Cobrança judicial: sucesso, economia e lucro

21/09/2016 às 18:33
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Desconhecimento ou percepções equivocadas conduz a decisões equivocadas. E, quando se é credor de alguém, evitar o Poder Judiciário não é o caminho mais rápido, mais prático e nem o mais econômico.

1.         NECESSÁRIA REVISÃO (OU ASSIMILAÇÃO) DE CONCEITOS

           Abordaremos alguns aspectos interessantes acerca de um serviço jurídico que em função do ardil, da falta de organização e de conhecimento de inúmeros “profissionais” se encontra em franco declínio e desprestígio: a recuperação judicial de crédito.   

            Não deveria ser assim, mas infelizmente é muitíssimo comum amargar o descontentamento gerado por uma obrigação insatisfeita (cheque devolvido; nota promissória ou duplicata vencida e não paga etc) e se autoimpor um conformismo normalmente expresso nas frases: “Não vou gastar vela boa com defunto ruim”; “Vou colocar no Cartório de Protesto e ver o que acontece”; “O fulano de tal é um quebrado, não tem onde cair morto, como irei receber?”

            Realmente, ainda que se tenha um documento representativo de crédito inadimplido, o desconhecimento ou a falta de certeza a respeito da situação patrimonial e financeira do devedor faz com que o intento de cobrá-lo judicialmente seja bastante inibido, nomeadamente ao consultar um advogado e ser informado que deverão ser pagos honorários no valor de “X” (afinal de contas, ao exercer uma atividade de “meio” e, não, de “fim”, o advogado deve ser remunerado por seu trabalho, independentemente do sucesso ou do fracasso no recebimento da dívida), mais custas e despesas processuais, tanto no início quanto no curso da ação.

            Mas, e se o advogado for remunerado apenas se houver proveito econômico, vale dizer, se houver recuperação total ou parcial do valor de devido? Não seria mais encorajador e estimulante buscar a satisfação do direito? Nesse caso, ficaria a cargo do cliente apenas o pagamento das taxas judiciárias e de algumas despesas: gastos que se incorporarão ao crédito e, por conseguinte, deverão ser honrados pelo devedor.

            Esse tipo de ajuste, denominado de contrato “quota litis”, além de em nada afrontar os ditames ético-disciplinares da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil pode se revelar extramamente vantajoso ao cliente, vez que retribuirá o advogado com um percentual do êxito eventualmente obtido: em geral esse percentual é de 30% (trinta por cento). Daí esse tipo de pactuação também ser conhecida por “ad exitum”.

            Então, qual é a razão de pouquíssimos profissionais que atuam nas áreas cível, empresarial, tributária etc não trabalharem “ad exitum”? Trata-se de uma opção. Cada qual articula a sua atividade econômica e se posiciona no mercado da forma que lhe parecer mais conveniente e lucrativa. Nós, em particular, comungamos da ideia do palestrante, professor e empreendedor Carlos Wizard Martins, autor de Desperte o milionário que há em você: como gerar prosperidade mudando suas atitudes e postura mental (33.ª ed. São Paulo: Editora Gente, 2012, p. 79-80):

“Costumo dizer que o segredo para alcançar sucesso em qualquer área é simples. Você precisa oferecer um produto ou um serviço com potencial de grande demanda. A qualidade de seu produto ou serviço precisa ser superior à da concorrência. Você precisa entregar seu produto ou serviço mais depressa e melhor que a concorrência, e, finalmente, praticar um preço justo, que não é necessariamente o preço mais barato. Todo consumidor está disposto a pagar mais por um produto ou serviço com essas características”.

E se houvesse uma forma de não pagar as taxas e as despesas processuais? Não seria ainda mais interessante perseguir a realização do crédito?          

Vejam, não falamos aqui em dar telefonemas insistentes, enviar cartas de cobrança, notificar o devedor via cartório, encaminhar títulos a protesto, inscrever o devedor nos cadastros de proteção ao crédito (SERASA, SCPC BOA VISTA, v.g.) e outros procedimentos do gênero. Também não ingressaremos no mérito da eficiência e custo-benefício dos chamados “serviços de cobrança”. Contudo, dois esclarecimentos nos parecem pertinentes.

