O presente trabalho trata-se de uma resenha crítica do capítulo A dimensão da atribuição da polícia, da obra Superando o Mito do Espantalho, de autoria de Marcelo Martinez Hipólito e Jorge Eduardo Tasca, publicada em 2012.
Essa obra tem por objetivo orientar os policiais militares a compreenderem a missão da polícia militar frente às exigências da sociedade organizada e do Estado, nessa nova ordem constitucional.
Hipólito e Tasca, 2012, em seu texto retratam bem o papel da polícia militar na sociedade democrática de direito, como sendo uma instituição que representa o principal braço do Estado na segurança pública.
Destacam ainda, que o papel executado pela polícia militar vai para além do combate à criminalidade, mas atua em uma série de situações que não estão elencadas em normas criminais, cita-se como exemplo: o desastre, incêndios, realização de partos, prestar socorro, organização de trânsito das cidades, segurança em eventos públicos e privados e vigilância de preso.
Concordo com o entendimento dos autores, pois na nova ordem constitucional, não restam dúvidas de que a Polícia Militar, instituição rígida que prima pelos seus princípios e costumes, e ao mesmo tempo possui uma grande capacidade de se adaptar as transformações sociais, possui papel fundamental na ordem pública.
Entretanto, a polícia militar tem sua principal atuação na segurança pública, mas, essa atuação foi ampliada, saindo de uma atuação eminentemente de manutenção da ordem, passando para uma atuação de preservação da ordem pública, ampliando as competências da polícia.
Sendo assim, quando se fala no papel da Polícia Militar frente à ordem pública estabelecida no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, deve-se entender ordem pública em sentido amplo, ou seja, envolvendo segurança pública, saúde pública e tranquilidade pública, sendo de fundamental importância trazer ao leitor os conceitos supracitados.
Teza, 2011, ao abordar o tema referente à ordem pública, conceitua saúde pública como sendo o estado antidelitual que resulta na observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das contravenções penais com ações de polícia preventiva ou repressiva típica, afastando assim de todo o perigo ou de todo mal que possa afetar a ordem pública; já a tranquilidade pública, é o estado de ânimo tranquilo, sossegado, sem preocupações nem incômodo, que traz as pessoas uma paz de espírito; e por fim, a salubridade pública, que se refere ao que é saudável conforme as condições favoráveis de vida, saúde, inclusive as decorrentes de calamidade pública, designando ainda, o estado de sanidade e de higiene de um lugar, em razão do qual se mostram propícias às condições de vida de seus habitantes.
Outro importante assunto abordado pelos autores, e de fundamental importância para se compreender o papel da Polícia Militar e manter seu monopólio nas atividade de segurança pública, principalmente aquelas voltadas à atuação sobre pessoas, é a análise das atribuições das Guardas Municipais e da segurança privada.
Conforme bem colocado por Hipólito e Tasca, 2012, existe atualmente um movimento de politização das atividades de segurança pública, o que acaba causando uma confusão perante a sociedade e até mesmo na própria administração pública sobre as atribuições das Guardas Municipais e das empresas de segurança privadas.
Frente a essa polêmica, é importante inicialmente entendermos o papel das Guardas Municipais na sociedade. A Constituição Federal de 1988, no artigo 144, § 8º ao tratar das Guardas Municipais, possibilitou aos Municípios constituírem guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações.
Assim, da análise do artigo supracitado verifica-se que o constituinte ao estabelecer atribuições às Guardas Municipais, restringiu sua atuação aos serviços, bens e instalações, atuando na condição de vigilantes municipais, limitando como área de circulação, a municipalidade, devendo agir como qualquer um do povo quando em situação de flagrância.
Entretanto, conforme já mencionado anteriormente, atualmente vem ocorrendo um desvirtuamento dessa atribuição das Guardas Municipais, uma vez que esse órgão tem executado atividades de policiamento ostensivo, em especial aquelas que envolvem ação sobre pessoas, atividades essas de competência exclusiva da Polícia Militar, conforme previsão constitucional no artigo 144, §5º da Constituição Federal de 1988.
No que tange às atividades de segurança privada, cabe destacar que, com o aumento da criminalidade, têm avançado com velocidade, mas é certo que as possiblidades de atuação e criação conferidas por lei a essas empresas, não esbarram diretamente nas atribuições da Polícia Militar.
Contudo, conforme bem colocado por Teza, 2011, esse crescimento acelerado, e a proximidade que essa atividade de segurança privada tem com a atividade de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, em que pese não serem polícias, faz necessário à participação da Polícia Militar no processo de treinamento, fiscalização e controle formal dessa atividade, inclusive com a mudança da legislação que regulamenta a atividade.
Ainda dentro da compreensão das atrições da Polícia Militar, Hipólito e Tasca, 2012, fazem uma análise sobre o poder de polícia, que é dividido classicamente no Brasil em polícia administrativa e polícia judiciária.
Essa divisão trazida pelos autores está bem definida no próprio texto constitucional em seu artigo 144, § 4º e 5º, que estabelecem, respectivamente, a competência da Polícia Civil como polícia judiciária e da Polícia Militar como polícia administrativa, responsável pelo exercício de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública.
