Como bem sintetizou Rodrigues (In CERQUEIRA, 2008), em seu artigo Roberto Lyra Filho: a importância de sua obra na história do ensino do Direito brasileiro, Roberto Lyra Filho tem proficiência em Língua e Literatura Inglesa pela Universidade de Cambridge e bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, também é Especialista em Criminologia pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e é Doutor em Direito pela Universidade de Brasília, em que se concentrou na área de Filosofia Jurídica, Criminologia e Direito Criminal. Em relação à sua atuação profissional, importa destacar que foi advogado e regeu a cátedra de Direito Penal na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e Direito Processual na Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, lecionou na Universidade de Brasília, tanto na Graduação como Pós-Graduação nas disciplinas de Filosofia Jurídica e Social, Sociologia Jurídica, Direito Comparado, Direito Criminal, Direito Processual e Criminologia.
Embora tenha se dedicado durante algum tempo à advocacia, sua vida profissional sempre esteve vinculada à docência.
Além disso, publicou duas importantes obras sobre o Ensino Jurídico, quais sejam, O direito que se ensina errado e Problemas atuais do ensino jurídico, além de Por que estudar Direito?, livro que infelizmente não foi localizado em nenhuma pesquisa. Nas três obras o autor se utiliza de sua perspectiva relativa ao Direito Alternativo, já conceituado por meio do trabalho de Rodrigues (1993).
Tabela: Relação entre livros e quantidade de referências em Roberto Lyra Filho
Obras |
Quantidade de referências |
O direito que se ensina errado |
570 |
Problemas atuais do ensino jurídico |
271 |
O direito que se ensina errado, publicado em 1980, pode ter seu título entendido em pelo menos em dois sentidos, na perspectiva do autor, como o ensino do Direito em forma errada e como errada concepção do Direito que se ensina. O primeiro se refere a um vício de metodologia, enquanto o segundo, a uma visão incorreta dos conteúdos que pretende ministrar. Todavia, as duas coisas permanecem vinculadas, uma vez que não se pode ensinar bem o Direito errado, e o Direito, que se entende mal determina, com essa distorção, os defeitos de pedagogo (LYRA FILHO, 1980). Neste sentido prossegue afirmando que existe um equívoco generalizado e estrutural na própria concepção do Direito que se estuda, sendo preciso chegar às fontes e não às consequências. Em outras palavras, não é a reforma de currículos e programas que resolveria a questão. As alterações que se limitam aos corolários programáticos ou curriculares deixam intocado o núcleo e pressuposto errôneo. Sendo assim, não se envaidece diante das modernidades tecnológicas que se colocam à disposição do Direito, que como já mencionado, historicamente tem a “finalidade de agilizar o currículo, para servir à ideologia tecnocrática ou ao desenvolvimento capitalista” (1980, p. 8).
Neste sentido, de certa forma ecoando sua ideologia marxista, afirma que tal fato reproduz a mão de obra especializada e o exército de reserva, por outro lado, tal estrutura aliena o estudante e paralisa o esforço de pensar o Direito da independência econômica e da liberdade político-social. Ainda sobre a dinâmica que se colocou no Ensino Jurídico e na prática forense, completa Lyra Filho (1980) que não há como não identificar que é uma luta constante entre progressistas e reacionários, entre grupos e classes espoliadas e oprimidas e grupos e classes espoliadores e opressores. Esta luta faz parte do Direito, porque o Direito não é algo fixo, parada, definitiva e eterna, mas um processo de libertação permanente. Sendo assim, ele pode ser resumido em uma guerra social, com suas expressões de vanguarda e suas resistências e sacanagens reacionárias, com suas forças contraditórias de progresso e conservantismo, com suas classes e grupos ascendentes e liberatórios e suas classes e grupos decadentes e opressores” (LYRA FILHO, 1980, p. 102). O Direito, então, conquistado geralmente não é desafiado pelo dominador, a grande inversão que se produz no pensamento jurídico é tomar as normas como Direito e, depois definir o Direito pelas normas, a limitar estas às normas do Estado e da classe ou grupos que o dominam. Desta forma, sobre a necessária reforma do Ensino Jurídico afirma Lyra Filho (1980):
É evidente que uma reforma global do ensino jurídico exigiria condições de viabilidade que estamos longe de entrever. Porém, ainda que atuando em campo mais limitado, é preciso ter sempre em vista o delineamento inteiro. Pois com ele é que discernimos o Direito apresentado no sistema tradicional como verdadeira mutilação, que apresenta as sobras torcidas do que realmente o Direito é. [...] No universo jurídico, entretanto, uma dialética se forma, entre as invocações de justiça e as manifestações de iniquidade, para a síntese superadora das contradições. Mas a consumação do projeto, como o de um ensino certo do Direito certo, só pode ocorrer, como Direito justo e homogeneizado, numa sociedade justa e sem oposição de dominantes e dominados. Preconizá-lo é também um passo, embora minúsculo, para o seu advento. O único, porém, ao alcance das minhas deficiências e temperamento; o que realizo, como posso, devolvendo o Direito, como um todo, aos espíritos jovens e inquietos que o reclamam. E isto é viável, dentro das próprias condições do ensino atual, desde que os professores de índole progressista o focalizem nos seus programas e aulas (1980, p. 18-19).
