A VENDA AD MENSURAM E A VENDA AD CORPUS

11/10/2016 às 07:00
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~~A VENDA AD MENSURAM E A VENDA AD CORPUS

Rogério Tadeu Romano

O Código Civil de 1916 já conceituava a compra e venda como um contrato em que uma pessoa(vendedor) se obriga a transferir a outra pessoa(comprador) o domínio de uma coisa corpórea ou incorpórea, mediante o pagamento de certo preço em dinheiro ou valor fiduciário correspondente.
O contrato de compra e venda é: bilateral(porque cria obrigações para o comprador e para o vendedor), oneroso(porque ambas as partes dele extraem proveitos e vantagens), comutativo, consensual, translativo da propriedade, não no sentido de operar a sua transferência, mas de ser o ato causal desta, gerador de uma obligatio dandi, e fundamento da transcrição(coisa imóvel) ou tradição(coisa móvel).
Os elementos essenciais são:
Acordo de vontade, a coisa e preço.

Não pode haver compra e venda sem um objeto. A venda de uma herança futura é proibida.
Segundo Eulâmpio Rodrigues Filho(Compra e venda ajustada “ad mensuram” e “ad corpus”) “Nos primeiros tempos do período pré-clássico do Direito Romano, o comprador não tinha ação, com relação ao vendedor, para obter restituição do preço ou indenização, quando a coisa vendida não tinha as qualidades indicadas ou quando ocultado algum vício ou defeito que a desmerecesse.
Igualmente, nessa fase, da idade do ferro do Direito Romano, não tinha ação para exigir do vendedor a diferença relativa à quantidade. Tempo em que a venda tinha como objeto a coisa como ela era.
A partir do advento da Lei das XII Tábuas (450 a. C.) o vendedor se tornou responsável, se constatada deficiência na extensão, desde que a aquisição se fizesse com previsão de cláusula adicional, via da qual ficasse garantida a medida declarada, ou em virtude de sua má fé.
Se a extensão do imóvel alienado, através da “mancipatio”, não correspondesse à realidade, isto é, se fosse inferior à enunciada, o comprador podia intentar a “actio de modo agri”, que era ação civil, reconhecida com caráter penal, para reclamar do vendedor uma indenização equivalente ao prejuízo sofrido, ou ao seu dobro, caso provasse que o mancipante agira com dolo ao fazer a declaração acessória asseguradora da medida indicada.
A fim de garantir o comprador, da evicção, ou se o imóvel declarado sem ônus fosse gravado com servidão, ao comprador era concedida a “actio auctoritatis”, a permitir-lhe demandar indenização correspondente ao dobro do preço da venda, caso não houvesse estipulação de restituição somente do preço, nesses casos. O prazo para a propositura de ambas as ações era igual ao do usucapião (de dois anos), pois expirado o tempo do usucapião, prescrito estaria qualquer direito. É de lembrar que no período clássico, a tradição já integrava o sistema do Direito Romano, mas, somente para adquirir a propriedade das “res nec mancipi”, a propriedade das “res mancipi” e a propriedade provincial. No Direito de Justiniano (pós-clássico), a venda não mais se fazia pela “mancipatio”, que não foi recepcionada pela codificação, mas pela “emptio venditio”, e a venda tinha por objeto a entrega da coisa como devia ser. Nesse período, pela tradição, que foi recolhida por Justiniano em sua compilação como instituição vigente, a propriedade passou a ser transmitida em todos os casos em que se verificassem a intenção e a justa causa exigidas pelo ordenamento jurídico. A partir desse ponto, da compra e venda derivou uma “actio venditi”, em favor do vendedor contra o comprador; e uma “actio empti”, sancionadora dos direitos do comprador contra o vendedor. Ambas civis, pessoais e de boa fé, pois a compra e venda produz efeitos relativos ao vendedor e ao comprador. (A “actio empti” não tinha prazo para ser exercitada. Por ela demandava-se a entrega da coisa ou uma indenização equivalente ao prejuízo sofrido pelo comprador.
No Direito aplicado no Brasil, anteriormente ao Código Civil (1917), não havia disposição de lei aplicável ao assunto e a doutrina não era pacífica. Regia-se o caso pelo Direito Romano.
Nessa época, a Ordenação do Livro 4, título 17, só ministrava regras sobre a compra e venda de coisas móveis e imóveis em que se verificasse um vício ou defeito oculto, ou a não-existência das qualidades declaradas no contrato. Sendo omissa a lei, quanto à deficiência ou ao excesso na quantidade estipulada, o Direito Romano é que nos oferecia regras disciplinadoras dessa espécie. Logo, até 1916, em pleno século XX, se houve proposição de alguma ação “ex empto” no Brasil, ela teve curso segundo as regras do Direito Romano.”
Conforme CLOVIS BEVILÁQUA, nesse tempo - do Direito anterior ao Código Civil - muito se discutiu quanto às obrigações do vendedor em hipóteses semelhantes. Tanto que, CORREA TELLES, em sua Consolidação, trazida a lume como Digesto Portuguez, no seu art. 288 do livro 3, proclama, à guisa de explicação da lei romana (L. 13. § 14. ff. de Act. empt. L. 45. ff. de Evict, Voet L. 18. T. 1. nº 7 “sic”), que se o imóvel foi vendido por determinado preço, a menção da área não dá direito ao comprador de pedir restituição ainda que na verdade a área não corresponda à enunciada no título.
Veja-se então que a matéria é complexa, cabendo ao direito positivo brasileiro desfazer as dúvidas na matéria.
Reza o vigente art. 500, caput e § 1º, do Código Civil de 2002, verbis:
Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
§ 1º Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de 1/20 (um vigésimo) da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

