Com a esmagadora quantidade de adolescentes em conflito com a lei, pode-se dizer que houve um aumento significativo da violência na sociedade. Pela precária eficiência na segurança pública, alicerçada pela falta de recursos no provimento de lazer e erradicação da pobreza, se tem levado uma grande quantidade de adolescentes, principalmente aqueles que moram em bairros periféricos e profundos de pequenas e grandes metrópoles, a viverem em conflito com a lei.
Precocemente, crianças e os adolescentes são levados às ruas para trabalharem, tendo eles que abrirem mão da escola, sendo um meio de sobrevivência, e não há outra solução. Ou é isso, ou terão que cometer atos que vão na contramão da lei, sendo ambas as soluções comprometedoras para o desenvolvimento daquela criança ou daquele adolescente, que fazem da rua a sua própria casa.
O termo “adolescente em conflito com a lei” já denota que o adolescente violou alguma regra imposta, alguma regra definida em lei (SOUZA, 2011). A existência deste adolescente significa um aviso de que existem problemas no sistema, pois o adolescente é intensamente afetado pelo contexto familiar e também afetado pelo contexto da qual faz parte (apud FISHMAN, 1988).
Para esses adolescentes em conflito com a lei, situações de violência fazem parte do seu cotidiano, o que os torna não só vítimas, mas também causadores desta violência (SOUZA, 2011).
São informações do site Agência Brasil (2013), acerca dos adolescentes autores de atos infracionais, vejamos:
Brasília - Os atos infracionais praticados por adolescentes aumentaram aproximadamente 80% em 12 anos, ao subir de 8 mil, em 2000, para 14,4 mil, em 2012 - diferentemente do que ocorre em relação aos crimes praticados por maiores de 18 anos, que vêm diminuindo na última década na cidade de São Paulo. Para o promotor de Justiça Thales de Oliveira, que atua na Vara da Infância e Juventude de São Paulo, essa situação evidencia a necessidade do endurecimento das punições a adolescentes. “Desde a definição dessa idade penal aos 18 anos, o jovem brasileiro mudou muito, houve uma evolução da sociedade e hoje esses adolescentes ingressam mais cedo no crime, principalmente o mais violento”, disse o promotor, favorável à redução da maioridade penal para 16 anos.
À luz da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 19901, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal (artigo 103). E verificando-se a prática do ato infracional, a autoridade aplicará ao adolescente infrator, a medida socioeducativa cabível ao caso (artigo 112).
O presente trabalho não tem o intuito de especificar cada tipo de medida socioeducativa – advertência, obrigação de reparar o dano, etc - mas sim aquelas de privação de liberdade.
Como é sabido, há três medidas socioeducativas em meio fechado para que os adolescentes que estejam em conflito com a lei cumpram, quais sejam: a internação propriamente dita, a internação provisória e a semiliberdade. Todas estas são cumpridas em meio fechado.
Com fundamento no artigo 122 do ECA, a medida socioeducativa de internação tem a sua aplicabilidade apenas quando, tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa (inciso I); por reiteração no cometimento de outras infrações graves (inciso II); e, por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (inciso III).
Fica claro que a medida socioeducativa de privação de liberdade, é imposta pelos juízes das Varas de Infância e Juventude em casos extremos, como última escolha, ou melhor dizendo, como última instância e pelo menor período de tempo que for apropriado.
De acordo com o Mapeamento Nacional do Sistema de Atendimento Socioeducativo2, há em média no Brasil, 190 instituições que aplicam medidas socioeducativas de internação. Dentre essas, cinquenta unidades são de internação provisória, onde permanecem os adolescentes em conflito com a lei, aguardando sentença judicial e as outras trinta unidades, sendo estas mistas, composta pelos adolescentes em conflito com a lei que aguardam a sentença judicial bem como aqueles que já receberam a sua sentença (IPEA, 2003).
Com fulcro no artigo 123 do ECA, a internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
A medida socioeducativa em meio fechado, tem o intuito de disciplinar o adolescente em conflito em lei e acerca desta questão, temos o posicionamento de Michel Foucault (1979), afirmando que o “poder disciplinar”, emprega dispositivos de disciplina, sendo uma forma mais cabível e eficaz de garantir a ordem.
