INTRODUÇÃO
No tocante ao Direito Autoral, o compartilhamento de dados na internet é o ponto sensível atualmente. Fato é que vivemos numa sociedade em que a troca de informações e obras, protegidas ou não por direitos autorais, é uma realidade latente, uma vez que o ambiente virtual nos traz diversas ferramentas que facilitam e incentivam a prática do intercâmbio digital. O download e as redes sociais são exemplos práticos da nova forma de consumir e distribuir obras intelectuais em ambiente virtual. Este novo modelo de negócio, ainda em desenvolvimento, é uma tendência mundial, pois há ascensão da chamada Economia do Compartilhamento que trata-se de uma mudança de hábito dos consumidores. Isto ocorre pois atualmente prefere-se alugar, trocar, compartilhar, do que comprar efetivamente.
Neste cenário, o autor também deve se reinventar e abrir-se para as novas formas de produzir e distribuir suas obras. Isso não significa, necessariamente, que há um involução quanto à tutela dos direitos do autor, ao contrário, a realidade vivenciada atualmente possibilita ao autor o real controle sobre sua obra, uma vez que não depende mais de oligopólios para conseguir distribuir e comercializar suas obras. Deve-se, entretanto, estar atento às novas formas de produção e distribuição disponíveis no mercado, para poder escolher qual atende melhor os interesses do autor.
DIREITO DE AUTOR E ECONOMIA DO COMPARTILHAMENTO
O direito autoral é matéria fundamental que deve ser observada pelos operadores do direito. Muito embora pouco se fale acerca da matéria na academia, não devemos nos limitar aos espaços físicos da faculdade. A internet está aí ferramenta de libertação da ignorância imposta por um sistema que visa a retenção do conhecimento como forma de controle social. A fragilidade intelectual vivida no Brasil transita por diversas áreas, desde a cultura à economia. Vivemos a mercê do que nos é entregue pelos grandes conglomerados empresariais. Entretanto, a revolução tecnológica trazida pela internet é uma realidade incontrolável, baseada na cooperação entre pessoas e no fluxo permanente de informações das mais variadas fontes.
Cumpre destacar, neste primeiro momento, que há um certo descompasso entre a doutrina e o que observamos na prática. Observamos que há juristas que defendem o direito autoral como sendo uma espécie do direito de propriedade. Tecnicamente, propriedade seria o direito de gozar, fruir e dispor de determinado bem, porém, ocorre que a propriedade intelectual não encerra-se nesta definição. Muito embora alguns autores afirmem que a diferença repousa tão somente no objeto sobre o qual recai a propriedade, há que se considerar que a obra intelectual desde a sua criação é feita para o público. Não podemos afirmar que o autor, o escultor, o cineasta, realizem suas obras para depois escondê-las no interior de sua intimidade. É sob esta ótica, ao meu ver, que devemos analisar os direitos autorais. As teorias civilistas não se mostram aptas a absorver a fluidez que envolve tema.
Os sistemas que deram origem às formas atuais pelas quais os direitos autorais se manifestam são de extrema importância para entendermos as bases sociais e econômicas, a fim de que se extraia o que ainda tem espaço no século XXI. O sistema inglês de proteção sempre esteve ligado ao interesse particular dos editores que serviam, por sua vez, aos interesses da Coroa. O sistema francês, à sua maneira, priorizou os aspectos pessoais do autor, reconhecendo a obra como extensão da personalidade de seu criador. Críticas também devem ser feitas ao sistema Droit d’Auteur, uma vez que o controle integral do autor sobre a obra também traz prejuízos à sociedade, tendo em vista que o conhecimento é um direito natural do homem, não devendo o interesse de poucos suplantar o interesse coletivo para restringir o acesso amplo às várias formas de saber.
