Tribunal Penal Internacional (TPI de Haia) x Direito Ambiental: o marco histórico no julgamento de crimes ambientais

Leia nesta página:

O marco histórico para julgamentos de crimes ambientais em âmbito internacional, considerados pelo Tribunal Penal Internacional - TPI, como crimes contra a humanidade.

Inicialmente, é necessário entender o que é o Tribunal Penal Internacional - TPI e como ele funciona. Desta forma, temos que o TPI nada mais é do que um fruto do liame de muitos Estados que cederam parte de sua soberania e de seu jus puniendi para que o mesmo nascesse, sendo um desses Estados signatários do Estatuto de Roma[1], a República Federativa do Brasil, que permitiu a esta Corte Internacional processar e julgar qualquer brasileiro ou estrangeiro que esteja em seu território nacional.

Neste azo, o TPI se configura como uma corte permanente e independente e possui a finalidade de julgar pessoas acusadas de crimes do mais elevado interesse internacional, como genocídio, crimes contra a humanidade, bem como crimes de guerra. Tal corte se baseia em um Estatuto do qual faz parte 106 países. Ademais, o TPI é uma corte de última instância, atuante em casos considerados extremamente graves.

Estrutura do Tribunal:

O TPI é considerado uma instituição independente e, embora não faça parte das Nações Unidas, ele mantém uma relação de cooperação com a ONU. Assim, o Tribunal encontra-se sediado em Haia, na Holanda, contudo, caso haja necessidade, poderá haver reunião em outros locais.

Desta feita, a composição do TPI se dá da seguinte forma:

São quatro órgãos: a Presidência; as divisões judiciais; o escritório do promotor; e o secretariado.

  1. A Presidência é responsável pela administração geral do Tribunal, com exceção do escritório do procurador. Ela é composta por três juízes do Tribunal, eleitos para o cargo pelos seus colegas juízes, para um mandato de três anos.
  2. Divisões Judiciais: As divisões judiciais consistem em 18 (dezoito) juízes distribuídos na Divisão de Pré-Julgamento, na Divisão de Julgamentos, bem como na Divisão de Apelações. Assim, os juízes de cada divisão permanecem em seus gabinetes, e são responsáveis pela condução dos procedimentos do Tribunal em diferentes estágios.
  3. Escritório do Procurador: O escritório do procurador é responsável pelo recebimento de referências ou outras informações substanciais a respeito de crimes dentro da jurisdição do Tribunal. Ademais, o escritório é chefiado por um Procurador, que é eleito pelos Estados Partes para um mandato de 09 (nove) anos. Ele é auxiliado por dois Vice Procuradores. 
  4. Secretariado: O Secretariado é responsável por todos os aspectos não-jurídicos da administração do Tribunal. Ele é chefiado pelo Secretário, que o principal oficial administrativo do Tribunal. Por fim, o Secretário exerce suas funções sob a autoridade do Presidente do Tribunal. 

Desta forma, o TPI foi criado originalmente para o julgamento de crimes que basicamente se caracterizam pela hostilidade e violência do homem contra o próprio homem, e que ao utilizar-se do poder bélico e de interesses internos acaba agredindo o próximo e colocando a Dignidade da Pessoa Humana e toda a comunidade internacional em risco.

Noutro giro, mais uma vez o TPI inovou ao anunciar, em 15 de setembro do corrente ano, que irá processar e julgar crimes ambientais. Tal anúncio foi feito em um documento de 18 (dezoito) páginas e traz as prioridades para a seleção dos casos pela corte.

Sendo assim, o gabinete do procurador explicitou que a corte dará especial atenção a crimes relacionados à destruição do meio ambiente, à exploração de recursos naturais e à apropriação ilegal de terras.

Tal notícia é de extrema relevância e importância para o Direito Internacional Ambiental, isso se dá por três motivos centrais: primeiro, porque não há, hoje, corte internacional exclusivamente dedicada à matéria ambiental; segundo, porque o acesso de autores não-estatais – seja como autores ou réus – às cortes internacionais de competências diversas que apreciam também casos ambientais é ainda significativamente limitado; e, terceiro, porque é vital que a proteção internacional do meio ambiente seja compreendida como preocupação comum da humanidade, ou seja, como parte de um conjunto de valores fundamentais.

Neste azo, a expansão do foco relacionado ao julgamento de determinados crimes ambientais só demonstra a preocupação da comunidade mundial com a ciência do Direito Ambiental e com o meio ambiente.

Todavia, questões diretamente ligadas às mudanças climáticas e que têm como principal causador das mudanças as empresas (pessoas jurídicas), o mandato do TPI é limitado, pois, em seu princípio da responsabilidade penal individual, estabelecido no artigo 25 do Estatuto de Roma, pessoas jurídicas não estão sujeitas à sua jurisdição.

Ocorre que, o que vemos é uma decisão do Tribunal Penal Internacional de Haia, que até então se ocupava no julgamento de genocídios, crimes de guerra e contra a humanidade, e que vai ampliar sua área de atuação, dando início ao julgamento de crimes ambientais.

