1. INTRODUÇÃO
A partir da análise da origem do Constitucionalismo no Continente Americano, depara-se com a perspectiva doutrinária que preceitua que a formação Constitucional em tal continente remete ao ano de 1606, com a Carta Colonial da Virgínia. No entanto, frisa-se que tal Carta da Virgínia, embora anterior às Leis Fundamentais do Maranhão (1612), deu-se como o resultado de um documento provindo da Inglaterra. Há ainda quem mencione o chamado Pacto de “Mayflower” (1620) que, embora tenha sido escrito no Continente Americano, tem sua origem datada de 8 anos após o surgimento das Leis Fundamentais. Nesse sentido, vale ponderar a cronologia e o território convergindo para que as Leis Fundamentais do Maranhão possam ser consideradas a primeira manifestação do Constitucionalismo no Continente Americano.
Vale mencionar que tal período anterior ao Constitucionalismo se atrela às chamadas “manifestações constitucionais”. Analisando-se, sob tal prisma, a contribuição das Leis Fundamentais do Maranhão ao pré-constitucionalismo e, sobretudo, a sua aptidão constitucional, direciona-se a análise aos aspectos referentes à densidade jurídica e ao valor constituinte das Leis, o que implica em discorrer fatores de legitimação do poder e, ainda, os atributos que permeiam a aptidão constitucional e, por conseguinte, a contribuição ao pré-constitucionalismo.
2. A APTIDÃO CONSTITUCIONAL DAS LEIS FUNDAMENTAIS
As Leis Fundamentais do Maranhão podem ser compreendidas como normas com aptidão constitucional, já que ainda em um período anterior ao Constitucionalismo, não se limitaram à elementar organização social embasada em simbolismos e costumes típicos, mas estenderam-se à função de assegurar o direito de posse e, assim, o de poder (podendo-se aqui frisar aquilo que mais tarde seria o Constitucionalismo, isto é, a legítima limitação de poder, condizente com o aspecto sociológico que, segundo Ramos Tavares, “está na movimentação social que confere a base de sustentação dessa limitação do poder.”.
Apesar do embasamento teocêntrico, as Leis Fundamentais surgem como uma previsão de direitos a partir da “advertência” a uma conduta firmada em critérios substancialmente morais (e aqui se salienta a influência do pensamento religioso naquilo que é “moralmente aceito” ou não). Embora dotadas de conotação eclesiástica como fruto do Estado, as Leis Fundamentais surgem com algumas peculiaridades, dentre elas o fato de terem sido concebidas em território americano em pleno século XVII, fato sem precedentes na época.
A despeito do evidente aspecto religioso, o qual provém do teocentrismo absoluto vigorante e justifica as normas de direito comum contidas no documento, essas Leis demonstram preocupações de natureza constitucional abordadas bem mais tarde em Constituições formais, como a cláusula de fundamento ou origem, onde reside o fundamento de validade ou a legitimidade; e a cláusula de incidência, correspondendo ao plano de aplicação da norma, tendo atrelado a si a cláusula da generalidade e imparcialidade, podendo-se assim fazer menção à isonomia tão apregoada nos dias atuais.
3. DENSIDADE JURÍDICA E VALOR CONSTITUINTE DAS LEIS FUNDAMENTAIS DO MARANHÃO
Quanto à aptidão constitucional das Leis Fundamentais, vale ressaltar a presença dos atributos de densidade jurídica e valor constituinte nessas leis. Nesse sentido, é válido conceituar a densidade jurídica como a característica derivada do plano positivo, emanando do “deve ser”, requerendo que a norma transponha seu status jurígeno, de possibilidade, e chegue ao jurídico, de concretude; ao passo que “valor constituinte” seria, à luz dos ensinamentos de José Cláudio Pavão Santana, “a qualidade da norma de reunir os elementos que configuram a legítima instituição do poder, traçando-lhe limites ao exercício”.
Partindo dos conceitos acima mencionados, pode-se afirmar que as Leis Fundamentais do Maranhão eram dotadas de valor constituinte, uma vez que foram concebidas, escritas e publicadas no Continente Americano, evidenciando assim o critério da territorialidade, sendo um dos elementos legitimadores do poder. Sob tal perspectiva, as Leis Fundamentais são uma das várias manifestações formais que servem de comprovação do fenômeno da projeção territorial do poder.
Ainda nesse sentido, é válido salientar o valor constituinte das Leis Fundamentais, tendo em vista que decorrem de uma ampla avaliação e de aspectos oriundos da vontade dos índios e dos franceses, possuindo assim a propriedade de serem resultado da reunião de “circunstâncias, desejos e aspirações do povo”, qualificando-se como instrumento de legítima instituição do poder.
Quanto à densidade jurídica, pode-se dizer que as Leis Fundamentais são dotadas de tal característica, tendo em vista que são embasadas no positivismo normativo, já que tais leis emanam com um caráter inviolável, isto é, evidenciando assim o caráter “deve ser”, implicando na conduta que deve acontecer, regulando as relações entre seus destinatários, instituindo normas de conduta e penalidades diante de violações, o que ressalta a intensidade normativa. É certo que o cotidiano dos nativos era regulado através de um sistema informal e consuetudinário, o que faz com que as Leis Fundamentais sejam decorrentes de uma vasta avaliação e de aspectos decorrentes das vontades dos franceses e indígenas. Assim, a densidade jurídica aqui mencionada vai além da reserva a uma lei restrita, mas estende-se aos limites da “situacionalidade”, podendo vir a servir de repositório para as relações conflituosas que possam vir a existir.
Outro ponto que merece destaque ao se afirmar a densidade jurídica é a eficácia normativa, uma vez que a densidade reside na própria estrutura formal dos enunciados, fazendo com que as Leis adaptem-se ao esquema abstrato da norma jurídica. Ainda sob a perspectiva da eficácia normativa, pode-se observá-la tanto no tocante às relações interpessoais (as cláusulas de conteúdo penal) quanto o caráter normativo que rege as relações institucionais (quando se declara, por exemplo, a formação do Estado sob a regência da Lei Fundamental propriamente dita).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atrelando-se ainda à perspectiva substancial de Constituição, encontram-se as Leis Fundamentais como o conjunto de normas, regras e princípios que têm por objetivo organizar e estruturar um Estado, delimitando o ordenamento jurídico. Sob tal prisma, a aptidão constitucional das Leis Fundamentais do Maranhão, assim sendo, pode ser identificada em dois pontos. O primeiro deles faz referência à declaração de um Estado soberano; o segundo, por sua vez, é quando se compreende as Leis Fundamentais como o conjunto de regras com densidade jurídica que transcende os limites de uma lei comum. Partindo de tal natureza e ante o supracitado, tem-se a ratificação da existência de densidade jurídica (emanando do plano positivo) e, ainda, de valor constituinte (portando os elementos de legítima instituição de poder), implicando assim na transposição do jurígeno para o jurídico.
Assim, sendo dotadas de densidade jurídica e valor constituinte, ao mesmo instante em que estabeleciam o modus vivendi (normas de conduta), as Leis Fundamentais, embora com conteúdo iminentemente teológico, destacaram-se, dentre outros motivos, por suas normas penais como forma de garantir, principalmente aos índios, os direitos de liberdade e propriedade, tendo assim escopo político-jurídico o suficiente para serem vistas como primeira manifestação constitucionalista no continente Americano.