Destarte, em que pese à epistemologia jurídica e que por certo ecoa nas Faculdades, inclusive reduzindo o Direito apenas ao binômio da Teoria Juspositivista e ao Jusnaturalismo, igualmente se tornam nefastos ao Direito. De acordo com Lyra Filho (1980), se por um lado o Positivismo não tem grandes dificuldades para definir a órbita do jurídico, na conformidade com sua perspectiva, ela se liga fundamentalmente ao Estado e vê, portanto, o Direito entre as normas sociais, como algo que se distingue, à medida que vem assentando, fundamentalmente, no sistema de leis e princípios que os órgãos estatais recortam, formalizam e impõem. Sendo assim, o grande erro dessa redução está em um duplo corte mutilador. Seu primeiro aspecto é a confusão entre as normas que enunciam o Direito e o Direito a pretexto de melhor assinar o que é jurídico, a negar os vários setores do Direito que não se limitam à letra da lei. Por outro lado, quanto ao Jusnaturalismo, torna-se nítido que este faz três apelos básicos, todos de índole nitidamente idealista, confundindo o Direito com o arranjo cósmico, enquanto natureza das coisas, o que admite que todo Direito emana da lei divina e que busca na razão humana, abstrata e perene, o “sobredireito” (p. 43) que a todos os Direitos concretos serviria como parâmetro de controle de validade. Sendo assim, sobre a crítica redução do Direito a estas duas únicas teorias – ou mesmo a redução do Direito também à terceira crítica da Teoria Tridimensional do Direito de Reale (2000) –, é possível fazer relação com os apontamentos trazidos por Rodrigues (1995 e 2002) e Faria (1987), os quais também constatam que como aspecto funesto para a formação jurídica o fato de que, grosso modo, o Direito é traduzido por meio de duas – ou três – teorias. É neste sentido que Vella (2010) em sua tese, Educação ambiental e ensino jurídico: concepções e práticas docentes na constituição do perfil do egresso, menciona que Lyra Filho (1980), ao manifestar-se sobre a crise do Ensino Jurídico, afirma que o cerne da questão está na necessidade de se entender que essa crise está diretamente relacionada a uma incorreta percepção do Direito, que prepondera no meio acadêmico. Considera que a ineficiência das reformas de ensino realizadas ocorre porque apenas se alteram currículos e programas, e ficando intocado o ponto de origem da crise. E como há um equívoco generalizado na própria concepção do Direito que se ensina, reduzindo-o ao chamado ordenamento jurídico, ou seja, o Direito positivado, que é único, hermético, estatal, o Estado acaba por ser reconhecido como a fonte de todo o Direito válido.