As leis mais modernas procuram alinhar tais doutrinas para que o alcance da norma seja real e beneficie a sociedade como um todo. A legislação brasileira esteve atenta aos movimentos internacionais acerca do tema, o que possibilitou a edição de um regramento moderado, passível de reformas. O direito autoral no Brasil enfrenta os mesmo problemas encontrados em todo o mundo; o processo legislativo não consegue acompanhar as inovações tecnológicas, sobretudo no sistema do Civil Law, como é o caso do Brasil, baseado na cultura do código, onde a lei formalmente escrita sobrepõe-se à realidade cotidiana. Já no Common Law, há uma maior flexibilidade quanto à resolução dos conflitos, visto que as decisões podem ser tomadas através de princípios e das leis já editadas, dando- se extrema importância aos precedentes.
A função social dos direitos autorais, à exemplo do que ocorre com a função social da propriedade, deve ser observada pelo detentor do direito para que o não se constate o abuso do direito em detrimento do interesse público. A própria Constituição Federal de 1988 em seus artigo 5o tutela os direitos da propriedade e também os direitos autorais, devido à grande relevância de ambos nas relações em sociedade. A premissa de que não há direitos absolutos torna-se verdadeira quando evidenciada a sobreposição do interesse coletivo sobre o particular. Nesse sentido, não pode o autor prejudicar a evolução tecnológica, o acesso à cultura ou à informação em virtude de seu objetivo de lucro.
Há de se considerar, entretanto, que a Carta da República defende a valorização do trabalho humano em seu artigo 170, como forma de proteger tanto o trabalhador, em sua pessoa, como a justa remuneração pelo esforço dispendido na realização de seu engenho. O mesmo ocorre com o autor que também deve ser remunerado pela obra que criou, independente da natureza desta, seja material ou imaterial. Há que se considerar a peculiaridade da propriedade intelectual, uma vez que a venda de um quadro, por exemplo, não permite ao comprador reproduzi-lo livremente sem autorização expressa do autor. Esta é uma característica fundamental na análise da matéria, por ser a obra uma parte da consciência de seu autor.
De fato, a internet trouxe diversas mudanças tanto sociais quanto econômicas. O direito autoral, em especial, passa por aceleradas mudanças, uma vez que o objeto de tutela deste direito é certamente um dos pilares da rede mundial de computadores. As obras intelectuais, as informações, os arquivos, a arte, todos estes elementos sofrem a influência da internet, sobretudo quanto à maneira que estes serão distribuídos ao público. As tecnologias disponíveis atualmente possibilitam o acesso democrático às informações disponíveis no ambiente virtual, porém, dificultam o controle das obras por seus autores, uma vez disponibilizadas.
As obras intelectuais sempre existiram, o que vemos atualmente é a transformação pela qual estão sofrendo os meios de distribuição. Antes da internet, os grandes oligopólios dominavam a circulação de toda a informação e cultura disponível. O autor dependia exclusivamente do patrocínio de grandes empresas ou do apoio de distribuidores já consolidados no mercado. O que vemos hoje é a possibilidade de criação e distribuição da obra diretamente pelo autor, sem intermediários entre produto e consumidor, onde há tão somente a necessidade de um computador com acesso à internet para que todo esse processo ocorra com extrema rapidez e comodidade.
A Economia do Compartilhamento é uma realidade inegável. Empresas como UBER, Air Bnb, Facebook, Whatsapp e Netflix são grandes exemplos dessa nova maneira de consumo observado e vivenciado em todo o mundo. Com relação ao direitos autorais, o autor precisa adaptar-se ao novo cenário, aproximando-se como nunca de seu público e de seus consumidores. Cabe ao Poder Público participar deste processo como agente regulador, ciente das dificuldades que naturalmente decorrem da relação entre a liberdade do usuário e os direitos patrimoniais do autor, entretanto, a linha entre a censura e a regulação, em especial quando falamos de internet, é demasiadamente tênue pois os interesses em conflito são díspares.