A.   Não é necessário “cobrar amigavelmente” o devedor antes de “entrar na justiça;

            As penalidades (multa, juros, correção monetária, honorários advocatícios contratuais, v.g.) decorrentes do não-cumprimento de uma obrigação com prazo de vencimento incidem automaticamente, sem que o credor nada precise fazer: vencido o prazo e não adimplida a prestação o devedor estará em mora. É a chamada mora ex re.

            Trata-se da regra dies interpellat pro homine“o termo interpela em lugar do credor”, em livre e literal tradução —, expressa no art. 397, caput, do Código Civil e aplicável à quase totalidade das vinculações jurídico-contratuais.

            De fato, raras são as hipóteses de obrigações desprovidas de termo e que, portanto, dependem que o credor proceda à interpelação do devedor por meio da notificação judicial, extrajudicial ou do protesto para constituí-lo em mora e, assim, cravar o marco inicial das sanções moratórias. Denominada de mora ex persona, sua previsão está contida no parágrafo único do precitado dispositivo legal: “Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial”.

            Anote-se que em algumas situações, igualmente escassaz, a prévia notificação do devedor será uma condição específica indispensável ao exercício do direito de ação, daí a abalizada doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier (Nulidades do processo e da sentença. 5.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 63) falar em “condições específicas de terminadas ações”. É o caso do art. 32 da Lei n.º 6.766/1979, que diz que a “rescisão” do compromisso de venda e compra de bem imóvel só é possível depois de o promissário comprador ser notificado para no prazo de 30 (trinta) dias saldar o débito, e do art. 2.º, § 2.º do Decreto-lei n.º 911/1969, que exige a comprovação da mora por carta registrada com aviso de recebimento para que o credor possa requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

 Destacamos as seguintes ementas a título de ilustração das hipóteses referidas:

“RESCISÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EXTINÇÃO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO — AUSÊNCIA DE REGULAR NOTIFICAÇÃO PRÉVIA — EXIGÊNCIA PREVISTA NO PRÓPRIO CONTRATO — ART. 32, §1º, LEI Nº 6.766/79 — APELAÇÃO DO AUTOR NÃO PROVIDA — 1. Sentença que julgou extinta, sem julgamento do mérito, a ‘ação de rescisão contratual c/c reintegração de posse’ movida pela promitente vendedora do imóvel, por falta de interesse de agir — Ausência regular notificação prévia do comprador — Manutenção — 2. Hipótese em que o próprio compromisso de compra e venda entabulado entre as partes estabelece que a rescisão do contrato por inadimplemento do adquirente somente ocorrerá após prévia notificação ‘na forma e prazos da Lei nº 6.766 de 19.12.1979’, o que não foi observado pela autora — 3. A citação não supre a falta de interpelação do devedor — Súmula nº 76, STJ — 4. Apelação da autora não provida. (TJSP, Ap. n.º 1000825-69.2015.8.26.0302, 9.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alexandre Lazzarini, v.u., j. 14.06.2016)”; (grifo nosso) 

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA — AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO — Para cumprimento do comando do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69, não basta que a notificação extrajudicial seja encaminhada para o endereço do devedor indicado no contrato, mas é necessário que seja efetivamente recebida por alguém no local, ainda que terceiro. No caso vertente, não tendo a missiva sido entregue, em virtude da informação de ausência do destinatário durante as tentativas de entrega, é necessário o esgotamento dos meios para tentativa de notificação pessoal e, se for o caso, a intimação por edital. (TJSP, Ag. de Instr. n.º 2060674-51.2016.8.26.0000, 34.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Gomes Varjão, v.u., j. 13.04.2016)”. (grifo nosso)

            Em remate às considerações que nos ocupamos nesse item vem à propóstio salientar que muito embora o art. 3.º, § 3.º, do Código de Processo Civil preconize que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos devam ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, é completamente equivocada a ideia de que a tutela jurisdicional só poderá ser provocada quando fracassados esses meios, inexistindo interesse de agir se o autor não demonstrar a tentativa de consecução de seu direito sem a intervenção do Poder Judiciário.

