RESUMO
Este artigo tem como finalidade analisar os aspectos e implicações da atuação do princípio da reciprocidade no Direito Internacional, tendo este uma importância fundamental para cooperação entre os povos, já que ele tem sua manifestação desde a organização das primeiras comunidades dos homens. É abordada a elementar necessidade da presença deste princípio nas diversas relações entre os homens, e é por meio deste pensamento que se é constatado a essencial utilização deste instituto no Direito Internacional, sendo verificada a atuação de fato do princípio da reciprocidade no Direito Internacional.
Palavras-chave: Princípio da Reciprocidade. Direito Internacional. Estado. Reciprocidade. princípio da igualdade.
INTRODUÇÃO
A existência de uma sociedade internacional exige naturalmente para a um bom gerenciamento de seus conflitos, um reconhecimento de direitos. E é nesse momento em que surge a necessidade de um Direito Internacional, instituto regulador dos conflitos da sociedade internacional. Ele aparece em condição precisamente necessária para a sobrevivência da sociedade internacional, neste cenário que se tem o Direito Internacional como condição necessária para a existência de tal sociedade, ou seja, sem o direito para regular as mais diversas relações entre a comunidade internacional, aquela sucumbiria antes mesmo de se ter como existente.
Este trabalho busca fundamentalmente mostrar a importância de um instituto organizador para pré-existência de qualquer sociedade, colocando em ênfase neste momento a comunidade internacional. Mas acima de tudo tem por objetivo fundamental argumentar sobre a imensurável importância do princípio da reciprocidade na formulação do direito internacional e solução de diversos conflitos ocasionados da relação entre os entes internacionais. A cooperação entre os Estados não ocorre simplesmente por aceitação harmônica da vontade de outro ente internacional, mas sim como resultado de conflitos solucionados exatamente amparando-se no princípio da reciprocidade, e é com este pensamento que Celso Mello (2004), acredita que a reciprocidade constitui um dos princípios basilares para a cooperação entre os povos, vendo no princípio da reciprocidade o instituto necessário para fazer com que os Estados solucionem seus conflitos internacionais sem que haja ferimento à igualdade ou ao respeito entre os Estados.
O princípio da reciprocidade, portanto, pode ser considerado como uma variante capaz de influir diretamente na formulação do Direito Internacional, e consequentemente nas relações sociais do meio internacional. Através de abordagens simples, este trabalho busca a compreensão deste princípio desde a sua origem, até a aplicação efetiva nos conflitos internacionais. Esta compreensão tem por finalidade a materialização suficiente para a afirmação que, a reciprocidade é o princípio basilar de cooperação entre os povos.
Em seu primeiro ponto o trabalho aborda questões relacionadas à origem e significado do termo reciprocidade, como ela surgiu no berço da sociedade, ou melhor, nas primeiras relações interpessoais do homem. Já que o homem surge naturalmente com a necessidade de viver em sociedade, e em sociedade, naturalmente se utiliza da reciprocidade, mesmo que no inconsciente, nas mais diversas relações sociais.
Em um segundo momento é procurado definir da melhor forma possível, no que consiste o princípio da reciprocidade, sendo abordados diversos modos de enxergar este princípio. E logo em seguida é enfatizada a aplicabilidade da reciprocidade no direito internacional, de modo a deixar clara a importância da aplicação deste dispositivo.
E por fim, é abordada a reciprocidade agindo de fato no direito internacional, desta forma, provando e deixando bem mais claro a utilização e importância deste princípio.
Portanto, buscamos apresentar quais as ligações do princípio da reciprocidade com a solução de conflitos do Direito Internacional. Para isto é que foi feito uma abordagem ampla, e sucinta ao mesmo tempo, pegando desde sua origem para desenvolver uma ideia clara do vasto campo de atuação deste princípio no Direito Internacional.
1. ORIGEM DA RECIPROCIDADE
A Reciprocidade origina-se nos primórdios da sociedade humana, surge no momento em que o homem sustenta qualquer tipo de relação interpessoal. O surgimento da sociedade humana ou qualquer tipo e aglomeração de pessoas, a fim de viver solidariamente, tem suas bases fundamentais sustentadas pela relação entre os indivíduos, sendo estas relações permeadas de reciprocidade.
