Dos apátridas: histórico, conceito e convenções

14/11/2016 às 18:00
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RESUMO

Os aspectos mundiais da atualidade tem nos remetido a situações bastante graves, como pode-se observar na síria, onde inúmeros refugiados de guerra transitam rumo a Europa, sendo recepcionado por alguns países e não recepcionado por outros, ainda que existam tratados internacionais, altamente relevante se faz averiguar a conformação legislativa no que atinge as pessoas que se encontram nesta situação, privadas de nacionalidade.

É importante também verificar a posição nacional bem como a adoção das legislações internacionais no território brasileiro em face dos apátridas.

Palavras-chave: Apátridas; Histórico; Conceito; Convenções.

Sumário: 1. Conceito de Apátridas – 2. Do histórico sobre os apátridas –3. Da convenção sobre o Estatudo dos Apátridas – 4. Conclusão – 5. Referencias bibliográficas

1. CONCEITO DE APÁTRIDAS.

Inicia-se esse estudo sobre tão importante tema com a conceituação sobre os apátrida, algo que se faz de suma importância tendo em vista que tal termo deve ser esclarecido, uma vez a importância de verificar a situação de apátria.

O conceito de apátrida encontra-se no artigo 1º da Convenção sobre Estatuto dos Apatrídas de 1954, que define:

“Capítulo I

Disposições Gerais

Artigo 1º

Definição do termo "apátrida"

§1. Aos efeitos da presente Convenção, o termo "apátrida" designará toda pessoa que não seja considerada como nacional seu por nenhum Estado, conforme a sua legislação.”[4]

Ou seja, todo aquele que não tiver seu registro como cidadão nacional, será, portanto, considerado um apátrida e tendo em vista a problemática que envolve não ter uma nacionalidade, tal legislação foi criada para dirimir os problemas decorrentes pertinentes aos que encontram-se em tal situação.1

Verifica-se que apátrida é aquele que não está pertencente a nenhum Estado, tal situação pode se dar por diversos motivos, banimento, guerra, fuga por recursos em locais de extrema escassez, oportunidades de trabalho.

Neste aspecto podemos verificar que existe uma grande importância de se delimitar exatamente o que é o apátrida, contudo, ainda mais do que isso, verificar que tipo de proteção será dada a este indivíduo em trânsito por diversos países e como deve se dar o seu acolhimento, os direitos relativos a este e sua posição social.

2. DO HISTÓRICO SOBRE OS APÁTRIDAS

Importante ressaltar os estudos históricos sobre os apátridas, tendo em vista que entender tal histórico significa também verificar a evolução das legislações atinentes, como já citado, de grande magnitude e importância para que possamos entender em que situação o mundo coloca essas pessoas e quais países aderem a este comportamento.

Segundo o artigo referente ao tema “Apontamentos sobre o fenômeno jurídico do apátrida no Brasil e no mundo contemporâneo”, explanando sobre o contexto histórico dos apátridas no Brasil faz a seguinte referencia sobre o tema:

“A apatridia é um fenômeno extremamente recorrente e atual. Vivemos em uma época marcada pela globalização, típica da “modernidade líquida” [1], e pela rapidez da informação e das formas de locomoção. Estamos cada vez mais perto do que antes parecia distante. A intervenção do Estado nas atividades humanas e em vários aspectos da vida privada é uma característica da modernidade. E, talvez por isso, o vínculo com um Estado se revela tão necessário e, mais, fundamental. Não ser filho de nenhuma pátria pode ser um motivo de alienação do indivíduo para com o contexto globalizante e frenético que o mundo contemporâneo impõe. ”[1]2

Portanto, temos que a apatridia é um fenômeno corriqueiro, que deriva de uma série de situação internas de países que geram por insatisfação, leis ou motivos pessoais, um deslocamento de pessoas que se mostram interessadas, insatisfeitas ou mesmo banidas por diversos motivos, os quais passam a se locomover para outros países, os quais iremos verificar como os acolhem e que direitos esses indivíduos têm.