            Ora, o interesse de agir (ou interesse processual), visto sob o aspecto da necessidade, nunca se susteve na noção de “bater às portas do Poder Judiciário apenas em último caso”, mas na presença de lesão ou ameaça de lesão a uma afirmação de direito material. Nesse sentido, há muito já pontuava o jusprocessualista Vicente Greco Filho (Direito processual civil brasileiro. v. 1. 14.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 81):  

“o interesse processual nasce diante da resistência que alguém oferece à satifação da pretensão de outrem, porque este não pode fazer justiça pelas próprias mãos. Essa resistência pode ser formal, declarada, ou simplesmente resultante da inércia de alguém que deixa de cumprir o que o outro acha que deveria. (grifo nosso)

            E, de forma mais explícita e com inexcedível precisão leciona Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito processual civil – volume único. 8.ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, p. 75):

“Haverá necessidade sempre que o autor não puder obter o bem da vida pretendido sem a devida intervenção do Poder Judiciário. Em regra, havendo lesão ou ameaça de lesão a direito, consubstanciada na lide tradicional, haverá necessidade de agir, porque, ainda eu exista a possibilidade de obtenção do bem da vida por meios alternartivos de solução de conflitos, ninguém é obrigado a solucionar seus conflitos de interesse por essas vias alternativas. (grifo nosso)

B.   O protesto não impede a prescrição (“perda do direito de ação”), apenas interrompe o prazo para que o titular exerça o seu direito, recomençando a correr logo em seguida.

Pode ser uma vã ilusão guardar carinhosamente o instrumento de protesto na gaveta com a vívida esperança de que um belo dia o devedor resolva procurá-lo para acertar o que deve e ter o nome limpo.  Então...mexa-se!

            A interrupção da prescrição — seja pela notificação ou interpelação judicial (arts. 726 a 729 do Código de Processo Civil), seja pelo protesto cambial (Lei n.º 9.492/1997) — ocorrerá uma única vez. É o que diz o art. 202, caput, do Código Civil, remetendo-nos ao célebre adágio latino dormientibus non succurrit jus (o direito não socorre aos que dormem), sendo que na interrupção o prazo volta a ser contado do início enquanto que na suspensão (o art. 198 do Código Civil dá exemplos de fatos suspensivos) o curso prescricional é paralisado.

            Importante salientar que “cartinhas” ou e-mails de cobrança não têm o condão de interromper a prescrição, apenas lembram o inadimplente que a dívida (por enquanto) existe e, em alguns casos, deixam-no aborrecido, incomodado, envergonhado.

            Ainda que se trate de notificação via Cartório? Sim, as notificações extrajudiciais realizadas por meio dos Cartórios de Títulos e Documentos têm, nesse contexto, o mesmo peso de uma cobrança postal com aviso de recebimento (AR): não passam de “cartinhas” sem o poder de interromper a prescrição.

            A propósito, é nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

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 “ADMINISTRATIVO — AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL — CONTRATO ADMINISTRATIVO — AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO — NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL — PRESCRIÇÃO — SUSPENSÃO INOCORRENTE — 1. A notificação extrajudicial levada a efeito pelo recorrente não pode ser acolhida como causa suspensiva da prescrição, com fulcro no artigo 4º do Decreto 20.910/32, já que a hipótese que se cogita no referido dispositivo é aquela em que o próprio credor formula pedido, junto à Administração Pública, de apreciação de seu direito de receber quantia devida, o que não ocorreu no caso dos autos. 2. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1.245.120/RS, 1.ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, v.u., j. 08.05.2014, DJe 16.05.2014)”; 

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL — AÇÃO DE COBRANÇA.PRESCRIÇÃO — NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL — INTERRUPÇÃO — NÃO OCORRÊNCIA — REVISÃO DA CONCLUSÃO DA CORTE ESTADUAL — REEXAME DE FATOS E PROVAS — IMPOSSIBILIDADE — SÚMULA 7/STJ — AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (STJ, AgRg no AREsp 273.751/RS, 3.ª T., Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino, j. 20.02.2014, DJe 10.03.2014)".

            Elaboramos o quadro abaixo com as relações jurídicas mais comumente submetidas ao Poder Judiciário a fim de ilustrar a compreensão e permitir a identificação e o monitoramento da fluência do prazo prescricional.