De outra banda, em Problemas atuais do ensino jurídico, publicado em 1981, um ano após a obra anterior, Lyra Filho prossegue com sua perspectiva do Direito Alternativo. De acordo com o autor, um dos principais problemas apontados relativo ao Direito se refere ao demasiado tecnicismo, e que o torna instrumental. O que a reforma do ensino pode fazer não é ajeitar as técnicas ao saber do status quo, mas, ao contrário, mobilizá-las, em função do Direito, no mais alto e abrangente sentido da palavra. Sendo assim, sobre a demasiada profissionalização do ensino – tratada por Rodrigues (1995, 2000 e 2005) – Lyra Filho (1981) comenta que, a despeito do mercado de trabalho aparecer em função de uma estrutura socioeconômica, e é dentro dele, sem dúvida que, como profissionais se deve exercer sua atividade, não quer dizer que a mesma deva ser feita de forma passiva. Em outras palavras não é porque o mercado de trabalho requer um conhecimento altamente técnico do profissional, por meio das leis, das jurisprudências e das doutrinas, que o Ensino Jurídico também deva se curvar a tal demanda. A formação deve estar pautada em uma necessidade muito maior e mais importante. Daí a importância de uma formação interdisciplinar, zetética, humanística axiológica, assim como preceitua a Resolução Número 9 (BRASIL, 2004).
Em relação à prática docente, Lyra Filho (1981) assevera que a atuação do professor deve ser autêntica, limitada a equacionar os problemas emergentes, oferecer informações atualizadas e discutir as propostas que lhes são cabíveis. Porém, sem impor o seu ponto de vista, ao contrário, estimulando o espírito crítico e ajudando cada um a descobrir o seu próprio rumo. Tal perspectiva de educador esbarra na proposta docente de Warat (1985) à medida que tem por objetivo despertar no aluno a reflexão dos problemas, sendo assim, o educador deve ser a dúvida e não a resposta. Enquanto a proposta waratiana fala em professor sedutor, o qual irá metaforicamente despertar no educando o desejo pelo conhecido e o gosto pelo estudo, a proposta lyriana estabelece que tanto educador como educando devem construir o conhecimento juntos, no contexto da sala de aula. Outrossim, em comum, ainda afirmam que a Faculdade não deve ser o espaço para a propagação de ideologias políticas ou dogmas, o professor não deve se colocar como superior ao aluno, muito menos como onisciente, por mais notório que seja seu saber jurídico ou sua experiência forense. É nesta trincheira em que Lyra Filho assevera, em Razões de defesa do Direito, que, grosso modo, o Ensino Jurídico massifica, “no pior sentido, ou seja, por meio do amassamento do educador, da sua transformação em papagaios e micos, para repetirem e imitarem alguma programação cibernética da ideologia em pílulas” (1985, p. 24). Esta afirmação se refere principalmente à crítica epistemológica do Direito, a qual acaba sendo a base de sua fundamentação, à medida que a crise do Ensino Jurídico está pautada na própria crise do Direito, o qual permanece reduzido à norma. O professor, tradicional e incipiente a um modelo jurídico mais flexível – ou Alternativo –, expõe sua aula sob a égide deste mesmo Direito fragmentado e obsoleto, reflexo único das leis e das interpretações doutrinárias, enquanto que ao aluno, cabe apenas o papel de decorar o que lhe é professado.
Feitoza (1993), em seu artigo A equivocada “crise” da educação jurídica, concorda com Roberto Lyra Filho quando conclui que, “superando essa ideia de crise e aceitando que a Educação Jurídica nunca saiu de patamares medíocres de qualidade” (1993, p. 45), abre a perspectiva clara de que o que se precisa não é retomar velhas visões ou insistir em um caminho que sempre deu errado. O paradigma epistemológico do Positivismo normativista não é mais opção, na perspectiva do autor. É necessário traçar um novo caminho para a Educação Jurídica que possibilite revolucionar a forma de enxergar e ensinar o Direito. Esse novo caminho, nas palavras de Feitoza (1993) deverá ser trilhado, invariavelmente, com pés firmes na realidade concreta do povo brasileiro e, acima disso, do povo latino-americano. O tempo de importar ideologias terminou. Precisa-se, pois, construir a própria Educação Jurídica brasileira, por meio de uma nova identidade de Direito, um Direito brasileiro. De tal forma, como assevera Rodrigues (In CERQUEIRA et alii, 2008), a constatação de que a Ciência do Direito dominante – a dogmática jurídica – tem no método lógico formal o instrumento básico de elaboração do saber jurídico, e que a questão do método de produção do conhecimento é na análise do ensino do Direito, é – direta ou indiretamente – consequência da concepção dominante de Ciência e consequentemente, de seu método, também já foi enfocado por alguns analistas do ensino do Direito entre os quais Luís Alberto Warat, Joaquim Falcão e José Eduardo Faria. Contudo, afirma o autor que o que marca a diferença do trabalho de Lyra Filho em relação aos demais não é a existência destes aspectos. A diferença fundamental está na efetivação de uma proposta que vise realmente mudar este quadro. E neste aspeto Lyra Filho é original. Para ele, estas propostas, principalmente no que se refere a reformas curriculares e alterações na metodologia didático-pedagógica vigente não vão ao fundo da questão. Tratam apenas das consequências e não das causas. A proposta de Ensino Jurídico para Lyra Filho (1980 e 1981), então, torna-se revolucionária à medida que supõe a substituição do paradigma dominante científico próprio do Direito, ou seja, a reforma do Ensino Jurídico não se limita a meras alterações educacionais, ela se baseia na necessária transformação do Direito, uma vez que se anteriormente mudasse o Direito, na concepção lyriana, não há o que se falar em uma efetiva e profunda mudança do ensino. Ademais, seu pensamento revolucionário se coloca como uma proposta política que busca colocar o Direito a serviço da democracia e da justiça social efetiva.
