1 Introdução
A carta testemunhável de recurso é destinada a provocar o conhecimento ou o processamento de outro para tribunal da instância superior
Nesse víeis, o Código de Processo Penal cuidou trazer em dispositivos específicos a positivação do instituto, bem como seu cabimento, ocorrendo de forma subsidiária e devendo ser impetrada tempestivamente no prazo de 48(quarenta e oito) horas, começando sua contagem a partir da intimação da decisão que denegou seguimento ao recurso e obedecendo as nuanças do recurso de denegação.
Assim, destaca-se um ponto de fundamental importância nesta pesquisa, as discursões doutrinárias que divergem quanto à natureza jurídica da carta testemunhal, uns dizem ser simples instrumento que se destina a promover apenas o conhecimento do recurso. Enquanto que outros entendem tratar-se de recurso inequivocamente, cuja finalidade é a sua apreciação por outro tribunal.
Nessa perspectiva, a carta testemunhável também terá cabimento no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, prevista no seu Regimento Interno.
2 CONCEITO
O instituto da carta testemunhal teve seu surgimento como uma reação ao arbítrio dos juízes, os quais, ao temerem o recurso, coibiam os escrivães de recebê-los e os tornavam ocultos até que os prazos expirassem para a sua devida interposição.
Neste sentido, o interessado no caso o litigante quando queira recorrer, apresentava-se perante o escrivão e manifestava-se de maneira claramente explicita, sob a os olhares de testemunhas de total idoneidade, para que fosse levado à apreciação de uma instancia superior o seu descontentamento perante a uma decisão.
Contudo, se o escrivão o atestasse com sua fé pública, muito que bem, se não o recorrente teria que comparecer até o tribunal, munidos das testemunhas para que seu apelo fosse conhecido, fato que, tratava-se tão somente de uma interposição verbal.
No que diz ser a carta testemunhável para o renomado CAPEZ[1] nas lições de Costa Manso, é o “instrumento pelo qual a parte, a quem se denegue a interposição ou o seguimento de algum recurso, leva a questão ao conhecimento do juízo ad quem, para que este mande admitir ou subir o mesmo recurso, ou dele conheça imediatamente, julgando-o de meritis”.
Na mesma linha, há entendimento que a carta testemunhal é modalidade de recurso residual[2], ou seja, na existência de um recurso cabível, a utilização da carta testemunhável ficará vedada.
Já na conceituação de NUCCI[3], ratifica ser um “recurso destinado a provocar o conhcimento ou o processamento de outro para tribunal da instância superior, cujo trâmite foi indevidamente obstado pelo juiz”. Coneito com o qual compartilhamos.
3 REGULAMENTAÇÃO
No ordenamento jurídico brasileiro a cara testemunhável encontra-se regulamentada no Código de Processo Penal, especificamente nos arts. 639 ao 646, in verbis:
Art. 639. Dar-se-á carta testemunhável:
I - da decisão que denegar o recurso;
II - da que, admitindo embora o recurso, obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem.
Art. 640. A carta testemunhável será requerida ao escrivão, ou ao secretário do tribunal, conforme o caso, nas quarenta e oito horas seguintes ao despacho que denegar o recurso, indicando o requerente as peças do processo que deverão ser trasladadas.
Art. 641. O escrivão, ou o secretário do tribunal, dará recibo da petição à parte e, no prazo máximo de cinco dias, no caso de recurso no sentido estrito, ou de sessenta dias, no caso de recurso extraordinário, fará entrega da carta, devidamente conferida e concertada.
Art. 642. O escrivão, ou o secretário do tribunal, que se negar a dar o recibo, ou deixar de entregar, sob qualquer pretexto, o instrumento, será suspenso por trinta dias. O juiz, ou o presidente do Tribunal de Apelação, em face de representação do testemunhante, imporá a pena e mandará que seja extraído o instrumento, sob a mesma sanção, pelo substituto do escrivão ou do secretário do tribunal. Se o testemunhante não for atendido, poderá reclamar ao presidente do tribunal ad quem, que avocará os autos, para o efeito do julgamento do recurso e imposição da pena.
Art. 643. Extraído e autuado o instrumento, observar-se-á o disposto nos arts. 588 a 592, no caso de recurso em sentido estrito, ou o processo estabelecido para o recurso extraordinário, se deste se tratar.
Art. 644. O tribunal, câmara ou turma a que competir o julgamento da carta, se desta tomar conhecimento, mandará processar o recurso, ou, se estiver suficientemente instruída, decidirá logo, de meritis.
Art. 645. O processo da carta testemunhável na instância superior seguirá o processo do recurso denegado.
Art. 646. A carta testemunhável não terá efeito suspensivo.
De modo que, tais dispositivos trazem as peculiaridades concernentes ás hipóteses de cabimento, a quem tal instituto deve ser endereçado, o prazo e inicio para sua interposição, o procedimento correto e ainda a responsabilidade funcional do escrivão ou secretário diante ao não encaminhamento do recurso por qualquer motivo, ao tribunal que é competente para julgar.