“Denomina-se apátrida, segundo a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, o indivíduo que não é considerado por qualquer Estado, segundo sua legislação, como seu nacional. Trata-se daquele que não possui nacionalidade formal ou cidadania, ou seja, aquele que juridicamente é ausente de pátria. O vínculo do indivíduo para com um Estado inexiste e, por esse motivo, é impossibilitado de proteção e tutela diplomática, situação que afeta negativamente os mais diversos aspectos de sua vida.”[2]

Tal diploma legal é recepcionado no Brasil pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o qual faz-se referencia:

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição;

Considerando que o Congresso Nacional aprovou o texto da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas por meio do Decreto Legislativo no 38, de 5 de abril de 1995;

Considerando que a Convenção entrou em vigor, para o Brasil, em 13 de novembro de 1996, nos termos do parágrafo 2o, de seu art. 39

DECRETA:

Art. 1o A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da mencionada Convenção, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de maio de 2002; 181o da Independência e 114o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Osmar chohfi”[3]

Sendo assim observando o histórico pertinente a legislação que ampara o apátrida podemos caminhar para sua melhor conceituação e entendimento desse tão importante tema que tem substancial impacto na sociedade pós guerra.3

Verifica-se neste histórico que o Brasil adota a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, sendo passo importante, estudarmos quais os aspectos que a Convenção adota e, portanto, oferece como proteção a essa situação diplomaticamente relevante e delicada.

3. DA CONVENÇÃO SOBRE O ESTATUTO DOS APÁTRIDAS.

Uma vez verificando-se o conceito e o histórico, devemos nos ater então a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, uma vez que a legislação nacional abarca sua aplicação, deve-se, portanto, verificar seu histórico bem como sua conformação legal.

A Convenção do Estatuto dos Apátridas foi criada em 1954, sendo um marco de altíssima relevância para o garantia de direitos e imposição de deveres dos apátridas no território em que estiver. Sendo assim é importante frisar os aspectos pertinentes a Convenção:

“Criada em Nova Iorque, apesar de ser datada de 1954, época da realização da Conferência de Plenipotenciários convocada pela “Resolução 526 A” do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas entrou em vigor apenas no ano de 1960. Atualmente, possui 68 Estados Partes, proporção considerada baixa quando levamos em consideração o quantitativo de países membros da ONU, (atualmente 193).[8]

Os três últimos países a ratificarem a dita Convenção foram Croácia, Nigéria e Filipinas, em setembro de 2011. A adesão da Croácia foi comemorada pelo ACNUR, uma vez que vivem no país cerca de 1.700 cidadãos da ex-Iugoslávia que são ou correm o risco de se tornarem apátridas.[9] As Filipinas são o primeiro Estado do sudeste asiático a aderir à Convenção de 1954. No Brasil a Convenção foi promulgada e publicada em 22 de maio de 2002, através do Decreto 4.246/2002.[10]

Após conceituar “apátrida” como sendo toda pessoa não considerada por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional (art.1º), a Convenção exclui dessa categoria aqueles que recebem assistência de outros órgãos das Nações Unidas além do ACNUR. O documento também exclui do conceito aqueles que cometeram crimes de guerra, crimes contra a paz ou a humanidade, ou praticaram um grave crime de direito comum fora do país de residência antes da admissão no referido país, ou ainda os que praticaram atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas. (art. 2º)”[7]4

Importante ressaltar do supracitado que o conceito de apátrida contém limitações expressas, as quais diferenciam pessoas em situação de hipossuficiencia daquelas que cometeram crimes ou delitos graves, os quais sejam ensejadores de levantar dúvida sobre suas intenções no seu deslocamento, diferenciando-se muito das pessoas que fogem de seus países em busca de fugir da opressão que sofrem ou da subsistência que as obrigam a tais deslocamentos territoriais.

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Tal recepção não vem sem deveres, os apátridas também detém deveres a serem cumpridos, algo que garante segurança aos que os recepcionam, ponto este que deve ser abarcado por esse estudo.

Nos termos da Convenção, além de direitos os apátridas também possuem deveres, como por exemplo, a obrigação de respeitar as leis e regulamentos do país onde se encontram, assim como as medidas adotadas para a manutenção da ordem pública. Em seu artigo 12, a Convenção garante que o apátrida será submetido às normas do Estado do seu domicílio, ou, na falta destas, às de seu país de residência. Deve, então, haver uma relação de respeito mútuo entre o Estado Contratante[11] e o apátrida, de modo a se evitar qualquer tipo de preconceito ou tratamento diverso em relação ao cidadão nato.

