Uma breve história do registro civil contemporâneo

10/10/2016 às 16:33
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O registro civil contemporâneo teve sua semente plantada no século XVIII, com a Revolução Francesa e a desvinculação da religião do Estado, razão pela qual é dado ao modelo atual de registro civil o nome de Sistema Francês.

Sumário: 1. Introdução - O Sistema Francês; 2. O registro civil no Império Brasileiro – de 1822 a 1889; 2.1. Introdução – O vazio legislativo; 2.2. A Lei n.º 586/1850 – A Lei Orçamentária para os anos de 1851 e 1852; 2.3. O Decreto n.º 798/1851 – O Ronco das Abelhas; 2.4. O Decreto n.º 1.144/1861 – A primeira norma de registro civil para não católicos; 2.5. O Decreto n.º 3.069/1863 – Sistema duplo de registração; 2.6. A Lei n.º 1.829/1870 – O registro civil como estatística; 2.7. O Decreto n.º 5.604/1874 – Universalização do registro civil; 2.8. O Decreto n.º 9.886/1888 – Primeira norma de registro civil universal a entrar em vigor; 3. O registro civil na República – de 1889 ao momento atual; 3.1. As primeiras leis de registro civil antes do Código Civil de 1916; 3.2. As leis de registro civil após o Código Civil de 1916; 4. Conclusão; 5. Referências bibliográficas.

1. Introdução - O Sistema Francês

           

            Desde a cristianização completa do Império Romano[1], cabia à Igreja Católica o registro do nascimento - na verdade batismo -, do casamento e da morte das pessoas, fosse porque ela fazia, efetivamente, parte do Estado, fosse por causa de sua impressionante capacidade de difusão, já que em cada vila havia uma paróquia, sendo o pároco representante da Igreja e do Estado no local. Tratava-se do denominado registro eclesiástico ou registro do vigário.

            Porém, com o surgimento do movimento Iluminista[2], tendente à laicização da sociedade, passou a ser questionada a confusão entre os interesses de Estado e aqueles da Igreja. Pela lógica do Iluminismo, somente por meio da razão os homens atingiriam o progresso, sendo a universalidade, a individualidade e a autonomia os grandes lemas dessa ideologia.

            Nesse contexto, como ensina Donato Sarno, emerge a ideia de que os direitos decorrentes do nascimento, do casamento e do falecimento surgem, se modificam, se transmitem e se extinguem independentemente da religião professada pelos indivíduos e que, consequentemente, é o Estado que deve providenciar, para fins jurídicos, a constatação de tais eventos, mediante órgãos próprios, constituindo a matéria, pela sua própria natureza, uma atribuição do poder civil e não do poder religioso, ao qual, portanto, não podia ser mais confiada[3].

O grande paradigma do registro civil estatal é a Constituição Francesa de 1791, assim dispondo em seu artigo 7, Título II: A lei considera o matrimônio como um contrato civil. O Poder Legislativo estabelecerá para todos os habitantes, sem distinção, o modo em que se constatarão os nascimentos, matrimônios e falecimentos e designará os oficiais públicos que receberão e conservarão os atos[4].

A partir desse momento histórico, o casamento e demais atos do estado perderam a natureza de sacramento religioso e passaram a ser vistos como instituição social de competência estatal, cuja disciplina deveria ser vinculante a todos os cidadãos, independentemente da fé.

Com efeito, é possível afirmar que o registro civil contemporâneo teve sua semente plantada no século XVIII, com a Revolução Francesa e a desvinculação da religião do Estado. A contar deste ponto, os órgãos estatais assumiram, definitivamente, a função de coletar, guardar e disponibilizar as informações do estado civil das pessoas naturais, razão pela qual é dado ao modelo atual de registro civil o nome de Sistema Francês.

2. O Registro Civil no Império Brasileiro – de 1822 a 1889

2.1. Introdução – O vazio legislativo

No Brasil, a secularização do registro civil das pessoas naturais foi paulatina.

Inicialmente, durante todo o período colonial, as funções de registração eram da Igreja, em virtude das denominadas Ordenações do Reino, que viam essa instituição como braço do Estado português.