Por definição, a expressão ad corpus, cujo significado seria “por inteiro” ou “assim como está”, é utilizada nas transações imobiliárias para exprimir uma venda cujo preço foi estipulado sobre a propriedade como um todo, na forma como foi apresentada ao comprador, não existindo qualquer tipo de referência à sua metragem.
De outra parte, a expressão ad mensuram serve para designar aquela transação imobiliária cuja estipulação do preço foi condicionada à especificação das dimensões e da área do imóvel, o que enseja ao comprador o direito à complementação da área, abatimento do preço e, até mesmo, ao desfazimento do contrato.
Lembra Gilberto de Souza(Compra e venda ad mensuram: alguns esclarecimentos) que diz-se que a compra e venda é ad corpus quando os contratantes levam em consideração o corpo, o objeto e as características de localização, suas comodidades e outras características que são levadas em consideração, sendo que a área do imóvel não tem quase importância.
A frase geralmente utilizada nos contratos para identificar esta modalidade de compra e venda é a de que “as dimensões do imóvel são de caráter secundário, meramente enunciativas e repetitivas das dimensões constantes no registro imobiliário”.

Para SÍLVIO RODRIGUES in “Direito Civil”, vol. 3, 11a edição, Editora Saraiva, São Paulo, p. 170, “tem-se entendido ser a referência à medida meramente enunciativa, quando vem acompanhada da locução ‘mais ou menos, quando a coisa vendida é designada por limites certos, quando o imóvel está murado ou cercado, e ainda quando há especificação ou nomeação de confinantes”.
Washington de Barros Monteiro, em seu Curso de Direito Civil, Ed. Saraiva, 8ª ed., pg. 109, traz notas esclarecedoras sobre este instituto:
“Na venda ad corpus “o vendedor aliena o imóvel como um corpo certo e determinado, perfeitamente individuado pelas confrontações, claramente caracterizado pelas suas divisas, discriminadas e conhecidas: a fazenda Petrópolis, a chácara Marengo, a vila Kirial. Na venda ad corpus, compreensiva de corpo certo e individuado, presume-se que o comprador examinou as divisas do imóvel, tendo intenção de adquirir precisamente o que dentro delas se continha. A referência à metragem ou à extensão superficial é meramente acidental e o preço é global, pago pelo todo, abrangendo a totalidade da coisa”. (...) “Entende-se que o comprador percorreu o imóvel, conheceu sua extensão, verificou as divisas. Comprou-o afinal, não em atenção à área declarada, mas pelo conjunto que lhe foi mostrado, conhecido e determinado. Estando murado ou cercado quase todo o imóvel comprado reputa-se acidental a declaração das medidas, ou quando há especificação ou nomeação dos confinantes.”
Correto o entendimento de que a principal consequência da compra e venda ad corpus é que o comprador não terá direito a indenização ou abatimento do preço caso o imóvel seja menor do que a metragem da escritura. Este é um posicionamento pacífico na jurisprudência quando o negócio não envolve relação de consumo.
Quando for relação de consumo, lembrou ainda Gilberto de Souza(obra citada),   há sim o direito de indenização ou abatimento do preço. Com efeito, em uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios está sendo discutida a legalidade de uma cláusula contratual na qual consta que são meramente enunciativas as dimensões no caso de haver qualquer diferença de áreas de até 5%, estabelecendo não caber às partes o direito de abatimento e a complementação de preço resultante desta diferença. O STJ acolheu os argumentos do MP e considerou esta cláusula nula, vejamos a Ementa do julgado:
“Civil. Recurso especial. Contrato de compra e venda de imóvel regido pelo Código de Defesa do Consumidor. Referência à área do imóvel. Diferença entre a área referida e a área real do bem inferior a um vigésimo (5%) da extensão total enunciada. Caracterização como venda por corpo certo. Isenção da responsabilidade do vendedor. Impossibilidade. Interpretação favorável ao consumidor. Venda por medida. Má-fé. Abuso do poder econômico. Equilíbrio contratual. Boa-fé objetiva.
- A referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel adquiridos na planta regidos pelo CDC não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no contrato e a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato.
- A disparidade entre a descrição do imóvel objeto de contrato de compra e venda e o que fisicamente existe sob titularidade do vendedor provoca instabilidade na relação contratual.
- O Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva.
- Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, consideradas a imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC.
- O juiz da eqüidade deve buscar a Justiça comutativa, analisando a qualidade do consentimento.
