segurança jurídica aos juridicionados. A doutrina, muda, evolui e, às vezes, retrocede, assim como a jurisprudência que modifica seu entendimento acerca de determinado dispositivo legal sempre que se alterar a composição do órgão do judiciário. À vezes, chega-se a revogar até súmulas sem que haja alteração legislativa.

Quanto à alteração legislativa acompanhando a evolução doutrinária no âmbito interno e internacional neste contexto do mundo globalizado, nada temos a opor. O Direito não deve ser estático, mas acompanhar a evolução do tempo para que o ordenamento jurídico mantenha a sua legitimidade.

Mas, com  a constante alteração legislativa, a pretexto de se harmonizar com o entendimento jurisprudencial, normalmente, do Superior Tribunal de Justiça, não podemos concordar. É que a jurisprudência daquele Colendo Tribunal não é estável, pelo contrário, além de instável, não raras vezes, tem contrariado o espírito e o corpo da lei.

Exemplo mais expressivo do que estamos falando é o entendimento daquela Corte sobre o local do pagamento do ISS que resulta, com solar clareza, da simples leitura dos dispositivos da lei de regência nacional daquele imposto, conjugado com o princípio da extraterritorialidade das legislações tributárias estaduais e municipais  que está expresso  no art. 102 do CTN. Porém, o STJ por meio de argumentos extrajurídicos, como combate à guerra fiscal, melhor distribuição do bolo tributário entre os diversos municípios etc. enveredou-se por caminhos opostos aos traçados pela lei de regência da matéria, trazendo perplexidade e insegurança jurídica permanente aos contribuintes. Mesmo no atual regime da LC nº 116/2003 as divergências continuam em relação ao local do pagamento nas operações de leasing.

Nesses casos, não há como o legislador ceder à jurisprudência do Tribunal sob pena de apequenar a independência do Poder Legislativo. O que o legislador deve fazer nessas hipóteses é melhor explicitar o texto legal para interditar interpretações tangenciais.

Outras vezes, o legislador altera a lei depois de corretamente interpretada e pacificada no âmbito do Tribunal. Pergunta-se, para quê? Se o Judiciário, depois de anos de debates e divergências, conseguiu alcançar a conclusão que poderia ter sido alcançada mediante interpretação sistemática dos dispositivos legais, tudo estará resolvido.

Refiro-me a não incidência do IPI na revenda do produto importado. Grassou durante décadas controvérsia quanto à incidência ou não do IPI nesse caso, para finalmente pacificar, corretamente,  a tese da não incidência tributária.

Ora, a interpretação conjugada dos arts. 46 e 51 do CTN conduz ao entendimento de que o fato gerador do imposto sobre produtos industrializados – IPI –  ocorre alternativamente:

a) no desembaraço aduaneiro quando de procedência estrangeira;

b) na sua saída do estabelecimento industrial ou a ele equiparado;

c) na sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.

A industrialização é elemento ínsito na composição do fato gerador do IPI. O estabelecimento aferido na letra “b” supra só pode ser  aquele que promoveu a industrialização do produto dando saída em seguida. Não se trata de saída de qualquer estabelecimento. Na revenda, a menos que tenha havido nova industrialização segundo o conceito definido no parágrafo único, do art. 46 do CTN, por óbvio,  não haverá a incidência do IPI por inocorrência do fato gerador respectivo. Foi o que decidiu o STJ, de conformidade com os dispositivos do CTN acertadamente interpretados.

Entretanto, a Câmara dos Deputados já aprovou o texto do PLC nº 23/2015 acrescentado o § 2º ao art. 51 do CTN, mediante convolação do atual parágrafo único em § 1º, para dispor que não incidirá o IPI na saída de produto industrializado importado se não houver nova industrialização. Soa como uma declaração acaciana. É o mesmo que afirmar que o IPI não incide sobre produto que não seja industrializado. O legislador deveria ter agido antes quando a confusão jurisprudencial tomava muito tempo dos tribunais. Agora que a matéria está pacificada com a aplicação correta dos textos do CTN não havia nenhuma necessidade dessa providência legislativa.

Contudo, quando o Legislativo adéqua a lei vigente à correta interpretação dada pela Jurisprudência é um mal menor. O pior é quando acontece ao contrário: o Judiciário muda a lei causando efeitos colaterais imprevistos e o Legislativo a encampa.

É preciso restabelecer a hierarquia das fontes do Direito em respeito ao principio da independência e harmonia em Poderes.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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