                               OBRIGAÇÃO

                                     PRAZO

Prestação alimentar (pensão alimentícia)

02 (dois) anos a partir do vencimento de cada parcela

Reparação Civil (indenização): contratual ou extracontratual

03 (três) anos

Aluguéis e Encargos da Locação

03 (três) anos a partir do vencimento de cada aluguel e de cada obrigação acessória (água, luz, condomínio etc)

Cheque (execução)

06 (seis) meses contados do encerramento da data de apresentação ao banco: 30 (trinta) dias se for mesma praça, 60 (sessenta) dias se for praça distinta

Letra de Câmbio (execução)

03 (três) anos a partir do vencimento – devedor principal e seu(s) avalista(s)

Nota Promissória (execução)

03 (três) anos a partir do vencimento – devedor principal e seu(s) avalista(s)

Duplicata

03 (três) anos a partir do vencimento – devedor principal e seu(s) avalista(s)

01 (um) ano a partir do protesto contra o(s) endossante(s) e seu(s) avalistas

            Como exemplo, tomemos uma duplicata regularmente aceita, não paga pelo devedor na data do vencimento e que, após 02 (dois) anos, não foi levada a protesto nem executada pelo credor. Nesse caso, como há assinatura do devedor no título (aceite ordinário) — aceite é o ato por meio do qual o devedor concorda com o pagamento do valor mencionado no título —, o protesto será meramente facultativo, ou seja, dispensável para o ajuizamento da ação de execução, a qual deverá ser proposta no remanescente prazo de um ano. Todavia, se o protesto cambial for realizado, o lapso temporal da prescrição será interrompido e aqueles 02 (dois) anos em que nada foi feito ressurgirão.  

            Importante advertir que procrastinar nunca é a melhor solução. Malgrado haja eficiência no controle de créditos e de cobranças, esperar que o devedor tenha condições de honrar a dívida é um grande erro na maioria dos casos. Significa assistir passivamente a evolução de sua derrocada até o estágio final, a insolvência (menos bens em seu patrimônio que o total de suas dívidas).

No capítulo seguinte analisaremos a forma de perseguir a realização de um crédito sem ter de pagar as custas e as despesas judiciais. Aliás, a resposta à indação que antecedeu os itens “A” e “B” é: sim, pelo procedimento dos Juizados Especiais Cíveis.

2.         O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL É UMA OPÇÃO?

 Diz o art. 52 da Lei n.º 9.099/1995 que o acesso ao Juizado Especial “independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas”. Logo, se não exceder a soma de 40 (quarenta) salários mínimos — competência em razão do valor prevista no art. 3.º, inciso I, da citada Lei — o crédtito poderá ser demandado por essa via sem nenhum ônus financeiro, gratuitamente.

Economia que não se limita às custas iniciais, à taxa de mandato, à citação e eventuais intimações, mas abrange outras despesas, como com os sistemas Bacenjud, Renajud, Infojud, Serasajud, de grande importância para a recuperação do crédito. Os dois primeiros possibilitam a localização, o bloqueio e a apreensão judicial de ativos finceiros (dinheiro em conta bancária, aplicações, v.g.) e veículos; pelo Infojud é possível acessar as declarações de renda e de bens do devedor à Receita Federal e, assim, identificar patrimônio passível de ser penhorado; por fim, o Serasajud permite a inscrição no cadastro de restrição ao crédito da companhia SERASA EXPERIAN, medida que impõe perturbações cotidianas capazes de despertar a decisão de pagar (ou de se comprometer a). Sobre esse aspecto, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Ênio Santarelli Zuliani bem analisou:

“No atual estágio da civilização, com os direitos da personalidade consagrados, passou a ser imperdoável o descaso com o patrimônio moral da pessoa. A integridade moral do sujeito de deveres e obrigações não é conquistada única e exclusivamente pelo seu proceder familiar ou profissional; é medida avaliada pela sua retidão no cumprimento das dívidas que assume, pois esse requisito de pontualidade pontua o cadastro que lhe facilita o crédito, fundamento da dignidade humana [art. 1º., III, da CF]. (TJSP, Ap. n.º 139.011-4/4, 3.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, v.u., j. 03/06/2003, v.u.)”. (grifo nosso)  

            Entretanto, o proveito na utilização do Juizado Especial Cível depende da coexistência de 02 (dois) fatores: a) certeza a respeito do paradeiro do devedor; e b) probabilidade de existência de patrimônio ativo (bens livres e desembaraçados).

