O Boom Imobiliário evidenciado, no Brasil, entre 2008 e 2014, expandiu a oferta de crédito em relação ao PIB e tornou o sonho da casa própria mais real. Porém, juntamente, com a oferta de crédito mais dilatada, as frustrações contratuais e as estatísticas alarmantes, também, fizeram-se realidades.
No Brasil, 95% dos empreendimentos imobiliários são entregues com atraso, um percentual alarmante, pois atesta a incapacidade, a inércia, a falta de planejamento e até a má-fé, em alguns casos, das construtoras honrarem os contratos de adesão, que assinaram e redigiram unilateralmente.
Outro percentual, tão preocupante, é que, apenas, 16,7% dos consumidores lesados pelas construtoras com atrasos injustificados nas entregas dos imóveis, acionam as incorporadoras/construtoras na justiça, vislumbrando a reparação e indenização dos seus direitos.
A seguir, um breve discorrer sobre MULTA COMPENSATÓRIA E MORATÓRIA, em virtude de atraso na entrega dos imóveis:
1) DA MULTA COMPENSATÓRIA E MORATÓRIA.
Atraso injustificado na entrega da obra é todo atraso, compreendido entre o decurso da cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias e a entrega efetiva das chaves. É todo atraso não contemplado por casos fortuitos externos como greves, chuvas torrenciais, guerras, escassez de mão – de – obra, escassez de insumos e casos de força maior.
Mesmo com a ocorrência de casos fortuitos externos e de força maior, não é a simples ocorrência que configura um atraso justificável na entrega do imóvel. Por exemplo, um atraso na entrega da unidade habitacional de 3 (três) anos, cuja ocorrência de uma greve anual foi evidenciada, não será o suficiente para tornar o atraso justificável e afastar a responsabilidade de indenizar da incorporadora/construtora. Por uma questão simples: nunca se viu uma greve na construção civil perdurar por 3 (três) anos de forma ininterrupta.
Os contratos de compra e venda redigidos, unilateralmente, pelas incorporadoras/construtoras, tem natureza de contrato de adesão e, em sua maioria, são silentes em relação ao pagamento de multa contratual compensatória e moratória, nos casos de inadimplemento contratual por parte da construtora, particularmente, no caso específico de atraso injustificado na entrega da obra.
Porém, as incorporadoras/construtoras estabelecem, em sede de contrato de adesão, todas as hipóteses de inadimplemento contratual dos consumidores, e inclusive, não esquecem de estabelecer pesadas penalidades contra os mesmos, como multa de 2% (COMPENSATÓRIA) e mora de 1% (MULTA MORATÓRIA) ao mês, em caso de inadimplemento nos pagamentos DAS OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS DOS PROMITENTES COMPRADORES.
Os contratos de compra e venda de imóveis praticados no mercado por algumas incorporadoras/construtoras, externam cláusulas com multas contratuais moratórias, em casos de atrasos injustificados nas entregas das obras, variando entre 0,5% a 1% sob o valor atualizado do imóvel no mercado por cada mês de atraso na entrega da obra até a efetiva entrega das chaves.
Se algumas construtoras/incorporadoras concorrentes redigem e assinam contratos de compra e venda de imóveis, estabelecendo, pelo menos multa contratual moratória em caso de atraso injustificado na entrega da obra, este silêncio contratual de algumas concorrentes, certamente, configura conduta de má-fé.
E não é mera coincidência, em sede de contestações, em processos judiciais, as construtoras/incorporadoras que redigiram e assinaram contratos silentes em relação ás multas compensatória e moratória, arguirem esse silêncio ao seu favor, como “verdadeira cláusula pétrea protegida sob o manto do princípio do pacta sunt servanda”.
O Princípio de que ninguém poderá se valer da própria torpeza é, plenamente, aplicável nesses casos de silêncio contratual doloso. A má-fé do silêncio contratual, no que tange a sua mora injustificada, no atraso da entrega da obra, não pode e não representará uma falta de penalidade na forma de multa e de mora.
Em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na condução do reequilíbrio contratual, a jurisprudência está pacificada em prol da aplicação analógica/reversa em desfavor das incorporadoras/construtoras da mesma cláusula que versa sobre multa compensatória e moratória para os casos de inadimplemento dos consumidores.