No processo de compartilhamento de obras em ambiente virtual precisamos identificar com clareza quais as intenções do usuário ao baixar um arquivo e enviá-lo a um terceiro. Fato é que embora seja extremamente complexa a fiscalização neste sentido, é notório que a troca de arquivos entre pessoas na rede não envolve nenhum proveito econômico de nenhuma das partes, temos tão somente a obtenção da cópia privada para fins de conhecimento ou cultura. Tal situação já está prevista na Lei de Direitos Autorais e atende perfeitamente aos direitos fundamentais de acesso à informação e à cultura. A grande questão que se manifesta é o compartilhamento de obras com vistas à obtenção de lucro. Neste segundo caso, há, de fato, a necessidade de que se crie novos moldes de intervenção estatal em sua figura reguladora, sem perder de vista que o intuito maior deve ser o equilíbrio entre os interesses individuais do autor e os interesses gerais da sociedade.
O modelo de licenciamento proposto pelo Creative Commons é apenas uma possibilidade, dentre tantas outras, de alinharmos a força do compartilhamento com retorno financeiro do artista. As obras sob tais licenças estão abertas ao compartilhamento e veem na internet uma excelente janela pela distribuição de obras a custos mais baratos, mantendo uma relação direta entre autor e público. As licenças abertas são uma realidade em todo o mundo e a internet funciona como ambiente fértil às novas formas de conhecimentos. A quebra dos padrões até então impostos pelo capital não resistirão à potência da sociedade digital, que através da globalização da informação não sucumbirá às restrições que os oligopólios então até vinham impondo à sociedade.
Vale dizer que o compartilhamento de obras não devem ser visto como um retrocesso na questões dos direitos morais do autor. A disponibilidade das obas em ambiente virtual não significa que o conteúdo ali apresentado seja de origem desconhecida. Entretanto, há que reconhecer que atualmente podemos identificar obras de autoria coletiva, realizadas pela colaboração entre diversos autores, onde o resultado da cooperação não defenderá o interesse de um grupo determinado. Temos a Wikipedia como um exemplo claro dessa nova forma de conhecimento.
Nos Estados Unidos, há uma corrente chamada de fair-use [uso justo], que objetiva dar legitimidade ao uso de obras sem autorização, uma vez verificada a razoabilidade do feito. O uso justo das obras é expressão das limitações aplicáveis ao direito de autor em razão do direito à informação. Inicialmente, todos aqueles que faziam cópia de alguma obra protegida por direitos autorais era intitulado pirata tendo em vista o grande apelo da mídia em criminalizar a conduta que não correspondia ao interesse econômico das empresas de distribuição.
Hoje, é juridicamente possível o download de obras protegidas, observando-se o caráter não econômico do uso. O imperialismo está sucumbindo à força das pessoas reunidas através da internet. Considera-se, sob tal prisma, que não há prejuízos reais ao autor, há tão somente o prejuízo das empresas que distribuem as obras. O autor, que sempre esteve em segundo plano, passa a ter o reconhecimento expressivo pelo seu trabalho quando liberta-se dos mecanismos da indústria.
Por fim, enquanto não há legislações modernas que harmonizem a situação envolvendo direitos autorais e internet, a própria sociedade irá regular-se nesta questão, cabendo ao Estado observar com atenção o processo evolutivo das tecnologias para que no momento ideal possa positivar os direitos naturalmente demandados pelos cidadãos.
CONCLUSÃO
A função social dos direitos autorais encontra na internet a sua máxima expressão, haja vista a liberdade ser um princípio fundamental do ambiente virtual. Cabe ressaltar que a sociedade virtual tem como um dos seus pilares o compartilhamento que engloba uma infinidade de obras intelectuais. Da troca de informação, surgem novas formais de criar. A produção colaborativa ganha espaço como resultado da contribuição de vários autores, onde há o acesso irrestrito às obras. Temos como exemplo o sítio Wikipedia como um dos expoentes desse cenário. Os direitos fundamentais à informação e à cultura funcionam como balizadores dos limites legais do compartilhamento, isso significa dizer que o uso irrestrito de obras na internet não devem ser calcados em interesses econômicos.
Por fim, há a exposição das licenças colaborativas que buscam proteger os direitos morais do autor em consonância com os preceitos da Economia do Compartilhamento. Assim, as chamadas licenças Creative Commons permitem o compartilhamento de obras por usuários da rede, permitindo, inclusive a modificação destas, observados as exigências de licenciamento que devem estar nos mesmos moldes da obra originária.
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