- Quando evidenciada a desvantagem do consumidor, ocasionada pelo desequilíbrio contratual gerado pelo abuso do poder econômico, restando, assim, ferido o princípio da eqüidade contratual, deve ele receber uma proteção compensatória.
- Uma disposição legal não pode ser utilizada para eximir de responsabilidade o contratante que age com notória má-fé em detrimento da coletividade, pois a ninguém é permitido valer-se da lei ou de exceção prevista em lei para obtenção de benefício próprio quando este vier em prejuízo de outrem.
- Somente a preponderância da boa-fé objetiva é capaz de materializar o equilíbrio ou justiça contratual.
Recurso especial conhecido e provido. (REsp 436853/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2006, DJ 27/11/2006 p. 273). Grifamos.
Quanto a venda ad mensuram dir-se-á que a área do imóvel é fator preponderante para a negociação.
Diferentemente na compra e venda ad mensuram a área do imóvel é o fator que prepondera  para a negociação. Neste caso, se imóvel comprado tiver área menor do que a constante no contrato,  há direito I) ao abatimento do preço, II) à complementação da área ou III) a resolução do contrato.
A jurisprudência é clara neste sentido:
EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE RESILIÇÃO DE CONTRATO. COMPRA E VENDA DE ÁREA RURAL COM EXTENSÃO INFERIOR À EFETIVAMENTE DEVIDA. VENDA AD MENSURAM CARACTERIZADA.As dimensões do imóvel vendido não correspondendo às constantes do contrato de compra e venda, é assegurado o direito do comprador de exigir a complementação da área por inadimplemento contratual, ou, até mesmo a resolução do contrato. Negaram provimento ao apelo. Unânime. (Apelação Cível Nº 70020028692, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 08/01/2009)
Ensinou Maria Helena Diniz(Curso de direito civil, volume 2, 2005, pág. 201).que a venda ad mensuram vem a ser aquela em que se determina a área do imóvel vendido, estipulando-se o preço por medida de extensão. A especificação precisa da área do imóvel é elemento indispensável, pois ela é que irá determinar o preço total do negócio. O preço será fixado tendo por base cada unidade ou a medida de cada alqueire, hectare, metro quadrado ou metro de frente.
Explicava Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume III, 1975, pág. 165), à luz do artigo 1.136 do Código Civil de 1916, que “na venda ad mensuram, que é aquela em que as dimensões são tomadas em consideração preponderante, o comprador tem direito à complementação da área, e, não sendo isso possível, abre-se-lhe uma opção entre a rescisão do contrato e o abatimento proporcional do preço.”. Disse ainda que na venda ad corpus, que é aquela em que o imóvel é transferido como coisa certa e discriminada, ou terreno bem delimitado, o comprador nada pode reclamar porque não foi uma área o objeto do contrato, porém uma terra caracterizada por suas confrontações, caracteres de individualização, tapumes etc, não importando para o contrato se tem maior ou menor número de hectares. O juiz, na determinação se a venda se realizou ad mensuram ou ad corpus, deverá primeiro consultar o título, pois que ninguém melhor do que os contratantes, para esclarecer a sua intenção. 
A perícia técnica é prova importante nesses casos, sendo precipitado um eventual julgamento antecipado do mérito.
Assim se decidiu:
Processo: APL 00061634220138260292 SP 0006163-42.2013.8.26.0292
Relator(a): Paulo Eduardo Razuk
Julgamento: 18/11/2014
Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado
Publicação: 20/11/2014
Ementa
REGISTRO DE IMÓVEIS.
Complementação de área Acolhimento da preliminar de cerceamento de defesa Réus titulares de imóvel objeto de desdobramento, do qual resultaram dois lotes Parte ideal do lote originário que, porém, fora compromissado aos autores Possibilidade de complementação da área, mediante retificação de registro, caso a venda tenha sido ad mensuram Art. 500, caput do CC/02 Viabilidade técnica a ser aferida mediante perícia de engenharia civil Tipo de venda (ad mensuram ou ad corpus) a ser determinada por prova oral Julgamento antecipado, portanto, precipitado Anulada a sentença, se não houver conciliação, deverá ser proferido despacho saneador, com ensejo à produção de provas Recurso provido.

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O prazo para ajuizamento da ação é de 1(um) ano e começa a contar a partir do registro da escritura na matrícula do imóvel. Se houver demora da parte do vendedor em entregar o bem ao comprador impedindo assim que seja imitido na posse do imóvel o prazo passa a contar da data de imissão na posse deste(CC, artigo 501).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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