            Com efeito, se o devedor estiver em lugar ignorado, incerto ou inacessível o processo será extinto nos termos do art. 51, inciso II, pois no procedimento do Juizado Especial Cível não é admitada a citação por edital (art. 18, § 2.º). O mesmo sucederá se não forem encontrados bens. Diz o art. 53, § 4.º que: “Não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao autor”. (grifo nosso)

            Nesse caso, ocorrerá a emissão de “certidão de crédito” para instruir eventual ação executiva proposta perante a Justiça Comum Cível, onde novas diligências para a localização de bens penhoráveis poderão ser requeridas e, se não houver êxito, caberá a suspensão do processo com fundamento no art. 921, inciso III, do Código de Processo Civil. Ainda na hipótese de extinção lastreada no aludido art. 53, § 4.º, da Lei n.º 9.099/1995, o credor poderá solicitar uma certidão específica para lançar o devedor em órgãos de restrição ao crédito.

            É o que dispõem os Enunciados 75 e 76 do FONAJE – Fórum Nacional dos Juizados Especiais:

ENUNCIADO 75 (Substitui o Enunciado 45) – A hipótese do § 4.º, do 53, da Lei 9.099/1995, também se aplica às execuções de título judicial, entregando-se ao exequente, no caso, certidão do seu crédito, como título para futura execução, sem prejuízo da manutenção do nome do executado no Cartório Distribuidor (nova redação – XXI Encontro – Vitória/ES)”.

“ENUNCIADO 76 (Substitui o Enunciado 55) – No processo de execução, esgotados os meios de defesa e inexistindo bens para a garantia do débito, expede-se a pedido do exeqüente certidão de dívida para fins de inscrição no serviço de Proteção ao Crédito – SPC e SERASA, sob pena de responsabilidade”.

            Por fim, é de se sublinhar que o procedimento dos Juizados Especiais Cíveis não abrange (pelo menos não amplamente) os chamados atos de execução indireta: medidas coercitivas destinandas a forçar o devedor a adotar o comportamento desejado. No caso das ações que têm por objeto prestação pecuniária esse comportamento consiste em pagar certa soma em dinheiro.

            O art. 139 do Código de Processo Civil, ao tratar os poderes do juiz, diz em seu inciso IV: determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.  (grifo nosso)

            Destarte, providências como apreensão do passaporte, suspensão do direito de dirigir, cancelamento de cartões de crédito, entre outras, podem funcionar como eficiente estimulante ao pagamento, mormente por aqueles inadimplentes cuja realidade formal é de extrema pobreza (não possuem um único bem, extrapolaram de há muito o limite do cheque especial, estão negativados etc), mas levam uma vida para lá de confortável, contando com amigos e parentes extremamente generosos, que lhes empresta carros, mansões, iates, dinheiro etc.

CONCLUSÃO

            “Dever e não ter de pagar (nem ser obrigado a fazê-lo com a penhora e leilão judicial dos bens) é, para muitos, um pesadelo moral. Mas há os que não se avexam, nem se enrubescem, com a ideia: a cena de credores enfurecidos, amassando títulos protestados em vão, sem poderem receber nada, é-lhes um sonho querido [...]” (Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede. Blindagem Patrimonial e Planejamento Jurídico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 03.)

            A ideia de que há créditos cujo valor “compensa” e outros cujo valor “não compensa” entrar na justiça é inadequada. Com a orientação técnica apropriada é possível impedir a prescrição e empregar mecanismos eficazes para intentar o recebimento sem que os custos envolvidos desencoragem o exercício de um direito.

            Do contrário, como visto na citação acima, aqueles que possuem a pecha de mau pagador e não se importam nenhum pouco com isso continuarão sem derramar um centavo, enriquecendo-se à custa da falta de informação e da inércia de seus credores.

Sobre o autor
Luiz Gustavo Pantoja

Luiz Gustavo Pantoja — Advogado, Especialista em Direito de Empresa pela FADISP – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo, membro do IBRADEMP – Instituito Brasileiro de Direito Empresarial, com experiência docente no magistério superior em Direito, sócio cofundador do escritório Luiz Carlos Pantoja Advogados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Muitos estão se privando da realização de seus direitos, e o que é pior, expondo-se ao risco de perdê-los. É preciso lançar um olhar mais atento para o que se tem em mãos e não deixar se influenciar por palpites, opiniões e pelos falaciosos “serviços de cobrança”. O presente artigo adverte, orienta e esclarece sobre alguns aspectos básicos, porém muito relevantes, da recuperação judicial de crédito.

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