A possibilidade de cobrança de emolumentos pelo Ministério Público em investigações de lesões a direitos coletivos lato sensu: uma análise de sua legalidade

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Os expedientes investigativos do M. Público, na defesa dos direitos coletivos, demandam custos às vezes superiores ao próprio objeto da investigação. O poluidor deverá arcar com os mesmos, sob risco de penalização da sociedade por conta do ilícito de 3º.

 

 

 

 

RESUMO.

 

O presente artigo versa sobre a possibilidade de o Ministério Público realizar a cobrança de emolumentos decorrentes de suas atividades investigatórias contra lesionadores de direitos difusos.

Durante o desempenho de suas missões institucionais, o órgão realiza investigações diversas em sede de expedientes extrajudiciais (inquéritos civis públicos e procedimento preparatórios) na busca da defesa da sociedade, os quais demandam custos inerentes à própria atividade.

Como essas investigações decorrem conceitualmente de um ato ilícito imputável ao seu responsável, os custos das investigações também devem ser perpassados ao mesmo, sob pena de oneração injusta da sociedade por meio de tributação, eis que são os recursos estatais os quais inicialmente supedaneiam as ações do órgão ministerial.

Dessa forma, responsabilizar o responsável não somente pelo dano ocorrido, mas também pelos custos de investigação de sua responsabilidade, se traduz da busca da mais perfeita justiça, dentro da teoria da integral responsabilização dos danos ambientais.

 

 

1. INTRODUÇÃO.

 

Ao Ministério Público compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos direitos difusos e individuais indisponíveis, conforme estabelecido no art. 127, III, da Constituição Federal de 1988.

Dentro da perspectiva de efetivação dessa importante missão constitucional, o legislador constituinte armou o Ministério Público com dois importantes instrumentos de investigação de lesões cometidas contra os direitos coletivos lato sensu: o inquérito civil público e o procedimento preparatório.

Dessa forma, no desempenho da condução dessa atividade investigativa por conta de lesões aos direitos coletivos em sentido amplo, em especial ao urbanismo, consumidor e meio ambiente, o Ministério Público realiza atos persecutórios à semelhança do inquérito policial, com realização de oitivas de testemunhas, declarantes, interrogatórios, realização de perícias, audiências civis públicas, dentre outros expedientes cujo desiderato último é a busca da verdade real.

Acontece que toda essa atividade investigativa tem um custo elevado, os quais são atualmente suportados pelo Estado, ou seja, em última análise, pela própria sociedade por meio de impostos.

Nesse sentido, permitir que o agente causador do dano não seja responsabilizado por custos sociais decorrentes de uma atividade ilícita sua é chancelar uma conduta contrária ao direito de forma implícita, quando o responsável deveria suportar financeiramente os custos de seu ato ilegal.

Daí a necessidade de imposição dos custos sociais da atividade investigativa desenvolvida pelo Ministério Público aos seus responsáveis legais, os infratores de direitos coletivos lato sensu.

Acontece que a questão não se encontra regulamentada por nenhuma legislação até o presente momento, o que supostamente apontaria no curso da impossibilidade de cobrança pela simples aplicação do princípio da legalidade previsto no art. 5º, II, da Constituição da República: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Nesse toar, a pesquisa buscará investigar a possibilidade de cobrança de emolumentos ministeriais em sede de Expedientes Extrajudiciais (Inquéritos Civis Públicos e Procedimentos Preparatórios) conduzidos pelo Ministério Público com base em fundamentos principiológicos, especialmente do poluidor-pagador e da reparação integral do dano, colmatando essa lacuna legislativa até então vigente.


 

2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E SUA ATUAÇÃO NA DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO AMPLO.

2.1 A conceituação dos direitos coletivos lato sensu na ordem jurídica brasileira.

A conceituação legal dos direitos coletivos em sentido amplo é dada em nosso ordenamento jurídico pelo art. 81 da Lei Federal n.º 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, ao prever:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.


 

Nesse sentido, se percebe que os direitos coletivos lato sensu englobam três subespécies de direitos, sendo eles direitos difusos (contemplados no art. 81, parágrafo único, I, da Lei n.º 8.078/90), direitos coletivos stricto sensu (contemplados no art. 81, parágrafo único, II, da Lei n.º 8.078/90) e direitos individuais homogêneos (contemplados no art. 81, parágrafo único, III, da Lei n.º 8.078/90).

Dessas três subespécies somente os direitos difusos e os direitos coletivos stricto sensu são verdadeiramente coletivos, sendo os da terceira espécie (diretos individuais homogêneos) tratados como tal apenas por uma questão sistêmica, visando a uma economia processual da multiplicidade de demandas.

Os direitos difusos são aqueles que não possuem titularidade específica, são os verdadeiros direitos transindividuais de natureza indivisível, cujos interesses afetam a todos os indivíduos numa mesma situação mundanal específica, tidos como titulares indeterminados ligados entre si por uma situação fática, sem relação jurídica básica pré-constituída. Segundo GRINOVER (1984, p. 30/31) os direitos difusos:

[...] compreendem interesses que não encontram apoio em uma relação base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato frequentemente acidentais ou mutáveis: habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições socioeconômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos, etc.

Já os direitos coletivos stricto sensu são aqueles pertencentes a uma coletividade determinada, cujos titulares são ligados entre si por uma relação jurídica-base pré-constituída. Os seus membros não são indeterminados como aqueles primeiros, ao revés, são identificados justamente pela relação jurídica a qual ampara suas pretensões. Conforme informa BENJAMIN (1995, p. 92/93):

Os direitos coletivos em sentido estrito, por sua vez, têm como características a transindividualidade real restrita; a determinabilidade dos sujeitos titulares -  grupo, categoria ou classe de pessoas -, unidos por uma relação jurídica-base; a divisibilidade externa e a divisibilidade interna; a disponibilidade coletiva e a indisponibilidade individual; a irrelevância de unanimidade social e a reparabilidade indireta.

Logo se percebe que o traço distintivo entre os dois institutos é a existência da relação jurídica base entre os sujeitos da segunda categoria, hipótese inexistente na primeira acepção daqueles direitos.

Por sua vez, os direitos individuais homogêneos não são necessariamente direitos coletivos, sendo cognominamente chamados “direitos acidentalmente coletivos” (MOREIRA, 1984, p. 195/196).