Isso significa um avanço extraordinário, uma vitória significativa não apenas para os ambientalistas, mas para a preservação do homem como espécie, para o futuro do planeta. Com isso, as catástrofes ambientais tendem a deixar de ficar impunes, haja vista uma maior fiscalização e punições mais severas.

Ademais, o princípio de complementaridade, previsto no parágrafo 10o do preâmbulo e art. 1o do Estatuto de Roma, está regulado de forma detalhada no art. 17, segundo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, que trata das questões de admissibilidade, senão vejamos:

Artigo 17

Questões Relativas à Admissibilidade

        1. Tendo em consideração o décimo parágrafo do preâmbulo e o artigo 1o, o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se:

        a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer;

        b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer;

        c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3o do artigo 20;

        d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal.

        2. A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias:

        a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5o;

        b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça;

        c) O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça;

        3. A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.

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Assim, acerca dos crimes relacionados às mudanças do clima, deve-se notar, porém, que dentre os Estados que ratificaram o Estatuto de Roma, há ausências notáveis de grandes emissores de gases de efeito estufa, tais como Estados Unidos, China, Índia e Rússia.

Além disso, o TPI julga apenas crimes ocorridos após a entrada em vigor do Estatuto de Roma, ou seja, em 1º de julho de 2002, o que limita a possibilidade de o Tribunal apreciar crimes relativos às emissões históricas.

Restrições à parte, a implicação mais relevante do anúncio do TPI reside, talvez, não em um aspecto prático, mas no reforço da noção de que o meio ambiente constitui uma preocupação comum da humanidade. De que as normas destinadas à sua proteção são jus cogens, e que o interesse no seu cumprimento e aplicação é erga omnes[2].

Por fim, conclui-se que a priorização que foi anunciada – julgamentos, está diretamente relacionada à crimes ambientais que estão inseridos aos já existentes para processar e julgar crimes contra a humanidade, devendo tal notícia, sem dúvida, ser saudada como um passo decisivo.

Tal medida servirá para que catástrofes como a da barragem de Mariana - MG no Brasil passem a ser também da jurisdição da Corte de Haia, haja vista esta tragédia ser considerada a maior catástrofe ambiental do Brasil.

Referências:

BOBBIO. Norberto. O princípio de complementaridade no Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a soberania contemporânea. Disponível em: <https://norbertobobbio.wordpress.com/2009/11/15/o-principio-de-complementaridade-no-estatuto-do-tribunal-penal-internacional-e-a-soberania-contemporanea/> Acesso em: 16 out.  2016. 
BRASIL. Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm> Acesso em: 18.out.2016.
GROKSKREUTZ. Hugo Rogério. A EXTENSÃO DOS DANOS AMBIENTAIS: Uma discussão quanto à inclusão de crimes ambientais na competência do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=21a94c7628fa8d17.>. Acesso em: 16 out.  2016. 
LEHMEN. Alessandra. Consultor Jurídico – CONJUR. Julgamento de crimes ambientais pelo TPI é marco histórico no Direito Ambiental. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-out-16/julgamento-crimes-ambientais-tpi-marco-historico#_ftn5.>. Acesso em: 16 out.  2016. 
RFI. LINHA DIRETA. Tribunal Penal Internacional de Haia vai julgar crimes ambientais. Disponível em: <http://br.rfi.fr/mundo/20160921-tribunal-penal-internacional-de-haia-vai-julgar-crimes-ambientais.>. Acesso em: 16 out.  2016. 
Tribunal Penal Internacional. Gabinete do Procurador. Policy Paper on Case Selection and Prioritization. Disponível em: <https://www.icc-cpi.int/itemsDocuments/20160915_OTP-Policy_Case-Selection_Eng.pdf.>. Acesso em: 16 out.  2016. 
USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Tribunal-Penal-Internacional/o-que-e.html> Acesso em: 18.out.2016.

[1] O Estatuto de Roma foi inserto no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n° 4.388 de 25 de setembro de 2002, tendo como arrimo o Decreto Legislativo n° 112 de 6 de novembro de 2002, e por meio da Emenda Constitucional n° 45 de 2004, se incluiu o §4° ao art. 5° da Constituição Federal, dispositivo este que, in verbis, dispôs que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

[2] Que tem efeito ou vale para todos (diz-se de ato jurídico).

Sobre a autora
Lorena Grangeiro de Lucena Tôrres

Administradora de Empresas, Advogada especialista na área do Direito Ambiental, atuante nas áreas de Direito Civil, Consumidor e Trabalhista. MBA em Perícia e Auditoria Ambiental. Membro da Comissão de Direito Marítimo, Portuário, Aeroportuário e Aduaneiro - CDMPAA e membro da Comissão de Direito Ambiental - CDA da OAB/CE. Publicação de Livro pela Editora Lumens Juris, 8ª Edição. Artigo publicado no Diálogo Ambiental e Internacional, em Lisboa - PT - 2015.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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