Entretanto, a famosa abertura dos portos, decorrente da vinda da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, que fugia de Napoleão, trouxe consequências inimagináveis para os brasileiros.

            Como corolário do acordo celebrado com os ingleses, quando da proteção dada ao monarca português, passou a existir por aqui certa liberdade de negócios com estrangeiros, o que fez com que muitos deles viessem para cá.

Ocorre que muitas dessas pessoas eram protestantes, judeus, muçulmanos, em suma, não católicos, o que os colocava para fora do sistema de registro eclesiástico, já que só aplicável aos católicos. A vinda de indivíduos de culturas diferentes da portuguesa e brasileira e professantes de religiões diversas da católica trouxe esse problema da registração dos respectivos atos do estado civil: sem o registro da Igreja, o sistema de provas para essas pessoas ainda dependia de testemunhas e outras formas menos seguras.

            Nessa época, não existia para os não católicos um sistema de provas pré-constituídas para o estado civil das pessoas naturais. Para eles, ainda vigorava a regra da posse de estado, ou seja, a fama pública.

2.2. A Lei n.º 586/1850 – A Lei Orçamentária para os anos de 1851 e 1852

           

Como mencionado acima, a vinda da corte portuguesa ao Brasil trouxe várias mudanças para vida dos brasileiros, exigindo modernização da sociedade daquele período.

Não obstante, somente após a independência e mais de 40 anos depois da chegada da nobreza portuguesa ao Brasil foi editada a primeira norma que cuidava do tema registro civil em terras nacionais: tratava-se da Lei n.º 586, de 06 de setembro de 1850.

Tal norma era, na verdade, a lei orçamentária para os anos de 1851 e 1852, ou melhor, cuidava-se de lei de natureza financeira e não de regramento de direito sobre o registro civil das pessoas naturais.

            Porém, em seu artigo 17, § 3.º, a Lei 586/1850 autorizou o Governo a levar a cabo o Censo Geral do Império e a estabelecer registros regulares de nascimentos e óbitos.

Para a organização do censo, foi aprovado o Decreto n.º 797, de 18 de junho de 1851; para o registro civil nacional, foi promulgado o Decreto n.º 798, de 18 de junho de 1851.

            Com efeito, a primeira norma a prever, e isto não significa instalar e operar, um censo no Brasil e o registro civil estatal foi uma lei orçamentária.

2.3. O Decreto n.º 798/1851 – O Ronco das Abelhas

Como acima aludido, a Lei n.º 586/1850 autorizou o Governo a estabelecer registros regulares de nascimentos e óbitos, tendo sido editado, em 18 de junho de 1851, o Decreto n.º 798 para tal fim.

O artigo 1.º do Decreto n.º 798/1851 tinha a seguinte redação: Haverá em cada Districto de Juiz de Paz hum livro destinado para o registro dos nascimentos, e outro para o dos obitos que tiverem lugar no Districto annualmente.

            Ocorre que ambos os decretos (797/1851 e 798/1851) não foram bem recebidos pela população brasileira.

Com sua implementação, rapidamente, espalhou-se entre os mais humildes o boato de que o Governo queria, na verdade, reduzir os cidadãos pobres à condição de escravos.

Reagindo a esses rumores, um grande número de pessoas passou a atacar prédios e autoridades públicas, dando origem ao movimento chamado "Ronco das Abelhas", ocorrido entre dezembro de 1851 e fevereiro de 1852, e que envolveu cidades da Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Ceará e Sergipe. Temia-se que a escravidão atingisse, também, as pessoas brancas, quando a real intenção do Estado era colher dados para calcular a população, principalmente para o recrutamento de homens para o serviço militar.

A fim de sustar as revoltas populares do "Ronco das Abelhas", o Governo editou, então, o Decreto n.º 907, de 29 de janeiro de 1852, suspendendo os Decretos n.º 797 e 798, adiando a instalação do registro civil e a realização do primeiro censo no Brasil.

            Assim, a primeira tentativa governamental de criação de um sistema estatal laico de registro civil foi, violentamente, obstada pela população nacional.

Cuidava-se, em verdade, de interesses políticos em jogo: a Igreja Católica temia perder prestígio, caso o registro civil passasse a ser estatal.