Em verdade o são direitos individuais, os quais poderiam ser perfeitamente demandados em ações individuais pelos seus titulares, mas recebem tratamento coletivo por uma questão prática visando a uma economia processual, haja vista a solução única para uma demanda coletiva a qual aglutina diversas demandas individuais:

[...] são aqueles que decorrem de uma origem comum, possuem transindividualidade instrumental ou artificial, os seus titulares são pessoas determinadas e o seu objeto é divisível e admite reparabilidade direta, ou seja, fruição e recomposição individual (BENJAMIN, 1995, p. 92/93).

 

De qualquer sorte, em qualquer das três hipóteses, desde que se trate de direito individual homogêneo de natureza indisponível ou disponível de relevância social, o Ministério Público possui legitimidade para instauração de expedientes extrajudiciais investigativos visando a apurar eventuais lesões coletivas a essas searas de interesses.


 

2.2 O papel do Ministério Público na defesa dos direitos coletivos lato sensu.

 

Conforme estabelece a Constituição Federal em seu art. 127, caput, o Ministério Público é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Idêntica redação pode ser encontrada no art. 135 da Constituição do Estado da Bahia.

Mais especificamente em seu art. 129, III, informa a Magna Carta que dentre outras atribuições de defesa social, é sua função institucional promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

A despeito de o Ministério Público gozar de posição constitucional a qual o coloca em posição distinta dos demais Poderes da República, sendo caracterizado como órgão permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, trata-se em verdade a instituição de verdadeiro órgão público no sentido amplo do termo, o qual pratica atos de Estado e, dentre outros, de investigação na consecução de seus objetivos constitucionais.

Visando a efetivar sua importante missão constitucional, o Parquet foi municiado com importantes poderes investigativos pelo legislador constituinte, cuja fundamentação teórica encontra respaldo na defesa da própria sociedade.

 

2.3 Os poderes conferidos ao Parquet na defesa de suas missões constitucionais.

 

Como importantes instrumentos na execução de suas missões constitucionais, o inquérito civil público e o procedimento preparatório são ferramentas decorrentes do poder investigativo do Parquet expressamente previstas nas normas legais sobre a matéria, como estabelecem o art. 129, III, da Constituição Federal; o art. 138, III, da Constituição do Estado da Bahia; o art. 25, IV da Lei Federal n.º 8.625/93 – Lei Orgânica do Ministério Público, o art. 72, IV, da Lei Complementar Estadual n.º 11/96 – Lei Orgânica do Ministério Público do Estado da Bahia e o art. 6º, VII, da Lei Complementar Federal n.º 75/03 – Lei Orgânica do Ministério Público da União.

Referidos institutos sevem à apuração de fatos certos e determinados de interesse social na defesa dos direitos coletivos lato sensu, e atendem, cada qual, a propósitos específicos.

Nessa senda, o inquérito civil público se presta a apurar lesão a interesse coletivo cuja materialidade seja certa, inobstante o desconhecimento da autoria sobre o fato lesivo.

Sobre o mesmo, diz o art. da Resolução n.º 23/2009 do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP:

Art. 1º O inquérito civil, de natureza unilateral e facultativa, será instaurado para apurar fato que possa autorizar a tutela dos interesses ou direitos a cargo do Ministério Público nos termos da legislação aplicável, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções institucionais.

 

Já o procedimento preparatório possui natureza mais precária, eis que para sua instauração sequer a lesão deve restar caracterizada, quanto mais a sua autoria, podendo ser instaurado ou não antes do inquérito civil público.

Nesse sentido, quando se tiver a certeza, ou pelo menos, veementes indícios do dano social (materialidade certa), há de se instaurar o inquérito civil público, para apuração de sua autoria; noutro giro, quando houver dúvida até mesmo sobre a ocorrência do fato reputado lesivo aos interesses sociais (ausência de materialidade), há de se instaurar o procedimento preparatório, como expressamente previsto no art. 2º, III, §4º, daquela Resolução n.º 23/2009 do CNMP:

§ 4º O Ministério Público, de posse de informações previstas nos artigos 6º e 7º da Lei n° 7.347/85 que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, poderá complementá-las antes de instaurar o inquérito civil, visando apurar elementos para identificação dos investigados ou do objeto, instaurando procedimento preparatório.

 

De modo que conquanto se prestem ao mesmo propósito, os institutos possuem traços característicos, como apontado, cabendo a decisão pela opção de instauração de um ou outro expediente investigativo ao membro do Parquet, dentro do caso concreto que se lhe apresenta no exercício de suas funções.

No desempenho de suas missões institucionais, o membro do Ministério Público realiza verdadeira instrução nos autos daqueles expedientes extrajudiciais, visando a apurar o fato objeto do expediente investigativo, realizando atos investigativos semelhantes aos da autoridade policial, conforme estabelecido no art. 73 da Lei Complementar Estadual n.º 11/96:

Art. 73 - No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:

a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;

b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;

II - requisitar informações, exames, perícias e documentos a entidades privadas, para instruir procedimento ou processo em que oficie;

III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível, podendo acompanhá-los e produzir provas;

IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no artigo 129, inciso, VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los e produzir provas;

V - praticar atos administrativos executivos, de caráter preparatório;

VI - dar publicidade aos procedimentos administrativos não disciplinares que instaurar e às medidas adotadas;

VII - sugerir ao Poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade;

VIII - manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação do juiz, da parte ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que justifique a intervenção;

IX - requisitar da administração pública serviço temporário de policiais militares e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;

X - utilizar-se dos meios de comunicação do Estado, no interesse do serviço;

XI - ter a palavra, pela ordem, perante qualquer juízo ou Tribunal, para replicar acusação ou censura que lhe tenha sido feita ou à instituição;

XII - levar ao conhecimento do Procurador-Geral de Justiça e do Corregedor-Geral do Ministério Público fatos que possam ensejar processo disciplinar ou representação;


 

Trata-se de redação bastante semelhante àquela estabelecida na Lei Federal n.º- Lei Orgânica do Ministério Público, a qual informa os poderes conferidos aos seus membros para o desempenho das atividades ministeriais:

Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:

a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;

b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;

II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;

III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;

IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los;

V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório;

VI - dar publicidade dos procedimentos administrativos não disciplinares que instaurar e das medidas adotadas;

VII - sugerir ao Poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade;


 

Acontece que durante a instrução desses expedientes extrajudiciais, diversos atos são praticados pelos seus presidentes, visando à apuração do fato socialmente lesivo, suas repercussões e autoria, como requisição de documentos, requisição de perícias, determinação de inspeções, diligências externas, audiências ministeriais, interrogatórios, dentre outros atos instrutórios.