O termo reciprocidade é proveniente do latim reciprocus, a reciprocidade tem seu significado naquilo que é recíproco, isto é, situação em que são estabelecidas condições mútuas ou correspondentes. É a situação compreendida em dar e receber. A reciprocidade vem implicar na igualdade de direitos, de obrigações ou de benefícios (DE PLÁCIDO E SILVA, 2000).
Segundo Lévi Strauss (1947), citado por Dominique Temple (1989), a reciprocidade tem sua manifestação desde a organização das primeiras comunidades dos homens, nas estruturas elementares do parentesco. Tendo como base para tais organizações termos de reciprocidade, bem como, de aliança matrimonial e de filiação. A aliança matrimonial e a filiação são diferentes formas de uma relação de reciprocidade. Esta é um princípio básico para todas as nossas relações. É um conceito atualmente pouco usado pelo fato de somente querermos receber, dificilmente queremos nos doar. Podendo esta doação ser através de nosso tempo, um conselho, um pouco de respeito, enfim, só queremos nos beneficiar com o que os outros têm de bom, nos esquivando na hora de uma recíproca. O que é pouco abordado é que a reciprocidade também está em atos de violência como a própria guerra que é causada por atitudes ruins e mútuas de diferentes partes, tendo assim, a certeza de que a reciprocidade está em tudo o que o homem faz, mesmo que inconsciente.
A reciprocidade nasce da necessidade do ser. Desta maneira, em todos os sistemas de sociedade o homem deve participar de alguma relação de reciprocidade, ou caso contrário, ele não conseguir participar de nenhuma relação de reciprocidade ou não poder conseguir participar ele não será considerado como humano, entrando numa situação de desumanidade, tendo como exemplo, em todas as civilizações antigas, o escravismo ( TEMPLE, 1989).
Praticamos a reciprocidade diariamente, mais da metade de nossas atividades é destinada à reciprocidade, sem que saibamos. Todos os dias, recebemos o outro, o convidamos a compartilhar nossa mesa, oferecemos hospitalidade, convivemos uns com os outros nas mais diversas situações, de maneira privada ou coletiva, desta forma, a reciprocidade faz parte de nosso ser desde o inicio de nossas vidas, já que o ser humano é um ser naturalmente social. Constantemente estamos tentando a vida em sociedade, tendo grande preocupação com a destruição da relação social, sem saber o que é realmente a “relação social”, um termo de certa forma vago, mas que cobre de fato os valores produzidos pela reciprocidade, como os sentimentos de responsabilidade, de liberdade, de justiça, de confiança, entre outros, sendo que geralmente estas estruturas de reciprocidade são ignoradas ( TEMPLE, 1989).
Através de tais abordagens podemos constatar que a reciprocidade é algo que tem sua origem no seio da humanidade nascendo junto com as relações interpessoais, que por sua vez já surge naturalmente com o homem, já que este tem por necessidade a vida em sociedade. A reciprocidade é de enorme valor para a sociedade, pois de acordo com a psicologia social as relações mútuas contribuem para a conservação das normas sociais. O fundamento mais importante da reciprocidade é baseado no fato de retribuir o que as outras pessoas nos deram antes. Podemos ter uma boa explicação disto na antiguidade, desde o período das cavernas, o homem já utilizava deste conceito de reciprocidade, quando tinha que dividir conhecimento, ferramentas, comida ou abrigo a fim de sobreviver. A solidariedade sempre foi à forma de continuarem vivos. A reciprocidade pode se resumir perfeitamente em uma frase de Santo Agostinho, que diz: “Dê o que você tem, para merecer receber o que lhe falta”.