Nessa época, inclusive, como tentativa de consolidação do poder eclesiástico na esfera do controle dos atos e fatos do estado civil das pessoas, foram reeditadas as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em 1852[5].

2.4. O Decreto n.º 1.144/1861 – O registro civil para não católicos

Com a revogação das leis brasileiras que tentavam trazer mais organização e laicidade aos registros públicos, a Igreja continuou a fazer a registração civil em seus livros.

Não obstante, o fato é que muita gente ficava fora desse sistema, o que atrapalhava o cotidiano das pessoas, diante da dificuldade de se provar o seu estado.

            Em face desta situação, ainda no Império, foi promulgado o Decreto n.º 1.144, de 11 de setembro de 1861, que procurou criar um sistema de registros para indivíduos não católicos.

            Em sua minuta, dizia assim a mencionada norma: Faz extensivo os efeitos civis dos casamentos, celebrados na forma das leis do Império, aos das pessoas que professarem religião diferente da do Estado, e determina que sejam regulados os registro e provas destes casamentos e dos nascimentos e óbitos das ditas pessoas, bem como as condições necessárias para que os Pastores de religiões toleradas possam praticar atos que produzam efeitos civis.

            Porém, mais uma vez, a própria legislação protelava seu cumprimento, já que dispunha o artigo 2.º do Decreto n.º 1.144/1861 que o Governo deveria regulamentar a execução desses registros e das provas do casamento.

Assim, a primeira lei brasileira sobre registro civil estatal que não foi revogada visava os não católicos e não era autoaplicável, exigindo regulamentação.

2.5. O Decreto n.º 3.069/1863 – Sistema duplo de registração

            Como o Decreto 1.144/1861 exigia regulamentação para a implantação do registro civil dos acatólicos em terras brasileiras, somente dois anos depois foi publicado o Decreto 3.069, de 17 de abril de 1863, para regular a inscrição dos casamentos, nascimentos e óbitos das pessoas que professassem religião diferente da do Estado.

            Sobre essa normativa, é preciso ressaltar que ela não chegou a implementar um regime estatal de registro dos atos e fatos do estado civil; o que ela procurou regulamentar, na verdade, foi a inscrição desses atos quando realizados perante autoridade não católica.

            Dizia o artigo 19 do Decreto que: Para o registro dos casamentos, nascimentos e óbitos, de nacionais, ou estrangeiros não católicos, haverá três livros: um para o dos casamentos, o qual ficará a cargo do Secretário da Câmara Municipal da residência de um dos cônjuges; e dois para o dos nascimentos e óbitos, os quais ficarão a cargo do Escrivão do Juiz de Paz do lugar respectivo, podendo, porém o Governo da Corte, e os Presidentes das Províncias designar o Escrivão, ou Escrivães do Juiz de Paz que desempenhem estas funções, segundo o exigir a população ou as distâncias.

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Grande doutrinador dessa época, Lafayette Rodrigues Pereira lecionava sobre essa disputa entre Estado e Igreja, especialmente no que diz respeito ao matrimônio: Não há seita religiosa que não considere o casamento como um fato de sua competência e que não tenha estabelecido para sua celebração um sistema de prescrições. O cristianismo, desde sua formação, chamou à si e o elevou à dignidade de sacramento. Daí os constantes esforços da igreja católica para regulá-lo e subtraí-lo à ação do poder temporal [6].

            Assim, naqueles anos, havia dois regimes de registro do estado civil: o paroquial, para os católicos, disciplinado pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1852, e o estatal, para os não praticantes da religião oficial, regulado pelo Decreto n.º 1.144/1861 e o Decreto n.º 3.069/1863.

2.6. A Lei n.º 1.829/1870 – O registro civil como estatística

A relatada duplicidade do sistema de registro do estado civil, somada à ausência de dados oficiais sobre a população brasileira, levou o Governo a sancionar a Lei 1.829, de 09 de setembro de 1870, determinando, em primeiro lugar, o recenseamento da população do Império, e, depois, a criação de uma Diretoria Geral de Estatística para organizar os quadros anuais de nascimentos, casamentos e óbitos.

A ideia era tentar trazer mais racionalidade à administração das estatísticas governamentais.