Ou seja, referidos atos ensejam a alocação de recursos do Estado para a consecução de seus objetivos, onerando os cofres públicos no mister de investigação e responsabilização de seus responsáveis.

Conforme seja a complexidade da demanda investigada pelo expediente extrajudicial, os custos operacionais desse processo investigativo são diretamente proporcionais àquelas, ensejando a oneração dos cofres públicos em uma inafastável atividade persecutória típica de órgão de Estado.

Com a complexidade cada vez maior da sociedade em seus múltiplos aspectos, a produção de provas na fase investigativa preliminar do expediente extrajudicial pode ser tornar algo extremamente oneroso, em razão das dificuldades econômicas inerentes a qualquer processo investigativo.

Isso porque investigar demanda recursos de diversas ordens, todos eles economicamente valoráveis, de forma que esse custo não pode passar despercebido pelos operadores do direito, sob pena de submissão a uma verdadeira pena pecuniária pelo simples desempenhar das funções ministeriais.

Para ilustrar a problemática, veja-se o recente caso de rompimento das barragens de contenção da mineradora Samarco na cidade de Mariana/MG, o qual impactou profundamente todo o Brasil como sendo o maior desastre ecológico da história desse país.

A investigação desse fato está ensejando ao Ministério Público de Minas Gerais e ao Ministério Público Federal o dispêndio de milhares de reais, em razão da grande complexidade da causa envolvida.

A elaboração de laudos técnicos visando a apuração das causas daquela tragédia, os quais perpassam pela capilaridade entre diversos segmentos do conhecimento humano e demandam elevado cacife intelectual, a necessidade de produção de provas científicas, a oitiva de pessoas, deslocamentos de pessoal e maquinário, a deprecação de atos (notificações, interrogatórios), alguns inclusive no exterior.

Isso porque a dimensão de certas investigações chegam a ultrapassar a barreira nacional, como no caso de Mariana, onde a BHP Biliton, uma das proprietárias da mineradora Samarco, se trata de uma empresa australiana e possui sede em Melbourne, Austrália.

Conquanto se estabeleça que deva prevalecer o princípio da boa-fé entre as partes em litígio (CPC, art. 5º) e que referido princípio também é aplicável na fase extrajudicial das investigações em sede de inquéritos civis públicos e procedimentos preparatórios, temos que nenhum investigado trará de boa vontade fatos ou documentos que deponham contra si.

Nesse toar, a deprecação de atos investigativos referentes a documentos em poder daquela empresa ou até mesmo a coleta de prova oral (interrogatórios, depoimentos, declarações) ensejam a deprecação para um país do outro lado do globo, o que reverbera economicamente nos custos de investigação do procedimento extrajudicial.

Em matéria ambiental e diante da necessidade da produção da prova científica para demonstração do dano, sua extensão, sua valoração e sua autoria, esse dilema adquire mais relevância.

Isso porque a especificidade desse ramo do direito demanda profundas investigações e a prova se revela sobremaneira tormentosa (quando não impossível), diante de seus caracteres, como informa o Juiz Álvaro Luiz Valery Mirra:

“Em primeiro lugar, a prova incide sobre os fatos caracterizadores do dano ambiental (efetivo ou potencial), que é um dano muito peculiar. Efetivamente, o dano ambiental é uma lesão causada à qualidade ambiental, que pode assumir frequentemente grande extensão, não se limitando apenas à degradação de determinado bem ambiental específico - já que pode atingir, também, outros bens ambientais (ecossistemas, espécimes e habitats inter-relacionados com o meio afetado) - e cujos efeitos, ainda, podem se manifestar no futuro. Tal aspecto dá bem a medida da complexidade da apuração a ser levada a efeito nas demandas ambientais, no que concerne ao dano efetivo ou potencial. Em segundo lugar, a prova na ação civil pública ambiental relaciona-se, igualmente, com o nexo de causalidade entre a atividade reputada lesiva ao meio ambiente e o dano causado, podendo se revelar muitas vezes difícil a comprovação desse nexo causal. E em terceiro lugar, a prova na ação civil pública ambiental recai, ainda, sobre as providências preventivas ou reparatórias a serem adotadas para evitar ou reparar danos ao meio ambiente, bem como, conforme o caso, sobre as providências tendentes à supressão da atividade ou omissão lesiva à qualidade ambiental. Nesses casos, o ideal é que as providências preventivas ou reparatórias sejam sempre definidas já na fase de conhecimento, não convindo deixá-las para o momento da liquidação e execução do julgado. Por essa razão, muito frequentemente a instrução probatória vai abranger, também, as medidas concretas de prevenção e reparação de danos ou de supressão da atividade ou omissão lesiva. Eis aí, portanto, uma das peculiaridades das ações civis públicas ambientais. O espectro de fatos a serem objeto da prova é muito amplo e complexo, abrangendo, como visto, o dano ambiental, o nexo causal e até as medidas de prevenção e reparação de danos e de supressão de atividade ou omissão lesiva ao meio ambiente – o que evidencia a dimensão e a relevância da atividade instrutória a ser desenvolvida nessa matéria”. (Extraído em http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20131031132802_1912.pdf no dia 17de janeiro de 2016, às 11:48h).

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E como o Estado não possui receita própria, sendo toda sua riqueza decorrente de tributos, isso significa onerar o contribuinte com os custos de uma investigação a qual decorreu unicamente de um ato ilícito praticado pelo investigado.

Nesse toar, somente responsabilizar os descumpridores de violação de direitos coletivos pelos danos emergentes e lucros cessantes pelo ato ilícito em si, sem conglobar os custos operacionais das investigações realizadas, significa transferir para o Estado, por meio do custeio social, de um ônus imputável aos seus responsáveis.