2. O PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE
O princípio da reciprocidade consiste em permitir a aplicação de efeitos jurídicos em determinadas relações de direito, este princípio tem ao mesmo tempo uma natureza política, jurídica e negocial. Trata-se de um princípio que é de base fundamental para o Direito Internacional Público, se relacionando diretamente a aspectos públicos externos e voltados à proteção da igualdade soberana dos Estados. A reciprocidade de direitos e benefícios é a principal implicação do princípio da igualdade no direito internacional e nas doutrinas políticas internacionais ( DAILLIER, P. Et al. 1999) citado por ( Friedrich, 2004).
Celso Mello (2004) corrobora com essa informação ao acreditar que a reciprocidade constitui um dos princípios basilares da cooperação entre os povos, tendo que já nos séculos XII e XIII haviam tratados que previam o princípio da reciprocidade em seus textos. Este princípio é suficiente para levar um Estado a atender a um requerimento de outro ente internacional, na medida em que os efeitos são aceitos igualmente por ambos os Estados. No Direito internacional a reciprocidade implica o direito de igualdade e de respeito mútuo entre os Estados. Da mesma forma, esta tem servido de base para moderar a aplicação do princípio de territorialidade das leis.
O princípio da territorialidade no Brasil está esculpido no artigo 5º, do código penal brasileiro, no qual é exposto que “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”. De acordo com Rogério Greco o Brasil não adotou a teoria absoluta da territorialidade, tendo em vista que o Estado pode abrir mão da sua jurisdição em atendimento a convenções, tratados e regras de direito internacional. O princípio da territorialidade nada mais é que a prevalência da lei de um país dentro dos limites de seu território. Como podemos ver no Art. 5º do CPB, e baseado em Rogério Greco, no Brasil é possível se ver claramente o princípio da reciprocidade agindo no sentido de atenuar o princípio de territorialidade.
A existência de uma relação diplomática entre as diversas entidades impõe como condição lógica à consolidação da reciprocidade. Consolidação esta feita através de algum tratado internacional ou mesmo por manifestação das partes de comprometimento e respeito à reciprocidade. Em estudos realizados por Tatyana Friedrich (mestre e professora de Direito Internacional, 2004), a doutrina distingue a reciprocidade em quatro situações com base no direito positivo internacional e na prática dos diversos países, sendo elas, a reciprocidade internacional stricto sensu, reciprocidade internacional de fato, a reciprocidade em certos atos unilaterais internacionais, bem como a declaração de reciprocidade.
Reciprocidade internacional stricto sensu é quando há uma previsão expressa em cláusula, principal ou acessória, de reciprocidade em tratados internacionais. Encontrada com frequência em tratados de comércio, navegação, extradição, relações consulares, integração econômica e questões militares. É o tipo de reciprocidade que exige um pouco mais de formalidade e certeza em sua essência.
A reciprocidade internacional de fato é o caso em que não há nenhuma cláusula que a defina, mas o Estado em sua relação com outro, condiciona sua conduta a um dado de fato, como o que ocorre no tratamento de prisioneiros, no estado de guerra ou mesmo nos casos de extradição, em tempo de paz.
Já a reciprocidade em certos atos unilaterais internacionais é perfeitamente ilustrado nos casos de manifestações dos Estados a respeito de sua submissão de tribunais internacionais, em que o estado exige, para aceitar participar de um processo judicial, os mesmos termos da aceitação da outra parte. Esta situação nada mais é que o Estado exigindo que a relação internacional seja feita de forma recíproca.
E por fim, temos a situação da declaração de reciprocidade, não menos importante que as demais, pelo contrário, já que é dela que dá inicio a maior parte das relações de reciprocidade, sendo esta, quando um Estado manifesta unilateralmente aos outros Estados que tomou uma medida de interesse de todos, mas que ela somente entrará em vigor mediante reciprocidade. Foi muito utilizada em situações de guerra, em que um Estado faz saber ao adversário sua intenção de não utilizar determinado tipo de arma se o outro também o fizer.
No princípio de reciprocidade, o qual visa a harmonia das relações entre os países, os direitos e obrigações que forem assumidos por Estado que fizer parte de um tratado internacional ou de um bloco econômico necessariamente deverão ser cumpridos pelos Estados signatários do instrumento, o não cumprimento por parte de algum Estado poderá ser punido através de represálias feitas pelos demais signatários do tratado ou bloco, como embargos econômicos (Gomes, 2010).