In summa, em relação à importância dos autores aqui analisados como base da discussão do Ensino Jurídico, importa destacar a relevância que alguns deles ganharam nos trabalhos elencados pelo Estado da Arte, uma vez que alguns foram tratados em capítulos ou subcapítulos específicos, o que aponta novamente para a notoriedade de seu pensamento. Sobre tal fenômeno, importa destacar Horácio Wanderlei Rodrigues, apontado aqui como o mais influente colaborador da discussão, o qual, no Capítulo 8 da tese de Pugliesi (2011), ganha um subcapítulo particular; na mesma medida, em Brandão (2014), Luis Alberto Warat, no Capítulo 1, também ganha a mesma atenção especial; ainda na tese de Pugliesi (2011), José Eduardo Faria e Eduardo Carlos Bianca Bittar, aqui apresentados, respectivamente, como terceiro e quarto autores mais influentes, também são apresentados no Capítulo 8 com igual relevância que Wanderlei Rodrigues. De tal modo que, é possível afirmar, com base na própria estrutura de ambas as pesquisas, que o resultado do Estado da Arte da presente dissertação, o qual apontou os autores da Categoria Temática do Ensino Jurídico como os mais fundamentais, é escudado por duas teses.
Na tese de Pugliesi (2011), O ensino do Direito como prática transformadora, defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o oitavo capítulo, o qual defende propostas de renovação curricular dos Cursos de Direito, apresenta uma parte exclusiva sobre o pensamento de Horácio Wanderlei Rodrigues. Assevera o autor da tese que Wanderlei Rodrigues trata muito a questão curricular em suas obras, contudo, defende uma reforma que vá além da mera formalidade, ou seja, que de fato reflita da prática forense, no sentido de considerar a vivência do protagonista do Direito como fundamental no processo de reforma. Assim, o tema em foco é a estrutura mínima em torno da qual se aglutinam os conteúdos, as competências e as habilidades. O currículo, portanto, é estruturado por meio de módulos temáticos que se constituem de conteúdos afins, oriundos de várias matérias ou disciplinas e reunindo conhecimentos, competências e habilidades previstos como necessários para a formação do profissional pretendido pelo currículo. Os temas serão apresentados aos alunos por meio de problemas. Ainda como apresenta Pugliesi (2011), o que chama mais atenção na proposta curricular do autor é sua preocupação com as questões que passaram a influenciar ainda o Direito no Século XXI, principalmente no que se refere à discussão do Direito Internacional frente à economia e a política de modo global, bem como as questões relacionadas aos avanços tecnológicos, como a bioética e o Direito frente à realidade virtual. Por outro lado, não se poderia olvidar de outras temáticas transversais que deveriam ser apresentadas de forma mais reforçada, como as percepções históricas, econômicas, sociológicas, filosóficas, antropológicas e psicológicas, além de uma preocupação maior com temas relativos à solidariedade, meio ambiente e acesso à Justiça.
