A responsabilidade civil do banco nas compras pela internet, realizadas através de cartão de crédito, a fornecedores domiciliados no exterior

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O artigo analisa a responsabilidade solidária do banco no caso de um consumidor fazer uma compra com cartão de crédito na internet, o fornecedor não ter domicílio no Brasil e o consumidor exercer o direito de arrependimento.

RESUMO: O presente artigo faz uma análise sobre a aplicação do instituto da responsabilidade solidária do banco nos casos em que o consumidor faz uma compra com cartão de crédito através da internet e, o fornecedor fica situado no exterior, sem filial no Brasil. O tema tem relevância diante do aumento substancial de compras via internet, possibilidade esta concretizada através da utilização do uso do cartão de crédito. A análise é feita a partir do CDC e do microssistema jurídico de proteção e defesa do consumidor.

Palavras – chave: Responsabilidade civil do banco – compra pela internet – cartão de crédito – Fornecedor fora do Brasil

Sumário: Introdução. 1 A proteção constitucional do consumidor. 2 A natureza jurídica do CDC. 3. A responsabilidade civil no CDC. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A internet possibilita ao consumidor que, sem sair de casa, possa adquirir produtos e serviços em qualquer lugar do mundo, mediante a contratação por meio eletrônico, através da utilização do cartão de crédito.

Para fins de análise deste estudo, a responsabilidade civil a ser analisada é aquela decorrente da utilização pelo consumidor, em compras pela internet, de cartão de crédito emitido por estabelecimento bancário e, quando o fornecedor está situado fora no exterior, sem filial no Brasil.

O tema desperta a atenção, diante do crescimento cada vez maior de compras realizadas pela internet, inclusive a fornecedores domiciliados no exterior, sem filial no Brasil.

1. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR

Com a Constituição de 1988, o consumidor ganhou status de proteção constitucional.

A Constituição Federal fez constar no seu art. 5º, XXXII que: “O estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”

O texto constitucional também fez constar ao tratar da atividade econômica,  no art.170, V, o princípio da defesa do consumidor. Também determinou a informação aos consumidores sobre a incidência dos impostos nos produtos e serviços.

Para Filomeno:

O inc. XXXII do art.5º da Constituição da República, no capítulo relativo aos “direitos e deveres individuais e coletivos”, diz textualmente que dentre os deveres impostos ao Estado brasileiro, está o de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Já o art.170, como já visto em passo anterior, ao dizer que a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observados certos princípios basilares, dentre eles destaca precisamente a defesa do consumidor (inc.V).

Também o art.150, ao tratar das limitações do poder de tributar do Poder Público, nos níveis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em seu § 5º estabelece taxativamente que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”.[1]

Do cotejo entre o art.5º, XXXII e o art.170, V, da carta Maior, depreende-se, a nosso pensar, a delimitação da atuação do Estado e do setor privado, nas relações de consumo. No primeiro momento, a Constituição determina a proteção ao consumidor, ou seja, a adoção de medidas capazes de evitar que o dano aconteça. No segundo momento, o texto constitucional determina a defesa do consumidor, ou seja, ocorrido o dano que não se conseguiu evitar, este deverá ser o menor possível ao consumidor.

Oportuno o magistério de Adolfo Mamoru Nishiyama:

A relação de consumo em nossa Magna Carta foi tratada com importância ímpar. Se antes da Constituição Federal de 1988 as relações de consumo eram regidas pelas leis civil e comercial, agora o Poder Constituinte originário criou um novo ramo do direito nas relações de consumo, dando maior destaque à parte mais vulnerável, que é o consumidor. As relações de consumo, a partir da Magna Carta de 1988, passaram a ter autonomia própria, sendo a sua regulamentação distinta do direito comum. Essa autonomia é verificada expressamente na própria Lei Maior, no art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinou ao Congresso nacional a elaboração do Código de Defesa do Consumidor. [2]

Apesar da importante proteção do consumidor na Constituição Federal, é comum, a violação aos direitos do consumidor. Para o magistério de Nelson Nery Júnior:

A alegação de ofensa à Constituição, em países com estabilidade política e em verdadeiro Estado de Direito, é gravíssima, reclamando a atenção de todos, principalmente da população. Entre nós, quando se fala, por exemplo, em juízo, que houve desatendimento da Constituição, a alegação não é levada a sério na medida e na extensão em que deveria, caracterizando-se, apenas, ao ver dos operadores do direito, como mais uma defesa que o interessado opõe à contraparte.[3]

                                                                                                                                                     

Com a Constituição de 1988, o direito do consumidor ganhou nova dimensão no sistema jurídico brasileiro e o consumidor passou a ter o reconhecimento da sua vulnerabilidade na Carta Maior.