A Convenção dá prioridade aos apátridas decorrentes da Segunda Grande Guerra e àqueles chamados de “marítimos apátridas” (art. 11º), por viverem como tripulantes de um navio com bandeira de um país contratante. O documento trata também da condição jurídica do apátrida, tutelando a possibilidade de pessoas incluídas nesse instituto incorporarem bens a seu patrimônio, associarem-se, possuírem emprego ou trabalharem por conta própria (arts. 13º, 15º, 17º e 18º, respectivamente).

Assim como os apátridas possuem deveres em relação aos Estados que os recebem, estes também possuem obrigações. O país recebedor, segundo os artigos 21, 22, 23, 24, 27 e 28 da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, deve oferecer ao apátrida, respectivamente, habitação, ensino, assistência pública, trabalho e previdência social, documentos de identidade e viagem, entre outros.

O documento garante, por fim, em seu artigo 31, que apátridas legalmente fixados em território de um país não podem ser expulsos, exceto por motivo de ordem pública ou de segurança nacional. Os Estados Contratantes devem criar um ambiente favorável à adaptação dessas pessoas, além de facilitar a integração e naturalização das mesmas reduzindo eventuais taxas e encargos burocráticos (art. 32).5

A Convenção deixa, portanto, esclarecido que a posição de respeito deve ser mútua entre Estado e cidadão apátrida, devendo o Estado oferecer os direitos que cabem ao cidadão, não o deixando em situação de risco ou submetendo-o a situações que o tornem menos importante na sociedade, bem como o apátrida se obriga a cumprir a legislação nacional daquele país no qual irá residir ou ficará até que uma solução lhe seja ofertada.

A Convenção é bastante robusta e demonstra um papel humanitário sem precedentes, fornecendo ao mundo em guerra uma solução para inocentes que sofrem os efeitos danosos desta.

Por fim, deve-se considerar que o respeito do Estado frente ao apátrida deve ser soberano, pois não se trata de mera comodidade mas de necessidade que muitas vezes significa a vida ou a morte daquele ser humano, que deve ter seus direitos assegurados para que não venha a sofrer no país ao qual deseja pedir asilo humanitário.

CONCLUSÃO

O estudo sobre os apátridas é de suma importância, tendo em vista posicionamentos bastante complicados em relação a isso no mundo moderno, com o desrespeito de nações que não só demonstram não ter solidariedade como também descumprem acordos internacionais no combate a apatridia.

Ainda assim verificamos que no Brasil, somos signatários dos acordos para recepcionar com todos os direitos devidos os apátridas, não fazendo qualquer discriminação com os cidadãos nacionais, estando em estado avançado no que tange a adoção das legislações internacionais sobre o tema, bem como tem atuado de forma efetiva na recepção de imigrantes, algo notório da história brasileira.

O Tema é intrigante e ainda repleto de reflexos que devem ser estudados na atual situação mundial, uma vez que tanto o respeito quanto o desrespeito as diretrizes tem sido palavra de ordem, principalmente na Europa.

BIBLIOGRAFIA

CORRÊA, Maxilene Soares; OLIVEIRA, Raphael de Almeida Lôbo. Apátridas no Brasil e no mundo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3445, 6 dez. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23175>. Acesso em: 12 nov. 2016.

Lieberknecht, Paula. Da situação dos apátridas e suas correlações na legislação nacional. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/44345/da-situacao-dos-apatridas-e-suas-correlacoes-na-legislacao-nacional>. Acesso em: 12 nov. 2016.

1Lieberknecht, Paula. Da situação dos apátridas e suas correlações na legislação nacional. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/44345/da-situacao-dos-apatridas-e-suas-correlacoes-na-legislacao-nacional>. Acesso em: 12 nov. 2016.

2 Ibidem.

3Ibidem.

4Ibidem.

5CORRÊA, Maxilene Soares; OLIVEIRA, Raphael de Almeida Lôbo. Apátridas no Brasil e no mundo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3445, 6 dez. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23175>. Acesso em: 14 nov. 2016.

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