A tese de Brandão (2014), Desjudicialização dos conflitos: novo paradigma para uma educação jurídica voltada à prática da atividade advocatícia neogical, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, em seu primeiro capítulo, o qual discute sobre a Educação Jurídica e o papel dos Cursos de Direito na desjudicialização dos conflitos, apresenta um item específico para análise do pensamento de Luis Alberto Warat a respeito do mesmo tema. Em sua argumentação, Luis Alberto Warat foi um dos primeiros juristas a introduzir no Brasil, em meados de 1970, a filosofia analítica do Direito sob uma perspectiva crítica. Essa nova visão impactou a teoria jurídica positivista dominante na época, especialmente por privilegiar a linguagem, pressuposto epistemológico fundamental para o conhecimento. O pensamento de Warat inaugurou a ruptura que a Filosofia da Linguagem provocou na compreensão do ato de conhecer, pois buscou elementos para tornar visível a relação entre Direito e Linguagem. Com isso, construiu uma base teórica que tem por objetivo compreender o papel da ideologia no discurso jurídico. Para Luis Alberto Warat, na argumentação de Brandão (2014), o senso comum teórico estabelece versões aceitas de um saber com pretensões de estabelecer desenhos naturais do mundo. E assim, impõe ideias que levam a acreditar que o saber das Ciências é uma espécie de cópia fotográfica passiva de suas características externas e internas (Brandão, 2014). Sendo assim, novamente se observa a retomada da crítica que envolve a linguagem jurídica, sempre envolvida por muitos jargões e brocados, os quais impossibilitam o entendimento do texto legal, das sentenças, dos pareceres e até mesmo da própria doutrina por parte dos leigos, que diferentemente do rábula, que tem certo conhecimento prático ou determinado conhecimento teórico acerca do Direito, tal entendimento se torna inacessível à grande parte da população, o que implica no fato de que o conhecimento jurídico acaba por se apresentar como oligopólio dos juristas, enquanto os únicos profissionais capazes de decodificar sua própria linguagem 1.
Assim como fez com Horácio Wanderlei Rodrigues, Pugliesi (2011) também se dedicou em sua tese a tratar da proposta pedagógica de Eduardo Carlos Bianca Bittar e José Eduardo Faria, especificamente no Capítulo 8. Sobre a proposição de Eduardo Bittar, na consideração de sua experiência como docente titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo se refere à sua publicação, alhures comentada, Direito e ensino jurídico: legislação educacional, que se baseia em uma reforma de ordem curricular, semelhante ao que propõe Wanderlei Rodrigues. Contudo, conforme critica Pugliesi (2011), sua reforma curricular se baseia na adoção do antigo projeto adotado pela Largo de São Francisco, ainda aderente às disciplinas exigidas pela Resolução Número 3 de 1972. Sendo assim, além de descurar da parte prática do curso, ou seja, estágios e visitas monitoradas, não se volta à interdisciplinaridade, nem à formação essencial do estudante para bem compreender o vínculo entre a teoria e a prática jurídica. Não prevê as atividades essenciais para efeito de se compor um adequado Trabalho de Conclusão de Curso, nem pensa em atividades complementares. Ao avesso, ainda na crítica de Pugliesi (2011), a ênfase reside nas disciplinas tradicionais, como Direito Penal, dado em cinco semestres letivos, e Direito Civil, em seis semestres, disciplinas mestras na formação do jurista, bem assim como os cursos de processo. Ainda de acordo com o autor, é uma proposta típica da linha de manualização do ensino e voltada aos requisitos do mercado, incluindo novas disciplinas de interesse nas áreas de concentração. Contudo, não obsta ressaltar que a proposta de Bittar (2001), publicada na obra Direito e Ensino Jurídico: legislação educacional, foi publicada antes do advento da Resolução Número 9 de 2004, o que, talvez, explique a inobservância à questão da interdisciplinaridade.