Dessa forma, os princípios ambientais ensejam a possibilidade de plena responsabilização dos descumpridores por seus atos ilícitos, fundados em questões de equidade, visando a corrigir a injusta transferência de responsabilidade sobre os custos investigativos dos expedientes extrajudiciais à sociedade, como de fato vem reiteradamente ocorrendo.

 

3 OS PRINCÍPIOS REGEDORES DOS DIREITOS DIFUSOS.

 

3.1 O princípio do poluidor-pagador.

O direito do meio ambiente é regido por princípios específicos, dentre os quais destacamos o princípio do poluidor-pagador.

O conceito de poluidor está expressamente previsto no art. 3º, IV, da Lei Federal n.º 6.938/81, o qual prevê em sua redação o seguinte conceito jurídico: “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.

Já em outro artigo da mesma lei o legislador expressamente comina a aplicação de sanções civis visando à recomposição do meio ambiente afetado por ações nefastas ocasionadas por atividades humanas, ao prever:

 

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

 

Dentre outros diversos princípios regedores do direito ambiental, destacamos o do poluidor-pagador, o qual propugna que os causadores de degradação ambiental em qualquer de suas formas devam ser pessoalmente responsabilizados na seara cível, de forma a recompor integralmente o meio ambiente deteriorado por suas ações contrárias ao direito.

Informa MACHADO (2002, p. 51) em sua obra “Direito Ambiental Brasileiro” que a utilização ilícita ou até mesmo lícita de recursos ambientais enseja a responsabilização por seu utilizador em razão da ocorrência da expropriação de um bem coletivo da sociedade em favor de uma titularidade determinada. Nesse toar:

 

O uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada. O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia.

 

Cumpre ressaltar que referido princípio, longe de justificar a possibilidade de degradação do meio ambiente por conta de indenizações civis restaurativas, aponta para caminho diametralmente oposto ao estabelecer condutas humanas preservacionistas no tocante à preservação do meio ambiente.

A norma embutida nos preceitos legislativos não estabelece a obrigatoriedade de pagamento por conta da poluição causada, ao revés, prevê a vedação de poluição como diretriz a ser perseguida, sendo a responsabilização civil (e também criminal e administrativa) a consequência jurídica (sanção) da violação daquele preceito cominatório.

Ou seja, num primeiro momento impõe-se ao poluidor o dever jurídico de cautela, de preservação, de proteção ao meio ambiente por conta do cumprimento dos princípios e preceitos legais ambientais vigentes no ordenamento jurídico.

Somente após a eventual violação desses comandos normativos protecionistas do meio ambiente é que o legislador impôs a aplicação de sanções das mais variadas naturezas aos seus descumpridores, visando a reparar o meio ambiente lesionado em sua integridade funcional. Nos dizeres de Celso Fiorillo (2000, p. 26):

 

Este princípio reclama atenção. Não traz como indicativo “pagar para poder poluir”, “poluir mediante pagamento” ou “pagar para evitar a contaminação”. Não se podem buscar através dele formas de contornar a reparação do dano, estabelecendo-se uma liceidade para o ato poluidor, como se alguém pudesse afirmar: “poluo, mas pago”. Seu conteúdo é bastante distinto.

 

Cumpre informar que referido princípio tem suas bases fincadas na própria natureza redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais, ambientais e legais das atividades humanas devem ser absorvidos por seus responsáveis como custos dos processos produtivos, vedando-se dessa forma a externalização dos custos internos do processo produtivo à sociedade.

Sobre o tema, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça no sentido da natureza educativa das punições aplicadas com base em referido princípio:

O MP estadual, recorrido, ajuizou, na origem, ação civil pública em desfavor da empresa agrícola, recorrente, sob a alegação de que essa seria responsável por dano ambiental por uso de agrotóxico ilegal, o que teria causado grande mortandade de pássaros. A recorrente, em contestação, entre outras alegações, sustentou a descaracterização do mencionado dano, arguindo que pouco mais de trezentas aves teriam morrido, sem que tenha havido efetivo comprometimento do meio ambiente. A sentença julgou procedente a ação, condenando a recorrente a pagar a importância de R$ 150 mil em indenização a ser revertida para o meio ambiente local, em recomposição do dano ambiental causado com a morte de 1.300 pássaros da fauna silvestre, o que se manteve em grau de apelação. Nesta instância especial, ao apreciar a controvérsia, consignou o Min. Relator que a existência de um dano ambiental não só encerra a necessidade de reconstituição do meio ambiente no que for possível, com a necessária punição do poluidor (princípio do poluidor-pagador), mas também traz em seu bojo a necessidade de evitar que o fato venha a repetir-se, o que justifica medidas coercitivas e punições que terão, inclusive, natureza educativa. Observou não haver como fracionar o meio ambiente e, dessa forma, deve ser responsabilizado o agente pela morte dos pássaros em decorrência de sua ação poluidora. Quanto ao valor estabelecido na condenação, entendeu que o pleito da recorrente para que se tome como base de cálculo o valor unitário de cada pássaro não pode prosperar, já que a mensuração do dano ecológico não se exaure na simples recomposição numérica dos animais mortos, devendo-se também considerar os nefastos efeitos decorrentes do desequilíbrio ecológico em face da ação praticada pela recorrente. Diante desses fundamentos, entre outros, a Turma negou provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 1.120.117-AC, DJe 19/11/2009, e REsp 1.114.893-MG. REsp 1.164.630-MG, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 18/11/2010.

Tendo-se abeberado no direito norte americano, do qual exsurge o denominado polluter pays principle, o legislador brasileiro impôs, por meio de diversos mecanismos legais e princípios ambientais basilares e consectários, a obrigatoriedade da internalização dos custos ambientais, sem que isso signifique um “direito a pagar para poluir”. Explica Édis Milaré (2001, p.16) que:

Assenta-se esse princípio na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) devem ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem leva-los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente, assumi-los. Este princípio – escreve Prieur – visa a imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente aos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza. Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos.

De forma que o que resta bastante evidente no ordenamento jurídico brasileiro é o esforço do legislador no sentido da evitação de atividades danosas ao meio ambiente, prevendo sanções de diversas naturezas aos seus descumpridores.

Contudo, não obstante essa tentativa de evitação, em havendo a ocorrência do ilícito, há de se passar em um segundo momento para a responsabilização do infrator, por conta de sua desídia ambiental.