Segundo Santos (2011) “para a teoria neoliberal institucionalista a explicação de um regime internacional não pode ser descolada do princípio da reciprocidade. As nações agem na expectativa de que os demais atores do cenário internacional irão responder da mesma maneira como estão sendo tratados”.
Para ele um regime internacional não pode ser totalmente formado em cima de um princípio de reciprocidade, pois os Estados agem através de expectativa, não tendo realmente uma certeza de que o outro ente internacional irá responder da mesma maneira como está sendo tratado. Segundo Keohane (1989, p.136), citado por Santos (2011), a reciprocidade é “[...] trocas de valores aproximadamente equivalentes nas quais as ações de cada parte são condicionadas nas ações anteriores dos outros de tal maneira que o bem é respondido com o bem e o mal com o mal”.
As trocas de valores são geralmente mutuamente benéficas, mas estas relações de reciprocidade não estão livres de considerações de poder, de divergências das partes em questão, podendo os entes de essa relação enfrentar diferentes custos de oportunidades. A reciprocidade pode ter uma aparência positiva ou negativa. Por um aspecto positivo um Estado obedece a uma norma internacional com a finalidade de promover a mesma atitude nos demais. Ë o que de forma solene marca as convenções, tratados e regras do direito internacional. Já por um aspecto negativo é permitido o recurso de represália quando uma das partes comete violação de alguma norma ou deixa de considerar-se obrigada a respeitar a norma em questão (SANTOS, 2011).
Nessa perspectiva, podemos ter a reciprocidade como a principal forma de negociação entre os Estados, pois por meio dela, ou seja, das prestações recíprocas, é que eles podem conseguir o que desejam. Ao incentivar a concessão de novas vantagens jurídicas e respeitando as normas internacionais, demonstram o seu aspecto positivo e promovem o desenvolvimento do direito internacional. E no aspecto negativo, a reciprocidade é utilizada para punir violações ao direito, estando na base da retorsão e das represálias ( MELLO, 2002).
Jean Pictet ( 1987, p. 982), citado por Santos (2011), define represálias como:
[...] medidas severas tomadas por um Estado contra o outro com o propósito de pôr um fim a quebras da lei das quais é vítima, ou para obter reparação por elas. Embora tais medidas sejam em princípio contra a lei, elas são consideradas legais por aqueles que as tomam nas circunstâncias particulares nas quais elas são tomadas, e em resposta à quebra cometida pelo adversário.
Desta forma se percebe que a reciprocidade mesmo passando por uma análise do direito interno, possui uma relação fundamental com o direito internacional. Tendo no direito interno um imperativo nacional regulando expressamente a aplicação de determinadas normas nas práticas internacionais. Tal situação pode ocorrer de uma decisão voluntária, como no caso da declaração de reciprocidade, ou de uma obrigação internacional, observada na reciprocidade internacional stricto sensu ou de fato, se estendendo tanto para as normas materiais quanto para as instrumentais (Friedrich, 2004).
3. RECIPROCIDADE: APLICABILIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL
A reciprocidade tem uma grande aplicabilidade no direito internacional, sendo bastante usada nas diversas relações internacionais. Uma das aplicações da reciprocidade que tem gerado bastantes discussões em relação a existência deste princípio em tal situação, é na homologação de sentenças estrangeiras, a qual é aceita no Brasil, sendo esta descrita no artigo 9º do Código Penal Brasileiro, o qual irá definir a aplicação, sua finalidade, e as condições para tal homologação.
Não há uma obrigação que a homologação de sentenças estrangeiras siga um princípio de reciprocidade. Ao ser pedido a homologação, o Estado não precisa necessariamente admitir a homologações baseado na reciprocidade. No entanto, é possível que haja uma exigência de reciprocidade no processo de homologação, por parte do Estado solicitado. Contudo, é preciso ressaltar que este instituto já não exista mais na regulamentação do procedimento de homologação judicial, tendo que mesmo com a sua tirada do procedimento este não perdeu a sua força de instrumento de persuasão nas relações internacionais, sendo assim, a reciprocidade permanece como forma de exigir que a eficácia extraterritorial das sentenças não seja uma via de mão única, levando a aplicação deste instrumento para ambas as partes (MADRUGA, 2012).