Por outro lado, ainda em relação à tese de Pugliesi (2011), Eduardo Faria também recebe atenção especial no que se refere à sua proposta de reforma pedagógica. Considerando sua preocupação com o adestramento dos alunos, no lugar de uma formação verdadeiramente crítica, transformadora e emancipatória, estima que os currículos devam ser reorientados a fim de se tornarem mais orgânicos, flexíveis, interdisciplinares e evitando, por força de efetiva interdisciplinaridade, a alienação decorrente da especialização excessiva que tolhe a visão global e empobrece as perspectivas teóricas. Como também já mencionado, a tese ainda ressalta a importância trazida por Eduardo Faria de um ensino que formasse o aluno para uma visão mais global, por meio da introdução e valorização de mais disciplinas de Teoria Geral do Direito, Filosofia do Direito, Metodologia do Ensino Jurídico, História do Direito e Sociologia Jurídica. Desta feita, ainda de acordo com Pugliesi (2011), ele sugere uma revisão do próprio conceito de Ciência do Direito a fim de mostrar a inexistência de um discurso objetivo e neutro; questionar os jurisdicismo e vincular o Direito às questões do modo de produção, denunciando a falácia da separação do Direito e da Política, bem assim, estabelecer como fundamento da produção das normas jurídicas as relações sociais. Finalmente, efetivar a crítica epistemológica das práticas dominantes buscando fundar um método e objeto de um conhecimento que se realizaria na procura da quebra da unidade ideológico-político-conceitual dos diferentes discursos do Direito como forma social específica.
Sendo assim, o que se pode entender das contribuições e críticas trazidas por Pugliesi (2011) e Brandão (2014) é que, do ponto das tendências teóricas, as reformas e proposições trazidas pelo quatro autores, quais sejam, Luis Alberto Warat, Horácio Wanderlei Rodrigues, Eduardo Carlos Bianca Bittar e José Eduardo Faria, podem ser divididas em três grupos distintos. Inicialmente se vê que a reforma de Warat aponta para questões de ordem muito mais políticas, de forma que para Brandão (2014) – bem como pelo que já foi explorado pelo autor –, a verdadeira reforma do Ensino Jurídico estaria embasada na formação em Direito principalmente por meio da construção de uma conscientização política e social, conscientização esta que vá também além, por um lado, das ideologias de poder e dominação trazidas pelo Direito e, de outro, da falsa hierarquia mantida entre professor e aluno. Em um segundo grupo, Eduardo Bittar defende a Resolução Número 3 do Conselho Federal de Educação de 1972, no contexto de sua obra publicada em 2001, a qual tratou do currículo mínimo e carga horária mínima de aulas para o Curso de Direito, a mesma disposição normativa criticada por Rodrigues (1993), à medida que representou poucas mudanças para o cenário educacional, pois, grosso modo, ignora a questão estrutural do ensino do Direito, que envolve problemas de ordem política e epistemológica. Contudo, de outra banda, ainda pode-se observar o grupo de Wanderlei Rodrigues quanto Eduardo Faria, os quais parecem comungar de ideias muito semelhantes a respeito da reforma do Ensino Jurídico, uma vez que valorizam disciplinas de cunho zetéticos e criticam o tradicionalismo e o tecnicismo.
Uma vez que as Faculdades de Direito do Brasil vêm sendo alvo de críticas desde sua implantação e o Ensino Jurídico – ou a falta dele – já suscitavam indignações bem antes deste período, dentro dos cinco autores aqui elencados, é possível afirmar que Roberto Lyra Filho tenha sido um dos precursores desta crítica, mormente em que pese seu pensamento a respeito do Direito Alternativo. Suas primeiras críticas sobre o Ensino Jurídico datam do início da década de 1980, sendo que O Direito que se ensina errado foi publicado neste mesmo ano, e Problemas atuais do Ensino Jurídico publicado um ano depois. Igualmente, José Eduardo Faria, publicou A reforma do ensino jurídico em 1987, observa-se que no mesmo contexto dos anos do século XX em que foram escritas as principais obras de Horácio Wanderlei Rodrigues – Ensino Jurídico: saber e poder, em 1987; Ensino jurídico e Direito Alternativo, em 1993; e Novo currículo mínimo nos cursos jurídicos, em 1995 – e Luis Alberto Warat – Faculdade Jurídica e seus dois maridos. O que indica o final da década de 1980 e a década de 1990, quiçá, como um período próspero no desenvolvimento de ideias e pesquisa que corroborassem na construção de novas ideias sobre o Ensino Jurídico. Ademais, é possível sopesar que o período supracitado tenha sido um momento histórico, político e, principalmente, econômico em que os juristas e pensadores da Educação tenham observado o crescimento ainda mais acentuado das Faculdades de Direito, as modificações do Exame de Ordem para que o ingresso na carreira advocatícia se tornasse ainda mais elitista, tendo em conta o percentual cada vez maior de desaprovações (BRASIL, 2015c). Desta feita, os pesquisadores, juristas, intelectuais, educadores e os próprios educandos puderam sentir, de forma ainda mais acentuada, que durante este período, o mercado de trabalho se tornara mais saturado do que jamais fora e nunca se tinham visto tantas Faculdades de Direito inaugurando cursos. Sendo assim, tanto a década de 1980 quanto a década de 1990, se tornaram terreno fértil para a discussão do modelo de Ensino Jurídico que estava à caminho, fazendo com que pudessem observar os equívocos que vinham acompanhando, e quais as soluções mais plausíveis a serem tomadas.