Neste sentido, Gilles Deleuze (1992), cita: “Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII e XIX; atingem o seu apogeu no início do século XX. Elas procedem à organização dos grandes meios de confinamento (...)”
Podemos afirmar que nas medidas socioeducativas, o poder disciplinar tem o sentido de punição. Fazendo-se inserir aquele adolescente em conflito com a lei, em um local fechado, cercado por muralhas, com estipulação de horários rígidos e fazendo-os seguir normas e regras daquela instituição.
Insta em dizer que, o termo “privação de liberdade” e “adolescência” se contrapõem, no sentido de que a adolescência, é o momento da busca pela liberdade, por novos rumos e a autoafirmação. É nesta fase que o adolescente quer “ganhar o mundo”, descobrir o desconhecido, aventurando-se. De modo que, tratar a adolescência e a privação de liberdade ao mesmo tempo, é tratar de ideias opostas.
A privação de liberdade é a reclusão. Os adolescentes infratores sob o cumprimento das medidas socioeducativas de privação de liberdade, é um adolescente mantido pelo Estado, em reclusão parcial ou total, com o objetivo de ser reeducado e ressocializado.
Por se entender, que a aplicação de uma medida socioeducativa em meio fechado a um adolescente, é um modo radical de reeducá-lo, sendo aplicado, portanto, em casos extremos, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo3 – SINASE, recomenda preliminarmente, a aplicação das medidas socioeducativas em meio aberto. Frisa-se que na aplicação da primeira, esta deve ocorrer em caráter excepcional.
As unidades de privação de liberdade para esses adolescentes possuem inúmeros problemas, dificultando que a proposta do ECA seja cumprida. Seja pela má disposição do espaço físico, pelos adolescentes ficarem trancados por um longo período no pátio das instituições, pela lotação excessiva, pela rígida hierarquia, etc.
Portanto, as unidades de internação detentoras do poder disciplinar, devem se moldar aos padrões de atendimento àquele adolescente em conflito com a lei. A área física deve ser projetada de modo facilitador e motivador à educação do adolescente, não bastando interná-los e deixando-os abandonados ali. É preciso um esforço maior por parte do Poder Estatal e da sociedade, para que o adolescente em conflitualidade, que cumpra a sua medida em meio fechado, receba todo amparo educacional, visando o seu desenvolvimento como sujeitos de direitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORAUCCI, Aline Patricia. Atrás das muralhas: representações sociais da medida socioeducativa de internação por adolescentes privados de liberdade. Teses e Dissertações. USP/RP/PSICOLOGIA. 2009.
CONVERSAÇÕES: 1972-1990. Rio de Janeiro, Editora 34, 1992, p. 219-226. Tradução de Peter Pál Pelbart. Texto original Post-scriptum sur les sociétés de contrôle escrito para L'autre journal, nro 1, maio de 1990, e publicado em Pourparlers, Les éditions de Minuit, 1990, pp. 240-247.
FOUCAULT, Michel. Soberania e Disciplina “in” Microfísica do Poder. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Edições Graal.
SOUZA, Luana de. Da liberdade à privação: a significação de medidas socioeducativas para adolescentes e familiares. Dissertação de Mestrado (UnB). Instituto de psicologia. Brasília – DF (2011). Disponível em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/9634/1/2011_LuanaAlvesdeSouza.pdf. Acessado em 19/06/2013 às 23h16min.
LEITÃO, Thais. Aumento de número de jovens envolvidos em crime justifica redução da maioridade penal, defende promotor. Agência Brasil (2013). Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-22/aumento-do-numero-de-jovens-envolvidos-em-crimes-justifica-reducao-da-maioridade-penal-defende-promot. Acessado em 19/06/2013 às 23h59min.
NOTAS DE RODAPÉ
1Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
2Documento que tem por objetivo apresentar sumariamente os resultados dos estudos sobre o sistema de atendimento aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no Brasil, realizados por um grupo de pesquisadores, em todas as unidades da Federação, com a coordenação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e, do Departamento da Criança e do Adolescente – DCA. Disponível em http://www.mp.rs.gov.br/infancia/estudos/id423.htm. Acessado em 25 de janeiro de 2013.
3Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas à adolescentes que pratica ato infracional; e altera as Leis n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.325, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis n.º 4.048, de 22 de janeiro de 1946 e, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943.