Guarda compartilhada: solução ou mito?

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Com a evolução de novos contornos na formação clássica da família, a guarda compartilhada reflete o maior grau de cooperação e de confiança entre os pais separados na educação de seus filhos, o que lhes permite participar do dia-a-dia deles.


A dissolução do vínculo conjugal, em regra, traduz perda, que não deve afetar a relação entre pais e filhos. Ao contrário, os pais passam a ser , em conjunto, responsáveis pela vida de seus filhos e, portanto, a eles caberá zelar pelo pleno e saudável desenvolvimento de seus filhos, mediante o exercício do chamado poder familiar.

O vínculo da maternidade ou da paternidade jamais será rompido!

Por muito tempo, por razões culturais, a regra era de conferir a guarda unilateral à mãe, sob o argumento de que ela era vocacionada para as tarefas domésticas e para os cuidados diários com os filhos.

No entanto, a sociedade ganhou novos contornos que repercutiram, inclusive, na formação clássica da família.

A Lei nº11.698/2008, alterou a redação dos artigos 1583 e 1584 do Código Civil, e estabeleceu, como regra geral, a guarda compartilhada, não excluindo, porém, em casos excepcionais, a possibilidade da concessão da guarda unilateral.

Mas, afinal, o que é guarda compartilhada?

A redação do artigo 1583 do Código Civil assim preceitua:

Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.        (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 1o  Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.        (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 2o  Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:        (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

§ 3º  Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.     (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

§ 4o  (VETADO).        (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 5º  A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.     (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

Note que a guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada ou pendular! Nessa esteira, cumpre ressaltar a lição do Professor Rolf Madaleno, in Novos Horizontes no Direito de Família.  Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p.210, in verbis:

“...A guarda compartilhada reconhece e põe em prática os princípios da isonomia entre o homem e a mulher e o do superior interesse da criança. Compartilhar a custódia dos filhos não significa repartir o tempo que a prole passa com cada um dos seus pais, como ocorre na guarda alternada, nem tampouco representa alternar a moradia dos filhos entre a casa do pai e a residência da mãe, mas significa unicamente que os filhos terão garantidos o direito de se relacionarem em igualdade de condições com ambos os genitores equilibrando o poder familiar...”(grifos nossos)

Aliás, vale ressaltar que a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, da qual o Brasil é signatário, já previa o princípio da igualdade entre os cônjuges, insculpido no art. 226, §5º, da Carta Magna de 1988, assim como, o princípio do melhor interesse da criança ou do adolescente.

É importante destacar que, inicialmente, houve quem sustentasse a necessidade de consenso entre o casal, como conditio sine qua non para aplicação da guarda compartilhada.

 No entanto, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem se posicionado, majoritariamente, pela guarda compartilhada em detrimento da guarda unilateral, que só tem sido aplicada em casos excepcionais. A seguir, alguns julgados acerca do tema:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE.

1.  A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais.

2. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial.

3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso.

4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole.

5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta.

6. A  guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta - sempre que possível - como sua efetiva expressão.

7. Recurso especial provido. (REsP 1428596/RS, Min. Rel. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 25/06/2014)- grifos nossos.

RECURSO   ESPECIAL.   CIVIL  E  PROCESSUAL  CIVIL.  FAMÍLIA.  GUARDA COMPARTILHADA.   CONSENSO.   DESNECESSIDADE.   LIMITES  GEOGRÁFICOS. IMPLEMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. SÚMULA

Nº 7/STJ.

1.  A  implementação  da  guarda  compartilhada  não  se  sujeita  à transigência dos genitores.

2.  As peculiariedades do caso concreto inviabilizam a implementação da  guarda  compartilhada,  tais  como  a dificuldade geográfica e a realização  do  princípio  do  melhor  interesse  dos  menores,  que obstaculizam, a princípio, sua efetivação.

3.  Às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de  impedimento  insuperável  ao  exercício da guarda compartilhada, como por exemplo, limites geográficos. Precedentes.

4. A verificação da procedência dos argumentos expendidos no recurso especial  exigiria,  por  parte  desta  Corte,  o reexame de matéria fática, o que é vedado pela Súmula nº 7 deste Tribunal.

5. Recurso especial não provido. (REsP 1605477/RS, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cuevas, Terceira Turma, DJe 27/06/2016)- grifos nossos.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. PRIMAZIA SOBRE A GUARDA UNILATERAL. DESAVENÇAS ENTRE OS CÔNJUGES SEPARADOS. FATO QUE NÃO IMPEDE O COMPARTILHAMENTO DA GUARDA. EXEGESE DO ART. 1.584, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL. DOUTRINA SOBRE O TEMA. ANÁLISE DAS DEMAIS QUESTÕES DEVOLVIDAS. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM.

1. Primazia da guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro, conforme de depreende do disposto no art. 1.584 do Código Civil, em face da redação estabelecida pelas Leis 11.698/08 e 13.058/14.

2. Impossibilidade de se suprimir a guarda de um dos genitores com base apenas na existência de desavenças entre os cônjuges separados.

Precedentes e doutrina sobre o tema.

3. Necessidade de devolução dos autos à origem para que prossiga a análise do pedido de guarda compartilhada, tendo em vista as limitações da cognição desta Corte Superior em matéria probatória.

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4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (REsP 1560594/RS, Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 01/03/2016)- grifos nossos.

Todavia, é importante frisar que o instituto da guarda compartilhada não se presta a outros fins ilegítimos, não devendo ser utilizado como instrumento de negociação entre os pais, que devem, tão-somente, zelar pelo melhor interesse de seus filhos!

 Vale dizer, não raras vezes, nas varas de família, depara-se com pretensões de guarda compartilhada com a única e exclusiva motivação de não-pagamento da pensão alimentícia ou mesmo como subterfúgio para impedir a mudança de domicílio do outro genitor, em especial quando é para o exterior.

Na verdade, quando o Estado determina o compartilhamento da guarda, fica evidenciada para todos, em especial para os genitores, a importância que se atribui à convivência entre pais e filhos, de que não há um “pai principal e um secundário, um para todos os dias e outro para finais de semana (...)Cabe ao Estado utilizar ferramentas possíveis para que sejam asseguradas e estimuladas as relações entre pais e filhos  após o desenlace conjugal, não ficando o vínculo afetivo e a convivência, dependentes exclusivamente de critérios negociais entre genitores, mas sim assegurados pelo Direito”, in Razões e contra-razões para a aplicação da guarda compartilhada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 80. (grifos nossos)

Enfim, infere-se que a guarda compartilhada se traduz num grande avanço da legislação familiar pátria. Hoje, a diretriz para a atribuição da guarda passou a ser o menor e o seu melhor interesse, com vistas ao seu pleno desenvolvimento físico, psicológico, social, tendo como referenciais, o pai e a mãe, que, em conjunto, construirão a autoestima de seus filhos, com o mínimo de interferência do término do vínculo conjugal ora desfeito. Esse é o desafio!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família, p. 344. Editora São Paulo: Saraiva, 1995.

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TEPEDINO, Gustavo. “A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem  civil-constitucional”.  In: Anais do  IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

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Sobre a autora
Ana Lucia Carrilo de Paula Lee

Advogada. Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho. Graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense.Chefe de Divisão da Secretaria de Assuntos Jurídicos e Cidadania do Município de São Bernardo do Campo.Dezoito anos de experiência profissional no Magistério Superior, na Administração Pública e na iniciativa privada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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