Porém, antes de adentrarmos no estudo dos modelos de polícia, necessário conceituar o que vem a ser poder de polícia: é uma atribuição que a administração possui para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade e restringir o exercício da liberdade dos administrados no interesse público ou social, nos termos do artigo 78 do Código Tributário Nacional.
Encerrada a fase de conceituação, passa-se a análise dos modelos de polícia adotados no ordenamento jurídico brasileiro. Hipólito e Tasca, 2012, traçam um paralelo entre os dois modelos, sendo a polícia administrativa, essencialmente preventiva, tendo como objetivo a ação sobre a propriedade, a liberdade e impedir atividades antissociais; em contra partida, a polícia judiciária, com atribuições de atividade repressiva, que é privativa dos órgãos de segurança pública, tendo por objetivo a apuração de infração penal.
Entretanto, conforme bem colocado pelos autores e ainda dentro dessa divisão, existe uma subdivisão da polícia administrativa em polícia geral e especial, sendo a primeira, uma polícia voltada à manutenção da ordem pública, a garantia da segurança individual, a prevenção da criminalidade e a defesa dos bons costumes; já a segunda, seria aquela restrita a área de intervenção, abrangendo órgãos de fiscalização do Estado.
Contudo, o mais importante é compreendermos em qual espécie de polícia administrativa está inserida a Polícia Militar. Da análise do texto percebe-se que a Polícia Militar está inserida na atividade de polícia administrativa geral, pois sua atividade incide sobre pessoas, bens, patrimônio e serviços, age sobre toda ordem pública, tem formato de instituição, realiza o controle e o preparo dos seus membros, faz uso da força dentro dos limites legais e sua previsão é constitucional.
Em contrapartida, a polícia administrativa especial, tem sua incidência restringida a bens, serviços e patrimônios, age sobre elementos da ordem pública, está fracionada em órgão de departamento e sua previsão é legal.
Quanto ao objeto de atuação da Polícia Militar, esse não se restringe apenas as atividades de repressão e combate a criminalidade, mas com atribuições muito maiores, essas atribuições foram alargadas pelo constituinte de 1988, passando de uma atuação de policiamento ostensivo e manutenção da ordem pública, para exercer a nobre missão de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública.
Quanto às mudanças trazidas pelo o texto constitucional de 1988, Hipólito e Tasca, 2012, criticam a posição de alguns autores que tratam os designativos constitucionais de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, respectivamente, como sinônimo de policiamento ostensivo e manutenção da ordem pública, esse utilizados para definir a competência da Polícia Militar antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Sobre esse assunto é imprescindível as instituições policiais militares juntamente com seus membros compreenderem as mudanças trazidas pelo novo texto constitucional, que acabaram por alargar as competências das Polícias Militares.
A atividade policial militar que antes da constituição de 1988 era restrita a atividade de manutenção da ordem pública, após a promulgação do novo texto passa a compreender a atividade de preservação da ordem pública em sentido amplo, com atribuições de manter, restabelecer, atuar em caso de falência de outros órgãos de Estado e exercer a competência residual, ou seja, competência constitucional não afeta aos outros órgãos de segurança pública.
O mesmo ocorreu com o designativo de policiamento ostensivo, que antes do texto constitucional de 1988 estava restrito a atividade de fiscalização, e após a sua promulgação foi substituído para policia ostensiva, ampliando as atribuições da Polícia Militar. Com essa nova atribuição de polícia ostensiva, o policiamento ostensivo passou a ser apenas uma fase da atividade de polícia, que atualmente envolve o denominado ciclo completo de polícia, compreendendo: ordem, consentimento, fiscalização e sanção.
Feitas essas considerações, fica claro que as polícias militares devem entender sua missão nesse Estado democrático de direito e exercê-la em sua plenitude, pois isso resultará em mais ordem pública e na melhoria da qualidade de vida da sociedade.
Após a análise da missão da Polícia Militar, Hipólito e Tasca, 2012, abordam o tema sobre a missão atual da policial na comunidade, informando que essa está fundamentada no conceito de polícia comunitária, uma filosofia que surgiu nos Estados Unidos da América como uma reação ao modelo profissional de policiamento, cuja missão principal é combater o crime, um modelo preocupado com o tempo resposta da ocorrência.
Entretanto, verifica-se que a Polícia Militar durante décadas vem se adaptando às transformações sociais, passando por todos os modelos de policiamento, quais sejam: modelo político, modelo profissional e atualmente chegando a atuação de polícia comunitária, que trabalha com um policiamento de parceria e proximidade com a sociedade.
Desse modo, diante das mudanças trazidas pela Constituição de 1988 e frente as mudanças sociais, pode-se concluir que a polícia sai daquele viés voltado apenas para o policiamento repressivo, passando para um modelo de policiamento orientado para o problema, como uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a polícia e a sociedade com o objetivo de diminuir a criminalidade e melhorar as condições de vida da população.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/constituição/constituiçãocompilado.html>
HIPÓLITO, Marcello Martinez; TASCA, Jorge Eduardo. Superando o mito do espantalho: uma polícia orientada para a resolução dos problemas de segurança pública. Florianópolis: Insular, 2012.
TEZA, Marlon Jorge. Temas de polícia militar: novas atitudes da polícia ostensiva na ordem pública. Florianópolis: Darwin, 2011.