 

3.2 O princípio da reparação integral do dano.

O princípio da reparação integral do dano é outro importantíssimo princípio regedor do direito ambiental.

Informa o mesmo que quaisquer atividades lesivas ao meio ambiente devem ser integralmente reparadas pelos seus responsáveis, visando a recompor o meio atacado por conta de condutas lícitas ou ilícitas.

Expressamente previsto no art. 225, §3º, da Constituição da República, referido princípio assegura de maneira categórica a necessidade de responsabilização nas três esferas (administrativa, civil e penal) dos descumpridores de normas de proteção ambiental, cominando sanções de diversas naturezas aos seus responsáveis.

Cumpre destacar que estamos na seara da responsabilidade objetiva, onde o elemento culpa se mostra despiciendo para caracterização do ilícito, bastando a conduta, nexo causal e resultado da ação (ou omissão) para o reconhecimento da responsabilidade ambiental, inclusive para efeitos penais.

Perceba-se que mesmo condutas lícitas, calcadas em normas jurídicas vigentes, ensejam o reconhecimento da responsabilidade civil dos descumpridores de normas ambientais, em razão da excelência desse direito e sua especial imprescindibilidade para as atividades humanas.

Por diversas vezes os tribunais pátrios têm se debruçado sobre a questão, já sendo há muitas décadas que desde a publicação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente na década de 80, com o advento de sua posterior recepção pela Constituição Federal de 1988, a teoria da responsabilização pelo risco ambiental é calcada na teoria do risco integral.

Nessa senda, o Superior Tribunal de Justiça mantém pacífico entendimento sobre o acatamento da teoria do risco integral em matéria ambiental após a constituição de 1988, como se depreende dos seguintes acórdãos daquela Corte Superior:

É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível. Recurso Especial a que se nega provimento. (REsp 1175907/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 25/09/2014).


 

A responsabilidade pelos atos que desrespeitam as normas ambientais é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa (art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81), mormente quando comprovado o nexo causal entre a conduta e o dano, como no caso presente. Precedentes: AgRg no AREsp 165.201/MT, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 22/06/2012; REsp 570.194/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 12/11/2007. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar. Precedentes: REsp 1.227.139/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/04/2012; REsp 1.115.555/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 23/02/2011. (REsp 1307938/GO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 16/09/2014).


 

Logo, demostrada está a questão basilar de que o direito ambiental é um verdadeiro microssistema jurídico o qual é regido por normas próprias e visa a proteger de maneira enfática bens e direitos indisponíveis e insubstituíveis, razão pela qual a análise de ilícitos nessa seara pela forma tradicional (calcada na reparabilidade econômica do dano) se mostra ineficiente e errônea.

4 A FUNDAMENTAÇÃO DA COBRANÇA DE EMOLUMENTOS POR ATIVIDADES INVESTIGATIVAS MINISTERIAIS.

4.1 A problemática da inexistência de legislação específica sobre a matéria e a fundamentação jurídica da cobrança de emolumentos por lesões sociais casadas por terceiros.

O nosso direito tem origem lusitana, o qual por sua vez possui profundas raízes no direito latino (romano). Diferentemente do sistema do direito anglo-saxão, nosso direito confere excepcional força à lei e à jurisprudência como fontes formais do direito, em detrimento dos costumes, fonte informal das normas jurídicas.

Nessa senda, o direito brasileiro também homenageia de forma bastante enfática a necessidade de produção de normas pelo Estado, sendo o costume e doutrina, fontes informais, relegados a um segundo plano no espectro existencialista das normas jurídicas.

Justamente por esse excepcional apego às leis escritas temos que a ausência de norma expressa sobre um assunto possa ensejar uma errônea interpretação sobre a existência ou não de determinado direito.

Conquanto a Constituição da República preveja em seu art. 5º, II, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, os multimencionados princípios do poluidor-pagador e reparação integral do dano ensejam a possibilidade de reconhecimento de obrigação surgida ex lege, em razão de interpretação sistêmica do direito ambiental.

Em resumo, uma obrigação legal não se reconhece somente em virtude de lei expressa nesse sentido, mas também por meio de inferência sistemática de princípios norteadores de um ramo do direito, em interpretação sistêmica com todo o ordenamento jurídico e em particular com o ramo específico desse arcabouço normativo, o qual se norteia por regras próprias e inerentes.

Célebre se tornou a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, ao afirmar que os princípios compõem o sistema basilar de qualquer ciência ou sistema que exista, dentre os quais o ordenamento jurídico, e que sua violação se mostra mais grave do que a da própria norma positivada, deles decorrente:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico...`` [...] ´´Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema subversão aos seus valores fundamentais...`` (Celso A. B. Mello, Elementos de direito administrativo, 1986, p. 230).

Dessa forma, a existência de princípios específicos no direito ambiental e sua necessária observância, em consonância com a Magna Charta de 1988, se mostra uma medida imperiosa para o aplicador das normas ambientais em qualquer das searas do direito, sob pena de incorrer em grave equívoco conceitual.

Em resumo, o argumento de que a ausência de previsão legal expressa de norma ensejadora da cobrança de emolumentos ministeriais seja fundamento suficiente para seu não reconhecimento não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro, eis que os princípio específicos do direito ambiental expressamente reconhecem a necessidade da reparação integral do dano e emprestam força ao mesmo.

Importa destacar que o Direito é formado por fontes de quatro ordens, a seguir elencadas: lei, costumes, doutrina e jurisprudência.

Dessas quatro, a lei e a jurisprudência são chamadas “fontes formais” do direito, eis que as mesmas provém de atividade estatal desempenhada na consecução dos objetivos sociais do ente político, enquanto as duas outras (costume e doutrina) são chamadas “fontes materiais” do direito.

As leis decorrem essencialmente do Poder Legislativo no desempenho de sua atividade principal de criação de normas jurídicas – a edição de normas jurídicas abstratas, gerais, conglobantes por excelência.

Já a jurisprudência decorre da reiteração da atividade judicante do Poder Judiciário na apreciação de casos concretos submetidos ao crivo de algum órgão seu, cujo posicionamento se cristalizou por conta da manifesta inclinação do órgão judicial em decidir aquele tipo específico de demanda da mesma forma, sendo exemplos cogentes as súmulas dos tribunais superiores e, mais recentemente, as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.