O professor Vicente Greco Filho (1978, p.88), citado por Antenor Madruga (2011), posiciona-se contrário à idéia de reciprocidade neste caso, ao afirmar que:
“[...]no que se refere aos sistemas que exigem a reciprocidade, sua inclusão torna o instituto verdadeiramente anômalo, uma vez que introduz na apreciação jurisdicional um elemento muitas vezes administrativo, qual seja a vontade dos Estados intervenientes. Daí, já se ter dito que o requisito da reciprocidade é retrógrado e incompatível com o instituto da homologação de sentenças estrangeiras”.
Segundo Antenor Madruga (2011), a homologação de decisões estrangeiras deve ser vista como ato de cooperação internacional, de grande importância para o funcionamento do sistema de soluções de controvérsias de determinado Estado, na aplicação das leis e na pacificação social. E sem esta cooperação internacional é reduzido a eficácia da própria jurisdição, por este motivo é que mesmo com o desaparecimento do princípio de reciprocidade no procedimento de homologação judicial, os entes internacionais não deixaram de utilizar persuasivamente a aplicação deste instrumento nestas relações internacionais.
Além da aplicação da reciprocidade nos casos de homologação de sentenças estrangeiras este princípio se destaca bastante nos pedidos de extradição. Tendo um destaque ainda maior em relações internacionais de extradição em que não há nenhum tratado referente a extradição, se valendo nestes casos apenas da reciprocidade. Portanto a extradição, que também é vista como um ato de cooperação internacional, na ausência de um tratado, poderá ser feita baseado no princípio de reciprocidade.
No Brasil este é um princípio de grande valia, já que são poucos os países em que ele mantém algum tratado para este fim. Tendo grande destaque nos pedidos feitos por países com os quais o Brasil não mantém nenhum tratado com finalidade de extradição. A possibilidade de o Brasil se resguardar no princípio da reciprocidade no caso de uma eventual ausência de tratado entre as partes, fica bem claro no artigo 76 do Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), o qual diz que “A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade”.
De acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), extradição é o processo que pede ao país para entregar um indivíduo a outro Estado, para neste país ele seja processado e julgado por crime que tenha cometido. O pedido de extradição é normalmente realizado através de uma relação diplomática entre as entidades internacionais envolvidas, desta forma, é imposta uma condição lógica de reciprocidade na realização destes pedidos. O STF é a autoridade competente a se pronunciar sobre o pedido, mas para Maciel (1954) citado por Antenor Madruga (2012), é de competência do Poder Executivo os casos em que envolvam a promessa de reciprocidade, pesando ao STF avaliar os requisitos deste processo, ele justifica sua posição afirmando que:
“Só o Poder Executivo, a quem compete a orientação dos negócios internacionais, é o árbitro do encaminhamento da solicitação de outro Estado à Justiça, levando em conta as relações entre ambas as nações e fixando a atitude que o país adotará em relação ao Estado requerente.”
Para Maciel (1954 apud Madruga,2012), o consentimento de extradição por um país baseado na promessa de reciprocidade, não é um simples ato jurídico, é um ato de soberania do Estado. Por este motivo a promessa de reciprocidade só pode ser feita por quem possua capacidade de vincular internacionalmente o Estado, ou seja, podendo ser feita apenas pelo representante do Estado no exterior, por este motivo pode-se dizer que a competência de orientação dos negócios internacionais, e consequentemente, a promessa e aceitação do pedido de extradição baseado no princípio da reciprocidade é do Poder Executivo.