Dispunha assim a lei: Art. 1.º. De dez em dez anos proceder-se-á ao recenseamento da população do Império. Art. 2.º. O Governo organizará o registro dos nascimentos, casamentos e óbitos, ficando o regulamento, que para esse fim expedir, sujeito à aprovação da Assembléia Geral, na parte que se referir à penalidade e feitos do mesmo registro, e criará na Capital do Império uma Diretoria Geral de Estatística.

Aqui, parece que a ordem legislativa de assunção pelo Estado da função registral era apenas de índole censitária, isto é, de coleta de dados para fins meramente estatísticos.

            Porém, de novo, a Lei n.º 1.829/1870 não criava, mas mandava que fossem criados mecanismos de coleta de dados da população, postergando a implantação do registro civil estatal.

2.7. O Decreto n.º 5.604/1874 – Mais uma tentativa de universalização do registro civil

            Como mencionado, a Lei n.º 1.829/1870 não criava, mas mandava que fosse instituído um sistema de coleta de dados pelo Governo para fins estatísticos, o que veio a correr somente quatro anos mais tarde.

Com o Decreto n.º 5.604, de 25 de março de 1874, finalmente, editou-se no Brasil o registro civil estatal, laico, para abranger todos os cidadãos brasileiros e não apenas os católicos.

            Ao promulgar aludido decreto, escreveu assim o Imperador do Brasil: Hei por bem mandar que, para a execução do art. 2.º da Lei 1.829, de 9 de setembro de 1870, na parte em que estabelece o registro civil dos nascimentos, casamentos e óbitos, se observe o Regulamento que com este baixa.

Com efeito, somente em 25 de março de 1874, passados quase 100 anos da Revolução Francesa e 70 a abertura do Brasil para o mundo, foi criado o regulamento do estado civil para abarcar todos os habitantes brasileiros.

Entretanto, mesmo sendo marco importante para o desenvolvimento nacional, apesar de publicada, mais uma vez, a norma não foi executada, isto é, essa legislação não tinha data para começar a vigorar.

2.8. O Decreto n.º 9.886/1888 – Primeira norma de registro civil universal no Brasil a ter vigência

            Visto acima que o Decreto n.º 5.604/1874 não tinha data para o início de sua vigência, o Governo, então, resolveu editar o Decreto n.º 9.886, de 07 de março de 1888, revogando o citado Decreto n.º 5.604/1874 e trazendo ao mundo jurídico novo regulamento para execução do artigo 2.º da Lei n.º 1.829/1870, ou seja, para o registro dos nascimentos, casamentos e óbitos em geral.

Entretanto, outra vez, essa norma não tinha data para entrar em vigor.

Diante desta situação, o Decreto n.º 10.044, de 22 de setembro de 1888 acabou por fixar o dia em que deveria começar a execução do Regulamento do registro civil no Brasil, aprovado pelo Decreto n.º 9.886, de 7 de março de 1888, como sendo 1 de janeiro de 1889.

            Assim, como explica Sylvio Brantes de Castro, ficou, a partir de 1.º de janeiro de 1889, a cargo do registro civil a incumbência da prova do nascimento, idade, nome e filiação das pessoas naturais, bem como a circunstância do casamento e do óbito, mesmo quando tais assentos fossem feitos pelas autoridades religiosas[7], abrangendo todos os nacionais, independentemente do credo professado.

            Sobre a importância dessa normativa, ensina Galdino Siqueira que os nascimentos de pessoas catholicas occorridos antes de 1.º de Janeiro de 1889 provam-se pelas certidões de baptismo, extrahidas dos livros ecclesiasticos e o das acatholicas pelos assentos do registro regulado pelo Decr. n. 3.069, de 17 de Abril de 1863, no art. 19 (Const. do Acerb da Bahia-Decr. 13 de Julho de 1832, Decr. 18 de 1838, Decr. n. 10044, de 1888). Os óbitos occoridos antes de 1 de Janeiro de 1889 provam-se por certidões extrahidas dos livros dos Cemiterios e dos Hospitais de Misericordia (Decr. n. 706, de 1851, art. 24, Decr. n. 1557, de 1855, art. 64, Decr. 13 de Julho de 1832, Decr. 18 de 11 de Julho de 1838). O dos militares podem ser provados pelas certidões dos livros hospitalares fixos ou ambulantes (Decr, n. 3607, de 1866, art. 4, § 3)[8].