Já as fontes materiais do direito são englobadas em dois grandes grupos: o costume e a doutrina.

O costume é criação do direito pela repetição reiterada, voluntária e intencional, de um comportamento socialmente aceito, de forma que o mesmo se torna, ao longo do tempo, esperado e exigido pelos integrantes de um grupo social.

Para que reste caracterizado como fonte material do direito, o costume deve atender a dois requisitos: um objetivo e um subjetivo.

O requisito objetivo é a repetição de uma conduta socialmente aceita por um número indeterminado de indivíduos (generalidade) a qual já se encontra consagrada no meio social em razão de sua aplicabilidade por lapso razoável de tempo (temporalidade) da qual os demais integrantes do tecido humano já conhecem e esperam objetivamente que a mesma seja repetida por conta de sua aceitação geral (aceitabilidade).

Já o requisito subjetivo do costume é a vontade intencional (animus) do agente em realizar aquela conduta pela razão de que sabe que a sociedade espera aquilo do mesmo, como membro integrante de um grupo social.

O agente intencionalmente dirige sua conduta (capacidade volitiva) para o comportamento o qual sabe antecipadamente (capacidade intelectiva) ser socialmente esperado do mesmo, o que enseja a própria retroalimentação do sistema de criação de normas por esse meio de produção.

Exemplo claro desse comportamento consuetudinário podemos ver no “contrato velado” existente no arraso de peixe por pescadores artesanais. Quando uma rede está sendo arrastada na praia, qualquer pessoa, ainda que não conheça os presentes, se voluntariamente decidir ajudar na “puxada” e não houver objeção por parte dos demais integrantes, fica fazendo parte da partilha do produto da pesca.

Repare que se trata de um contrato “velado” onde sequer houve o estabelecimento de cláusulas ajustadas entre seus participantes, sendo verdadeiro direito consuetudinário a participação no lucro da pesca pelo empenho da força de trabalho daquele que decidir ajudar na empreitada do arrasto da rede.

Por fim, a outra fonte de direito material é a doutrina, a qual pode ser caracterizada como a produção intelectual dos doutos em direito sobre os diversos segmentos desse ramo do saber humano.

Se trata da produção de textos das mais variadas naturezas jurídicas sobre assuntos relacionados com o direito, os quais ajudam a compreender esse ramo do conhecimento, interpretando as fontes formais imediatas (leis e demais normas) as quais não se mostrem demasiadamente claras.

Dessa forma, atendendo à especificidade do direito ambiental, à necessidade da reparação do dano e do princípio do poluidor-pagador, há de se reconhecer a possibilidade de imputação da obrigação de ressarcimento ao erário àquele que se mostrar culpado pela investigação de um dano ambiental.

Pensar que a reparação limitar-se-ia somente ao dano em si, e não aos demais aspectos acessórios do evento danoso (eventus damni) é negar vigência expressa ao art. 225, §3º da Constituição de 1988, em contraponto à necessidade de reparação integral de um bem lesionado por uma conduta gravosa aos interesses sociais de maneira amplíssima.


 

4.2 A natureza jurídica e destinação dos recursos auferidos.

O primeiro óbice enfrentado quando se analisa a questão da cobrança de emolumentos pelo Ministério Público é o artigo 128, §5º, II, “a”, da Constituição Federal de 1988, o qual explicita:

§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

II - as seguintes vedações:

a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;


 

Uma leitura mais desatenta poderia ensejar ao açodado leitor a conclusão de que referido dispositivo constitucional poderia ser o reconhecimento expresso da vedação de recebimento e emolumentos pelo órgão, o que se traduz numa inverdade.

Antes de adentrarmos no ponto, cumpre estabelecer o alcance das expressões “honorários”, “percentagens” e “custas processuais”, inscritos naquele dispositivo legal.

Honorários são pagamentos devidos a profissionais liberais, os quais vendem sua força de trabalho de natureza essencialmente intelectual em troca de um pagamento normalmente em espécie. Nesse sentido, temos honorários advocatícios, médicos, por serviços psicológicos, por serviços de enfermagem, dentre outros.

Nessa senda, a remuneração dos membros do Ministério Público submete-se ao constitucional regime de subsídios, conforme expressa disposição do art. 128, §6º, em consonância com o art. 37, XI, ambos da Constituição Federal de 1988.

Percentagens (ou porcentagens) são frações ideais de um número outro inteiro, matematicamente conhecidas como “números fracionários”. A Constituição Federal não informa expressamente qual número inteiro essa percentagem referir-se-ia, mas por uma mera interpretação sistêmica nos permite inferir que se trata do valor da causa de uma ação hipotética.

Dessa forma, fica expressamente vedado o recebimento de uma porcentagem sobre o valor da causa, seja atuando como parte, seja atuando como custos juris, em qualquer processo.

Por fim, a última hipótese expressamente vedada pelo legislador constituinte originário foi a de recebimento de custas processuais.

Esse tipo de valor é devido quando da realização de atos por membros ou serventuários do Poder Judiciário na esteira de um processo em custo, e tem a natureza jurídica de taxa, por se enquadrar no conceito expresso determinado pelo art. 77 do Código Tributário Nacional:

 Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Importa destacar que custas não se confundem com despesas do processo, eis que aquelas (custas) são apenas uma fração destas últimas, as quais abrangem, além das retromencionadas, honorários de peritos e assistentes técnicos, honorários de sucumbência, diárias de testemunha, dentre outros valores.

Assim, de plano se percebe que os emolumentos devidos por conta da atividade investigativa do Ministério Público não se enquadram em nenhum dos tipos constitucionais elencados, por possuírem caracteres próprios os quais apontam para natureza jurídica diversa desse elenco constitucional.

Nesse toar, a natureza jurídica dos emolumentos devidos é de dívida de valor, cuja origem foi a prática de um ato ilícito decorrente de atividade ilícita violadora de

Seu fundamento se encontra no art. 186 do Código Civil, o qual informa que aquele o qual, de forma intencional (dolosa) ou censurável (culposa), fica obrigado a reparar o dano cometido em sua inteireza, diante da impossibilidade de retorno do ato praticado ao status quo ante:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Cumpre ressaltar que especificamente o direito ambiental atende a propósitos específicos, e que a recomposição do ilícito ambiental (uma das espécies de direitos difusos) atende a uma necessária ordem de preferência, ante sua intrínseca indisponibilidade jurídica.