Muitos países em matéria de extradição são baseados principalmente na reciprocidade, tomando como sustentação razões de colaboração internacional, ajuda recíproca, solidariedade ou assistência mútua, tudo isso visando uma melhor relação internacional. No entanto é preciso ressaltar que os Estados por uma necessidade de proporcionar e assegurar que se tenha um tratamento recíproco, encontra seu melhor resguardo nos acordos internacionais, como tratados ou convenções, pois este acima de qualquer outro dispositivo é o que proporciona uma maior segurança a cada Estado, pelo fato de garantir que em condições semelhantes a outra parte teria que agir da mesma forma. Todavia podemos dizer que os tratado bilaterais ou mesmo multilaterais tem a sua formação no princípio da reciprocidade, visto que através dos tratados os Estados assumem um compromisso de igualdade de trato, ou seja, de agir reciprocamente um com o outro.
A aplicação do princípio de reciprocidade pode ter seus efeitos limitados quando o objeto de requerimento possa de alguma forma contrariar o ordenamento jurídico do país que está sendo requerido, desta forma, desconsiderando sua soberania, sua segurança jurídica, a ordem pública ou outros interesses fundamentais do Estado. Como no caso do Brasil que traz na Lei Nº 6.815/80 que a extradição de estrangeiro só será feita se houver algum tratado ou a promessa de reciprocidade, e na mesma lei exige que a legislação do país estrangeiro que está requerendo a extradição não contenha algum aspecto que contrarie a norma brasileira, como no caso da pena ser superior a pena máxima do país, ou mesmo a pena de morte. Este são alguns fatores limitador da reciprocidade com o intuito de não ferir o princípio da soberania do país.
Portanto, a reciprocidade é uma alternativa possível para relação internacional, assegurando o direito ao ente internacional de se resguardar, caso essa relação venha a contrariar de alguma forma seus interesses, e também de atender pedidos de extradição somente se receber tratamento recíproco do Estado requerente.
A homologação de sentenças estrangeiras e o processo de extradição são apenas algumas formas de manifestação do princípio da reciprocidade no Direito Internacional, estando à reciprocidade agindo de alguma forma em qualquer tipo de relação internacional. A reciprocidade pode ser vista desde a forma com que um Estado recebe um estrangeiro, até a forma de tratamento que o Estado oferece ao estrangeiro, ou mesmo a forma de tratamento de um Estado para com o outro nas diversas relações que ocorrem entre estes entes, podendo o país que está sofrendo o tratamento desigual ao que oferecem agir com reciprocidade com o país que promove tal procedimento. Com isso podemos perceber a importância da reciprocidade nas mais diversas relações internacionais, estando presente em todas as relações que ultrapassem as fronteiras de um país para que estas sejam realizadas da melhor forma possível.
4. O PRINCÍPIO DE RECIPROCIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL
A atuação do princípio de reciprocidade no direito internacional é bastante vasta na relação de diversos países. Qualquer atitude tomada por um ente internacional esta sujeita a uma atitude recíproca do ente em que esta atitude foi direcionada, demonstrando assim, a presença e a importância deste principio em todas as relações internacionais.
Para melhor ilustrar a presença do princípio de reciprocidade nas relações internacionais, podemos citar dois casos que envolvem este princípio. Um dos casos envolvendo Brasil e Estados Unidos da America (EUA), referindo-se ao tratamento dado pelos EUA aos brasileiros ao ingressar em seu território. E no outro a uma série de exigências feitas pela Espanha de modo a dificultar a entrada de brasileiros no país. Sendo estes casos ocorridos em períodos distintos.
No primeiro caso, a principal razão, ou razão iniciadora de tal impasse internacional, dá-se após o Departamento de Segurança Interna dos EUA decidir que turista de alguns países, incluindo o Brasil, seriam obrigados a deixar foto e digitais ao ingressar em seu território.
É neste cenário que surge o principal nome, responsável por defender o princípio de reciprocidade entre os Estados, diante deste caso que podemos verificar uma certa ignorância ao princípio. O Juíz Federal do Mato Grosso, Julier Sebastião da Silva, obriga o tratamento recíproco aos turistas norte-americanos, proferindo em sentença que: "(..)Na seara do direito internacional público vige o chamado princípio da reciprocidade, garantidor de que o tratamento dado por um Estado a determinada questão também será concretizado por outro país afetado pela decisão do primeiro".