4 HIPÓSETES DE CABIMENTO
A utilização da carta testemunhal ocorre quando não houver nenhum outro recurso para que se possa impugnar judicialmente uma decisão, no sentido de impedir a tramitação de algum outro recurso. Confirmando assim, o seu caráter subsidiário, pois, tem a finalidade de reparar dano sofrido por uma das partes litigantes, frente a uma denegação do recurso interposto.
Havendo por tanto duas hipóteses de cabimento da carta testemunhal: a) contra decisão que denegar o recurso; b) contra decisão que, embora admita o recurso, obstar o seu seguimento. Tais conclusões foram extraídas no art. 639, I e II do CPP.
A decisão que denega o recurso é aquela que julga não admitir a interposição de recurso determinado, sendo por um motivo qualquer. Situação em que ocorrerá diante essas hipóteses, no caso do recurso em sentido estrito, agravo em execução e correição parcial. Caso em que não havendo recurso específico para impugnar tal julgado, restando apenas à parte insatisfeita interpor a carta testemunhal.
Pode-se observar que, a carta testemunhável poderá ser requerida quando da hipótese de não ser admitido o agravo em execução pelo Juiz das Execuções Penais em se tratando do das regras do art. 197 da Lei de Execução Penal nº 7.210 de 11 de junho de 2084[4].
5 ESTRUTURAÇÃO
Com base no Art. 640 da adjetiva processual penal, a carta testemunhal é revestida de natureza de recurso, visando pois, o reexame de outra decisão, combatendo decisão que não permitiu o recebimento ou o seguimento a outro recurso de uma das partes.
É impetrada por petição ou por termo, deverá ser processada, todavia, por instrumento, importando dizer que, no requerimento de sua extração, deve o testemunhante indicar peças para formação do traslado.
Nas peças a serem indicadas deverá contar evidentemente a decisão a qual está sendo recorrida, bem como a certidão de intimação da referida decisão.
6 PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO
É salutar frisar ainda no Art. 640, e conforme informa NUCCI (2014, p.1215) embora a lei mencione que o prazo é de 48 horas, tem-se contado, para facilitar o entendimento e porque os prazos processuais podem ser interpretados extensivamente, afinal, garantir o direito ao duplo grau de jurisdição e à ampla defesa é fundamental, como sendo de dois dias.
O prazo começa a partir da intimação da decisão que denegou seguimento ao recurso ou que obstou seu seguimento. Não devendo ser utilizado, a contagem do prazo corrido, a partir da data do despacho que denegar o recurso.
7 PROCEDIMENTO
O procedimento aplicado na carta testemunhável é idêntico ao estabelecido para o recurso denegado. Ocorre da seguinte maneira, o escrivão e/ou diretor de secretaria ou o secretário do tribunal dará recibo da petição à parte, que é a petição de interposição da carta testemunhal, para a parte poder comprovar que recorreu no prazo certo.
Vale salientar que no caso do recurso em sentido estrito o prazo máximo é de 5(cinco) dias e para o recurso extraordinário para a entrega da carta testemunhal o prazo é de 60(sessenta) dias.
Conforme o art. 643, do CPP, extraído e autuado o instrumento da carta testemunhal, é feito a devida intimação do testemunhante, ou seja, a parte inconformada para que apresente suas razões em dois dias.
Por conseguinte, no mesmo prazo intima-se também o testemunhado a fim de que apresente as contrarrazões. Diante as razões e contrarrazões o escrivão, atualmente o diretor de secretaria dará continuidade ao procedimento abrindo conclusão para o juiz, que decidirá em manter ou reformar a decisão que estorvou o seguimento ou mesmo a admissão do recurso.
Havendo retratação, não haverá, portanto, recurso por parte do testemunhado, caso em que o recurso embaraçado inicialmente seguirá normalmente, não significando que será conhecido e provido pela instancia superior.
8 COMPETÊNCIA PARA APRECIAÇÃO
Quanto à competência da carta testemunhal aduz o art. 644, “O tribunal, câmara ou turma a que competir o julgamento da carta, se desta tomar conhecimento, mandará processar o recurso, ou, se estiver suficientemente instruída, decidirá logo, de meritis”, ademite-se quatro alternativas que poderão ocorrer quando enviada ao tribunal ad quem:
- Não conhecer a carta testemunhal, por não ser cabível, devido a intempestividade ou por ilegitimidade da parte;
- Dela conhecer e dar provimento, ou seja que o recurso suba para que seja conhecido;
- Conhecer e jugar de imediato, no caso de existencia de peças e argumentos robustos para sua avaliação;
- Conhecer da carta testemunhal e negar o provimento.
9 EFEITOS
De forma sucinta o art. 646 do Código de Processo Penal, diz que a carta testemunhal não terá efeito suspensivo, entendendo assim que seu efeito será devolutivo, em virtude de se formar um instrumento onde o qual não impedirá o prosseguimento do processo principal.
10 JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA PERTINENTE
As discursões doutrinárias giram em torno da natureza jurídica da carta testemunhal, momento em que existem duas posições. Para uns a carta testemunhal não é um recurso, mas simples instrumento que se destina a promover apenas o conhecimento do recurso.