Vejamos a jurisprudência pátria:
TJ-PR - Apelação Cível AC 846904 PR Apelação Cível 0084690-4 (TJ-PR)
Data de publicação: 20/03/2000
Ementa: AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PERDAS E DANOS. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES PELO PROMITENTE COMPRADOR. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO PARA A ENTREGA DO IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA. APLICAÇÃO DA CLÁUSULA PENAL EM FAVOR DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. O inadimplemento da construtora na entrega da obra, no prazo previsto no contrato, torna justificável o não pagamento das demais parcelas, pelo promitente comprador, desde que o atraso na construção seja desmotivado e não haja concretas expectativas para o seu encerramento. 2. A cláusula penal, estabelecida para sancionar o inadimplemento culposo, embora tenha sido prevista contratualmente para favorecer apenas a construtora, deve também ser aplicada em benefício do consumidor, sob pena de estimularem-se prestações desproporcionais que violariam o devido equilíbrio contratual e o respeito ao princípio da isonomia entre os contratantes. GRIFO E NEGRITADO NOSSO.
TJ-DF - Apelacao Civel APC 20120111952440 DF 0054073-30.2012.8.07.0001 (TJ-DF)
Data de publicação: 15/04/2014
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. ATRASO ENTREGA IMÓVEL. CLÁUSULA DE INADIMPLEMENTO. APLICAÇÃO EM FAVOR DO CONSUMIDOR. NATUREZA DE CLÁUSULA PENAL MORATRÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. 1. CORRETO O ENTENDIMENTO ESPOSADO NA R. SENTENÇA RECORRIDA NO SENTIDO DE QUE A CLÁUSULA QUE IMPÕE ENCARGOS AO CONSUMIDOR EM CASO DE MORA NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES SEJA APLICADO TAMBÉM À CONSTRUTORA EM MORA NA ENTREGA DO IMÓVEL. 2. QUANDO O COMPRADOR ATRASA O PAGAMENTO DE DETERMINADA PARCELA, OS ENCARGOS MORATÓRIOS INCIDEM SOBRE A PARCELA INADIMPLIDA; QUANDO A VENDEDORA ATRASA A ENTREGA DO BEM, OS ENCARGOS MORATÓRIOS TAMBÉM INCIDEM SOBRE A PARCELA QUE INADIMPLIU, NO CASO, O IMÓVEL PRONTO E ACABADO. ASSIM, O PERCENTUAL DOS ENCARGOS MORATÓRIOS DEVE INCIDIR SOBRE O VALOR ATUALIZADO DO IMÓVEL. 3. A APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DE INADIMPLEMENTO EM FAVOR DO CONSUMIDOR DEVE RECEBER O MESMO TRATAMENTO QUE É CONFERIDO À CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA 4. OS LUCROS CESSANTES EM CASO DE ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL CORRESPONDEM AOS ALUGUEIS QUE A PARTE RAZOAVELMENTE PODERIA AUFERIR CASO O IMÓVEL TIVESSE SIDO ENTREGUE NO PRAZO ESTABELECIDO. 5. TER ELEVADO MONTANTE IMOBILIZADO NAS MÃOS DE CONSTRUTORA QUE NÃO DEMONSTRA CAPACIDADE DE ADIMPLEMENTO DE SUAS OBRIGAÇÕES É SITUAÇÃO QUE CERTAMENTE GERA DESCONFORTO E ANGÚSTIA QUE DEVEM SER REPARADOS PELA VIA DO DANO MORAL. 6. DEU-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR. NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ. GRIFO E NEGRITADO NOSSO.
Portanto, não restam dúvidas sobre a aplicação analógica/reversa de multa compensatória de 2% (dois por cento) e mora de 1% (um por cento) sob o valor atualizado do imóvel, por cada mês de atraso na entrega do imóvel em desfavor das incorporadoras/construtoras, mesmo nos casos de SILÊNCIO CONTRATUAL DOLOSO.
O silêncio contratual doloso e eivado de má-fé não representa e nem representará falta de penalidade para os casos de atrasos injustificados nas entregas dos imóveis.
Consumidor, faça valer o seu direito.