Toda esta situação de busca da reciprocidade dá início com o pedido do Ministério Público Federal, que em ação cautelar, pede que a União faça gestão junto às autoridades dos EUA, com a finalidade de excluir os brasileiros das restrições impostas a alguns países, para o ingresso em o ingresso em seu território, e simultaneamente, exigir o mesmo tratamento aos norte-americanos que desejarem ingressar no território brasileiro. Tal requerimento foi acatado pelo Juiz Federal Julier Sebastião da Silva, deferindo a liminar requerida pelo Ministério público Federal.
O Juiz Federal fundamenta sua decisão liminar no desrespeito aos direitos humanos não apenas das simples pessoas que iriam para o país, mas principalmente as maiores autoridades ou mesmo chefes de Estado. Ele cita como exemplo o ex-chanceler brasileiro, que não teria sido bem tratado no aeroporto dos EUA, entrando em conflito com os princípios fundamentais do direito diplomático, bem como, com o respeito que se deve aos Estados soberanos.
Com toda a certeza não está em discussão, a prerrogativa de um Estado impor restrições a estrangeiros, pois a sociedade moderna passa por um momento bastante delicado, em vista a todos os movimentos de terror que ceifam vidas e destroem sociedades, com pretextos injustificáveis de reorganização da sociedade. Por este motivo, e também no intuito de se evitar crimes, fraudes, organizações criminosas internacionais, entre outras coisas. É plausível que se tomem certas precauções para garantir a segurança do Estado, mesmo com as pessoas honestas. É este o preço pago pelo progresso e crise da sociedade moderna.
Mas mesmo diante de tal realidade não se pode ferir o princípio da igualdade entre os Estados, em suas relações. E é para conservar tal princípio que existem os tratados, os acordos e convenções internacionais, bem como a utilização do princípio da reciprocidade na ausência destes, utilizando-se deles exatamente para aparar as arestas que, por acaso, existam ou venham a existir, para que não produzam rupturas ou feridas nas relações internacionais.
A postura do procurador da República e do Juiz Federal tem seus efeitos práticos e positivos no que diz respeito à soberania e a cooperação entre os povos, sendo estes, os elementos fundamentais das relações entre os Estados. Não podendo deixar de observar o princípio da reciprocidade, com a finalidade de não ferir o princípio da igualdade entre os Estados.
As providências tomadas pelo governo brasileiro, a respeito deste caso, foram bastante satisfatórias, não se omitindo em um momento tão importante, como afirma Szklarowsky em seu artigo, no qual descreve o seguinte:
“A seu turno, os Ministros de Estado da Justiça, das Relações Exteriores e o Advogado-Geral da União, com extrema sensibilidade e realismo, constituíram um Grupo de Trabalho Permanente, com o objetivo de propor e avaliar procedimentos especiais de controle de ingresso de estrangeiros no território nacional, alicerçados em critérios de reciprocidade de tratamento a brasileiros no exterior ou por motivo de segurança. Os procedimentos iniciais serão definidos no prazo de 30 dias. Entretanto, enquanto estes não forem definidos, ficam mantidos os atualmente adotados para identificação dos estrangeiros, com fonte no princípio da reciprocidade nas relações internacionais. Vale dizer: o Governo brasileiro não se omitiu em momento de suma importância, tomando imediatas providências e projetando, destarte, a maturidade de nosso País, nas relações entre os povos”.
No outro caso, devido à série de exigências feitas pela Espanha a brasileiros, de modo a dificultar a entrada no território espanhol, o governo brasileiro resolveu aplicar o princípio da reciprocidade com a Espanha, exigindo aos turistas espanhóis o mesmo que era imposto aos brasileiros para a entrada em solo espanhol.
Para o ex-ministro das relações exteriores do Brasil (na época ministro), as exigências feitas pelo governo espanhol aos cidadãos brasileiros para a entrada na Espanha, é um tratamento que pode ser considerado arbitrário. E tais situações arbitrárias podem levar muitas dificuldades a brasileiros que queiram viajar para Espanha, inclusive para pessoas que têm sua documentação toda em dias, chegando à situações de serem levadas à sala separada no aeroporto para serem investigadas pela polícia, entre outras coisas do tipo.