Nessa trilha, a reparação ambiental é gênero, da qual subsistem três hipóteses distintas: a restauração ambiental, a compensação ambiental e o ressarcimento ambiental.

Assim a ordem preferencial de resolução de ilícitos obedece necessariamente a uma ordem de preferência, e se inicia pela restauração ambiental.

Neste giro, a restauração do meio ambiente é retorno no meio exatamente ao status quo ante antes da lesão ilícita, com a composição do meio a níveis ambientais exatamente iguais ou melhores do que aqueles encontrados antes da lesão praticada.

Em segundo lugar, e diante da eventual impossibilidade de restauração confirmada no caso concreto, temos a compensação ambiental (restauração do meio ambiente em outra área ambientalmente equivalente à lesionada, cujo caso prático impossibilite e restauração in situ).

Desde já se mostra que o legislador brasileiro estabeleceu uma verdadeira ordem prioritária na forma de resolução de ilícitos ambientais, de forma que a compensação somente será admitida diante da absoluta impossibilidade de restauração do meio ambiente.

Por fim, como última forma de reparação ambiental temos o ressarcimento ambiental, o qual se mostra como o pagamento em espécie ou in natura de valor economicamente aquilatável por conta de um dano ambiental causado.

De pronto cumpre informar que esse tipo de reparação ambiental deve ser evitado a todo custo e somente aplicável diante da impossibilidade absoluta de utilização das espécies anteriores (restauração e compensação), por significar o recebimento de valor econômico em troca da perda de recursos ambientais, o que vai de encontro a toda sistemática ambiental.

Cumprida essa pontuação específica do direito ambiental, os direitos coletivos lato sensu ensejam o reconhecimento da necessidade de ressarcimento in totum, seja do dano principal, sejam dos aspectos acessórios da atividade lesiva àqueles.

Tomemos o exemplo de um lançamento de efluentes poluidores por indústria local em curso de água, sem o devido licenciamento ambiental, o qual seja captado a jusante para abastecimento de uma população urbana.

Referido tipo de poluição (e consequente lesão social) enseja um complexo estudo hídrico para determinação de sua materialidade, com a necessidade de coleta de material, estudos laboratoriais da mais diversas espécies (pesquisa de coliformes fecais, pesquisa de coliformes totais, pesquisa de impacto na cor, turbidez, e potencial hidrogeniônico – pH, pesquisa de metais pesados, dentre outros elementos pesquisados na água).

Imaginemos também que referido Município onde tenha ocorrido o eventus damni seja desprovido de vigilância sanitária suficientemente dotada para realização dessa bateria de estudos necessários para apuração da possível contaminação do corpo hídrico, o que demandaria o deslocamento de uma equipe multidisciplinar (biólogos, sanitaristas, engenheiros ambientais, geólogos, motoristas etc) de profissionais da capital do Estado, com custos de diária visando a subsidiar transporte, estada alimentação e estada daqueles profissionais.

Também nesse cenário hipotético, imaginemos que a empresa suspeita de estar promovendo a poluição argua, em sua primeira linha de defesa, a ilegitimidade ad causam da investigação ministerial em sede do inquérito civil público, em razão da existência de diversas contribuições poluidoras àquele corpo hídrico em razão da existência de população ribeirinha de baixa renda, a qual se encontra desprovida de saneamento ambiental.

Nessa senda, um exame minucioso do valor de cada contribuição residencial seria necessário para apuração da relevância ambiental do dano total produzido, visando a identificar a responsabilidade de cada um no evento final. Também um estudo sobre a sinergia dessas concausas seria necessário, para a

Toda essa prova científica demanda um custo bastante elevado por razões óbvias, de forma que somente responsabilizar o poluidor pelo resultado final ambiental se mostra uma solução iníqua para o enfrentamento do problema, eis que os aspectos acessórios de seu ato ilícito perpassam em muito o dano ambiental causado.

Em resumo, se trata de introjetar os custos ilícitos de uma atividade dolosa ou socialmente censurável por imprudência ou negligência (culposa lato sensu) à sociedade por meio de seus órgãos de fiscalização, o que se mostra absurdo e injusto, pois pune a sociedade em seus recursos orçamentários por conta de atos ilícitos de terceiros!

Logo, a responsabilidade patrimonial por essas investigações deve ser assumida por seu autor, seja em sede de uma composição de um termo de ajustamento de conduta no seio de um inquérito civil público, seja por uma composição judicial em sede de uma ação civil pública, seja em sede de uma sentença condenatória decorrente de uma ação civil pública onde aqueles valores dispendidos quando da investigação e produção da prova sejam contabilizados nos pedidos finais.

A única solução inadmissível é passar esses custos ambientais à sociedade, como vêm sido feito até então.

Mister destacar que as circunstâncias fáticas, por muitas das vezes, impõem necessariamente a realização da perícia necessariamente durante a fase investigativa da lesão coletiva praticada, senão vejamos.

A primeira hipótese é a da aproveitabilidade. Em muitos casos, e atendendo às especificidades do direito ambiental, a prova pericial deve ser realizada necessariamente logo após a ocorrência do fato objeto da investigação, sob pena de impossibilidade de realização futura da prova.

Exemplo claro pode ser demonstrado com o lançamento de gases acima dos níveis legalmente permitidos, onde esse tipo específico de poluição atmosférica reclama imediata perícia, sob pena de fenecimento da realização desse tipo de prova, ante a grande dispersabilidade dos gases no meio atmosférico.

A segunda hipótese é a o interesse processual. Isso porque conquanto para a instauração de um expediente investigativo ministerial bastem apenas indícios de materialidade ou autoria, uma vez realizada a perícia, o membro ministerial pode restar convencido sobre a inexistência de lesão coletiva ou a própria autoria, ensejando a ausência da justa causa para agir em uma ação civil pública.

Dessa forma, a realização da prova pericial nos autos do ICP se traduz em medida de economia processual, eis que poderá conduzir a conclusão do presidente do inquérito ao reconhecimento expresso de justa causa para agir - ausência de materialidade, negativa ou dúvida quanto à autoria, prescrição do direito ou qualquer outra causa a qual justifique a falta de interesse de agir.