 2 A NATUREZA JURÍDICA DO CDC

O CDC, na mesma linha adotada pelo legislador Constituinte originário, estabeleceu normas de proteção e defesa do consumidor. Também, fez constar no seu art. 1º., tratar-se de norma de ordem pública e interesse social:

 Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

A natureza de ordem pública fulmina de nulidade as cláusulas que violam os direitos consagrados no Código de defesa do consumidor, devendo ser registrado que, nos termos do art.81, o CDC consagrou a proteção ao direito e ao interesse do consumidor, seja no âmbito coletivo ou individual: “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.”

A nosso pensar, interesse é a conexão com o dano potencial que não está explicitamente previsto na lei. É oportuno registrar que o CDC consagrou dentre os direitos básicos do consumidor o direito à prevenção de danos, no art.6º, VII.

 3. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC

A regra geral de responsabilidade civil adotada no CDC é a da responsabilidade objetiva e solidária. Veja-se do art.7º., parágrafo único: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”

Para Cláudia Lima Marques:

O parágrafo único do art.7º traz a regra geral sobre a solidariedade da cadeia de fornecedores de produtos e serviços. Aqui a ideia geral é o direito de ressarcimento da vítima-consumidor (art.6º, VI, c/c art.17 do CDC), uma vez que o microssistema do CDC geralmente impõe a responsabilidade objetiva ou independente de culpa (arts.12, 14, 18, 20 do CDC). O CDC permite assim a visualização da cadeia de fornecimento através da imposição da solidariedade entre os fornecedores. O CDC impõe a solidariedade em matéria de defeito do serviço (art.14 do CDC) em contraponto aos arts.12 e 13 do CDC, com responsabilidade objetiva imputada nominalmente a alguns agentes econômicos. Também nos arts. 18 e 20 a responsabilidade é imputada a toda a cadeia, não importando quem contratou com o consumidor. Segundo o parágrafo único do art.7º., tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo, disposição que vem repetida no art.25,§1º. [4]

Essa regra enquadra-se exatamente no caso do presente estudo, pois, trata-se de análise  da responsabilidade do banco que emitiu o cartão de crédito que o consumidor utilizou para fazer uma compra via internet a uma loja que fica no exterior, sem filial no Brasil.

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Na responsabilidade decorrente das relações de consumo, o consumidor tem que provar: o fato, o dano e o nexo causal. Não é necessário provar a culpa, exceto, como dito, no caso dos profissionais liberais, nos termos do art.14, § 4º, do CDC: “§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

A regra disposta no art.7º, parágrafo único tem como objetivo facilitar a defesa do consumidor, direito básico consagrado no art. 6º, VIII do CDC e encontra-se em consonância com os arts.5º,XXXII e, 170, ambos, da Constituição Federal.

É necessário ressaltar que o fornecedor que está domiciliado fora do Brasil, recebe normalmente os pagamentos realizados através de cartão de crédito emitido pelo banco, logo, o banco tem conhecimento dos dados do fornecedor que, também integra a cadeia de fornecimento do produto no mercado de consumo. Mais ainda, a compra só foi possível ser concretizada devido a utilização o cartão de crédito.

Assim, considerando que o fornecedor não tem domicílio no Brasil e que o banco foi quem emitiu o cartão de crédito que possibilitou a realização da compra, no caso de cancelamento da compra no prazo legal de 07 dias(art.49 do CDC), exercício do direito de arrependimento, o consumidor poderá exigir a restituição do valor pago diretamente ao banco que emitiu o cartão de crédito, nos termos do art.7º, parágrafo único do CDC. 

A responsabilidade objetiva e solidária existe, inclusive, se o fornecedor, também, tiver filial no Brasil, nos termos dos mesmos fundamentos citados.

CONCLUSÃO

a)no caso de cancelamento no prazo de 07 dias nos termos do art.49 do CDC, de compra realizada pela internet a fornecedor domiciliado no exterior, sem filial no Brasil, através de cartão de crédito de cartão emitido por banco, este é responsável solidário pela restituição integral do valor pago, nos termos do art.7º, parágrafo único do CDC.

REFERÊNCIAS

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. – 10ª ed. São Paulo : Atlas, 2010;

JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo na Constituição Federal : (processo civil, penal e administrativo), - 11ª. Ed. ver. Ampl. e atual. com  as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com análise sobre a relativização da coisa julgada. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013;

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN. A. H. V.; MIRAGEM, B. Comentários ao Código de defesa do consumidor : arts. 1º a 74 : aspectos materiais. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003;

NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. – Rio de Janeiro : Forense, 2002.


[1] Manual de direitos do consumidor. – 10ª ed. São Paulo : Atlas, 2010,  p.7.

[2]   A proteção constitucional do consumidor. – Rio de Janeiro : Forense, 2002, P.3.

[3]  Princípios do processo na Constituição Federal : (processo civil, penal e administrativo), - 11ª. Ed. ver. Ampl. e atual. com  as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com análise sobre a relativização da coisa julgada. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013, P.44.

[4] Comentários ao Código de defesa do consumidor : arts. 1º a 74 : aspectos materiais. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 188.

Sobre o autor
Winston Neil Bezerra de Alencar

Mestre e doutorando em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP. Especialista em direito das relações de consumo pela PUC-SP. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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