Devido a todas essas dificuldades criadas a brasileiros pelo governo espanhol, o governo brasileiro através do Consulado do Brasil na Espanha, estabeleceu que os turistas deste país sejam obrigados a apresentar passaporte que tenha sua validade, no mínimo, por mais seis meses, passagens aérea de ida e volta, comprovante de que tenha dinheiro suficiente para sua estada em território brasileiro, se por algum motivo vir a ficar sem dinheiro ficará na situação de ilegal no país, sendo estipulada uma média de R$ 170,00 por dia. A comprovação da situação financeira do estrangeiro será feita mediante apresentação de cartão de crédito com a última fatura. Em caso de hospedagem em hotel, deverá apresentar as reservas já pagas. E se o turista ficar hospedado em alguma residência particular, deverá apresentar uma carta da pessoa residente na cidade de destino, informando o tempo de estada no país, com a assinatura do anfitrião, acompanhada do comprovante de residência emitido no nome do declarante.
Todas essas situações de dificuldades impostas pelo Brasil ao governo espanhol funcionam como uma resposta ao modo em que estiverem tratando os brasileiros. Nada mais é que um tratamento recíproco ao país em que trata seus nacionais de forma desigual ao tratamento recebido. Neste momento é que se torna necessário a presença do princípio da reciprocidade, de modo a valorizar o princípio da igualdade entre os Estados.
O princípio da reciprocidade estabelece que os Estados são todos iguais em direitos e deveres, não havendo hierarquia alguma entre eles, respeitando a soberania de cada um. Esse princípio permite a cada ente internacional o direito de exigir ou proporcionar ao outro tratamento igual ao que recebe, sendo aplicados os princípios do Direito Internacional. Desta forma, se algum país adota medidas restritivas em relação ao Brasil ou a qualquer outro Estado, este poderá aplicar as mesmas medidas sem que isso seja considerado ofensa, represália ou abuso.
Através dos pontos abordados, é possível constatar a importância e a utilização do princípio da reciprocidade nas mais diversas relações, ou mesmo nos conflitos internacionais. A reciprocidade é o princípio base para todas as relações internacionais, aparecendo no direito internacional como princípio basilar.
5. CONCLUSÃO
Conforme todo o conteúdo abordado, o Direito Internacional poderia ser visto como um instrumento de equilíbrio de poder, sendo de fundamental importância, e essencial, em qualquer relação internacional. Sendo o princípio da reciprocidade, a sua maior ferramenta para tornar possível este equilíbrio de poder. Desta forma, diante de situações que ponha os Estados em circunstâncias desiguais, a reciprocidade teria capacidade de originar direitos ou deveres no sistema internacional, de modo a evitar que ocorra alguma ruptura ou ferimento no princípio da igualdade dos Estados.
A reciprocidade pode ser a melhor forma de gerenciamento da cooperação entre os Estados. Pois através de uma forma de agir de um Estado, este poderia influenciar outro a adotar a mesma medida, em forma de um comportamento recíproco. Por outro lado, a reciprocidade pode agir também de uma forma negativa, como por exemplo, quando um Estado adota atitudes de represálias para fazer com que outro siga certo comportamento almejado por ele. No entanto por mais que este artifício da represália, seja uma forma de reciprocidade negativa, não significa ser um problema para a cooperação entre os povos, já que há a possibilidade de o país, que sofrer a represália, cooperar com o determinado comportamento esperado.
Em vista disso, podemos perceber que o princípio da reciprocidade é a melhor ferramenta de soluções de conflitos internacionais que o Direito Internacional pode dispor, tendo a sua aplicação em casos das mais diversas naturezas, com a simples finalidade de manter a igualdade entre os países, e desta forma mantendo os países com sua total soberania. Por este motivo também podemos ter a reciprocidade como um dos instrumentos utilizados pelos países para atingir seus objetivos políticos.
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