Destarte, dado que foram apresentadas as características de cada autor, com informações relativas à sua formação, suas atividades docentes e seus principais interesses de pesquisa; bem como a apresentação e análise dos principais aspectos de suas obras, foi possível evidenciar a importância deles para a base da discussão do Ensino Jurídico. Neste sentido, não há como deixar de ressaltar a comunhão entre os resultados obtidos na presente dissertação com o resultado apresentado nas teses de Pugliesi (2011) e Brandão (2014), os quais reafirmaram a importância de Horácio Wanderlei Rodrigues, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bittar e Luis Alberto Warat, que diuturnamente são apresentados como importantes críticos do tema juntamente como Roberto Lyra Filho, que embora não receba a mesma atenção que os autores anteriores, também é referenciado por eles e encontra baldrame em outras tantas teses e dissertações apresentadas no Estado da Arte.
Ainda sobre a análise das obras apresentadas neste capítulo não há óbice em ressaltar que, de acordo com a pesquisa de Estado da Arte realizada com base nas referências das teses e dissertações, as publicações majoritariamente citadas se referem a livros e não artigos científicos publicados em periódicos ou trabalhos publicados em anais de eventos. Em outras palavras, os resultados apontam que os pesquisadores que se dedicam ao tema do Ensino Jurídico, como regra, ao se utilizarem dos cinco autores, basearam suas pesquisas apenas em livros – embora outros autores tenham sido citados por meio de artigos científicos ou trabalhos em anais 2. É evidente que a produção de livros tem relevância, por exemplo, quando se toma os clássicos do pensamento: em sentido amplo, a CAPES, por meio de suas diferentes áreas do conhecimento, no contexto da avaliação de Programas de Pós-Graduação strictu sensu, enfatiza a importância de produção científica em periódicos, preferencialmente que tenham fator de impacto (BRASIL, 2015d). Neste sentido, é possível afirmar que esta medida se deve ao motivo de que, mormente nas revistas de Qualis A1, A2, B1 e B2, as editoras realizam uma análise muito mais rigorosa; fato que não ocorre ao se publicar um livro, dado que, tão grande é o mercado editorial, se torna mais fácil publicar um livro em uma pequena editora do que ter um artigo aceito em uma revista de alto impacto. Assim, qual a relevância científica destas publicações?
Mesmo diante disso, como aponta Cerqueira et alli (2008) e Bittar (2009), permanece tradicional no meio jurídico a utilização de livros, inclusive, é trivial pesquisas que se baseiam unicamente em doutrinas e códigos comentados, o que, cientificamente, se torna um contrassenso, uma vez que, como afirmam os autores, alguns artigos científicos gozam de uma produção de conhecimento muito mais acurada e confiável. A utilização de livros nas pesquisas jurídicas demonstra, de forma reiterada, a presença da formação tradicionalista no ensino, baseada principalmente na utilização de doutrinas e manuais. Diante desta idolatria do livro, os artigos científicos, que deveriam representar uma produção de conhecimento mais sintética e, de fato, mais inovadora, acaba por perder espaço para o mercado editorial descartável. A crítica apontada noinício da dissertação a respeito dos manuais e apostilas que apresentam métodos pedagógicos surpreendentes e resultado garantido em provas e concursos, inoculado tanto nos cursos preparatórios quanto nas faculdades, parece ecoar também nas pesquisas de Pós-Graduação.