Para outros, a carta testemunhal é um meio pelo qual se provoca o reexame de uma decisão, qual seja a denegatória de outro recurso, revestindo-se inequivocamente de natureza recursal.
Para TOURINHO FILHO (2012, p. 383) trata-se de recurso, cuja finalidade é a sua apreciação por outro tribunal.
Compartilhando da segunda posição CAPEZ (2013, p. 805), no seu entendimento a carta testemunhal reveste-se de natureza recursal, pois visa ao reexame de outra decisão no caso a denegação do recurso.
A jurisprudência também já se posicionou quanto carta testemunhal, vejamos:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DECISÃO QUE NÃO RECEBEU A APELAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE CARTA TESTEMUNHÁVEL. IMPOSSIBILIDADE. PREVISÃO EXPRESSA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUANTO AO CABIMENTO, NA HIPÓTESE, DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTE DO STJ. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFICIO, PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO PARA A APRECIAÇÃO DE POSSÍVEL REFORMATIO IN PEJUS, NA OCASIÃO DA FEITURA DA NOVA DOSIMETRIA DA PENA. 1. O Código de Processo Penal dispõe, em seu art. 581, inciso XV, ser cabível o recurso em sentido estrito contra decisão "que denegar a apelação ou a julgar deserta". 2. Não se afigura, portanto, possível a substituição da interposição de recurso em sentido estrito, contra a decisão que não recebeu a apelação, por carta testemunhável, pois, como é sabido, tal recurso, em razão de seu caráter subsidiário, somente é cabível quando não esteja previsto em lei outro recurso apto a impugnar a decisão judicial. Precedente desta Corte. 3. Em que pese o entendimento adotado, verifica-se, contudo, a imprescindibilidade de apreciação pela Corte a quo, para se evitar supressão de instância, da alegação constante na apelação do ora Paciente, quanto à possível ocorrência de reformatio in pejus: 4. Ordem denegada, com concessão de habeas corpus, de ofício, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para a análise da alegação de reformatio in pejus na individualização da nova dosimetria de pena efetivada pelo Juízo monocrático.[5]
11 DISPOSITIVOS PERTINETES NO REGIMENTO INTERNO O TRF-5
Como dito a carta testemunhável é cabível quando da denegação de um recurso, havendo restrições se previsto de modo diferente em medida própria, constando especificamente para combater decisão denegatória.
Contudo, vale salientar, que o Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Seção Judiciária do Ceará, destinou a sessão VI do capítulo II especialmente para a carta testemunhável como se pode constatar o art. 198, expressando, que na distribuição, processo e julgamento da carta testemunhável requerida na forma da lei processual penal, observar-se-á o estabelecido para o recurso denegado, e ainda dispõe o art. 199, no sentido de a Turma que competir o julgamento da carta, se a ela der provimento, mandará processar o recurso ou, se estiver suficientemente instruída, desde logo o decidirá.
Portanto, como constado, encontra-se positivado o devido cabimento da carta testemunhável junto ao TRF-5.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tal estudo será de fundamental importância para a vida acadêmica, pois, entendeu-se que a carta testemunhável é verdadeiramente recurso que é destinada a provocar o conhecimento ou o processamento de outro para tribunal da instância superior, cujo trâmite foi indevidamente obstado por um juiz a quo.
O Código de Processo Penal tratou de alinhavar a carta testemunhável em seus dispositivos, especificando sua estruturação, como se processaria, trazendo ainda a competência do juízo ad quem para sua apreciação.
Contudo, desmistificou-se que não há equivoco quanto á natureza jurídica da carta, porquanto a doutrina dominante assim entende, bem como a jurisprudência pacificou ser cabível tal instrumento quando da denegação de recurso.
Ademais, ante tudo explorado, só tem a engrandecer o processo de conhecimento do individuo, e deixando claro que o assunto abordado não se exaure, de modo que num futuro próximo ainda será possível novas discursões no mundo jurídico.
6 REFERÊNCIAS
AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. 2 ed. São Paulo, Método – 2009.
BRASIL. Tribunal Regional Federal. Regimento Interno. Disponível em: http://www.trf5.jus.br/downloads/regimento.PDF. Acesso em: 30.10.2015.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado: 13 ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.
________________________ Manual de Processo penal e execução penal: 7 ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 8. ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. 2 v.
_________________________________Código de Processo penal. 25. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
NOTAS
¹ Fernando Capez, Curso de Processo Penal (ob. Cit. p.804).
² Noberto Avena. Processo Penal (ob. cit. p. 1087).
³ Guilherme de Souza Nucci. Manual de Processo Penal e Execução Penal (ob. cit. p.908 e 909).
[1] Fernando Capez, Curso de Processo Penal (ob. Cit. p.804).
[2] Noberto Avena. Processo Penal (ob. cit. p. 1087).
[3] Guilherme de Souza Nucci. Manual de Processo Penal e Excução Penal (ob. cit. p.908 e 909).
[4] Art. 197. Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo.
[5] STJ - T5 - HC: 85317 DF 2007/0142799-5 - Data de Julgamento: 10/02/2009 - Data de Publicação: DJe 09/03/2009) – Rel.: Ministra LAURITA VAZ.