3. O Registro Civil na República – de 1889 ao momento atual

3.1. As primeiras leis de registro civil antes do Código Civil de 1916

A primeira norma sobre universalização do registro civil a ter vigência no Brasil foi o Decreto n.º 9.886, de 07 de março de 1888, em 01 de janeiro de 1889.

Posteriormente, com a proclamação da República, a ideia principal dos revolucionários era separar o Estado da Igreja.

Exemplo lei muito importante neste sentido a atingir o registro civil foi o Decreto n.º 181, de 24 de janeiro de 1890, que promulgava a lei sobre o casamento civil. O nascimento, casamento e óbito já eram registrados por autoridade estatal, mas, ainda havia o matrimônio religioso a produzir efeitos, o que incomodava os republicanos.

O Decreto, em suma, queria apenas retirar da Igreja a função de coletada de dados do estado civil. Não que a população não pudesse continuar a fazer os atos perante autoridade religiosa, mas tais registros não teriam mais efeitos jurídicos, deixando de valer como prova pré-constituída do estado civil das pessoas naturais.

Sobre as transformações da época e o medo que isto representava, o Padre J. A. M. Loreto assim dizia: Nada mais caracterestico da desorganisação porque vão passando nos presentes dias os mais altos interesses da nação, do que o decreto n. 181 de 24 de Janeiro de 1890, que estabeleceu o casamento civil[9].

            Destarte, até a edição do Decreto n.º 4.827/1924, o registro civil ficou disciplinado pelo Decreto n.º 9.886/1888, assim como pelo Código Civil de 1916 e demais legislação correlata.

3.2. As leis de registro civil após o Código Civil de 1916

           

Com a codificação do Direito Civil em 1916, visando regulamentar o registro civil, foi editado o Decreto n.º 4.827, de 7 de fevereiro de 1924, sendo a primeira norma a aglutinar, numa único texto, todo o sistema registral do Brasil.

            Dispunha assim o artigo 1.º do Decreto: Os registros públicos instituídos pelo Código Civil, para autenticidade, segurança e validade dos atos jurídicos ou tão somente para seus efeitos com relação a terceiros, compreendem: I- o registro civil das pessoas naturais; II- o registro civil das pessoas jurídicas; II- o registro de títulos e documentos; IV- o registro de imóveis; V- o registro da propriedade literária, científica e artística.

Posteriormente, o Decreto n.º 18.542, de 24 de dezembro de 1928, consolidando as normas de registros, aprovou o regulamento dos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil da época.

             A partir deste ponto, as demais legislações de registro civil - Decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939 e a Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, de Registros Públicos - vêm sendo estruturadas da mesma forma: consolidação em diploma único das normas de todos os ramos de Direito Registral.

Ainda, muitas outras leis concernentes a situações de estado civil foram promulgadas no decorrer dos anos 1900, mas, em linhas gerais, pouca evolução ocorreu desde então.

4. Conclusão

            Analisando a legislação brasileira sobre registro civil do século XIX, é possível observar que neste período houve inúmeras tentativas, por parte do Governo, de criar um sistema de coleta dos dados da população e que esta ideia foi adiada inúmeras vezes.

A primeira tentativa de criar um registro civil nacional, que se deu com o Decreto n.º 798/1851, que regulamentava a Lei Orçamentária n.º 586/1850, foi violentamente impedida pela população que, apavorada, pensava que seria escravizada.

Posteriormente, numa nova tentativa de criar um sistema nacional de registros e visando não atingir interesses da Igreja, foi editado o Decreto n.º 1.144/1861, regulamentado pelo Decreto 3.069/1863, alcançando apenas os não católicos. Desta forma, ficavam preservados os registros eclesiásticos, para os católicos, e instituía-se o estatal, para os não praticantes da religião oficial.

Porém, o Estado ainda carecia de um sistema fidedigno de coleta de informações de sua população, que não era bem proporcionado pelo sistema da dupla registração.

Diante disto, com a Lei n.º 1.829/1870, regulamentada pelo Decreto n.º 5.604/1874, outras vez, tentou-se unificar a registração do estado civil no Brasil.