Também a realização de perícia nessa fase investigativa do expediente extrajudicial poderá ser medida de grande valia, ao apontar a absoluta desnecessidade de ingresso de uma ação civil pública por conta da menor monta do dano apurado ou até mesmo sua absoluta irrelevância, à semelhança da teoria do “crime mínimo” do direito penal.

Seria uma aplicação, mutatis mutandis, do milenar brocardo latino minima non curar praetor, conquanto vigore o princípio da indisponibilidade em muitos direitos coletivos lato sensu.

Nessa senda, ante de menor ou quase inexistente lesividade do fato praticado, o membro do Parquet poderá resolver a querella com a realização de um termo de ajustamento de conduta – TAC, visando a recompor o objeto material indevidamente lesionado, ainda que de forma mínima, pelo autor do fato.

Outra questão de cunho prático a qual adquire especial relevância frente ao tema é a possível inviabilização da prova pericial em sede do expediente investigativo por conta dos elevados custos para realização da mesma.

Conforme seja a complexidade da prova científica, a mesma poderá demandar um elevado custo econômico o qual seja impossível de ser pago pelo Estado investigador.

Isso sem falar no mecanismo burocrático e extremamente limitado do Estado no que tange à contratação de serviços especializados para apoio de suas atividades investigativas.

Caso não disponha de corpo técnico especializado o suficiente para análise da natureza e extensão do dano ocorrido em seus órgãos científicos (Departamento de Polícia Técnica ou Centros Especializados de Apoio Técnico – CEAT’s do próprio Ministério Público), o Parquet haverá de se valer de conhecimento científico de terceiros para completar sua investigação sobre o fato.

Logo, como se trata de contratação direta na sociedade, salvo a hipótese expressamente prevista na lei de licitações sobre a contratação de serviço técnico de natureza singular prestado por profissionais ou empresas de notória especialização (o que ensejaria o reconhecimento da inexibilidade de licitação – art. 25, II, c/c o art. 13, II, ambos da Lei n.º 8.666/93), o destino certo do Ministério Público seria a realização de licitação para contratação daquele serviço.

E como é sabido por todos, uma licitação não é algo que se realize de forma tão célere a ponto de permitir seu completo processamento no tempo útil necessário a uma investigação de uma lesão coletiva, onde o fator tempo é primacial para a apuração de certos tipos de lesão, em especial as poluições atmosféricas ou de corpos hídricos.

Nesse toar, a proteção dos direitos coletivos restaria seriamente ameaçada por conta desse óbice econômico, o que demanda uma atuação imediata do Estado no sentido da oneração do investigado em assumir esse tipo de prova científica.

Aguardar a determinação judicial de realização de perícia em sede de uma eventual ACP para realização daquela espécie de prova seria utilizar o tempo em desfavor da sociedade, o que vai de encontro aos princípios e filosofia da lei da ação civil pública e da própria filosofia dos direitos coletivos.

A destinação dos recursos auferidos também encontra pacífico caminho no direito brasileiro.

A Lei Federal n.º 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública - estabelece que as condenações judiciais decorrentes de ações civis públicas devem ser direcionadas ao fundo nacional de reparação de direitos difusos, o qual hoje encontra-se devidamente regulamentado pelo Decreto n.º 1.306/94:

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Logo, mutatis mutandis, os valores desembolsados pela sociedade por conta dos aspectos acessórios do ato ilícito realizado devem ser canalizados àquele fundo nacional, são sendo devido de forma alguma ao profissional membro do Ministério Público.

Dessa forma de plano se afasta o discurso de que a instituição de emolumentos decorrentes de procedimentos investigativos ministeriais seriam indevidos por conta das disposições constitucionais pertinentes à vedação de percepção de honorários por membros do Parquet.

Isso porque, como exaustivamente demonstrado, a dívida de valor reverterá ao Fundo Nacional de Reparação de Direitos Difusos, e não ao membro do órgão ministerial.


 

5 CONCLUSÃO.

A atual sociedade de massa demanda uma constante atualização dos valores dos membros participantes em órgãos de defesa social envolvidos com a defesa da coletividade, a exemplo do Ministério Público.

Com a maior carga de atribuições conferidas ao Parquet pela Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte originário dotou a instituição de importante instrumento de defesa de direitos coletivos: os expedientes investigativos extrajudiciais, dentre os quais se destaca o inquérito civil público.

Contudo, inspirado pelos ventos do processo civil constitucional, referido instrumento deixou cada vez mais de lado sua natureza inquisitória e se tornou verdadeiro processo administrativo prévio a uma demanda judicial, permeado de quase todos os demais princípios constitucionais existentes no processo civil regular.

Nessa senda, a produção da prova técnica, para melhor exemplificar, enseja um dispêndio de energia e recursos de cofres públicos na busca da verdade real, tendo em vista que ao órgão ministerial cumpre apurar os fatos como realmente ocorreram.

Acontece que a produção desse tipo de prova enseja a oneração do orçamento público com peritos, técnicos, laudos, documentos, analistas, enfim, um exército de especialistas e dispêndio de material e dinheiro público na busca de um processo judicial efetivamente justo e ético.

Deixar de recompor esses recursos estatais exauridos por conta de uma conduta comprovadamente ilícita (conforme o caso concreto) é compactuar com o fato de um ilícito ser amargado pelos contribuintes por meio do pagamento de impostos.

Isso porque como notório, a atuação ministerial, ainda que da área-meio, é suportada por recursos do tesouro público, e se os valores gastos na apuração de um ilícito comprovado a terceiro não forem ressarcidos, em última análise serão amargados pela sociedade.

Esse estado de coisas mostra-se inadmissível nos dias de hoje, e fere mortalmente o milenar brocardo latino nemo turpitudinem propriam allegans.

Logo, a cobrança de emolumentos ministeriais por conta de ilícitos apurados, além de uma questão legal, mostra-se um imperativo de ordem moral para a instituição e sua nobre missão constitucional de defesa dos direitos coletivos lato sensu.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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Sobre o autor
Paulo Eduardo Sampaio Figueiredo

Promotor de Justiça do Estado da Bahia. Especializado em Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá, 2003. Especializado em Meio Ambiente e Urbanismo pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, 2016. Licenciado em filosofia pela Universidade Estadual de Santa Cruz, 2016. Mestrando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC.

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