Entretanto, por questões políticas, tais normas eram sancionadas e publicadas, mas não tinham data para o início de sua vigência, sempre postergando a implantação definitiva de registro civil no Brasil.

Essa situação perdurou até a edição do Decreto n.º 9.886/1888, que revogou o Decreto 5.604/1874 e regulou a Lei n.º 1.829/1870, instalado, permanentemente, o registro dos nascimentos, casamentos e óbitos em geral, em 01 de janeiro de 1889.

Posteriormente, já na República e consolidado o registro civil como instituição de Estado, o Decreto n.º 181/1890 veio regular o casamento civil, até a edição do Código Civil de 1916.

Após a Codificação de 16, foram editados o Decreto n.º 4.827/1924, o Decreto n.º 18.542/1928, o Decreto n.º 4.857/1939 e a Lei 6.015/1973 sobre Registros Públicos, normas estas que pouca evolução trouxeram à registração do estado civil.

Concluindo, é possível dizer que a instalação do sistema estatal de registro civil das pessoas naturais no Brasil foi muito difícil, pois enfrentou grandes interesses de poderosas instituições.

5. Referências bibliografias

BRAICK, Patrícia Ramos. MOTA, Myriam Becho. História – das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Modena, 2007.

BASTOS, José Tavares. O Registro Civil na República – Nascimentos, Casamentos e Obitos. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1909.

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[1] Ocorrida no ano 380 d.C. por ordem do imperador Teodósio I, através do Edito de Tessalônica.

[2] O Iluminismo foi um movimento de ideias que teve origem no século XVII e se desenvolveu especialmente no século XVIII. Essa denominação se deve ao fato de seus impulsionadores, os filósofos iluministas, verem a si mesmos como militantes da luta da razão, a “luz”, contra a tradição cultural e institucional, as “trevas”. BRAICK, Patrícia Ramos. MOTA, Myriam Becho. História – das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Modena, 2007. p. 315.

[3]Cominciò pertanto a farsi strada l´idea che i diritti derivanti dalle nascite, dai matrimoni e dalle morti sorgono, si modificano, si trasmettono o si estinguono indipendentemente dalla religione professata dai singoli e che, conseguentemente, è lo Stato a dover provvedere in via diretta alla constatazione ai fini giuridici di tali eventi mediante propri organi, costituendo la materia per sua propria natura una attribuizone del potere civile e non del potere religioso, a cui pertanto non poteva più essere affidata. SARNO, Donato. Storia dei Registri dello Stato Civile. Maletica: Halley Editrice, 2010. P. 40.

 [4] Constituição Francesa de 1791, Titulo II, 7: La ley considera el matrimonio como un contrato civil. - El Poder legislativo establecerá para todos los habitantes, sin distinción, el modo en que se acreditarán los nacimientos, matrimonios y fallecimientos; designará los oficiales públicos que recibirán y conservarán las actas. Disponível em <http://www.ieslasmusas.org/geohistoria /constiticionfrancesa 1791.pdf.> Acesso em: 10/10/2016.

[5] VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Edições do Senado Federal, vol. 79. Brasília: Senado Federal, 2011.

[6]PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de Família. In: Coleção História do Direito Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2004.p. 31.

[7] CASTRO, Sylvio Brantes de. Manual dos Oficiais do Registro Civil. São Paulo: Ed. Brasil Editora S.A, 1953. p. 15.

[8] SIQUEIRA, Galdino. O Estado Civil. Nascimentos, Casamentos e Obitos. Theoria e Pratica. São Paulo e Rio de Janeiro: Livraria Magalhães, 1911. p. 34.

[9] LORETO, Padre J. A. M. Guia Prático do Decreto do Casamento Civil. Rio de Janeiro: Typ. Do Apostolo, 1890. p. 5.

Sobre o autor
Marcelo Gonçalves Tiziani

Especialista em Direito Processual Civil - Univ. São Francisco - USF - Bragança Paulista/SP; Especialista em Direito Notarial e Registral - Univ. Uniderp - Campo Grande/SP; Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário - Escola Paulista da Magistratura; Graduado pela PUC Campinas/SP Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Tuiuti/SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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